Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Sergio Conti

‘Qualquer que seja o destino da crise política, pelo menos um dos seus resultados já está claro: o fim do Partido dos Trabalhadores. Ele pode até sobreviver, inclusive com o mesmo nome. Mas de maneira alguma será o que foi até há alguns meses, o maior partido de trabalhadores de um país democrático.

O fim do PT tem significado internacional. É um fim que se inscreve numa longa história de lutas operárias, iniciada com a publicação do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, em 1848. Nessa tradição estão os partidos socialdemocratas e comunistas.

A periodização da experiência dos partidos de trabalhadores é tema de debate da esquerda há décadas. Mas a maioria dos seus historiadores situa no início das duas guerras mundiais do século 20 os momentos de virada e explosão.

Os partidos socialdemocratas, unificados na Internacional Socialista, desde a sua fundação tiveram uma política antinacionalista. Com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, deram uma guinada súbita: em cada país, votaram nos parlamentos nacionais a aprovação de créditos de guerra. Em vez de defenderem os trabalhadores internacionalmente, aderiram à política das uniões nacionais.

Voltaram à tona depois da guerra, mas nunca mais foram os mesmos. Abandonaram a perspectiva socialista e adotaram uma política de manutenção das estruturas e do sistema.

Da debacle da Internacional Socialista surgiu outra força, a comunista. Assim que os socialdemocratas apoiaram as potências européias no início da 1ª Grande Guerra, Lenin defendeu a criação de novos partidos. Com a vitória dos bolcheviques na Rússia, em 1917, os PCs vicejaram em todo o mundo.

Há duas datas que marcam o fim da experiência bolchevique e sua degeneração, o stalinismo. A primeira é 1933, quando o Partido Comunista da Alemanha elege a socialdemocracia como seu inimigo principal, deixando o nazismo em segundo plano. Com o triunfo do nazismo, o PC alemão é esfacelado – e nunca mais se recupera.

A segunda data é 1989, quando o povo alemão volta a se unificar, derrubando o Muro de Berlim, insurgindo-se contra o que defendiam tanto o governo da Alemanha Ocidental quanto o da República Democrática Alemã. A queda do Muro abre caminho para o fim do stalinismo na Europa.

Ou seja, o fim de partidos de origem operária não é absoluto. A socialdemocracia ressurgiu depois da 1ª Guerra Mundial. Chegou ao poder em vários países nas décadas seguintes. Está hoje no poder, para citar os casos mais visíveis, na Alemanha e na Inglaterra. Mas eles não têm nada a ver com os partidos que lhes deram origem.

O Brasil, um país atrasado, chegou atrasado nessa história. O PCB foi esquerdista e golpista nos anos 30, apoiou Getúlio e teve imenso prestígio no pós-guerra, em decorrência da sua identificação com a União Soviética. Prestígio que sua direção logo malbaratou, recusando-se a desenvolver uma política independente. O processo de destruição do PCB só vai se completar com o golpe de 1964, quando ele vira uma correia de transmissão do populismo.

É o fim do PCB que permite o surgimento do PT, no fim dos anos 70. Nos seus primeiros anos, ele se apresentava como um ‘partido sem patrões’ e defendia a tomada do poder exclusivamente pelos trabalhadores, para implantar o socialismo.

Em 25 anos, essa plataforma foi paulatinamente revista, até se tornar o seu contrário. Em 2002, o seu candidato foi eleito para a Presidência da República numa aliança com partidos de direita e com um programa que, a despeito da retórica reformista, era de defesa do status quo. Um programa que foi aplicado com rigor de recém-convertidos.

Se a criação de um partido de trabalhadores chegou ao Brasil com atraso, o seu desmanche se deu com uma rapidez vanguardista. A socialdemocracia e o bolchevismo levaram décadas para se transformar em partidos reformistas e stalinistas. Foram necessários enfrentamentos formidáveis, disputas intrapartidárias, embates teóricos e ideológicos, expurgos, fuzilamentos, guerras e revoluções, para que o processo chegasse a termo. No Brasil, bastaram pouco mais de dois anos de governo, sem a eclosão de crises nacional e internacional, para que o PT se derretesse.

É possível argumentar que, na raiz, os motivos do desmonte do Partido dos Trabalhadores seja o mesmo que levou à falência da socialdemocracia e do comunismo: a adaptação à ordem capitalista, a cooptação pelo sistema político tradicional, a recusa a desenvolver uma política própria, a procura de atalhos oportunistas para chegar ao poder. Numa palavra, à corrupção, entendida no seu sentido amplo.

Ocorre que, no Brasil, o que detonou o PT foi a corrupção no seu sentido mais cru, mais tosco, numa escala crescente de vulgaridades: dinheiro para fazer campanha eleitoral, dinheiro para comprar parlamentares de outros partidos, dinheiro depositado no exterior para um marqueteiro preso em flagrante numa rinha de galos, dinheiro para dar uma casa para a ex-mulher, dinheiro para o filho do presidente montar uma empresa, o carro blindado do tesoureiro do partido, o jipão dado de presente por um empresário ao secretário-geral, festas com prostitutas, dinheiro em malas, dinheiro em cueca para o assessor do irmão do presidente do partido – e sabe-se lá o que mais haverá pela frente.

O abatimento da militância petista se deve muito a esse contexto atroz. Não houve uma polarização com os adversários. Não houve contraposição de idéias, disputas políticas. Houve um processo furreca na forma e cujo conteúdo é o mesmo de máfias e gângsteres.

A despeito de todas as mazelas que vieram à tona, o processo continua. Os seus arautos são os mesmos de sempre, a dupla responsável pela sua deflagração: Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu. Cada discurso do presidente é uma penosa mistura de mistificação, demagogia e estultices. No da quinta-feira, ele afirmou que ‘a corrupção é uma doença impregnada no comportamento de alguns seres humanos’. Um problema social, com forma histórica determinada, virou uma moléstia, um dado da natureza.

José Dirceu, por sua vez, no mais acabado figurino stalinista, age nas sombras. Joga uns contra os outros, manipula e ameaça. E a direção do PT, acuada porque sabe que lhe deu carta branca, se acovarda.

O fim do PT abre espaço para que o Brasil entre em sintonia com o espectro que ronda o mundo contemporâneo: o do fim da política. A política tradicional continuará existindo. Mas com seus partidos sem programa, com seus parlamentos sem representatividade, com a abstenção eleitoral crescente – em crise permanente, sem dar conta da complexidade e dos problemas da vida social.

O que cresce é uma nebulosa antiglobalização, os altermundialistas, organizações e grupos que não almejam o poder, aqueles que pregam as lutas setoriais. Eles são fruto da descrença na política, na democracia e no Estado. Mas há o outro lado da moeda: os fundamentalismos religiosos, o terrorismo, o banditismo e a supremacia da força bruta também são sintomas da falência da política.’



Dorrit Harazim

‘As duas faces do autismo’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/08/05

‘Bush e Lula preferem se divorciar dos fatos, sem noção dos efeitos de suas (in) decisões

E finalmente o presidente se dispôs a falar, a tocar na ferida nacional, que é sua. Falou protegido pelo microfone do seu programa de rádio, falou para platéias politicamente higienizadas, falou em recantos eleitoralmente blindados. As pesquisas de opinião atestando sua queda livre finalmente o acordaram para o país que governa. Estamos falando dos Estados Unidos de George W. Bush, e não do Brasil de Lula. Ou melhor, de ambos, uma vez que o metalúrgico de Garanhuns e o texano com passagens por Yale e Harvard revelam ter mais em comum do que desejariam…

Afundados em atoleiros préfabricados – lá, uma guerra sem fim no Iraque, aqui uma sangria diária movida a denúncias de corrupção -, ambos parecem igualmente divorciados dos fatos, sem percepção das reais conseqüências de seus atos e (in)decisões.

Nos dois casos, esse flutuar acima da realidade se explica em parte pela leitura que fazem de sua ascensão ao poder. Tanto George W. Bush como Luiz Inácio Lula da Silva se consideram eleitos por algo maior do que a mera soma de votos que lhes assegurou a vitória. Bush, um evangélico sinceramente convertido pela fé tardia, sentese escolhido por Deus. Lula parece abrigar no peito a certeza de ter recebido uma missão da História . Nos dois casos as conseqüências têm se revelado alarmantes.

Para o americano Stephen Pizzo, o premiado autor de Inside Job: The Looting of America´s Savings and Loans, radiografia de um dos maiores casos de corrupção corporativa nos Estados Unidos, foi a complexidade da vida que levou George W.

Bush a beber, antes de se tornar governador do Texas. Inversamente, teria encontrado paz, confiança e salvação na simplicidade e simplificação dos problemas. Pizzo sustenta que Bush afasta seus demônios internos mantendo o fluxo de informação controlado e simples. Quando pressionado pelos fatos, a solução é afastá-los ou atacá-los.

Agosto é mês de férias de verão nos Estados Unidos, e Bush, sempre pronto a dar uma descansadinha, preparava-se para mais um retiro em seu rancho texano de Crawford. Só que a guerra no Iraque, que há dois anos e meio vai empilhando mortos e feridos do outro lado do mundo, foi bater à sua porta, através da incômoda vigília de uma mãe que perdeu o filho no Iraque. De início, a figura solitária que segurava um cartaz contra a guerra foi devidamente ignorada pela caravana presidencial em férias.

Mas, com o apoio nacional à guerra no Iraque em ponto de fervura, Cindy Sherman, a mãe solitária de cartaz na mão, é apenas o retrato vivo da mudança.

Com os repórteres da Casa Branca sem nada para fazer na sonolenta Crawford, onde dão plantão enquanto o presidente pesca ou cai de bicicleta, Cindy teve amplo espaço para dar seu recado. Ele fez eco. E as pesquisas de opinião das duas últimas semanas ampliaram o som. Assim como Lula acreditou ser possível flutuar acima das denúncias que vem engolindo seu governo e partido – até ser acordado por uma queda de popularidade de 10% em apenas três meses, Bush viu-se reduzido à aprovação de meros 40% dos americanos. Isso, segundo o instituto Harris. De acordo com o American Research Group, o índice de aprovação do presidente americano já está na casa dos 36%, o que o coloca no mesmo patamar amargado por George Bush pai antes de perder a reeleição para Bill Clinton, em 1992.

Para Lula e Bush, o mais alarmante é que o tiroteio maior, com erosão de credibilidade e confiança, esteja ocorrendo dentro de casa, sem atuação decisiva ou linear da oposição. ‘Está na hora de saber como vamos sair do Iraque’, anuncia o senador republicano Chuck Hagel, condecorado veterano da Guerra do Vietnã, abrindo fissura decisiva no partido do presidente e precavendo-se para a eleição legislativa de 2006.

A oposição democrata, varrida pela triunfal reeleição de Bush em novembro do ano passado, ainda não encontrou saída para o apoio inicial que deu à guerra e somente agora começa a soltar o verbo. Em artigo publicado esta semana no New York Times, o ex-senador Gary Hart sustenta que o curso da guerra está a anos-luz do que foi prometido originalmente. ‘Hoje estamos mais fracos , tanto no mundo como dentro de nossas próprias fronteiras’, escreveu, denunciando a ‘covardia de permanecer em silêncio ou de abrigar a esperança de que a falência do atual governo se transforme em bonança para a oposição’.

Ilhados na fantasia de terem sido escolhidos para cumprir uma missão única , os dois presidentes buscam fôlego onde ele ainda é garantido. A recente aparição-comício de Lula em Quixadá, no Ceará, para um público de beneficiados do BolsaFamília, corresponde à visita do presidente americano a veteranos de guerra e unidades da Guarda Nacional de Idaho – Estado que lhe deu 63% dos votos na eleição de 2004. Por coincidência, os dois chefes de Estado costumam provocar estragos quando fazem improvisos em seus discursos públicos – seja pelo uso de chavões infames, seja por não dizerem coisa com coisa. No tom, contudo, diferem tanto quanto em suas origens.

Enquanto Lula se inflama em desabafos que sugerem ter o Brasil uma dívida com ele, Bush oscila entre tiradas edificantes e provocações de caubói, do tipo ‘para aqueles que pensam que podem nos atacar no Iraque, eu digo: ´Que venham!´’ Eles vieram. O número de soldados americanos mortos na guerra se aproxima da marca dos 2.000, e unidades inteiras estão sendo reconvocadas para um segundo ou terceiro período na frente de combate, por falta de novos recrutas. Nesse sentido, o caso de Mary Ann MacCombie é exemplar. Com vinte e poucos anos no auge da Guerra do Vietnã, ela não achou necessário participar das marchas de protesto. Em 2003, já casada e com filho, apoiou genericamente a decisão de Bush de decretar guerra global ao terror.

Seu filho, sargento Ryan, tinha 25 anos quando partiu para o Iraque. Perto da conclusão dos 12 meses regulamentares na linha de frente, começou a planejar um encontro com a mãe na Europa, para onde seria transferido. Estava tudo combinado, roupas empacotadas e pertences despachados, quando, em abril de 2004, foi informado que precisava estender sua permanência por mais quatro meses. O último e-mail enviado à irmã instava-a a não votar em Bush na eleição de novembro. Ainda telefonou para a mãe duas vezes no mesmo dia.

Na manhã seguinte estava morto, por atentado suicida que explodiu sete outros soldados da mesma unidade. ‘É tarde demais para o meu filho, mas não para seus amigos e os milhares de soldados que lá estão. Chegou a hora de trazer as tropas de volta’, diz Mary Ann . ‘Enquanto eu for presidente nós vamos ficar, vamos lutar e vamos vencer a guerra contra o terror’, rebate Bush, tendo como pano de fundo um Iraque em armas. Fatiado entre três facções que sonham em abocanhar o poder sozinhas tão logo os Estados Unidos desocupem o país.

Como observou Lula em sua singular entrevista parisiense, o problema de mentir é que uma mentira leva a outra, exige outra mais e a coisa não acaba nunca. Bush invadiu o Iraque para caçar o braço terrorista da Al-Qaeda, que lá estaria aninhado. O braço terrorista não existia à época. Bush derrubou Saddam Hussein para acabar com as armas de destruição em massa que estariam estocadas e voltadas contra a América.

Não havia armas de destruição em massa. Os Estados Unidos ocuparam o Iraque para convertê-lo à democracia. Por ser uma meta difícil de sustentar, Bush agora aponta para um novo motivo de permanência das tropas: honrar a morte dos que já tombaram.

Como já alertava Claud Cockburn, o nome mais ácido do jornalismo americano dos últimos cem anos, ‘nunca acredite em nada antes de ser oficialmente desmentido’. Pela avaliação de Laura Penny, autora de A Verdade sobre a Falsidade, nunca na história fizeram-se tantos pronunciamentos deliberadamente não-verdadeiros. ‘Mas o que distingue George W. Bush e seu círculo é que eles acreditam nas próprias versões’, acrescenta a autora. Lula também.’



Leonencio Nossa

‘Lula diz que sofre com crise e chama imprensa de ‘ave de mau agouro’’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/08/05

‘Um dia depois de dizer que não vai se matar nem renunciar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se queixou ontem da imprensa, dos adversários, e dos acadêmicos. ‘Quero que vocês saibam que, com toda essa crise que estamos vivendo, ando chateado, sofrendo muito quando vejo denúncias e mais denúncias, insinuações e mais insinuações e nenhuma prova até agora que possa condenar uma pessoa’, afirmou, em discurso de improviso, na inauguração de um galpão de venda de produtos agrícolas, a 167 quilômetros de Fortaleza.

‘Estou com minha consciência tranqüila porque conheço a qualidade ética e o carinho do nosso povo’, disse Lula, frisando que desempenhava o papel de ‘rádio peão’, divulgando iniciativas da administração federal, já que a maioria do povo não lê jornal. O presidente criticou a cobertura jornalística dos escândalos e carimbou a imprensa com a expressão ‘ave de mau agouro’.

‘Acho importante lembrar números, porque os números vão ficar na cabeça de vocês, que serão mensageiros de boas notícias para aqueles que não vieram aqui ou serão mensageiros para aquelas aves de mau agouro que não querem enxergar um dedo na frente do nariz’, expressou o presidente. ‘A imprensa não escreve mais, de tanto que já falei, mas vou continuar falando, porque vocês não lêem a maioria dos jornais.’

O presidente reclamou também dos acadêmicos por julgar que não estão valorizando devidamente programas como Pronaf e Bolsa-Família: ‘Essas coisas, gente, não são percebidas, ainda, muitas vezes nas universidades brasileiras. São poucos os que enxergam isso.’ Disse ainda que os governos anteriores só trabalhavam para 35% ou 40% da população: ‘Em época de eleição, o povo pobre vale mais que o rico. Mas, depois, o pobre fica chupando dedo.’

VERSO E PROSA

Diante de uma platéia de 3 mil pessoas, o presidente Lula citou um poema do guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara. ‘No tempo em que comecei a fazer o PT, dizia uma coisa que pensei ter esquecido: ‘Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas não podem deter a chegada da primavera’.’ E completou: ‘O presidente da República não tem que temer absolutamente nada, porque o povo saberá resolver os problemas do seu país.’

Na visita à terra da escritora Raquel de Queiroz (1910-2003), autora do romance O Quinze, Lula disse conhecer a realidade sertaneja e confessou sofrer muito com os escândalos de corrupção. ‘Quero que vocês saibam que, com toda essa crise que estamos vivendo, ando chateado, sofrendo muito quando vejo denúncias e mais denúncias, insinuações e mais insinuações e nenhuma prova até agora que possa condenar uma pessoa’, disse.

‘Estou com minha consciência tranqüila, porque conheço a qualidade ética e o carinho do nosso povo.’ Antes de subir ao palco e discursar, Lula visitou estandes de pequenos produtores financiados pelo Banco do Brasil e um curral improvisado de bodes e cabras atrás do palco. O presidente se agachou para tirar leite de uma cabra apenas com a mão direita. Ainda no local tomou açaí e não quis responder a perguntas sobre as denúncias contra o governo.’



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‘‘Vamos ter paciência, a verdade vai aparecer’’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/08/05

‘O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, foi repreendido em público pelo presidente Lula ao defender punição em dobro aos ‘amigos e parceiros’ que mentiram, fizeram ‘coisa feia e suja’ e não respeitaram a confiança do presidente.

Em duro discurso, Ciro afirmou que, em meio à crise, uma minoria de opositores quer dividir o País, dar golpe e cometer crime. ‘É muito importante que o povo, especialmente o cearense, se coloque de ouvido aberto e coração atento’, ressaltou. Ele não fez referências ao seu ex-secretário executivo Márcio Lacerda, que recebeu R$ 50 mil de Marcos Valério.

Após ouvir Ciro, o presidente pediu paciência, pois todos são inocentes até prova em contrário. ‘Quem vai julgar os culpados não é nenhum ministro nem o presidente da República. Vamos ter paciência. Aquilo que for mentira vai aparecer, o que for verdade vai aparecer.’

‘Nada de ficar incomodados mais do que já estamos, apenas torcer para que (os culpados) sejam punidos exemplarmente.’ Lula reafirmou que não tem a responsabilidade de julgar ou condenar os envolvidos em corrupção. ‘Como disse o Ciro, quem errou deve pagar. Mas não somos imperadores nem uma monarquia, somos uma república, o presidente apenas faz a parte que lhe cabe.’

‘Este país tem Congresso, Ministério Público, Poder Judiciário, vai conseguir se acertar e essa crise, um dia, vai terminar.’ O presidente disse que é preciso ‘torcer’ para que quem cometeu delito pague pelo crime. ‘Seja do meu partido, seja dos outros partidos, seja do sindicato, ateu, católico ou evangélico, não importa, que tenha cometido delito, praticado malversação, essa pessoa tem que ser punida. No Brasil, as pessoas fazem coisas erradas porque sabem que não serão punidas e agora temos que provar que serão punidas.’’



Kamila Fernandes

‘Lula insinua que mídia e políticos são ‘aves de mau agouro’’, copyright Folha de S. Paulo, 27/08/05

‘Num discurso de mais de meia hora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem as ‘aves de mau agouro’ -as pessoas que ‘não querem enxergar, um dedo na frente do nariz, as coisas que acontecem neste país’.

Ele não chegou a dizer quais eram as ‘aves de mau agouro’, mas criticou a imprensa, dizendo que precisava ‘lembrar alguns números’ de sua administração porque ‘muitas vezes a imprensa não escreve mais, de tanto que eu já falei’. Disse ainda que que a maior parte da classe política não percebe os avanços de sua gestão.

A declaração de Lula aconteceu em Quixadá, município no sertão do Ceará administrado pelo PT, a 170 km de Fortaleza, durante o lançamento de um programa de crédito do Banco do Brasil e a inauguração de um galpão para a venda de produtos agrícolas. Cerca de 5.000 pessoas acompanharam o evento dentro do galpão.

O presidente falou de improviso, apesar de ter um texto pronto nas mãos. Antes de discursar, segurava um terço na mão -recebido de uma mulher presente no evento. Anteontem, em Brasília, ele usou um broche com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Na primeira parte de seu discurso em Quixadá, ele exaltou os avanços sociais de seu governo e a importância de dar prioridade ao Nordeste. Numa segunda, na qual falou sobre a atual crise política.

‘No tempo em que comecei a fazer o PT e andava por este país afora, eu dizia uma coisa que eu pensei que tivesse esquecido. Naquele tempo eu dizia assim: ‘Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas não conseguirão deter a chegada da primavera’, disse o presidente, sem mencionar o autor da frase.

A declaração é uma variante de uma frase atribuída ao poeta chileno Pablo Neruda -pseudônimo de Neftalí Ricardo Reyes Basoalto (1904-1973), que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971: ‘Podrán cortar todas las flores, pero no podrán detener la primavera’. Na campanha presidencial de 1989, Lula utilizou uma outra versão dessa mesma citação: ‘Podem matar uma, duas, três rosas, mas não conseguirão deter a chegada da primavera’. E voltou a repetir essa frase na sua campanha à Presidência de 1994.

Política

Lula prosseguiu: ‘Vocês não podem, em nenhum momento, achar que não vale a pena participar da vida política, porque quando nada mais neste país valer a pena, o nosso povo vale a pena e tem que acreditar que encontrará a solução para os problemas do país’, disse. ‘Saio daqui com a convicção de que, num país que tem um povo como este, o presidente da República não tem que temer absolutamente nada’, acrescentou.

Para o presidente, os avanços sociais não são percebidos nem nas universidades nem pela maior parte da classe política.

‘Nós temos consciência dos problemas do Brasil, porque historicamente o país foi governado para 35% ou 40% da sua população. Pobre neste país só é olhado na véspera da eleição. Em época de eleição, o pobre vale mais que o rico, porque todo candidato vai para a televisão, critica os ricos e fala bem dos pobres. Mas quando ganha, governa para o rico e o pobre fica chupando o dedo’, disse.

Acusações

O presidente reclamou das acusações sobre a existência de corrupção no governo federal: ‘Eu ando chateado, sofrendo muito quando eu vejo denúncias e mais denúncias, insinuações e mais insinuações, e nenhuma prova até agora que possa condenar qualquer pessoa’, declarou.

Lula também voltou a pedir punições severas a quem quer que seja que tenha cometido delitos. Ele falou ainda sobre a necessidade de uma reforma política: ‘Mas vamos ter paciência, deixar as coisas acontecerem, porque mentira e verdade vão aparecer’.

‘Este país vai conseguir se acertar e essa crise um dia vai terminar. Só queria pedir a vocês que não perdessem a esperança nunca, nunca, nunca’, completou.’