‘A vida num país em conflito nunca mais será a mesma tanto para seus sobreviventes quanto para nós que o cobrimos. A essa conclusão chegamos eu e Gary Knight, renomado fotojornalista britânico da agência VII, durante uma das gélidas noites do inverno iraquiano que passamos em dezembro passado.
Dividíamos, com mais quatro colegas, um enorme cômodo com um pé-direito de quase dez metros, ao som de três imponentes lustres de cristal que balançavam sobre nossas cabeças, enquanto um grupo de soldados nos incomodava ao jogar basquete no saguão do palácio Saladine, um dos 38 do complexo às margens do rio Tigre que foi ocupado por 4.000 soldados da 4ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA, em Tikrit, 180 km ao norte de Bagdá.
Foram 34 dias surrealistas de internação militar na primeira vez, perto de Tikrit, entre novembro e dezembro, e 29 dias na explosiva Fallujah, o maior bastião da resistência sunita, na segunda vez, em junho passado, com os temidos marines do 2º Batalhão-Primeiros Marines. São lembranças absolutamente impossíveis de serem eliminadas da minha vida.
NA MIRA AMERICANA
O teste psico-emocional começou quando estava em Nassiriah, 280 km ao sul de Bagdá, voltando de uma base militar italiana. Uma cena que impressionava: o céu turquesa, o deserto em 360 graus, o vento rasante e Alá como proteção. À beira da estrada, uma menina estática, como o seu olhar me vendo chegar. De repente, passou um comboio militar americano, proporcionando uma foto da menina, imóvel, com os três irmãos e a mãe, que não parava de me pedir dinheiro. Ao me dirigir ao carro para ir embora, o comboio deu meia-volta e retornou acelerado. Dois tanques se posicionaram, enquanto três jipes se aproximaram com uns dez soldados correndo e gritando em minha direção com o fuzil apontado.
Levantei as câmeras e torci para que não atirassem, pois estava com aparência de árabe -cabelo curto e barbudo-, sem nenhuma identificação de imprensa a não ser o equipamento. A sorte foi que o primeiro soldado que se aproximou estava sereno.
Com meu passaporte em mãos, perguntou-me se eu tinha passagem pela prisão no Brasil, pois a tradicional fotografia do passaporte estava datada. Indignado, só olhei e balancei a cabeça. Mesmo assim, ele ordenou que eu seguisse o comboio de volta à base.
Enquanto um cão farejador vasculhava o carro, passávamos, eu e o pacato motorista iraquiano Rahin, por uma revista vexatória, antes de sermos colocados em uma trincheira por mais de uma hora, sob o sol do meio-dia, até o momento que disseram que estávamos liberados, mas todo o equipamento (câmeras, telefone, modem via satélite e computador) estava confiscado.
Usei todos os argumentos com o prepotente tenente, que nos tratava como suspeitos. Pedi a ele que ligasse para o escritório da France Presse, em Bagdá. Ele concordou, mas já não havia mais bateria no meu telefone porque o aparelho ficou fritando no capô do jipe durante o tempo em que ficamos no buraco, sentados, cabisbaixos e sem diálogo.
A solução foi pedir que ele olhasse todas as fotos para ver que eu estava dizendo a verdade. Ele não se convenceu e apagou algumas fotos -eu ainda era considerado espião. As últimas palavras que me restavam para sair daquela emboscada eram ‘embedded’ (status de jornalistas ‘embutidos’ nas unidades militares) e ‘Tikrit’.
Quando disse a ele que precisava de tudo porque viajaria no dia seguinte para acompanhar as tropas dos EUA na região natal de Saddam Hussein, ele, surpreso, abriu um sorriso amarelo de orelha a orelha e disse que eu estava liberado. E com todo o equipamento. Santo invasor. No caminho de volta ao hotel, recuperei todas as fotos apagadas com um programa no computador.
VIDA NO PALÁCIO
Em Tikrit, fui obrigado a assinar um termo de responsabilidade de oito páginas dizendo que eu estava ciente do risco de acompanhar operações militares e que, caso acontecesse algum acidente comigo, fatal ou não, minha família não teria o direito de processar o governo americano. Era ainda proibido sair do complexo militar por conta própria, consumir bebida alcoólica e ter qualquer tipo de contato amoroso ou sexual com as militares.
No caso de fotografias de soldados feridos, era terminantemente proibido possibilitar qualquer forma de identificação, para que a família do militar fosse informada do que aconteceu por meio do Exército, não pela imprensa.
Nas duas primeiras noites, fui acompanhar o lançamento de bombas e morteiros até Tikrit ficar na penumbra, algo em torno de 15 minutos. Foi uma pequena ‘demonstração de força em áreas desabitadas para os que resistem em lutar contra o novo Iraque’, dizia o ponderado tenente-coronel que comandava a operação, em resposta a morteiros lançados pela insurgência que caíram no complexo na noite anterior e continuariam a cair nos outros dias.
Além das várias patrulhas a pé, com jipes ou tanques, que, geralmente, acabavam com soldados distribuindo pirulitos às crianças após deixarem as casas invadidas, acompanhei várias atividades dentro e fora da base, sobretudo as temidas incursões noturnas em busca de iraquianos procurados e armamento proibido.
Capturados em grandes operações, enquanto eu fotografava livremente -o que não acontece agora, após o escândalo na prisão de Abu Ghraib-, eles eram identificados na nuca, imobilizados com um tipo de lacre de bagagem, ora vendados com pano, ora encapuzados com sacos de náilon.
Minha rotina pessoal, na maior parte daquele inverno iraquiano, incluía três refeições ao dia (não as recomendo a ninguém) e banho a cada quatro ou cinco dias (somente até as 11h30 em dias ensolarados, quando a coluna do palácio fazia sombra no chuveiro e o frio era cortante).
COM OS MARINES
Em Fallujah, barril de pólvora sunita 50 km a oeste da capital, onde os iraquianos insurgentes queimaram quatro civis americanos e penduraram os corpos em uma ponte, em abril passado, acompanhei os marines por mais de um mês no inicio do verão iraquiano, o que significa trabalhar sob um escaldante sol de 45C e beber no mínimo de seis a oito litros de água por dia sem perceber.
Nessa base, parecida com um condomínio de Alphaville, dividia uma das mais de cem casas-padrão, com ruas ao redor de um lago com duas pontes, um píer para pesca e uma pequena mesquita, antigas propriedades de Uday, filho de Saddam morto pelos americanos. O local era premiado, noite sim, noite não, com morteiros vindos da cidade.
No final de junho, a resistência derrubou um helicóptero americano perto de Fallujah, enquanto o posto de controle da entrada da cidade era alvo de metralhadoras e granadas-foguetes. Era o que os americanos queriam para atacar a cidade, que abrigaria o jordaniano Abu Musab Zarqawi, suposto líder da Al Qaeda no Iraque. Em poucos minutos, praticamente todas as companhias deixaram a base para o combate.
A operação começou com bombas de 500 kg despejadas por caças, quatro tanques Abrams e centenas de fuzileiros em posição de tiro espalhados pela entrada de Fallujah por mais de quatro horas, na beira da estrada que liga a Jordânia ao Iraque. A ofensiva, segundo fontes militares, matou 15 insurgentes e feriu 13 marines.
SADDAM CAPTURADO
Em 13 de dezembro de 2003, quando eu soube, por meio de dois militares, que Saddam estava sendo capturado, não conseguia relaxar naquele saco de dormir que fora tão confortável nas 29 noites anteriores, enquanto o ronco de alguns colegas que não sabiam o que estava acontecendo ecoava pelo palácio.
Até aquele momento, sempre éramos autorizados a acompanhar tudo. Mas, para aquela fatídica operação, veio uma exigência militar que nos surpreendeu: só havia três vagas para a imprensa no helicóptero, e os profissionais tinham de ser do mesmo veículo. Após reportarmos a situação às nossas redações em Bagdá, concluímos que haveria privilégio de informação. O Pentágono recebeu alguns faxes de questionamento sobre o procedimento, já que nossos veículos faziam parte do ‘pool’ da Casa Branca e do próprio Pentágono.
Todas as fotografias divulgadas de Saddam com aquele aspecto de náufrago, assim como as imagens de TV, foram feitas e distribuídas pelo Exército americano, o que levanta dúvidas. Além de não haver nenhum jornalista no local para registrar de maneira independente a captura, oficialmente não foi divulgada nenhuma imagem de Saddam sendo retirado do agora famoso buraco.
VOLTA A SÃO PAULO
Após cinco meses de uma vida anormal no Oriente Médio, incluindo a barbárie que foi Gaza, fotografando no limite e consciente do risco, chegou o momento da pausa. Reencontrar a vida ‘normal’ em São Paulo está sendo a mais dura batalha, mas é impossível não pensar na próxima partida. O que mais me motiva a voltar é poder encontrar o menino Ayad, que perdeu uma vista na explosão de uma bomba. Ver aquela lágrima escorrer pelo seu olho queimado ao partir foi algo de engolir em seco e suar frio. A vida foi dura, mas o sentimento brota contra a ignorância. Insh Allah!
O FOTÓGRAFO
O paulistano Maurício Lima, 28, começou a carreira como repórter-fotográfico de esportes em 1999. No ano seguinte passou a trabalhar para a agência de notícias France Presse (AFP). Cobriu o pós-guerra no Iraque entre novembro de 2003 e fevereiro de 2004. Passou os últimos dois meses e meio na faixa de Gaza e no Iraque.
Lima ganhou vários prêmios internacionais. Um deles, o Pictures of the Year (EUA), foi pela foto do iraquiano morto.’
Celina Côrtes
‘Foco na história’, copyright IstoÉ, 3/08/04
‘Há fotógrafos que cultuam a beleza das paisagens ou das curvas femininas. Outros optam por engrossar seu saldo bancário com imagens de publicidade. Mas existem os de faro jornalístico aguçado, cuja obra acaba se tornando uma espécie de patrimônio histórico. É o caso do baiano Evandro Teixeira, 68 anos, que completa 45 de atividade profissional cheio de razões para comemorar. Na segunda-feira 2 será inaugurada uma retrospectiva de suas melhores fotos no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, mesmo dia do lançamento do documentário Instantâneos da realidade – sobre a vida e a obra do repórter fotográfico -, que entra em cartaz nos cinemas do Rio e São Paulo na sexta-feira 6. Com depoimentos de personalidades como o compositor Chico Buarque e o fotógrafo Sebastião Salgado, o filme do cineasta Paulo Fontenele, diretor da produtora Canal Imaginário, traz em uma de suas abordagens o reencontro de Teixeira com os velhinhos que lutaram ao lado de Antônio Conselheiro e foram retratados no livro Canudos 100 anos, lançado em 1997.
Na mostra, destacam-se as fotos da tomada do Forte Copacabana durante o regime militar, em 1964, e um registro especialíssimo, que se transformou em furo internacional, ocorrido à época do golpe militar no Chile, em 1973. Todos achavam que Pablo Neruda se encontrava preso. Mas Teixeira descobriu, por uma brasileira casada com um militar chileno, que o poeta estava à morte, internado num hospital em Santiago. Não deixaram que o fotografassem, porque Neruda era um desafeto do regime. ‘Liguei para o hospital às 22h30 e soube que Neruda tinha morrido. Corri para lá e vi seu corpo jogado no chão’, lembra Teixeira, emocionado. ‘Esse material é comentado até hoje. Uma produtora italiana quer usá-lo para fazer um documentário.’ O fotógrafo ainda se destacou pela cobertura da Copa do Mundo de 1962, registrando a maestria de craques como Garrincha e Pelé.
Nascido em Iratu, interior da Bahia, na verdade ele queria ser escultor. Começou a aprender o ofício aos 16 anos com Nestor Rocha, tio do falecido diretor Glauber Rocha. Veio para o Rio de Janeiro em 1957, onde ingressou em O Jornal. ‘Saía para fotografar casamentos. O diretor-geral dizia que podia ser de pobre, de rico, mas preto não valia’, recorda. Certa vez, passou um dia rodando a cidade até encontrar um mulato de cabelo pixaim, que se casava com uma loura. O laboratorista transformou o mulato em branco, mas, quando a foto chegou à mesa do chefe, os cabelos do noivo o traíram e Teixeira acabou demitido. Tempos depois, seus melhores momentos começaram a acontecer a partir da contratação pelo Jornal do Brasil, há 42 anos. Foi lá que ele registrou uma histórica manifestação ocorrida em 1968, material que até o fim do ano deverá resultar no livro 68 destinos, Evandro Teixeira na passeata dos 100 mil, trazendo imagens e depoimentos dos manifestantes.’
MEMÓRIA / RUBENS SILVEIRA
‘Morre o jornalista mineiro Rubens Silveira’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br) , 30/07/04
‘Aos 70 anos de idade e vítima de complicações cardíacas, faleceu, na noite desta terça-feira (dia 27), o jornalista mineiro Rubens Silveira. Aposentado, ele estava de férias em Guarapari-ES, quando sentiu-se mal e foi levado para um hospital de Vitória-ES, mas não resistiu. O seu sepultamento ocorreu no fim da tarde desta quarta-feira (28/07), no Cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte.
‘Rubinho’, como era mais conhecido entre os colegas, construiu sua vitoriosa carreira basicamente no jornalismo de rádio e TV, com ligeiras passagens por assessorias de imprensa, incluindo a do Governo de Minas. Silveira começou, em 1956, no jornalismo, como locutor e repórter esportivo, na Rádio Guarani, de Belo Horizonte, e, nesta cidade, foi o primeiro editor, ainda nos anos 50, do famoso ‘Repórter Esso’, na extinta TV Itacolomi.’
MEMÓRIA / ALEXANDRE ZRAIK
‘Morre o jornalista Alexandre Zraik’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br) , 29/07/04
‘O jornalismo paranaense acaba de perder um de seus mais talentosos e promissores profissionais. Alexandre Zraik, de 35 anos, morreu na madrugada desta quinta-feira (29/07) no Hospital Cajuru, em Curitiba.
Formado pela PUC-PR, com 15 anos de carreira, Alexandre Zraik começou na Rádio Eldorado. Atuou como cronista esportivo nas rádios CBN Curitiba e Transamérica. Durante mais de três anos, apresentou um programa esportivo ‘Tribuna no Esporte’ na TV Iguaçu – do Grupo Paulo Pimentel -, de onde foi demitido há poucos meses. O jornalista mantinha uma coluna política diária no Jornal do Estado, onde comentava bastidores da política paranaense, com muita repercussão local. Na coluna, Zraik exercia jornalismo independente de cunho opinativo.
O jornalista iria assumir, nos próximos dias, um programa esportivo na rádio FM 96 Rock.
Ele tinha sofrido um acidente de moto no final da tarde de quarta-feira, quando se dirigia de um compromisso profissional para outro. Zraik chegou a passar por uma cirurgia, para drenagem de um hematoma interno, e foi internado na UTI. Inconsciente e respirando por aparelhos, o jornalista não resistiu e acabou falecendo às 5h da madrugada de quinta, depois de uma parada cardiorrespiratória.
O corpo de Zraik está sendo velado no Cemitério Parque Iguaçu. O enterro está marcado para esta sexta-feira, 30/07, às 10h. (*) Com informações do site Tudo Paraná.’
MEMÓRIA / DIRCEU RANGEL
‘Morre o jornalista Dirceu Rangel’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br) , 28/07/04
‘O jornalista Dirceu Rangel, um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, morreu na madrugada desta terça-feira (27/07). Ele tinha 76 anos e trabalhou como redator do Estado de S. Paulo.
O corpo de Rangel foi enterrado, na própria terça, no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília.’
MEMÓRIA / MAURÍCIO LOUREIRO GAMA
‘Morre o jornalista Maurício Loureiro Gama’, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 2/8/04
‘O jornalismo perdeu na manhã desta segunda-feira (02/08) Maurício Loureiro Gama, de 92 anos. Ele ficou internado por 22 dias na UTI do Hospital Santa Marina, em São Paulo.
Em 18 de setembro de 1950, foi Loureiro Gama quem fez uma apresentação demonstrativa de como seriam dadas as notícias na TV. A primeira grande notícia da noite foi: ‘O Dr. Getúlio Vargas declarou que o Brasil está maduro para uma nova constituição democrática’.
Em 1951, ele criou o primeiro telejornal vespertino, ‘Edição Extra’, ao lado do repórter Tico-Tico (José Carlos de Moraes).
Passou por grandes emissoras como a Band e a Record. Também trabalhou em estações de rádio e jornais.
Loureiro Gama era especialista em análise do panorama político e econômico.
O corpo do jornalista será velado na Assembléia Legislativa, às 19hs desta segunda [2/8]’.