Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Merval Pereira

‘O Movimento Basta, contra o aumento da criminalidade no Rio, fez sua primeira reunião com uma convocação através de uma rede de voluntários que se cadastraram no site do grupo (www.basta-ja.com.br). O movimento Autonomia Carioca, que começa a se mobilizar pela volta do antigo Estado da Guanabara, também vai lançar um site através do qual pretende receber sugestões e promover um debate sobre a separação da cidade do Estado do Rio de Janeiro.

Esses são exemplos de uma nova sociedade civil global que está se formando, segundo a definição do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern Califórnia, nos Estados Unidos. Segundo ele, ‘a sociedade global tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa’.

Essa nova maneira de encarar o mundo em que vivemos, tentando preencher o que Castells define como ‘vazio de representação’, a fim de legitimar a ação política, é o que faz surgir ‘mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação’.

Segundo Castells, ‘o movimento da opinião pública é feito em meio a uma turbulência de informações, num sistema midiático diversificado’. Ele vê ‘significados políticos’ no potencial da internet quando se transforma em um meio autônomo de organização, independente de um comando central de controle.

‘As implicações desse fenômeno no nível global são cheios de significados políticos. Internet e comunicação sem fio, como os telefones celulares, fazendo a ligação global, horizontal, de comunicação, provêem um espaço público como instrumento de organização e meio de debate, diálogo e decisões coletivas’, ressalta Castells.

Ele cita como exemplos do uso político das novas tecnologias as demonstrações simultâneas pela paz em todo o mundo em 15 de fevereiro de 2003, e a campanha, através de mensagens de telefone celular, que acabou ajudando a derrotar o primeiro-ministro José María Aznar na Espanha depois do atentado terrorista em março passado.

A página na internet do Movimento Basta, que começou com a exibição de uma faixa com os dizeres de protesto em uma janela da Lagoa e já se espalha pela cidade toda, tem o Cristo Redentor com um homem armado de fuzil atrás. A idéia é formar diversos grupos de estudos, em todas as áreas da cidade, para propor medidas para reduzir a criminalidade no Rio.

Esse e outros movimentos semelhantes são frutos do que o sociólogo Manuel Castells identifica como um ‘processo de transformação estrutural’ que está em curso no mundo, com múltiplas dimensões: tecnológica, econômica, cultural, institucional.

Segundo ele, ‘a crise de governança está relacionada com uma crise fundamental, de legitimidade política, caracterizada pelo distanciamento crescente entre cidadãos e seus representantes’.

O referendo popular na Venezuela, na tentativa de tirar do governo o presidente Hugo Chavez; ou o recall na Califórnia, que acabou levando ao governo o ator de cinema Arnold Schwarzenegger, seriam exemplos tanto da crescente participação popular, quanto de desilusão com os políticos tradicionais.

Mas Castells adverte, citando o pensador italiano Antonio Gramsci: ‘A sociedade civil é o espaço intermediário entre o estado e os cidadãos, no qual as instituições do estado e as organizações populares podem interagir, trocar, e negociar interesses e valores, em uma forma de co-governança’.

A sociedade civil, portanto, não seria ‘contra o estado’, mas ‘um canal para a transformação do estado, a partir da pressão organizada da sociedade, sem limitar o processo democrático representativo a eleições e à política formal’.

Uma outra expressão desse fenômeno é o jornalismo participativo, que começa a ganhar corpo e estudos nos Estados Unidos, já analisado pelo jornalista Luciano Martins no ‘Observatório da imprensa’. O American Press Institute divulgou um estudo sobre as mudanças, em função das novas tecnologias, que permitem a crescente participação do leitor na elaboração do noticiário.

Intitulado ‘WeMedia’ e disponível no endereço , o estudo aponta o cidadão comum, usando seus instrumentos do dia a dia como telefone celular, máquinas fotográficas digitais e computadores, como a fonte primária desse novo jornalismo.

Essa verdadeira rede de informantes, espalhada por todo o mundo, já era prevista por Manuel Castells. Mas ele adverte: ‘A habilidade dos movimentos sociais para mudar a cabeça do público ainda depende, em larga margem, da sua estratégia de comunicação em relação à mídia de massa’.

Segundo ele, os debates da ‘esfera pública’, que abrem a cabeça dos cidadãos, dependem, para alcançar seus objetivos, do sistema de comunicação de massas.’



Artur Xexéo

‘A saída pelos fundos do Casal 20 fluminense’, copyright O Globo, 2/06/04

‘Há algo estranho no governo do Estado do Rio de Janeiro. Vocês têm todo o direito de acrescentar: ‘Ok, agora conte uma novidade.’ Tá certo. Todo mundo sabe que há muitas coisas estranhas no governo do Estado do Rio de Janeiro. Mas estou me referindo a algo muito específico. O Carandiru carioca que nos chocou neste início de semana demonstrou que o governo fluminense criou uma peculiaridade muito esquisita em nosso estado. No Rio de Janeiro, presidiários, com pena ainda a cumprir, saem dos presídios pela porta da frente. Ao mesmo tempo, a governadora e seu comparsa…

Não creio que chamar o secretário de Segurança de ‘comparsa da governadora’ renda algum processo contra o colunista, como é de hábito neste governo peculiar. Afinal, o Aurélio nos explica que comparsa significa ‘pessoa que tem papel pouco importante em negócio, companheiro, parceiro, cúmplice’. O leitor pode escolher o sinônimo mais adequado para Tony Matheus. Se ele não gostar, que processe o leitor.

Enfim, enquanto presidiários, com pena ainda a cumprir, saem pela porta da frente dos presídios, a governadora e seu comparsa saem pela porta dos fundos da igreja em que cultuam Jesus aos domingos. Criminosos não têm medo de enfrentar a sociedade. Já a governadora…

O estado está pegando fogo e dona Rosângela e seu marido vão rezar na Igreja Presbiteriana Luz do Mundo. Que, pelo menos, Deus os ilumine. Porque nós, graças ao casal 20 da política fluminense, estamos vivendo nas trevas há muito tempo. Dona Rosângela e Tony têm o hábito de se esconder quando a coisa começa a ficar peluda. Como se não tivessem nada a ver com isso. Como se o fato de eles se esconderem escondesse também as mazelas por que o estado está passando.

O problema é que, quanto mais a governadora e seu comparsa saem pelos fundos, mais a miséria fluminense – em todos os seus aspectos – bate na nossa porta da frente.

***

É por isso que, lá em casa, eu tranco a porta da frente e vou ver televisão. Assim, não penso no casal 20. A Globo investiu este ano nas sitcoms – comédias de costumes, em português arcaico. ‘A diarista’, ‘Sob nova direção’, a volta de ‘Sexo frágil’ estão no ar. Fazer seriados é um velho desafio da TV brasileira. Os americanos dominam o gênero e, conseqüentemente, a programação de TV do mundo todo. Quando entrou no ar, a Globo já tinha um seriado nacional na sua programação: ‘22-2000 – Cidade aberta’, em que Jardel Filho interpretava um repórter policial aqui do GLOBO. Era em película e procurava imitar os Peter Gunns e Shannons da época. Durou muito pouco.

A mais ambiciosa experiência da emissora na área foi, já no fim dos anos 70, o pacote formado por ‘Malu Mulher’, ‘Plantão de polícia’ e ‘Carga pesada’. Deu certo. ‘Malu mulher’ é um dos programas de televisão mais bem-sucedidos da história da televisão brasileira. ‘Carga pesada’ repaginado até hoje faz sucesso. Mesmo assim, a Globo desistiu do gênero e voltou a investir em novelas e minisséries no horário – era o horário de 22h.

A capacidade de a televisão brasileira fazer seriados de sucesso parece ter sido recuperada com ‘Os normais’. E, pela primeira vez, um programa nacional do gênero mostrou-se afiado nas técnicas de roteiro e produção americanas. Episódio de curta duração, diálogo ágil, mais de uma situação ocorrendo ao mesmo tempo, cenários fixos, atores com tempo de comédia…

De ‘Os normais’ para ‘A diarista’, ‘Sob nova direção’ e ‘Sexo frágil’ foi um pulo. Da trinca, meu predileto é ‘Sob nova direção’. O seriado é quase bom. Elenco afiado, argumentos consistentes, ação, conflito, tudo em doses corretas. O problema é que o programa parece não se decidir pela farsa ou pela comédia de costumes. Daria certo nas duas vertentes. Só precisa optar.’



TV INTERNACIONAL DO BRASIL
Antonio Brasil

‘Por uma Al Jazira brasileira’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/06/04

‘Era só o que faltava. Depois das ‘trapalhadas’ do caso Larry Rohter, do NYT, o governo brasileiro resolveu enfrentar a mídia internacional. Esta semana foi anunciado o lançamento da primeira televisão internacional brasileira. Deve estar sobrando dinheiro em Brasília. Enquanto isso, as nossas televisões públicas ou educativas sobrevivem à míngua sem os empréstimos salvadores do BNDES. Mas aproveito a oportunidade para sugerir o nome de mais um projeto social: A Voz do Brasil Internacional. Deveria seguir o modelo radiofônico e ter ‘audiência’ obrigatória, pelo menos, nos países do Mercosul.

Além do custo exorbitante – nunca falta dinheiro para marketing e propaganda – o que mais me chamou atenção nessa notícia foi a denominação de televisão ‘pública’ internacional. Pode ser televisão e ser internacional, mas não é pública. É uma televisão estatal. E há uma grande diferença entre um projeto de interesse e controle público de mais um projeto do estado.

Surpreende a ingenuidade da proposta em momento político tão adverso. Sai ‘Fome Zero’ e entra ‘Televisão Internacional’. Esse projeto não poderia vir em pior hora E depois reclamam da má vontade dos jornalistas. Não satisfeito em lançar tantos projetos que não decolaram, em tempos de polêmicas desastrosas com o dinheiro da viúva, agora partimos para mais um ‘sonho’ de manipulação e controle da mídia.

Al Jazira no cinema

E por falar em ‘controle’ de mídia, aproveito a oportunidade para sugerir um excelente documentário e fazer uma conexão internacional. Esta semana foi lançado em Nova Iorque, um filme sobre a rede de TV panárabe, a Al Jazira (aqui). Para quem gosta de televisão e jornalismo, é simplesmente imperdível. O documentário tem um título sugestivo que já diz tudo: ‘Control Room’ ou ‘Sala de controle’. Você pode dar uma olhada no trailer do filme aqui.

À primeira vista, o título do documentário se refere ao coração ou centro nervoso de uma emissora de televisão, o ‘switcher’ ou a ‘sala de controle’. Mas após assistir e analisar a proposta do filme, pode-se captar a sutileza do jogo de palavras. Por incrível que pareça o filme está fazendo o maior sucesso em Nova Iorque. Arrisco a dizer que a opinião pública americana sobre a Guerra do Iraque tem mudado muito nos últimos meses e existe uma enorme curiosidade sobre a rede de TV árabe.

A diretora de Sala de Controle, Jehane Noujam, é uma jovem muito bonita de origem egípcio-americana. (Ver entrevista aqui). Ela trabalhou com um dos maiores documentaristas americanos D. Pennebaker e segue a linha do cinema direto. Seus documentários não têm comentários em ‘off’ e se limitam às declarações dos participantes. Jehane Noujam não se intimidou com os preconceitos contra a Al Jazira. Ela teve a coragem de lidar com um tema tão polemico em tempos de caça às bruxas nos EUA e no mundo.

Resposta ao controle da Mídia

O verdadeiro sentido do título Sala de Controle é discutir a manipulação ou ‘controle’ da mídia internacional, principalmente em relação à cobertura do Oriente Médio. No documentário, a rede de TV árabe Al Jazira se torna uma desculpa para falar de poder e ‘controle’ da mídia. De um lado temos os preceitos do jornalismo americano que impõem ao mundo os valores da objetividade, neutralidade e equilíbrio. Muito já foi escrito e discutido sobre os limites dessa visão ‘utópica’ , porém, fundamental para o jornalismo. Do outro lado, temos um jornalismo de militância que confunde política, mudança social, ideologia e até mesmo religião com… ‘jornalismo’.

Nessa visão da prática profissional, se a objetividade, distanciamento e o equilíbrio são meras utopias inalcançáveis, então estamos liberados para defender nossos ideais, escolher lados, fazer militância política ou religiosa sob a proteção do conceito sagrado e universal do jornalismo. Ou seja, vale tudo. Apesar de simpático à Al Jazira, o documentário Sala de controle ‘tenta’ manter um mínimo de equilíbrio. É, sem dúvida, um ótimo documentário.

A Al Jazira, desde da sua inauguração, tem sido acusada exatamente desse último tipo de jornalismo. Os defensores dos cânones sagrados do jornalismo a consideraram um mero veículo de militância de extremistas e fanáticos muçulmanos. A surpresa, no entanto, é que muitos muçulmanos radicais consideravam a rede de TV árabe nada mais do que uma cópia da CNN controlada pelos americanos. Outros, simplesmente, não acreditaram no futuro da Al Jazira e apostavam no seu fim. A independência da rede de TV incomodava mais aos ‘principados’ conservadores da região do que aos próprios americanos. Ou seja, a Al Jazira deve estar fazendo alguma coisa certa. Consegue desagradar aos americanos, aos governos de diversos paises árabes e aos fundamentalistas. Estes últimos preferem a rede de TV do Hezzbolah, baseada no Líbano.

O sucesso da Al Jazira

Para quem não conhece, o jornalismo da Al Jazira, comparado com essa rede de TV palestina, é considerado um modelo de ‘neutralidade, objetividade e equilíbrio’. É tudo uma questão de perspectiva. Mas o importante é que 30 milhões de árabes de países completamente diferentes assistem ‘religiosamente’ todos os dias à Al Jazira. O documentário da cineasta egípcia Americana faz questão de mostrar as dificuldades do projeto, mas também revela o compromisso sagrado do jornalismo com o seu ‘público’.

E este é o ponto que eu gostaria de enfatizar. A Al Jazira não é uma TV pública. Muito pelo contrario. É um projeto sustentado pelo ‘príncipe’ do Catar. Ele é obviamente um sujeito esperto, sabe fazer bons negócios e quer sobreviver de qualquer maneira. Ao mesmo tempo em que agrada aos americanos – ele hospedou a sala de ‘controle’ da invasão do Iraque – ele também financia a Al Jazira. Em uma região de futuro incerto e invasões constantes, ele dá uma mão a Deus e outra ao Diabo. Uma boa lição de televisão produzida para o público. Para todos os públicos

A TV ‘Voz do Brasil’ versão Internacional

Mas o que tem isso a ver com a televisão internacional brasileira? Tudo. A Al Jazira é uma TV internacional financiada pelo príncipe do Catar. O grande acervo da rede árabe, no entanto, é a sua independência e o seu sucesso junto ao público. A Al Jazira, hoje, é quase intocável e pertence aos milhões de telespectadores árabes da região.

Antes de cometer mais um erro gigantesco na área de comunicação social, o governo brasileiro deveria assistir ao documentário sobre a Al Jazira e aprender um pouco mais sobre como criar uma televisão ‘internacional’ pública e independente. Insistir no projeto da ‘Voz do Brasil Internacional’ pode ser tão intempestivo como expulsar correspondentes estrangeiros na calada da noite. Afinal, onde estão as pesquisas, os estudos que justifiquem os gastos deste projeto? Será que não estaríamos mais uma vez colocando recursos públicos em mais uma ‘fogueira de vaidades’? Sem o conforto e a segurança da audiência obrigatória, criar uma televisão pública internacional produzida por funcionários do governo pode custar muito caro. Televisão é um assunto serio. Na mão de amadores, pode ser mais um tiro no pé.

Continuo torcendo pelo governo brasileiro. Mas ele certamente não pode se dar ao luxo de cometer mais erros. Apóio popular e paciência…tem limite. Televisão publica internacional brasileira criada pela vontade do nosso ‘príncipe’, só se for uma Al Jazira.’