‘O depoimento de Vladimir Poleto ontem na CPI dos Bingos foi mais danoso à imagem do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, do que todos os problemas políticos que ele possa estar tendo com as críticas da ministra Dilma Rousseff contra sua política econômica. E pode vir a ser fatal para o próprio governo do presidente Lula e para o PT, pois tornou verossímil a reportagem da revista ‘Veja’ sobre o recebimento de dólares de Cuba.
O espectro do passado de Palocci em Ribeirão Preto o assombra desde que um outro ex-assessor seu, Rogério Buratti, revelou que havia um esquema de recebimento de propinas na prefeitura, esquema esse que vem sendo provado paulatinamente nas investigações que o Ministério Público vem realizando.
A existência da República de Ribeirão Preto, que se reunia em uma casa do Lago Sul em Brasília, e que os ex-assessores apelidavam de ‘central de negócios’, é uma cunha na credibilidade do ministro Palocci, mesmo que todos eles se empenhem em afirmar que o ministro da Fazenda nunca freqüentou a casa. A ligação de Poleto, de Buratti e de tantos outros com o chefe de gabinete do ministro, Juscelino Dourado, que até mesmo já se demitiu, e com outros assessores de Palocci, as ligações telefônicas de Poleto para Ademirson da Silva, assessor especial de Palocci, quase duas por dia, mostram que continuaram mantendo contato íntimo mesmo depois que Palocci virou ministro da Fazenda.
O senador Arthur Virgílio, falando em nome da oposição, entregou os pontos ontem na CPI, depois do depoimento mentiroso de Poleto. Disse que se empenharam em defender o ministro pela política econômica que vinha desenvolvendo, mas que não tinha mais fôlego para protegê-lo diante das evidências de que esteve pessimamente cercado quando foi prefeito de Ribeirão Preto.
Se pudesse dividir o ministro Palocci em dois, disse Virgílio, ficaria com o atual ministro da Fazenda e abandonaria o Palocci de Ribeirão Preto. Mas como isso não é possível, Arthur Virgílio disse que a oposição não poderia mais se calar diante das evidências de que, tanto na gestão da prefeitura, quanto na campanha presidencial de 2002 de Lula, Palocci atuou como arrecadador informal de financiamento para o PT e participou de irregularidades como a que começa a ser provada na história dos dólares de Cuba denunciado pela revista ‘Veja’.
Vladimir Poleto é um caipirão com jeito de inocente, mas que só paga suas coisas em dinheiro vivo. Pagou R$ 60 mil adiantados pelo aluguel da casa para negócios em Brasília, e disse ontem que pagou seus advogados também em dinheiro vivo. Desmascarado pela gravação feita pelo repórter Policarpo Junior e divulgada ontem por ‘Veja’, Vladimir Poleto transformou-se no primeiro caso de depoimento mentiroso das CPIs que foi desmontado em plena sessão, e logo num caso tão grave quanto o dos dólares cubanos.
Eu mesmo escrevi aqui que a história de ‘Veja’ parecia inverossímil em vários pontos, mas diante das mentiras flagradas de Poleto, fica claro que naquelas caixas de uísque e rum havia mais coisa do que simplesmente bebida. Rogério Buratti já havia, em depoimento anterior na CPI, confirmado que ouvira de Ralf Barquete uma pergunta sobre a melhor maneira de internar dólares. O que parecia uma consulta absurda, despropositada, foi justificada por Buratti por ele trabalhar com transferência de dinheiro.
O depoimento de Buratti ainda confirmou que o dinheiro viria de Cuba. No mesmo depoimento, Buratti colocou o ministro Palocci em situação difícil ao afirmar que ele sabia que um grupo de donos de bingos havia doado R$ 1 milhão para a campanha presidencial de Lula.
Mas mesmo os detalhes mais desajustados parecem possíveis com essas ‘figuraças’ que assessoravam o hoje ministro Palocci em Ribeirão Preto. Já corre no governo o hábito de classificar como oriundas das ‘Organizações Tabajara’, do programa ‘Casseta e Planeta’ da Rede Globo, as trapalhadas que se sucedem.
O que mais abala hoje o ministro Palocci nas críticas da ministra Dilma Rousseff ao plano de longo prazo de equilíbrio fiscal que está sendo elaborado por sua equipe, não é um eventual objetivo político que porventura pudesse estar por trás das declarações, mas exatamente o contrário.
Ele está convencido de que a ministra Dilma está fazendo críticas abertas à sua equipe apenas com o objetivo de ocupar espaço em um governo que já não tem comando. A ministra Dilma teria se reunido com políticos na casa do senador Ney Suassuna e ouvido críticas pesadas à política econômica do governo, sem que a tivesse defendido.
Ontem, depois de ter acertado um depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, foi convocado também por uma comissão da Câmara que trata do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), o que foi interpretado pelo próprio Palocci como um sinal de que os políticos já estariam considerando que ele está enfraquecido.
O ministro da Fazenda anda bastante abatido nos últimos dias e faz uma análise íntima sobre seu futuro político. Ele está convencido de que perdeu o apoio incondicional do presidente da República, e avalia se valerá a pena continuar no governo sendo alvo de todo tipo de críticas.
Mesmo surpreso pelas críticas da ministra Dilma Rousseff, o ministro Palocci esperava que o presidente Lula assumisse a defesa da política econômica. Não tendo acontecido nem uma retratação por parte da ministra, nem uma atitude do presidente Lula a seu favor, Palocci depreende que a opinião pública pode entender que o presidente Lula já não está tão convencido de que a equipe econômica está no caminho certo. Se, ao contrário, o presidente Lula der uma demonstração clara de que não mudará os rumos da economia, ele poderá falar no Senado com um respaldo político de que ele já se ressente.’
Luciana Constantino e Silvio Navarro
‘Gravação abala versão de Poleto à CPI’, copyright Folha de S. Paulo, 11/10/05
‘Uma fita divulgada ontem na CPI dos Bingos durante o depoimento de Vladimir Poleto, ex-assessor do ministro Antonio Palocci (Fazenda) na Prefeitura de Ribeirão Preto, acabou contradizendo o que o depoente havia afirmado minutos antes, quando negou ter transportado dinheiro supostamente vindo de Cuba destinado à campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para os senadores, Poleto mentiu e deveria ser preso, mas ele estava protegido por um habeas corpus, concedido pelo Supremo Tribunal Federal, que garantia o direito de não se incriminar e não ser preso. Por isso, a CPI aprovou requerimentos sugerindo a prisão. Poleto confirmou, no início do depoimento, ter viajado no avião Seneca onde foram transportadas três caixas (que seriam, segundo ele, de uísque) entre Brasília e o Estado de São Paulo.
Disse ainda ter entregue as caixas a Ralf Barquete, também assessor de Palocci na prefeitura e morto no ano passado. Porém negou que houvesse dinheiro.
‘Discernimento’
Na CPI, Poleto acusou o repórter da revista ‘Veja’ Policarpo Júnior de ter usado sua entrevista sem autorização. Poleto afirmou também estar com ‘discernimento comprometido’ porque havia bebido cachaça e chope antes da entrevista. Senadores de oposição defenderam o jornalista.
‘Após tanto chope, sendo que eu havia começado a beber à tarde aquela cachacinha, minha capacidade de discernimento estava comprometida. Não me recordo se fiz declaração [sobre o transporte de dólares]. Se fiz, foi mentirosa. O fato é que houve coação e constrangimento’, disse Poleto.
Em seguida, a revista colocou em seu site trechos da entrevista com Poleto, inclusive o áudio, que foi reproduzido na CPI.
Reportagem publicada recentemente pela revista dizia que Vladimir Poleto e Rogério Buratti (também assessor de Palocci que prestou depoimento ontem à CPI) relataram uma operação de transporte de dinheiro de Brasília a Campinas (SP) em caixas de bebidas. O recurso teria vindo de Cuba para a campanha de Lula.
Há uma contradição sobre o valor transportado. Buratti fala em US$ 3 milhões, e Poleto, em US$ 1,4 milhão. Após ouvir a fita com a entrevista, o senador Romeu Tuma (PFL-SP) disse não haver características de embriaguez na voz do ex-assessor. ‘Além de indiciamento, só restaria uma coisa ao senhor: a internação por insanidade mental’, disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
Mesmo assim, Poleto manteve sua afirmação de que não estava em ‘sã consciência’: ‘Não vi na fita algo que destoa do que falei. Eu jamais disse que levei dinheiro, muito menos cubano. Disse que voei. Mas não estou vendo nenhuma contradição entre meu depoimento e a gravação’.
Na gravação divulgada pela revista, Poleto diz, ao responder ao questionamento sobre o que ele sabia: ‘A única coisa que eu sei é que eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida, só isso’.
Em seguida, Poleto afirma à revista que Barquete relatou a ele haver dinheiro em uma das caixas. O diálogo é o seguinte:
‘Veja – E o que te disseram?
Poleto – Que tinha dinheiro numa das caixas. Só isso’.
Essa versão de Poleto foi negada por ele à CPI, mas tem semelhança com o que foi dito por Buratti em seu depoimento. Segundo Buratti, Barquete o consultou sobre uma maneira de trazer dinheiro de Cuba e depois relatou que o recurso teria chegado ao Brasil.
Acusação
Durante todo o início de seu depoimento, Poleto tentou desqualificar o autor da reportagem, dizendo que ele havia chegado com ‘a tese pronta’ e teria um dossiê sobre a vida pessoal e profissional do ex-assessor. Disse, inclusive, que o jornalista teria proposto um acordo relacionado ao dossiê.
Após a divulgação da gravação da entrevista, Poleto voltou a criticar o jornalista, dizendo não ter autorizado a gravação, disse que foi ‘buscada no tempo’ e sugeriu até que o gravador tenha sido ligado enquanto ele foi ao banheiro. ‘Minha capacidade de discernimento não dava para ver se o gravador estava ligado.’
A versão que Poleto contou sobre sua viagem é a de que teria ido a Brasília resolver um problema pessoal e, a pedido de Ralf Barquete, precisou voltar para São Paulo, por isso ‘pegou carona’ no avião Seneca de Roberto Colnaghi. ‘Ele [Barquete] até brincou que eu não precisaria usar uma perninha da minha passagem.’
O próprio Barquete, segundo Poleto, é que teria pedido para que levasse as três caixas. ‘Elas estavam hermeticamente fechadas e tinham a inscrição de uísque. Duas de Black Label e uma de Red Label’, afirmou Poleto.
O senador José Jorge chegou a brincar, dizendo que entenderia todo o esquema de transporte se fosse para caixas de ‘Label azul’, fazendo referência a um uísque da mesma marca, mas mais caro.
Poleto disse que, ‘em hipótese alguma’, sabia que as caixas poderiam ter dinheiro. ‘O que existia era bochicho, zum zum zum, não representa a realidade.’
Detalhista, Poleto chegou a ser advertido por duas vezes pelo presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB), de que não poderia ler suas declarações, mas não adiantou. Acabou obtendo a permissão. Tirou risos dos participantes quando disse que não viajava sem sua ‘mala 007 e bolsinha com nécessaire’.
O ex-assessor também foi questionado sobre uma casa que alugou em Brasília por um período e que abrigaria representantes de empresas interessadas em fazer negócios com o governo federal.
Poleto confirmou ter pago R$ 60 mil antecipado pelo aluguel da casa, mas disse que pretendia levar a família para morar em Brasília. O dinheiro, segundo ele, veio de uma indenização que recebeu depois de trabalhar na Prefeitura de São Bernardo (SP).
O depoimento de Poleto durou cerca de cinco horas. Senadores não descartam a possibilidade de uma acareação entre o ex-assessor e o jornalista.’
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‘Buratti reafirma acusação sobre caso Cuba’, copyright Folha de S. Paulo, 11/10/05
‘Em seu quarto depoimento no Congresso, o advogado Rogério Buratti reafirmou ontem à CPI dos Bingos ter sido consultado sobre ‘mecanismos’ para trazer US$ 3 milhões de Cuba ao Brasil a pedido do ministro Antonio Palocci (Fazenda). Segundo o advogado, o dinheiro seria usado para pagamento da campanha que elegeu Lula à Presidência em 2002.
Disse que o ministro tinha conhecimento da doação de R$ 1 milhão que donos de casas de bingo teriam feito à campanha do PT à Presidência, mas não sabia se o dinheiro ‘foi por fora ou por dentro’, em referência ao caixa dois.
Antes de ouvir o advogado, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) sugeriu a retirada do requerimento de convocação de Palocci, mas os senadores da CPI decidiram esperar a ida do ministro à Comissão de Assuntos Econômicos, no dia 22, para votar ou não o pedido. Para o senador José Jorge (PFL-PE), o ministro deve explicações: ‘Tentamos sempre preservar o ministro Palocci para que a crise política não afetasse a economia, mas as acusações estão se acumulando. O que tínhamos de preservar, já preservamos’.
No depoimento, Buratti disse não ter sido uma ‘testemunha ocular’ do suposto envio dos dólares cubanos, mas relatou ter sido consultado por Ralf Barquete, ex-secretário de Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP), sobre ‘mecanismos para trazer recursos do exterior para o Brasil’. Barquete morreu de câncer em 2004.
‘Fui consultado, em 2002, pelo Ralf Barquete, dizendo ser a pedido do então prefeito Palocci, se eu conhecia algum mecanismo, alguma forma de trazer recursos do exterior para o Brasil. Esses recursos, pelo que me foi informado na época, seriam advindos de Cuba’, disse. ‘Textualmente, fui consultado pelo sr. Ralf Barquete, dizendo ser a pedido do ministro.’
Buratti disse ter respondido à ‘consulta’ de Barquete dizendo que ou ele internava o dinheiro pelo BC ou por doleiros. A consulta teria sido em maio ou junho de 2002. Disse ‘ter tido contato novamente com o assunto’ em setembro do mesmo ano, quando Barquete teria dito ‘que aqueles recursos tinham chegado’.
‘Entendi, pela informação que o Ralf me passou, que o desfecho teria sido o aporte dos recursos no Brasil, na campanha do presidente Lula. Agora, de que forma teria sido e qual o montante preciso, não tive essa informação’.
O depoimento de Buratti marcou a entrada da CPI dos Bingos no caso Cuba. Segundo a ‘Veja’, Buratti e Vladimir Poleto teriam relatado a operação do transporte do dinheiro de Brasília a Campinas (SP) em caixas de bebida.
Buratti envolveu Palocci num suposto caixa dois do PT com dinheiro de bingos. Disse que o dinheiro acabou nas mãos do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e, além de Palocci, sugeriu que José Dirceu e Lula sabiam de tudo: ‘Acredito que sim’.’
Fábio Graner e Luciana Nunes Leal
‘
Poleto é desmentido na CPI sobre dinheiro de Cuba ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 11/10/05‘Um depoimento desastroso do economista Vladimir Poleto, ontem, na CPI dos Bingos, foi prontamente desmentido pela exibição da fita gravada de sua entrevista à revista Veja e complicou a situação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de quem ele foi assessor na prefeitura de Ribeirão Preto.
Depois de negar por quase duas horas as afirmações que a revista lhe atribuiu – descrevendo o vôo de Brasília a Campinas, no qual teria transportado dinheiro de Cuba para a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 – Poleto foi desmentido por sua própria voz e enfrentou senadores irados, que o acusaram de mentiroso. Protegido por um habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), o economista não podia ser preso, ao ser flagrado em mentira à CPI, mas vários senadores pediram o seu imediato indiciamento.
No começo, senadores do PT tentaram defendê-lo, mas depois, diante das evidências, o deixaram entregue à própria sorte. A partir daí, ele foi massacrado pela oposição.
No início do depoimento, Poleto afirmou não se lembrar direito da conversa com o repórter. ‘Após tanto chope, sendo que eu havia começado a beber à tarde aquela cachacinha, minha capacidade de discernimento estava comprometida. Não me recordo se fiz declarações. E, se fiz, são falsas, inverídicas, fruto de coação e constrangimento, fruto do excesso de álcool’, disse.
NO AR
Em resposta, Veja pôs logo depois à disposição, no site da revista, o áudio da entrevista. Ao tomar conhecimento da iniciativa, os parlamentares pediram que o áudio fosse reproduzido no plenário. Poleto teve de ouvir, constrangido, o desmentido de tudo que afirmara minutos antes.
A reprodução do áudio mostrou que a voz de Poleto era serena e equilibrada, e não sugeria que ele houvesse bebido. Na conversa, ele diz ao jornalista Policarpo Junior exatamente o que a revista publicou: que, em 31 de julho de 2002, transportou, de Brasília para Campinas, num bimotor Sêneca, três caixas de bebida, a pedido de um amigo não nomeado.
O senador Demóstenes Torres (PFL-GO), que é promotor, rejeitou a desculpa do excesso de bebida. ‘Trata-se de embriaguez voluntária. Nem o jornalista abriu sua boca e o obrigou a beber nem vossa senhoria caiu em um tonel de cachaça.’
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) tentou sugerir que a gravação da conversa não teria sido autorizada por Poleto, mas a tese logo caiu: no começo, o jornalista faz um cabeçalho como se fosse mesmo referência do início de uma gravação. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), irritadíssimo, pediu o imediato indiciamento de Poleto. ‘Não tenho mais o que perguntar nem o que ouvir’, resumiu.
O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) também atacou Poleto e disse que a CPI tinha passado dos limites; Magno Malta (PL-ES) sugeriu que a CPI pedisse ao STF que revogasse o habeas-corpus, para que Poleto saísse preso da sessão.
Poleto negou que tivesse recebido as caixas do diplomata cubano Sergio Cervantes. Disse que Barquete o orientou a pegar as três caixas em um edifício na Asa Sul, onde elas lhe teriam sido entregues por um porteiro ‘que falava português perfeitamente’.
Íntegra da entrevista
REVISTA VEJA – Hoje é madrugada de sábado. Estou aqui com Vladimir Poleto. Vladimir, você transportou dinheiro para o PT na campanha de 2002? WLADIMIR POLETO – Não, absolutamente não. Veja – Mas há o episódio em que você – a gente já apurou – em que você trouxe de Brasília para São Paulo caixas supostamente contendo bebidas e que havia dinheiro… Poleto – Que eu saiba, não. Veja – O que vc sabe? Poleto – A única coisa que eu sei é que peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida. Veja – Depois que você fez esse transporte você… Foi informado do que efetivamente tinha dentro destas caixas… Poleto – Depois de todo o acontecimento, sim. Veja – E o que tinha dentro dessas caixas, segundo te disseram? Poleto – Uma coisa é o que me dizem outra coisa é a realidade… Veja – E o que te disseram? Poleto – Que tinha dinheiro numa das caixas. Só isso. Veja – Quem disse isso? Poleto – Ralf Barquete. Veja – Como você se sentiu sendo usado para fazer esse transporte? Poleto – Um absurdo. Estive em Brasília para resolver problemas ligados diretamente, não só à minha questão pessoal, mas a outros encaminhamentos, alguns processos de enchentes, no ministério responsável e vim saber depois que acabei transportando alguns pacotes e num deles havia dinheiro. Só isso! Veja – Você se sentiu usado? Poleto – Lógico. Evidente. Isso é um descalabro! Veja – Quanto tempo depois do episódio você ficou sabendo disso, que era dinheiro ao invés de bebida. Poleto – Depois que eu ganhei uma garrafinha de Havana Club, que me foi presenteado, me falaram. Só isso! Veja – Qual o valor que foi falado? Poleto – É… Veja – Segundo a informação que eu tenho, o valor transportado teria sido 3 milhões de dólares. Poleto – Não. O valor que me disseram era 1 milhão e 400 mil dólares. Veja – Vindo de Cuba? Poleto – Não sei de onde. A origem não sei, apenas que acabei transportando num ato de minha infantilidade. Só isso! Veja – Você fez um favor? Poleto – Exato. Veja – A pedido de um amigo. Poleto – Exato. Veja – Que não te disse o que era… Poleto – Disse que eu tinha que trazer três caixas de bebidas. Só isso! Veja – Você correu risco de vida? Poleto – Não. O que aconteceu foi que peguei tempestade! A partir do momento que saí de Brasília bateu uma tempestade. Meu destino era São Paulo e bateu tempestade de Campinas até São Paulo. O piloto teve de mudar a proa para Poços de Caldas e depois certificou-se que talvez não tivesse combustível para chegar a São Paulo e eu pedi pra ele arrumar uma alternativa. Ele disse que tinha de pousar ou em Poços ou em Campinas. Eu optei que pousássemos em Viracopos. Veja – O que aconteceu quando vocês pousaram em Viracopos? Poleto – Viracopos? O avião pousou e eu… imediatamente me retirei do avião e disse que jamais entraria naquele avião, pelas penúrias e problemas que passei. E, a partir do momento que o Ralf chegou no aeroporto, pedi que ele assumisse o avião e junto com o piloto tomasse os destino necessários. A partir dali, voltei para a minha terra natal. Veja – Com relação à mercadoria, você disse que ela foi transportada em um carro blindado. Poleto – Eu não vi. Eu fiquei em Viracopos. O avião pousou em Viracopos e tinha um tempo hábil, já que ali não tinha o combustível para aquele avião, tinha de ser em outro aeroporto ali pertinho, então teve de decolar outra vez e fazer pouso nas proximidades. E o Ralf estava dentro desse vôo. E o Ralf tomou as ações daí para frente, com relação aos produtos que estavam dentro do avião. Veja – Você me disse no início da entrevista que esta história poderia comprometer muito, inclusive derrubar o governo. Por quê? Poleto – Eu? Não. Eu fiquei sabendo da história depois e fiquei muito preocupado. Só isso! Veja – Você acha que foi um inocente útil? Poleto – Evidente. É uma realidade. Veja – Você tem a consciência absolutamente limpa de que não participou de maneira efetiva desse transporte de dinheiro, sabendo o que estava fazendo… Poleto – Lógico, imagina… Jamais iria pegar um vôozinho com um milhão de dólares dentro de um avião e transportar. Isso não é da minha índole. Veja – Você se arrepende disso? Poleto – Olha, costumeiramente eu não viro as costas para os amigos. É da minha índole. A partir do momento que um amigo me pede ‘Vladimir traga’, eu…. Qual o problema se não levar? Veja – De quem era o avião? Poleto – Não sei. Veja – Era um Seneca? Poleto – Um Seneca. Um Seneca para quatro lugares. Veja – Você me disse que três lugares estavam ocupados com as caixas. Poleto – Exato e mais o meu. Veja – Como você descreveria estas caixas. Como elas eram? Poleto – Uma caixa escrita Red Label, a outra Black Label, a outra Havana Club. Todas do mesmo tamanho, mesma textura… Idênticas… Só mudando o nome. Veja – Você imaginou que tinha bebida dentro? Poleto – É lógico. Conheço muito Black Label, Red Label, mas não conhecia o Havana Club. Mas aí o meu amigo Ralf Barquete me trouxe uma garrafa de Havana e presenteou-me. Disse: Vladimir, aqui tem um Havana Club pra ti. Veja – Aí ele te contou a história. Poleto – Exato. Veja – Isso muito tempo depois? Poleto – Uma semana depois, por aí. Veja – Isso aconteceu em setembro de 2002? Poleto – Não me recordo. Eu sei que foi em 2002… Veja – Durante a campanha? Poleto – Durante a campanha.’
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‘Ex-assessor diz que bebeu antes e durante a entrevista ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 11/10/05
‘Vladimir Poleto e o repórter Policarpo Júnior, de Veja, conversaram em 21 de outubro no bar do Hotel Plaza Inn de Ribeirão Preto. Segundo Poleto, tomaram ‘muitos chopes’ entre 21h40 e 3h30. Antes, alegou, já teria bebido. E disse que, no fim do diálogo, o repórter teria dito que ‘queria tomar mais chope e ia ganhar o prêmio Pulitzer de jornalismo’.’
Barbara Gancia
‘Lula fez a lição de casa ‘, copyright Folha de S. Paulo, 11/10/05
‘Apesar do aparente cansaço, Lula mandou bem na entrevista ao programa ‘Roda Viva’, da TV Cultura. A performance do presidente pode não ter sido satisfatória para aquela parcela da população que sabe a diferença entre certo e errado, mas do ponto de vista estritamente ‘midiático’, Lula mandou seu recado de forma convincente.
Há um nítido contraste entre o Lula do ‘Roda Viva’ e aquele que se viu na fatídica entrevista em Paris. Por que o presidente não demonstrou a mesma eficiência naquela ocasião? E por que será que, a certa altura do campeonato, Lula, Delúbio, Silvinho e o resto da tropa petista usavam os mesmíssimos argumentos para se defender das acusações?
A expressão-chave para entender os petistas em uníssono e a desenvoltura de Lula na entrevista de segunda-feira é ‘media training’. O ‘treinamento de mídia’ nasceu nas grandes corporações norte-americanas para ajudar executivos e porta-vozes de empresas a se comunicar com jornalistas. Consiste, basicamente, em exercícios de simulação de entrevistas coletivas. Nesse treinamento, as perguntas incômodas a que o ‘trainee’ possa ser submetido na vida real são trabalhadas para que as respostas saiam de acordo com suas necessidades.
Veja o que diz, por exemplo, a brochura do curso de ‘media training’ da A2 Comunicação: ‘O programa contempla exercícios práticos de administração de crise, com enfoque em casos hipotéticos desenvolvidos especialmente para cada companhia, em seu ambiente de negócios’. É mais ou menos o mesmo tipo de simulação a que candidatos a cargos públicos são submetidos antes de um debate.
Não é segredo que, orientados por seus advogados, Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genoino passaram por extenso ‘media training’ para enfrentar CPIs e a imprensa. Faz parte da dinâmica de pessoas em evidência que estão no papel de denunciados.
Lula aliou a um ‘media training’ bem-feito o seu carisma. Respondeu com firmeza a todas as perguntas espinhosas que lhe foram feitas, jogou, de forma brilhante, uma pá de cal sobre José Dirceu e ainda deitou e rolou em cima de números e fatos sem ser contestado pelos jornalistas (quiçá, por conta de algumas regras preestabelecidas com a emissora para dar a entrevista). Não fosse isso, talvez alguém pudesse ter chamado a atenção do presidente para o fato de que Roberto Jefferson não foi cassado ‘por não ter conseguido provar a existência do ‘mensalão’, mas por ser réu confesso.
QUALQUER NOTA
Mórbida semelhança
Inocentes executados, vandalismo, policiais feridos e troca de tiros nos subúrbios. Tudo isso em Paris. Agora sim, começou o Ano do Brasil na França.
Censura
O Corinthians vetou as pedaladas de Robinho em cima do lateral Rogério no documentário ‘Ginga’ sobre o futebol brasileiro? Alô, Marcelo Teixeira! Que tal proibir a exibição de todos os lances do 7 x 1 no Pacaembu?
Pedida
Absolutamente deslumbrante o livro ‘Sem Título’ (editora Metalivros), da fotógrafa Rochelle Costi. Não perca.’
Alan Gripp e Demétrio Weber
‘Poleto cai em contradições e tem prisão pedida’, copyright O Globo, 11/10/05
‘A CPI dos Bingos aprovou ontem requerimento pedindo a prisão do economista Vladimir Poleto, suspeito de transportar o suposto dinheiro enviado pelo governo de Cuba para a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Poleto depôs ontem e caiu em diversas contradições. Só não deixou o Congresso algemado porque depôs protegido por um hábeas-corpus. Para parlamentares da oposição, Poleto acabou tornando verossímil a denúncia da revista ‘Veja’ sobre o suposto dinheiro cubano e deixou ainda mais frágil a situação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Seu ex-assessor tentou fazer um desmentido acusando o autor da reportagem, mas foi desmentido, se enrolou com inúmeras contradições e ainda confirmou a viagem do avião Sêneca transportando caixas que ele agora diz serem de uísque e não de dólares.
A CPI aprovou outro requerimento, enviando uma queixa-crime à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal para apurar a suposta entrada ilegal de dinheiro no país e o transporte de dólares no chamado caso Cuba. A prisão de Poleto foi pedida pelos mesmos crimes.
Poleto negou ter dado as declarações à ‘Veja’ e alegou que, se falou, foi porque estava bêbado. Disse que não autorizou que a entrevista fosse gravada. Para desmentir o depoimento de Poleto, a revista pôs a gravação em seu site e o áudio foi reproduzido na sessão da CPI . Na fita, porém, Poleto não se mostra contrariado com as perguntas e não parece embriagado.
As contradições levaram os integrantes da CPI a aprovar os dois requerimentos.
– Essa gravação fala por si. É claro que o senhor Poleto está mentindo de maneira deslavada diante deste plenário – protestou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Muito nervoso, Poleto iniciou seu depoimento lendo um relato de 12 páginas com sua versão para o caso Cuba. Ele confirmou que levou três caixas de uísque num avião Sêneca de Brasília para São Paulo, mas negou que elas continham dólares. O economista disse que pegou uma carona no Sêneca atendendo a uma oferta de um amigo, o também ex-assessor de Palocci Ralf Barquete, que lhe pedira o favor de transportar as caixas. Poleto negou ter recebido as caixas de um diplomata cubano.
– Foi do porteiro do prédio – afirmou Poleto, dizendo não lembrar do endereço onde pegou as caixas.
Depois, Poleto acusou o repórter Policarpo Júnior, da ‘Veja’, de lhe coagir a dar a entrevista usando um dossiê com acusações profissionais e pessoais, além de fotos. O economista disse, então, ter cedido à pressão e ido ao seu encontro num hotel em Ribeirão Preto. E afirmou que, apesar de negar que tenha transportado os dólares, o repórter teria lhe dito que publicaria a história de qualquer maneira e que sua meta era ‘pegar o ministro Palocci’:
– Ele (Policarpo) me disse: ‘A reportagem está pronta, quer você queira ou não’.
Apesar de ter negado as declarações dadas ao repórter, Poleto depois considerou a possibilidade de ter dado de fato a entrevista por estar sob o efeito de álcool. Ele alegou que antes de se encontrar com o repórter tomara ‘umas cachacinhas’ num churrasco e que, no hotel, bebeu alguns chopes:
– Nem me recordo se fiz realmente alguma declaração. Mas se fiz, essas declarações são falsas, fruto da coação que sofri e também do excesso de álcool.
CPI pôde ouvir parte da conversa
A versão foi contestada quando a revista avisou à CPI que tinha uma gravação com dez minutos, na qual Poleto resume ao jornalista as informações dadas ao longo de cerca de cinco horas de conversa.
‘Hoje é madrugada de sábado. Estou aqui com Vladimir Poleto. Vladimir, você transportou dinheiro para o PT na campanha de 2002?’, inicia Policarpo Júnior. ‘Não, absolutamente não’, responde Poleto. O repórter insiste e pergunta o que lhe disseram que havia dentro das três caixas de uísque: ‘Que tinha dinheiro numa das caixas. Só isso’, responde Poleto.
A conversa prossegue e Poleto conta que descobriu que carregava dinheiro depois que ganhou de presente uma garrafa do rum cubano Havana Club. O jornalista disse que tem a informação de que as caixas continham US$ 3 milhões e Poleto o corrige: ‘Não. O valor que me disseram era US$ 1,4 milhão’.
Após a exibição da fita, os senadores aprovaram o requerimento para indiciar Poleto, que foi duramente criticado:
– Este depoimento é muito ruim para o ministro Antonio Palocci. Fica claro que existe entre ele, o Buratti, o Barquete, o Adermison (assessor) uma triangulação complicada – disse Tasso Jereissati.’
LULA & PIRATARIA
Folha de S. Paulo
‘Pirataria A Bordo’, copyright Folha de S. Paulo, 11/10/05
‘Num governo que se esforça em demonstrar seu comprometimento com a repressão à pirataria, o maior exemplo de repúdio a esse crime deveria vir justamente do presidente da República. Não foi o que se viu no episódio constrangedor da exibição de um DVD pirata no avião da Presidência durante viagem a Moscou, em fevereiro último.
Em nota, o Planalto afirmou que a responsabilidade pelo incidente teria sido da ‘ajudância de ordem’, divisão palaciana que participa da organização das viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pelo menos nesse caso não há motivo para duvidar do desconhecimento do primeiro mandatário acerca dos fatos. Mesmo assim, o episódio transcende a mera gafe. Ele tem um efeito desmoralizador, principalmente quando se atenta para os números da comercialização de produtos piratas no Brasil. Estima-se, por exemplo, que em 2003 cerca de 60% dos softwares vendidos eram irregulares. Avalia-se que a pirataria movimente R$ 9 bilhões por ano no país.
O Ministério da Justiça criou um órgão para combater esse problema e o poder público, nas diversas esferas, vinha dando demonstrações -até mesmo espetaculares- de sua disposição a enfrentar o comércio irregular. Um exemplo disso, foi a trituração, em janeiro, no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, de 1 milhão de CDs falsificados.
Diante desses fatos e das pressões internacionais contrárias à suposta leniência do governo brasileiro no combate à pirataria, seria recomendável que no futuro a ‘ajudância de ordem’ da Presidência se mostrasse mais atenta. Antes de exibir uma cópia pirata de um filme, por exemplo, poderia simplesmente recorrer aos produtores da película para obter uma versão autorizada.
Afinal de contas, a pirataria é crime e os atos de um chefe de Estado têm uma dimensão simbólica que não pode ser desprezada.’