Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Milton Coelho da Graça

‘Glória Peres e a pesquisa da Globo pesquisam incansavelmente para saber o que os espectadores querem ver na novela. Mas não são apenas eles. O autor teatral americano Neil Simon diz ao GLOBO, nesta terça-feira, 8/10, coisa parecida: ‘O teatro americano vai muito bem. Mas como indústria de entretenimento. Como veículo e produção de idéias, nem pensar. (…) Estamos vivendo um momento de antiescritores. (…) Eu não vejo a preocupação de oferecer ao público algo que eles já não esperem.’ E Simon também conta por que desistiu de escrever para o cinema: ‘Num filme, o autor tem de aplacar as angústias de pelo menos 30 produtores, de um cineasta que só deve ter visto desenhos animados antes de virar diretor e de um par de diretores que listam as falas que eles querem que você tire do script.’

Televisão, teatro, cinema – todos cada vez mais subordinados ao marketing, à busca do sucesso imediato de audiência ou bilheteria. Isso não é necessariamente ruim, mas pode asfixiar a criatividade, caso se torne o único objetivo a perseguir.

O tempo freqüentemente faz a sociedade humana ‘descobrir’ o valor de um livro, uma peça teatral, um filme ou um quadro, cujos autores não se preocuparam em atender ao gosto imediato do público, mas sim em fazê-lo pensar. Consideraram que o público ‘precisava’ daquela obra.

Nos meios de comunicação mais imediata – jornal, rádio, televisão – o Ibope e o IVC tendem a ser ainda mais implacáveis do que as bilheterias. Depois das febres dos brindes e sorteios, a lenta mas contínua queda de circulação ameaça empurrar os jornais (inclusive os de melhor qualidade) para a redução do custo editorial e o apelo a recursos de ‘marketing’, como o dos suplementos especiais – cada vez mais comuns.

Em alguns jornais e não apenas no Brasil, já transparece crescente influência das pesquisas de marketing sobre a seleção de títulos e chamadas na primeira página. O jeito é torcer para que não se estenda a editores e pauteiros.

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As muitas interrogações de ‘Q!’

Está na rua o vespertino de Ariane de Carvalho, a 75 centavos o exemplar. Um projeto audacioso e que tem um caixa – segundo fontes de apenas razoável confiança – com seis milhões para chegar ao nível de equilíbrio.

Torço pelo ‘Q’ com a mesma veemência que torço pelo Vasco. Mas minha fé no projeto é a mesma que tenho na administração de Eurico Miranda. Mesmo com 450 vendedores espalhados pelo Rio de Janeiro e a promessa de publicar tudo aquilo que os leitores só lerão no dia seguinte em outros jornais, ‘Q’ terá de ser supercriativo para superar todas as barreiras que liquidaram todos os vespertinos cariocas, inclusive o trânsito, e ainda duas organizações jornalísticas tradicionais e poderosas.

Mas a vingança em família é sempre do tipo mais renitente. E talvez d. Ariane seja a maior revelação mundial na área da mídia.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Comendo a vaquinha’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 10/11/05

‘‘Confirmada febre aftosa em deputado. É preciso abater todo o rebanho.’

(Enviada por Fausto Ryo Osoegawa)

Comendo a vaquinha

A Folha Online soltou a franga e o título Glória Perez desmente Globo sobre beijo fungou no cangote da notícia:

Após a repercussão negativa do veto ao beijo gay, a autora de ‘América’ Glória Perez desmentiu neste sábado a versão divulgada pela Central Globo de Comunicações de que o beijo teria sido cortado no último capítulo da novela.

A escritora divulgou, por meio do Orkut, a seguinte mensagem: ‘Desmentindo com indignação o que andam dizendo alguns sites: o beijo foi cortado pela emissora. Estou tão frustrada quanto vocês!

Janistraquis ficou, digamos, um pouco confuso com todo esse frege:

‘Considerado, não dá pra entender essa onda geral por causa de uma cena de veadagem; espantoso é que no núcleo rural da novela ninguém reclamou da ausência absoluta da velha e boa zoofilia. Você reparou que não apareceu nenhum peão pra comer uma única vaquinha?!?!

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Ano do Brasil

Do site Kibeloco (www.kibeloco.com.br), citado na coluna do Ancelmo Gois:

‘Vandalismo, policiais feridos, troca de tiros nos subúrbios, veículos queimados e inocentes executados. Tudo isto em Paris. Agora é que começou o Ano do Brasil na França.’

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Dureza

O considerado professor Paulo César Guimarães envia chamadinha de capa do site Inter.net Brasil, na qual é possível ler com certo espanto: Para Cardozo, PT precisa ser mais duro com os próprios membros. O indigitado é José Eduardo Cardozo e Janistraquis admirou-se:

‘Considerado, é impressionante a gente ver um deputado tão sensível, um pianista de mão cheia, falar com tal ênfase em membros duros…’

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Puro marketing

A seguinte notícia saiu na Folha de S. Paulo, devidamente amortalhada sob o título Ministério Público quer proibir venda de livro do bispo Edir Macedo:

O Ministério Público Federal da Bahia quer proibir a venda em todo o Brasil do livro ‘Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?’, escrito pelo bispo Edir Macedo, um dos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus.

Movida pelos procuradores Sidney Madruga e Cláudio Gusmão, a ação civil pública alega que a obra é ‘degradante, injuriosa, preconceituosa e discriminatória’ em relação às religiões afros –candomblé, umbanda e quimbanda.

Pálido como um frango de macumba, resultado de intensa indignação, Janistraquis insurgiu-se:

‘Considerado, esses dois procuradores devem ser membros da Universal e fazem essa onda toda com o único intuito de promover o livro do bispo!!!’

É verdade. Afinal, se estamos mesmo numa democracia, Edir Macedo pode muito bem achar que caboclos, guias e orixás são ovos de Satã, do mesmo modo como este colunista tem todo o direito de interpretar o chilique dos procuradores como autêntico zurro de antas, se é que antas zurram.

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Ladrões

Chamadinha do telejornal Hoje, da Rede Globo:

Recém-nascido é roubado numa maternidade de Goiânia!

Janistraquis, que anda a confundir valério com velório, ficou pasmo:

‘Caramba, considerado! E quanto levaram da pobre criancinha?!?!!?’

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Maravilhosas palavras

Giulio Sanmartini escreveu no Observatório da Imprensa uma preciosa resenha do livro The Meaning of Tingo (O Significado de Tingo), do escritor inglês Adam Jacot de Boinod. Quem ama as palavras não pode deixar de ler.

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Mentiras & mentiras

Sob o título A derrota da mentira no referendo, escreveu o jornalista e marqueteiro Chico Santa Rita:

O grande desafio que enfrentamos na comunicação da campanha do ‘Não’, no referendo, foi desfazer a imensa teia de mentiras que foi sendo cuidadosamente tecida desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, dois anos atrás (…)

Leia no Blogstraquis a íntegra do excelente texto originalmente publicado em Tendências/Debates da Folha de S. Paulo.

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Sérgio Augusto

A visita de Bush inspirou mais um definitivo texto do Mestre, que não se abateu com a derrota do Botafogo para o Flamengo. Leia no Blogstraquis.

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Mais Bush

Leia também no Blogstraquis outro excelente e ‘bushiano’ artigo, escrito pelo grande vate e jornalista Ruy Paneiro e publicado no indispensável jornal Montbläat, de Fritz Utzeri (para assinar: flordolavradio@uol.com.br).

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De mentirinha

O considerado Itacir Rodrigues Magalhães envia notícia publicada no Jornal dos Lagos, de Alfenas, jornal que cobre as cidades do Sul de Minas. Sob o título PM prende autor de vários assaltos e assassinato, lia-se:

Lavras – (…) durante policiamento pelo Parque de Exposições, onde estava ocorrendo o Lavras Folia, a PM suspeitou das atitudes de um rapaz e o submeteu a busca pessoal. Com Paulo José de Oliveira, 34, foi encontrada uma réplica de arma de fogo.

Foi verificado ainda que o autor trocou de roupas várias vezes, tentando ludibriar os policiais que o observavam e houve também denúncia anônima de que o mesmo teria praticado vários assaltos em fazendas da região.

Ao ser abordado, o autor foi reconhecido como sendo o autor do assassinato de um policial militar durante uma abordagem ocorrida na cidade de São Bento Abade.

Itacir ficou impressionado:

‘Como é possível um bandido fazer tamanho estrago com um revólver de brinquedo? Chegou até a matar!’

Quanto aos assaltos, ó Itacir, Janistraquis não opina porque não conhece o assunto; mas garante que, quando o cabra é morredor, basta uma simples ameaça para ele cair duro:

‘O que impressiona de verdade na notícia, considerado, é Paulo José trocar tantas vezes de roupa na frente da polícia. Por que não prenderam o elemento por atentado ao pudor?!?!’

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Coisa antiga

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo varandão exposto ao sol foi possível ver o presidente Lula a festejar o desempenho eleitoral no Roda Viva, pois Roldão lia o Correio Braziliense quando tropeçou nesta pedra:

Tratamento de cálculo renal tem nova técnica, dizia o título, sob o qual lia-se o seguinte texto:

Uma das novidades apresentadas na convenção é um tratamento para quem sofre de cálculo renal, que colocou o Brasil na vanguarda da urologia. A técnica que ganha espaço entre os urologistas é a Litotripsia extracorpórea, feita por ondas de choque.

A cirurgia (sic) não necessita de nenhum corte e após o procedimento o paciente recebe alta. Um computador identifica a localização do cálculo e envia uma onda elétrica. Assim a pedra é fragmentada e eliminada pela urina.

Roldão, que está sempre de olho aberto e orelha em pé, atrás da qual abriga uma pulga de estimação, comentou:

A litotripsia extracorpórea é uma técnica velha, de mais de quinze anos. Não me consta que tenha sido criada no Brasil.

Não é cirurgia pois não há invasão física no corpo do paciente. A localização do cálculo é feita com o uso de raios-X e computador. As ‘ondas de choque’ não são simplesmente elétricas. São ondas de ultrassom, tipo sonar. O choque é uma colisão, um impacto físico em cima do cálculo, repetido durante mais de um quarto de hora, bastante suportável, mas que o paciente sente perfeitamente. O paciente não recebe choque elétrico algum.

O colunista, que já foi submetido a três litotripsias, dá fé e subscreve.

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Nota dez

Nosso considerado Mestre Deonísio da Silva abandona provisoriamente a cátedra, aboleta-se nas arquibancadas do Campeonato Brasileiro e mostra que bate com as duas e brinca nas onze, ao receber a nota dez da semana:

(…) O Flamengo foi o pretexto mais característico da inversão de prioridades. Venceu todas as partidas desde que, muito mal das pernas, recorreu a São Judas Tadeu. Catolicismo? Puro, não. Não no Brasil, país que evidencia como nenhum outro o sincretismo religioso. Um gol, marcado contra o Coritiba, foi atribuído ao espiritismo. Os jornais deram até o nome do espírito artilheiro: Fellype Gabriel.

Leia a íntegra do artigo no Observatório da Imprensa.

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Errei, sim!

‘QUE GRACINHA! – O ombudsman da Folha, Mario Vitor Santos, decidiu embrenhar-se neste verdadeiro cipoal que é a credibilidade da imprensa e cometeu a seguinte frase: ‘Neste ambiente de ignorância graça todo tipo de crendice e desinformação’. Graça!!! Janistraquis foi verificar no Aurelião: Graça – substantivo feminino. Favor, dádiva, benefício; Grassar – verbo intransitivo que significa desenvolver-se, alastrar-se. ‘Pois é, considerado, grassa a ignorância na imprensa!’, decretou meu secretário. Discordo. Pura maldade. Mario Vitor é culto, uma graça de rapaz. Aquilo foi obra de revisor revoltado com alguma coisa.’ (agosto de 1992)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Marcos de Castro

‘O Brasil que não dobra a espinha’, copyright O Globo, 15/11/05

‘O deputado Aldo Rebelo, atual presidente da Câmara, apresentou no fim do século passado, creio que lá por 1998 ou 1999, um projeto de lei no qual saía em defesa da língua portuguesa. Se a memória não me trai, creio que o básico no projeto era a tentativa de proibir a despudorada utilização de anglicismos inúteis em textos públicos, como anúncios e quejandos. Caíram de pau no deputado, disto me lembro bem. Tipos desses que nossa imprensa chama hoje de ‘formadores de opinião’ deitaram falação na TV, revistas e jornais.

O argumento mais comum era de que ‘uma língua não se faz através de decretos’, aliás uma verdade verdadeira. O que todos os participantes da dura blitz contra o deputado omitiram é que imperava o bom senso no projeto. Que não se pretendia barrar anglicismos úteis e definitivamente entronizados na língua, enriquecedores do nosso bom e velho idioma. Como o enriqueceram, no século XIX, os galicismos invasores: os que tinham uma função a cumprir ficaram, embora alguns esperneassem, como o professor Castro Lopes (1827-1901), emérito latinista e lente do Colégio Pedro II, a propor quebra-luz para banir abajur. Os artificiais, como chefe-de-obra em vez de obra-prima, não passaram de vã tentativa franco-ufanista do grande Almeida Garrett.

O bom senso de que se falou acima seria, para ficarmos num só exemplo, combater despropósitos como essa palavra inglesa delivery , que jamais entrará naturalmente na língua portuguesa, pois nos sobram expressões vernáculas com o mesmo sentido. Mas o grande comércio, com rigoroso artificialismo, tenta introduzi-la a golpes de picareta. Apesar da descabelada inutilidade do termo – adotá-lo chega às raias da burrice, comercialmente, porque o brasileiro médio não tem a menor idéia do que seja delivery -, não há dúvida de que combatê-lo por lei é uma tarefa inglória, ainda que se esteja na defesa amorosa da língua ‘em que Camões chorou no exílio amargo’, como disse o poeta.

Já não é a mesma coisa em relação à ortografia. Neste caso, pode-se fazer alguma coisa. O Brasil tem uma ortografia em vigor. Há uma Convenção Ortográfica entre Brasil e Portugal (29.12.1943), e uma convenção internacional tem de ser respeitada. Seria justo, assim, esperar que nosso governo exigisse respeito à ortografia em vigor. No mínimo – mas será que é preciso dizer isso? – quanto a seu uso através dos três poderes, em todos os níveis (municipal, estadual e federal), e suas diversas repartições e autarquias.

Pois bem, não é isso que acontece no Brasil. Enquanto Portugal respeita com rigor a ortografia única que ambos os povos temos hoje, com pouquíssimas diferenças (sua base está no trabalho científico do grande foneticista Gonçalves Viana, ‘Ortografia Nacional’, 1904), aqui, qualquer prefeitinho é filólogo, qualquer Câmara municipal legisla sobre ortografia!

É o que estão fazendo no momento a Câmara Municipal e o prefeito da cidade paranaense de Foz do Iguaçu. Resolveram decretar que a grafia da palavra Iguaçu, do nome da cidade, será mudada na última sílaba, que passará a ser grafada com dois ss. Querem eles que se passe a escrever ‘Foz do Iguassu’ porque é assim que se escreve nos Estados Unidos (pois em inglês não existe ç). Aleguem o que alegarem esses senhores – dizem eles que com a nova grafia aumentaria o número de turistas americanos -, o que está sendo feito é humilhante para o Brasil. Adapta-se uma palavra do tupi-guarani (que significa ‘água grande’) ao ‘jeito americano de escrever’.

E como ficará a grafia para o caudaloso rio Iguaçu, que dá nome à cidade? Teríamos o rio Iguaçu e a cidade de Foz do Iguassu? Na verdade, prefeitos e vereadores não podem legislar sobre ortografia, ainda que se trate do nome da cidade – e tanto estão exorbitando que uma benemérita Academia de Letras do Oeste do Paraná vai entrar com processo judicial tentando anular a ação deletéria dos poderes de Foz do Iguaçu. O Brasil que não dobra a espinha, o Brasil do bom-senso, espera que a Academia seja vitoriosa. MARCOS DE CASTRO é jornalista.’



MIL DIAS…
Ana Estela De Sousa Pinto

‘Novo ‘Mil Dias’ atualiza rumos da imprensa’, copyright Folha de S. Paulo, 12/11/05

‘Tal como a coruja da filosofia clássica, que levanta vôo apenas ao entardecer, a história da imprensa profissional e independente no Brasil se consuma apenas quando o jornalismo parece viver uma crise final? Parece ser a questão que recoloca o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva com a reedição de ‘Mil Dias’, a história da grande transformação do jornalismo da Folha.

Seu autor é um narrador privilegiado: foi um dos executivos condutores do processo liderado pelo diretor de Redação Otavio Frias Filho, recém-empossado em 1984, data a partir da qual são contados os primeiros mil dias do Projeto Folha -uma política editorial independente e formas racionais de trabalho que influenciaram a imprensa do país.

O livro detalha essa história desde a gestação do projeto, quando a empresa é comprada por Octavio Frias de Oliveira em 1962 e passa por modernização em vários níveis -financeiro, empresarial, industrial-, até 1987, quando os movimentos mais radicais estão concluídos e o jornal começa a corrigir sua trajetória.

Não é um relato emotivo ou ‘romanceado’ como ‘O Reino e o Poder’ (história do ‘New York Times’ contada por Gay Talese), adverte o autor no novo prefácio -na verdade um novo capítulo de 23 páginas em que Lins da Silva atualiza a discussão sobre o papel e as perspectivas da imprensa.

Em longos trechos, de fato, a narrativa mantém-se desapaixonada, ‘limpa’, mesmo quando trata de crises como a que levou 65% dos jornalistas da Folha, dentre os quais editores e repórteres especiais, a protestar em 1985 contra a maneira pela qual o projeto era implantado, tida como ‘burocrática e desumana’.

Revolta anticomputadores

Apresentado como tese de livre docência à Universidade de São Paulo, o trabalho procurava fazer uma análise ‘o mais científica possível’ dos métodos utilizados para mudar a maneira de fazer jornal na Folha. Mas é também uma reportagem minuciosa sobre um episódio pioneiro, arrojado e turbulento. Alguns trechos, vistos agora à distância, chegam a ser divertidos -como a indignação contra os computadores, em 1983.

O leitor pode se surpreender com o barulho da reação a princípios fundamentais em qualquer jornal que se preze: abordagem crítica, isenção jornalística, correção de erros, padronização do texto, controle de qualidade. ‘Mil Dias’, seguindo o projeto editorial que documenta, abre espaço para os opositores e seus argumentos a cada fase que relata.

O livro que está sendo relançado pela Publifolha tem ainda um interesse que ultrapassa o do registro historiográfico. Ao discutir os erros e acertos do Projeto Folha, Lins da Silva enuncia um dos problemas mais atuais da imprensa. ‘O jornal diário corre risco efetivo de não sobreviver’, escreve no novo prefácio. Para evitar esse fim, diz o autor, é preciso ‘arrojo para mudar drasticamente as suas características’.

Diagnóstico e prescrição geral coincidem com fatos e análises mais recentes. O balanço de 700 jornais americanos de abril a setembro, anunciado na última terça-feira, mostra circulação 2,6% menor que no mesmo período de 2004. Dos dez maiores, apenas o terceiro, o ‘New York Times’, não perdeu leitores: suas vendas foram de 1,126 milhão de exemplares -aumento de 0,5%.

No Brasil, a circulação caiu de 2000 a este ano, quando a situação se estabilizou. Mas a competição, para além do mercado, é pelo tempo do leitor. Uma pesquisa divulgada há três semanas pela Universidade Estadual Ball (Indiana, EUA) constatou que o consumidor de mídia americano dedica 12,2 minutos por dia aos jornais impressos -o número cai para 3,6 minutos para leitores de 25 a 34 anos. O estudo é considerado pioneiro por acompanhar de perto 400 pessoas durante mais de 5.000 horas, em vez de se basear em respostas a questionários.

Salvando o jornalismo

‘O setor precisa de muitas idéias loucas’, reclama Philip Meyer, professor da Universidade da Carolina do Norte e autor de ‘The Vanishing Newspaper: Saving Journalism in the Information Age’ (o desaparecimento dos jornais: salvando o jornalismo na era da informação, publicado em 2004 nos EUA). O consenso acaba quando se discute como mudar.

Alguns executivos acreditam que é preciso contemplar os interesses cada vez mais particularistas dos leitores, como auto-aperfeiçoamento profissional, físico, psicológico e estético, consumo, lazer, cuidados com a casa.

Já para Lins da Silva, a imprensa diária só sobrevive se atender bem à demanda de um público cada vez mais concentrado numa elite intelectual e politicamente bem informada. Nessa direção, sugere o aprofundamento da cobertura e o aumento da qualidade, ou sofisticação, editorial.

‘O ‘USA Today’ [maior jornal americano, com 2,296 milhões de exemplares, e um dos inspiradores do Projeto Folha nos anos 80] adotou reportagens maiores, a ‘New Yorker’ [revista das mais prestigiadas no mundo] voltou aos textos mais longos e o ‘Wall Street Journal’ [segundo jornal dos EUA, com 2,084 milhões de cópias] nunca deixou de tê-los.’

Ambos os jornais, no entanto, perderam circulação nos últimos seis meses e o ‘Journal’ está adotando nas edições internacionais o formato tablóide, menor, a exemplo dos principais jornais ingleses. Menos páginas em tamanho menor também vêm sendo anunciadas por jornais médios dos EUA, e alguns já lançam tablóides gratuitos para jovens.

A batalha pelo leitor de sete dias por semana está perdida, diz Tom Rosenstiel, autor de um dos mais discutidos livros sobre a situação atual da mídia (‘Os Elementos do Jornalismo’, lançado no Brasil em 2003 pela Geração Editorial). ‘Pessoas com menos de 35 anos querem notícias on-line, querem fazer buscas, ter controle da programação’, declarou ao ‘St. Petersbourg Times’. Mas, no levantamento da Ball, jovens de 18 a 24 anos não eram os maiores usuários da internet e raramente a usavam à procura de informação.

Pelo prazer de ler

‘Os jornais estão se reinventando’, afirma Janet Robinson, presidente da empresa que edita o ‘New York Times’, em reportagem do próprio jornal. É uma reinvenção mais difícil que a dos anos 80, diz Lins da Silva, porque agora os jornais têm mais a perder. ‘Mas é ainda mais necessário agora que os líderes de circulação façam essa revolução.’

A afirmação tem um quê de torcida de um jornalista distanciado das Redações -ex-diretor-adjunto de Redação da Folha e do ‘Valor Econômico’, hoje diretor de relações institucionais da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas-, mas ainda consumidor intensivo de jornais. No seu escritório no décimo andar de um prédio na arborizada av. Nove de Julho, no Itaim (zona sul), lê todos os dias seis deles na versão impressa e mais três ou quatro estrangeiros na versão on-line.

Seu filho adolescente, a quem a reedição do livro é dedicada, ainda não abre com freqüência o exemplar do jornal cuja assinatura seu pai lhe deu de presente. Ainda. ‘Mil Dias: Seis Mil Dias Depois’ expressa otimismo: ‘Para meu filho, com a esperança de que ele também possa usufruir desse prazer’, diz a dedicatória.

Mil Dias: Seis Mil Dias Depois

Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva

Editora: Publifolha

Quanto: R$ 37 (243 págs.)’



DIÁRIO DE GUADALCANAL
Ricardo Bonalume Neto

‘O animador de torcida’, copyright Folha de S. Paulo, 13/11/05

‘Há dois motivos para ainda ler ‘Diário de Guadalcanal’, livro de 1943 do jornalista Richard Tregaskis. Trata-se de uma rara narrativa pessoal de um momento crucial da Segunda Guerra, a primeira contra-ofensiva norte-americana no Pacífico. E é um livro que mostra uma maneira de fazer jornalismo de guerra que se considerava datada -até ser ressuscitada durante a invasão do Iraque pelos EUA em 2003.

Guadalcanal é uma ilha do Pacífico sul, estrategicamente localizada entre os EUA e a Austrália. Em 7 de agosto de 1942 os americanos decidiram retomá-la, quando perceberam que os japoneses ali construíam uma base aérea. Dois correspondentes foram junto com as tropas, um deles um sujeito de mais de 1,90 m, Tregaskis.

Ele passou dois meses na ilha vivenciando algo raríssimo no século 20. Os EUA estavam em paridade com um inimigo convencional e mesmo em inferioridade em certos momentos. No período em que esteve lá, os japoneses eram capazes de bombardear de navio e de avião as posições americanas, algo impensável hoje.

Na Segunda Guerra, os correspondentes de guerra anglo-saxões se comportavam de modo geral como ‘animadores de torcida’. É o que se esperava deles, que publicassem notícias que ajudassem o esforço de guerra. Sofriam censura, mas tinham um grau de liberdade, ao contrário de seus colegas de países totalitários, como Alemanha e União Soviética, recrutados para o esforço como se fossem militares.

Soldados heróicos

Tregaskis escreve como quem procura dar boas notícias para o público em casa. Seus soldados são sempre heróicos, o resultado dos combates é quase sempre favorável aos EUA, apesar de o inimigo ser brutal. Isso não quer dizer que seja desonesto. Suas descrições são autênticas e primorosas. Mas a necessidade de mostrar sempre um lado positivo o faz ser pouco cético em relação ao que lhe dizem os militares.

E nem é o caso de achar que também os militares estejam agindo de má-fé. O problema é que a guerra é o domínio por excelência da imprecisão. Não há como checar o outro lado. No calor do combate, as impressões superam os fatos.

Tregaskis não desconfia de nada do que lhe dizem. Numa hora ele conta que 40 aviões japoneses foram abatidos, dos 40 que atacaram. Isso nunca aconteceu, mas ele não questiona o absurdo da afirmação. Em nenhum lugar, em nenhum momento da guerra um combatente teve uma perda tão catastrófica. Sem dúvida seria algo comemorável.

O livro foi publicado em 1943 e tornou-se filme de propaganda, o que dá uma boa medida do seu conteúdo. Há muitas alegações sem comprovação.

A principal falha da reedição -e isso vale também para a nova publicação americana, de 2000- é a falta de contextualização (um mapa também ajudaria, a não ser que se saiba onde ficam Matanikau ou Tulagi ou Tenaru).

Hoje se conhece bem melhor a batalha por Guadalcanal. Algumas notas de rodapé teriam informado ao leitor sobre o que de fato aconteceu, sem que isso se constituísse crítica ao autor. Tregaskis fez o melhor que pôde com as informações disponíveis então.

Sem contar que passou por maus bocados e nem se vangloriou disso, como jornalistas menores fariam. Dá pra imaginar o drama quando um atirador de tocaia (traduzido imprecisamente como ‘franco-atirador’) tenta acertá-lo, e ele procura esconder seu mais de 1,90 m atrás de uma árvore fina. Tregaskis gostaria de ter um fuzil, então. Jornalistas não usam armas, apesar de nessa guerra andarem uniformizados.

O estilo ‘animador de torcida’ podia ter algum sentido na Segunda Guerra, mas depois perdeu razão de ser, em guerras sobre as quais não havia consenso social. Tregaskis também fez um ‘Diário do Vietnã’, sobre pilotos de helicóptero no começo da intervenção americana nesse país nos anos 60. O livro é claramente acrítico e patrioteiro, especialmente quando se compara com o que fazia então uma geração de jornalistas mais jovens e mais críticos, como David Halberstam, Neil Sheehan e Peter Arnett.

Mas, 60 anos depois, o jornalismo de Tregaskis teve uma ressurreição, com os colegas ‘encaixados’ em unidades militares pelos EUA na invasão do Iraque. Os militares dos EUA perceberam o óbvio: que os jornalistas teriam empatia com as tropas com as quais viajariam. Nada de muito errado nisso, pois cobrir as tropas era parte da missão. Mas -algo que Tregaskis não entenderia- isso era apenas uma parte.

Diário de Guadalcanal

242 págs., R$ 44,90 de Richard Tregaskis. Ed. Objetiva (rua Cosme Velho, 103, CEP 22241-090, Rio de Janeiro, RJ, tel.0/xx/21/2556-7824).

Editora efetua um ‘recall’ da 1ª edição

Em uma atitude louvável, a editora Objetiva está fazendo um ‘recall’ da primeira edição de ‘Diário de Guadalcanal’ devido a ‘erros de tradução’. Mas os problemas começam na própria capa do livro, que mostra uma foto do combate em Iwo Jima, em 1944, e não em Guadalcanal, em 1942. E os de tradução são vários e nem todos têm a ver com questões técnicas, como ‘aviões de desembarque’ para ‘planos de desembarque’ e um porta-aviões que vira ‘concessionária’…’