Minha vida está ligada ao Jornal do Brasil. Ainda em Juiz de Fora, acompanhava a sua revolução gráfica e de conteúdo, feita em torno de 1956. Enquanto Brasília repaginava o espaço brasileiro, o JB reinventava o espaço gráfico e dava leveza e destreza ao texto. Sem conhecer ninguém lá, mandei um poema meio concreto (‘A Pesca’) e publicaram. Depois mandei umas traduções sobre música de vanguarda. E publicaram. Posso dizer que aprendi a escrever para jornal (se é que aprendi) através do JB e da antiga Senhor.
Não sabia que minha vida se entrelaçaria ainda mais com a do JB. Em 1968, voltando dos Estados Unidos, Fernando Gabeira me convida para trabalhar como redator no Departamento de Pesquisa. Era o tempo de grandes agitações políticas contra a ditadura. Indo para o trabalho tinha que passar pela cavalaria, pelas espadas, pelas bombas de gás lacrimogêneo nas batalhas no centro do Rio. Da sacada do JB víamos as pessoas correndo, barricadas, gente ferida e morrendo. Uma das pessoas que assistiam isto comigo era Marina Colasanti.
Aceitei uma bolsa de jovem escritor no International Writing Program, em Iowa (USA), no final de 1969, mas em 1970 entro airosamente na redação do JB para fazer uma visita e Alberto Dines, acolhedoramente, me convida para trabalhar no ‘copy-desk’. Divido, então, meu tempo com o Departamento de Letras da PUC onde, como jovem doutor, implantava a pós graduação em literatura brasileira.
Avanço da concorrência
A universidade me cooptou, mas desse estágio no JB resultou o casamento com Marina. O jornal continuava uma usina de idéias: em 1973, Dines me chama para algo ousado: publicar mensalmente duas páginas intituladas ‘Jornal de Poesia’, dando espaço aos conhecidos e iniciantes. Foi a primeira vez que alguns poetas ‘marginais’ apareceram na ‘grande imprensa’. Começava-se a falar em ‘abertura política’ e eu propunha uma ‘abertura poética’, sem as ortodoxias estéticas igualmente repressoras.
Durou pouco. Irrompe a primeira das grandes crises do JB, sai Dines e grande parte de sua equipe.
Em 1980 a ‘abertura’ era mais nítida e aliciante. O JB publica com destaque um ensaio meu comentando o livro do Gabeira e o retorno dos exilados: ‘É isso aí, companheiro’. Seguiram-se outros ensaios e poemas de página inteira que a editora Rocco editou em 1984 – Política e Paixão.
Minha relação com o JB tinha uns 25 anos quando me convidam para substituir Carlos Drummond de Andrade como cronista, em 1984. Começava uma outra epopéia que me propiciou experiências extraordinárias com o público.
Há muito que O Globo concorria com o JB. Aos poucos Roberto Marinho ia avançando. Cooptou os pequenos anúncios e começou a levar gente do JB para seu jornal. Primeiro foi o Chico Caruso. Depois fui convidado e resisti, até que Roberto Marinho meu deu um xeque-mate, e acabei indo e lá ficando 17 anos. Depois de mim foram o Zózimo Barrozo do Amaral e uma legião.
Para as nuvens
Quando o atual proprietário do JB assumiu o jornal, fui sondado. Mas não foi possível. Por outro lado, há muito que ex-funcionários do JB se reúnem em jantares para celebrar a vida, reviver o passado. São vários grupos, várias gerações. Todos se sentem igualmente donos da memória desse jornal.
Eu dizia a propósito disto, numa entrevista ao Jô Soares, que houve um tempo em que o Rio tinha pelo menos sete jornais diários bons e fortes: O Jornal, Última Hora, Correio da Manhã, Dário de Notícias, Jornal do Brasil, O Globo, Diário Carioca.
O que houve com esse país? O que houve com a imprensa em nosso tempo. Não é bom que uma cidade só tenha um jornal.
Certa vez Roberto Marinho, oponente do JB, mas que necessitava desse inimigo para viver, irônicamente, me disse: ‘Nunca permitirei que o JB acabe’.
Roberto Marinho foi para as nuvens e o JB, em tempos de ‘nuvem’ agora é ‘online’.
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Poeta e jornalista