Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mino Carta

‘Seções de cartas em jornais e revistas têm de padecer o risco de agressões de calibres diversos. Contra a honradez da publicação, contra a sua linha editorial, contra a própria racionalidade. Ainda assim, às vezes se revestem de peculiar serventia, porque oferecem ao destinatário a oportunidade de úteis esclarecimentos.

Escreve Vinicius Luiz Rodrigues Silveira Morais ao referir-se a uma capa recente: ‘As afirmações como ‘Dane-se o mundo’ desrespeitam a democracia dos estadunidenses e principalmente a liberdade de formação da opinião dos brasileiros’. Ou por outra, não cabe à revista ‘direcionar a posição crítica dos leitores’.

Afirma Hayrton Rodrigues do Prado Filho que CartaCapital trata o governo atual de ‘forma benevolente, pelas verbas que o japonesinho coloca aí’. E não perdoa, pois o Brasil de Lula, ‘homem do povo’, de fato é ‘governado por um espião cubano’.

O sr. Vinicius tem péssimo entendimento da função do jornalismo, o qual se baseia no respeito à verdade factual, no exercício do espírito crítico e na fiscalização do poder. Não se trata de direcionar a posição dos leitores. Dever do jornalista, isto sim, é definir sua posição com a necessária nitidez. ‘Só me resta esperar liberdade de expressão’, diz o leitor a encerrar a sua carta. Pois é, sr. Vinicius, pois é.

Se este é leitor, o sr. Hayrton não pode ser. Caso fosse, saberia que CartaCapital, apesar de ter apoiado a candidatura Lula nas eleições de 2002, não poupa o governo de críticas quando não concorda com suas decisões. Haja vista a opinião da revista em relação à mudança no BNDES, para citar um exemplo recentíssimo e inequivocável.

Reconheço que o governo brinda CartaCapital com o benefício da isonomia, na distribuição da sua publicidade. Quer dizer, aloca nas nossas páginas os mesmos anúncios que destina aos demais órgãos de imprensa. Bem ao contrário do governo de Fernando Henrique Cardoso, que discriminou CartaCapital com notável denodo.

Quanto ao ‘japonesinho’, suponho que o sr. Hayrton aluda ao ministro Gushiken, enquanto arrisco vislumbrar o ministro José Dirceu por trás da sinistra expressão ‘espião cubano’. Tendo a perceber no sr. Hayrton uma pronunciada vocação humorística. A qual, entretanto, não traz aragens de hilaridade, ou mesmo de suave alegria.

Esse gênero de humorismo é muito encontradiço das altas esferas nativas, e nas médias, e até nas baixas, sempre que lá circulem maniqueus do nosso pobre mundo em branco e preto, prontos à repetição das frases feitas, dos clichês da moda, de lemas fundamentalistas. Sandices às toneladas, a demonstrar a crise de inteligência que assola não somente o Brasil, mas também o mundo em peso.

Perpassa a situação um toque de ferocidade, atributo do fanatismo, donde o desalento e a preocupação de quem ainda consegue equilibrar a emoção com a razão. Preocupação que gostaria de perceber nas atitudes do presidente Lula, em quem mais de 60% dos eleitores depositaram confiança e esperança há dois anos. Que não se engane o presidente: a confirmação de políticas que agradam o establishment jamais o livrará dos preconceitos dispostos a enxergar ao seu lado um ‘japonesinho’ e um ‘espião cubano’.’



VEJA PLAGIADA
Elisa Araujo

‘Plagio descarado, Focus copia Veja’, copyright Blue Bus, 26/11/04

‘A ediçao portuguesa da revista Focus qualificou de ‘inspiraçao’ o fato de sua capa desta semana ser ‘gêmea’ da capa da brasileira Veja da semana passada, que tratou do tema cancer de mama. Entrevistado pelo jornal Publico, o diretor Joao Ferreira admitiu que ‘houve inspiraçao na capa (da Veja)’, mas garantiu que a reportagem sob o titulo ‘Vitórias contra o cancro da mama’ é 100% portuguesa, feita pelos reporteres da revista, com fontes portuguesas ‘devidamente identificadas e fotografadas’. O Publico anota paralelismo no conteudo, especialmente textos complementares e dados estatisticos. Destaca a semelhança dos titulos – a publicaçao brasileira saiu com a reportagem ‘Os triunfos sobre o cancer da mama’. Ferreira rejeita a sugestao de plagio e disse ao jornal que é comum recolher inspiraçao para pautas em revistas do mesmo segmento, principalmente estrangeiras. Leia a integra da materia do Publico aqui. 26/11’



CATOLICISMO & CENSURA
Carolina Vila-Nova

‘Meandros da censura católica vão à internet’, copyright Folha de S. Paulo, 27/11/04

‘Mantidos em sigilo ao longo de quatro séculos, segredos do Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos) da Igreja Católica -a mais ampla iniciativa censora do Vaticano desde a Inquisição- estão prestes a ser revelados na internet graças à iniciativa de pesquisadores alemães.

Liderado pelo professor Hubert Wolf, da Universidade de Münster, um time de historiadores vasculha documentos recém-publicados para revelar os livros analisados e o debate na igreja sobre por que proibi-los ou liberá-los. A idéia é colocar essas informações numa base de dados on-line a partir de 2005. O endereço eletrônico ainda não foi divulgado.

‘A censura não funcionava como um ‘big brother’. Havia fortes discussões, opiniões de especialistas, opiniões contrárias de outros especialistas, brigas e intrigas – tudo por causa da questão sobre se determinado livro deveria ser indexado ou não’, disse por e-mail o professor Wolf à Folha.

‘Por mais de 400 anos, Roma monitorou todo o mercado editorial e revisou as publicações mais importantes’, afirmou Wolf. ‘Até hoje, sabíamos apenas os livros que foram proibidos e podiam ser encontrados no Index. Ninguém sabia nada sobre os livros aprovados na revisão, já que as liberações nunca eram publicadas.’

Os pesquisadores descobriram, por exemplo, que os censores papais travaram debates acalorados sobre o livro ‘A Cabana do Pai Tomás’, da americana Harriet Beecher Stowe, publicado pela primeira vez em 1852. O primeiro especialista consultado sugeriu a proibição da obra, já que havia sido escrita por uma mulher protestante e, além disso, pregava idéias abolicionistas, consideradas revolucionárias.

‘Isso levou a brigas ferrenhas na congregação’, diz Wolf. Um segundo especialista foi chamado e defendeu a liberação do livro com base na teologia da criação, segundo a qual todos os seres humanos -incluindo escravos negros- são filhos de Deus.

‘O papa concordou com a segunda opinião, e o livro não foi proibido’, conta o pesquisador.

Outro livro liberado foi o polêmico ‘Minha luta’, de Adolf Hitler. ‘Eles argumentaram que Hitler havia sido legitimamente eleito e então aplicaram a carta de são Paulo aos romanos, capítulo 13, que diz que toda autoridade estatal vem de Deus e deve ser obedecida’, explica Wolf.

O Índice de Livros Proibidos começou em 1542 numa tentativa da Inquisição de combater a onda de livros produzida pela Reforma Protestante. A censura seguiu até 1967, tendo sido o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) um dos últimos alvos.

‘A doutrina da Igreja Católica tinha de ser protegida, e católicos tinham de evitar uma ‘infecção’ pelo vírus do protestantismo escondido nos livros’, diz Wolf.

Obras consideradas perigosas podiam ser denunciadas ao Vaticano por uma autoridade da igreja, como um bispo, e também por leigos. ‘Grande importância era dada a relatos enviados por um chefe de Estado católico por via diplomática’, diz o professor.

A decisão final sempre cabia ao papa, que divulgava um decreto com as proibições. A cada década, uma lista oficial era compilada e republicada. Católicos não podiam ler ou possuir os livros indexados, e editoras católicas não tinham permissão para imprimi-los. A pena para quem desobedecesse a norma era a excomunhão.

Apesar de o foco inicial ter sido o protestantismo, a censura de Roma não ficou restrita a livros teológicos ou filosóficos. ‘A intenção era controlar o mercado de livros totalmente’, diz Wolf. Com o tempo, a ênfase mudou para livros feitos por católicos que, na visão da igreja, desviavam da verdadeira doutrina.

Os pesquisadores se surpreenderam ao descobrir que, apesar de a Inquisição ter processado Galileu no século 17 por afirmar que a Terra girava ao redor do Sol, o Vaticano nem chegou a discutir a ‘Origem das Espécies’ (1859), de Charles Darwin, tampouco as obras de Sigmund Freud.

‘A avaliação dos arquivos mostra que a igreja tolerava hipóteses das ciências naturais na maioria dos casos e só interferia quando havia uma contradição entre as visões científicas e a verdade dogmática ou bíblica’, afirma Wolf.’



PORNOGRAFIA & MÍDIA
Eduardo Graça

‘Para A Leila’, copyright Direto da Redação (http://www.diretodaredacao.com/), 24/11/04

‘Na semana passada a coluna foi dedicada à definição cunhada pelo professor Michael Ignatieff, da Kennedy School of Government de Harvard, sobre o conceito de ‘terrorismo pornográfico’. Na interessante rede de debates que o site www.comunique-se.com.br oferece na internet pude acompanhar aqui de longe algumas impressões sobre o acanhado artigo. Fiquei especialmente interessado na opinião da jornalista free-lancer Leila Weber, que infelizmente não conheço pessoalmente.

Leila escreve que ‘se a mídia não fizer tanta propaganda de tais barbaridades, esste horror não chega no Brasil’. E aponta a mídia como ‘uma das culpadas pela exacerbação, tanto de crimes como de pornografia’. Leila pede ainda que nos ‘lembremos do caso do pacto de não noticiar suicídios. Pararam as notícias sobre o tema e os suicídios decresceram, conforme as estatísticas policias demonstraram’.

No caso dos jornalões do Rio e de São Paulo sei que há uma discussão interna – o obrigatório Luiz Garcia, em ‘O Globo’, ao menos, vem tratando com grande interesse deste tema – sobre a validade de se noticiar ou não sequestros, a fim de preservar as chances de a vítima sobreviver. Nada sei quanto a suicídios, caríssima Leila, mas talvez duas situações em que a mídia aqui dos Estados Unidos se meteu nesta semana podem ajudar-nos a esticar mais nossa prosa.

Não sei se você acompanhou, mas 66 emissoras de televisão afiliadas à ABC vetaram a transmissão do filme ‘O Resgate do Soldado Ryan’ em oito estados diferentes do país. As emissoras argumentaram que não queriam correr o risco de serem multadas pela Comissão Federal de Comunicações, já que o filme, ‘realista demais’, é repleto de diálogos com palavrões e imagens de violência e recebeu uma série de críticas da cada vez mais poderosa Associação das Familias Norte-Americanas. Resultado prático: os cidadãos de Alabama, Georgia, Iowa, Carolina do Norte e do Sul, Ohio, Virginia Ocidental e do liberalíssimo Massachusetts não puderam conferir Tom Hanks e Matt Damon na Normandia mas podem, sem maiores problemas, acompanhar as estripulias dos soldados americanos em Fallujae adjacências em tempo quase real.’