‘Por que a mídia quer que a prova de inglês seja eliminatória para a admissão ao Itamaraty
A mídia nativa, por meio de seus editorialistas, analistas e colunistas, abre fogo contra o chanceler Celso Amorim, réu pela decisão de acabar com o exame eliminatório de inglês na prova de admissão ao Itamaraty. O conhecimento da língua de Chaucer e Shakespeare, como se apressa a lembrar um editorial de Veja, passa apenas a contar pontos, nem mais, nem menos, que o da língua de Molière e daquela de Cervantes. (A referência ao escritor francês e ao espanhol é da lavra do acima assinado.)
Espanto dos jornalistas e dos seus patrões, e da classe afluente verde-amarela, a qual enxerga em Miami, em Nova York na melhor das hipóteses, a sua meca. Não há quem sofra, porém, qualquer gênero de inquietação se o Banco Central convoca para os postos-chave figuras notórias do mercado financeiro, destinadas a retornar aos pagos tão logo deixem o cargo público.
Em outros países, entre os mais adiantados, não se exige diploma em língua estrangeira para o ingresso na diplomacia. Em compensação, o equivalente ao nosso BC é administrado obrigatoriamente por funcionários de carreira, a compor um quadro estável que se perpetua independentemente dos resultados eleitorais.
O chanceler Amorim esclarece que o propósito da sua portaria é remover um ‘fator elitista’. E acrescenta: ‘Prefiro um diplomata que conheça bem o português e a história do Brasil a outro que fale bem o inglês’. Argumentos válidos, é inegável, apresentados por quem se exprime fluentemente em inglês e em outras línguas. Desprezados, no entanto, por quem colhe na decisão a evidência da xenofobia.
Tampouco adianta observar que o curso do Instituto Rio Branco, que habilita ao Itamaraty, dura 2 anos, tempo bastante para aprender inglês. Ocorre que, aos ouvidos de influentes e afluentes, a portaria de Amorim emite som petista. Ecoa a pretensa incultura do governo encabeçado por um ex-metalúrgico, quem sabe inclinado à revanche de deliberado sabor esquerdista em relação aos doutores.
A mídia nativa tem sido muito eficaz na proposição de clichês, prontamente engolidos pela distinta platéia, mesmo porque os próprios mestres midiáticos acreditam no que dizem. Diplomas, bem como o conhecimento do inglês, não são garantia de saber. Haja vista o atraso do País, em perfeita sintonia com o da sua elite. Vivemos ainda, de muitos ângulos, uma Idade Média. E é por isso que o chanceler Amorim é a Geni da vez, enquanto o presidente do BC age como bem entende.’
Claudia Dianni
‘Inglês limitado é ação afirmativa, diz Amorim’, copyright Folha de S. Paulo, 22/1/05
‘Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acabar com o caráter eliminatório da prova de inglês para a carreira diplomática equivale a uma ação afirmativa -ou seja, um dispositivo oficial para democratizar o acesso ao Itamaraty.
Aborrecido com as críticas que recebeu por causa da polêmica decisão de retirar o caráter eliminatório da prova de inglês do teste para entrar no Instituto Rio Branco, Amorim, 62, disse que o Itamaraty pretende assumir os custos de formar potenciais futuros diplomatas que não ‘trouxeram o conhecimento da língua estrangeira do berço’.
Folha – Por que o Itamaraty alterou a regra do teste de inglês?
Celso Amorim – É preciso esclarecer que o inglês não foi eliminado do concurso nem deixará de ser obrigatório, apenas deixará de ser eliminatório. O diplomata brasileiro continuará tendo de saber inglês, como deverá saber outras línguas também. O que o Itamaraty resolveu foi tomar para si os custos da complementação necessária para que o diplomata tenha o domínio da língua.
Folha – Qual o objetivo?
Amorim – É alargar o leque de pessoas que possam vir a ser diplomatas. Há muitas pessoas que eu conheci ao longo da vida que teriam todas as condições para ser diplomatas, mas que talvez tivessem dificuldade de passar em um exame de inglês eliminatório.
Folha – Se a pessoa tiver conhecimento mínimo em inglês, ela vai poder ingressar no Rio Branco?
Amorim – Ela poderá entrar porque justamente nós estamos eliminando o caráter eliminatório, mas o edital do Rio Branco ainda não ficou pronto. Há detalhes que ainda não estão resolvidos. O importante é que o Estado brasileiro, por meio do Itamaraty, está tomando para si a responsabilidade de dar uma formação a pessoas que tenham competência para ser diplomata, mas que ainda não puderam, por dificuldades financeira ou por circunstâncias de vida, ter completado os conhecimentos nessa aptidão.
Folha – Os dois anos de curso do Rio Branco são suficientes para aprender inglês? Não deveriam ser para ensinar a utilizar essa ferramenta no exercício da diplomacia?
Amorim – Eu acho que a pessoa vai aprender a ferramenta, obviamente voltada para esse objetivo. Mas, se em dois anos a pessoa não tiver atingido nível suficiente, ela continuará, poderá até começar a exercer a função diplomática, mas poderá não ser removida para o exterior. Eu vejo nisso uma preocupação excessiva. Ninguém vai passar no Rio Branco só com inglês de colégio, isso é certo.
Hoje em dia se fala muito em ação afirmativa. Não estou falando somente em ação afirmativa com relação a raça, mas em geral, com relação a classe social e tudo. Ação afirmativa é assumir para o Estado a responsabilidade que o Estado não conseguiu cumprir antes, que foi dar uma formação adequada a todo mundo.
Folha – Negociações internacionais envolvem detalhes semânticos, muitas vezes cruciais, que dão vantagens para negociadores de língua inglesa. Isso não pode ser uma desvantagem para o Brasil?
Amorim – Detalhes semânticos, muitas vezes, envolvem tradução. Você tem de saber as várias línguas. Não só inglês. Tem de saber mais inglês porque, em geral, a negociação é em inglês, mas você não tem de ser fluente em Shakespeare. As pessoas acham que eu sou idiota? Como pode passar pela cabeça de alguém que achamos que diplomata não precisa saber inglês?
A ação afirmativa não é para ajudar alguns coitadinhos, é para tornar nossa carreira mais representativa da realidade brasileira. O Itamaraty não tem de ser só para a elite econômica, que muitas vezes é diferente da elite intelectual, tem de ser para todos.
Folha – O diplomata do futuro terá que saber mais sobre problemas sociais e menos sobre champanhe, safra de vinho e coquetéis?
Amorim – O coquetel e o champanhe ajudam também, às vezes. Não vamos denegrir tudo o que foi feito. Mas o principal requisito de um diplomata é estar imbuído da necessidade de defender os interesses de seu país.’
Denise Chrispim Marin
‘Prova de inglês é motivo de piada no `Figaro´’, copyright O Estado de S. Paulo, 22/1/05
‘Colunista do jornal francês ironiza Itamaraty, que tirou caráter eliminatório do idioma
O jornal francês Le Figaro estampou em sua primeira página, na última segunda-feira, um irônico artigo sobre a decisão do Ministério das Relações Exteriores de acabar com o caráter eliminatório da prova de inglês no concurso para novos diplomatas. Assinado pela colunista Véziane de Vezins, que costuma escrever textos graciosos e venenosos sobre temas que lhe despertam a atenção, o artigo chega a mencionar que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ‘sem rir e em português’, justificou que o exame eliminatório de inglês era um ‘fator elitista’.
‘Os brasileiros têm religião. Eles sabem que, no princípio, era o Verbo. Ou, para os agnósticos radicais, a palavra. O resto não é mais que literatura. É por isso que o governo de Brasília decidiu derrubar a América de seu pedestal atacando pelas raízes’, diz Véziane no texto, roçando a célebre frase ‘o Brasil não é um país sério’, atribuída ao líder máximo francês no pós-guerra, Charles de Gaulle, apesar das dúvidas sobre sua autoria.
‘A França, por puro masoquismo, fez o caminho inverso: a antiga linguagem da diplomacia (o francês) acabou, para admitir que o inglês é uma matéria certamente impronunciável, mas bem real’, completa. O ponto máximo da ironia, no artigo, está na sugestão da autora para que, em nome da igualdade de oportunidades, os cidadãos franceses solicitem que o tártaro-mongol ou qualquer idioma tribal torne-se o primeiro idioma do Quai d´Orsay, a chancelaria da França.
Na correria para dissipar a avalanche de críticas contra a decisão, o Itamaraty divulgou na tarde de anteontem a única manifestação de defesa, por escrito, que recebeu de uma autoridade brasileira. Trata-se da carta de felicitação do ex-ministro da Educação e ex-professor do Instituto Rio Branco (IRB), senador Cristovam Buarque (PT-DF).
Ele sustentou que a fluência em língua estrangeira ‘pouco diz do potencial de criatividade, conhecimento, caráter, capacidade de representar o País de um aluno do curso de diplomacia’. ‘Nenhum brasileiro deve ser diplomado pelo IRB se não for fluente em inglês e outros idiomas estrangeiros, mas o serviço diplomático brasileiro não pode continuar perdendo excelentes diplomatas em potencial por não possuírem domínio do inglês no momento do ingresso no curso’, argumentou.
Nessa polêmica, o bilíngüe Canadá, onde todas as placas e indicações ao público têm de ser escritas em inglês e em francês, dá um exemplo especial na seleção de seus diplomatas. Segundo o ministro-conselheiro da embaixada canadense no Brasil, Alain Latulippe, saber os dois idiomas oficiais do país não é obrigatório no concurso para a carreira diplomática. O pré-requisito é ter concluído um curso de mestrado em qualquer área.
Para os que não são fluentes em uma das línguas, o governo oferece um ano de curso intensivo. No período, o novo diplomata apenas estuda. Mas terá de passar no exame final do idioma para não perder o emprego. ‘Nós queremos novos talentos para a diplomacia, e não conhecimento acadêmico ou em idiomas. A democratização da carreira é algo importante.’’
Augusto Nunes
‘Que tal instituir a prova de mímica?’, copyright Jornal do Brasil, 23/1/05
‘Falando inglês, Amorim desdenha do inglês no site com textos em inglês
Em inglês, o chanceler Celso Amorim declarou ao site do Turkish Daily News, editado em inglês por jornalistas turcos, que o inglês não tem importância para a atividade diplomática. Num texto ilustrado pela foto de Lula, Amorim reafirmou a perfeita afinidade que o liga ao presidente, a quem creditou a idéia de excluir o inglês das provas eliminatórias para o ingresso no Instituto Rio Branco. Isso para tornar ‘mais democrático o acesso à carreira’.
‘Um candidato ao Itamaraty precisa ser fluente nesse idioma?’, teria dito Lula ao nomear Amorim para o Ministério das Relações Exteriores. Vinda de um monoglota impenitente, que se gaba de ter chegado à Presidência sem se expressar com fluência mesmo em português, não era bem uma pergunta. Era uma sugestão, reforçada pela antipatia devotada por Lula a tudo que lembre os Estados Unidos.
Amorim poderia ter ponderado que a contemplação de governantes escoltados por tradutores não chega a causar espanto, mas nem nações mal saídas das cavernas exportam embaixadores que precisam de intérpretes.
Em vez disso, vestiu o macacão de metalúrgico e declarou guerra aos ‘critérios elitistas’ supostamente usados na seleção de diplomatas. ‘Ele atirou no Bush e acertou em Shakespeare’, ironizou o deputado Fernando Gabeira.
Com as declarações ao Turkish Daily News, Amorim desmoralizou a discurseira defensiva do porta-voz do Itamaraty, ministro Ricardo Neiva Tavares. No último dia 15, a cúpula do Itamaraty procurou abrandar a onda de inconformismo, desconforto e irritação provocada por textos publicados na véspera pelo Jornal do Brasil, endossados por embaixadores do primeiríssimo time. ‘Para um diplomata, o inglês é instrumento de trabalho’, lembrou Rubens Barbosa.
‘Hoje é o idioma de representação global na diplomacia e nos negócios’, emendou Mário Gibson Barboza. Escalado para a missão de provar que isto é aquilo, Neiva Tavares mentiu. ‘Não há hipótese de um aluno do Instituto Rio Branco sair de lá e ingressar na carreira diplomática sem formação adequada em inglês’, garantiu o porta-voz. ‘Se um candidato aprovado for fraco nesse idioma, estudará essa língua de forma intensa durante o curso’.
Nem seriam necessárias as declarações de Amorim na Turquia para desconsiderar-se a promessa de Neiva Tavares. Nunca passou de conversa fiada para quem conhece o formato do Instituto Rio Branco – aliás retocado para pior por normas recentes. Uma das inovações dispensa do curso os aprovados que tenham algum mestrado no currículo. Assim, o país corre o risco de ser representado por diplomatas bons em português, com profundos conhecimentos de história e inglês de Tarzan. Esses nem terão freqüentado os corredores do Instituto Rio Branco.
O curso dura dois anos. Com a matrícula, o aluno ganha status de secretário de terceira classe. Já é diplomata de carreira, portanto. O primeiro ano é reservado a estudos. O segundo é consumido em estágios no Brasil e no exterior, além de palestras. Ignorantes em inglês, não terão tempo para assimilar o idioma. Acabarão virando craques em mímica.’