Carina Rabelo e Greice Rodrigues são jornalistas. E como tal produzem artigos da qual não possuem senso crítico para analisar. Reproduzem geralmente o que lêem sem um senso analítico sobre os mesmos. Matérias fáceis para produzir, ler um livro e fazer um resumo para o público. Já criticara Greice Rodrigues em ‘O pensamento mágico no jornalismo‘, sobre Tratamentos para a Alma – revista IstoÉ nº 2025, de 21/08/2008. Agora, volto a comentar nas leituras da IstoÉ em: ‘Não é como sua mãe dizia – Médicos derrubam 57 verdades transmitidas de geração para geração sobre o corpo e as doenças‘ baseado no livro Don´t Swallow your Gum – Miths, Half-Truths and Outright Lies about your Body and Health (Não engula o seu chiclete – mitos, meias verdades e mentiras sobre o corpo e a saúde), a obra foi escrita pelos pediatras Aaron Carroll e Rachel Vreeman.
Primeiro, como defendia naquele texto em agosto passado, a necessidade de se fazer pesquisas e estas virem a ser reproduzidas antes da mídia poder dar garantias para afirmações miraculosas e poderes sobrenaturais. Como o artigo mostra, em relação a 57 mitos difundidos pela mídia, a maioria não se comprova quando testados e avaliados de modo científico. O que é óbvio que alegações sobrenaturais só persistem porque não são submetidos a testes. E quando o são, mesmo assim a mídia continua a viver da venda de falsas promessas e milagres nunca havidos. Exemplo disto são os horóscopos em todos os jornais que ‘se prezam’! Matérias prometendo efeitos da homeopatia. A existência de outras formas de medicina. Jornalistas com diplomas universitários carecem de formação em outras áreas para criticarem. É natural.
Ampliação das capacidades cerebrais
Os jornalistas resumiram o livro e expõem um quadro esquemático resumido de cada mito. Como não fizeram análise crítica do mesmo, algumas coisas escaparam. O primeiro erro é ao afirmar no primeiro mito ‘derrubado’ que Você só usa 10% do seu cérebro. ‘Exames de imagem mostram que nenhuma parte do cérebro permanece completamente inativa’, afirmam os médicos. ‘Você utiliza 100% do seu cérebro’, escreveram Rachel e Carroll. Primeiro estamos falando de duas coisas completamente diferentes. Uma área geográfica e outra função cerebral. Não temos tecnologia atualmente (e nem tínhamos no passado) que possa demonstra a porcentagem do pensamento e do uso das funções. Se isto significa como afirmam os místicos da capacidade de telepatia, de comunicação com os mortos, com a capacidade de sair do corpo, de mover objetos, visão através de paredes ou à distância, etc., primeiro estas alegações precisariam ser demonstradas existirem de verdade. E não é com os aparelhos de imagens. É com a própria pessoa que alega estes poderes.
Agora suponhamos a diferença entre um pedreiro que trabalha com sucesso e, digamos, também dirige um automóvel, talvez uma bicicleta. Faz o uso mais ou menos como um médico ou um engenheiro. Bom, mas existem pedreiros excelentes assim como medíocres. Como médicos e engenheiros da mesma forma. O que os diferencia? Agora suponhamos as aptidões desenvolvidas por Leonardo Da Vinci. Foi pintor, escultor, anatomista, desenhista de engenharia e de artefatos militares. Amplo uso de atividades e habilidades diversas. Por fim pensemos num membro das forças especiais dos fuzileiros navais americana. Nem todos podem ser fuzileiros por não apresentarem aptidões. Mas para membros das forças especiais dos fuzileiros navais, apenas 10% dos já fuzileiros voluntários se formam. Uma seleção de elementos super-adestrados em armas, pilotagem de diversos veículos, capazes de sobreviver no mar, embaixo da água ou em diversos ambientes hostis em situações de extremo estresse. Mas pior ainda. Pode ser também um médico ou um engenheiro de demolições. Será que ele guarda as suas capacidades desenvolvidas dentro do cérebro ou em um pen drive separado? Nos músculos ou coração? Eles ampliaram as suas capacidades cerebrais e mentais ou não? Qual este limite afinal? (Nenhuma atividade até hoje desenvolveu capacidades paranormais.)
Frio favorece entrada de vírus
No quarto mito afirma que ‘ler no escuro prejudica a visão’ sendo ‘em parte verdade’. Se você vai ao texto para saber que parte é esta, ele descreve: ‘A verdade é que a atitude gera, no máximo, ressecamento dos olhos.’ Isto claramente não pode ser chamado de prejudicar a visão (não me parece que seja verdadeiro este ressecamento também). Deveria ser então classificado como mito.
O nono diz que o tempo frio ou úmido causa resfriado. Foi considerado mito. A gripe é uma infecção respiratória causada pelo vírus influenza, já o resfriado é provocado por outros cinco tipos de vírus, sendo o mais freqüente chamado de rinovírus. A gripe é uma enfermidade muito mais grave podendo até levar a pneumonia e até o óbito do paciente. O vírus do resfriado é transmitido pelo contato direto entre as pessoas. Já a gripe se dissemina com mais facilidade .Acontece assim, quanto uma pessoa gripada fala ,espirra ou tosse gotículas com vírus e elas ficam no ar e podem ser inaladas por qualquer outra pessoa que esteja por perto, por isso a gripe é uma doença contagiosa , capaz de causar grandes epidemias. O vírus circula mais no inverno porque justamente é a época que mais pessoas ficam gripadas. Único meio de se locomover. De pessoa para pessoa.
Todos sabem que gripes e resfriados são doenças típicas do inverno, tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul. Por isto que aqui se vacina os idosos no início do inverno e não no verão. A baixa de temperatura pode desencadear diminuição de imunidade e rinite vasomotora. Oportunizam a entrada dos vírus. Apesar de não ser a causa etiológica, o frio favorece a sua circulação e infecção. É em parte verdade.
A síndrome das pernas inquietas
No décimo diz que levantar peso pode gerar hérnia de disco é meia verdade. Mas no texto não se achou nenhum caso comprovado. Seria então um mito.
No décimo sétimo diz que você deve permanecer consciente se tiver uma convulsão. Não ficou claro o que seria este mito. Se se refere após uma convulsão por epilepsia, sim, é mito. Se for durante a convulsão, se ficou consciente, não foi uma convulsão. Mas se foi por uma convulsão após um traumatismo craniano, é importante para que se monitore o perigo de hemorragia, que leva a sonolência e ao coma que não será percebido se o paciente estiver dormindo (mais grave ainda se estiver sozinho). Dependendo a situação é verdade.
O décimo nono desmente que se perde a maior parte do calor pela cabeça. O que não é mito, mas meia verdade. Em caso de exposição ao frio vestido, a perda será principalmente por ela se não estiver protegida. Apenas se estiver totalmente nu a cabeça não será tão importante. Situação não muito comum.
No vigésimo quarto diz que a acupuntura não funciona é mito. O que é uma imprecisão. Dizer que remédio funciona é falso, ou meia verdade. Depende o remédio e para o que ele está sendo receitado, em que situação. A maioria já inventada não funcionou. Não existe simplesmente remédio para tudo. Cirurgia funciona para algumas coisas e outras não. O que funciona para tudo que é sintoma sempre é o placebo. Os medicamentos que funcionam foram os que passaram por um longo período de depuração. Mas no texto diz que acupuntura resolve hérnia de disco em 90% das vezes. (Então para outras aplicações não estaria comprovada.) Mas só se opera hérnia de disco em 10 % dos casos, com acupuntura ou não. Consultando The Cochrane Library, referência da medicina baseada em evidência, não existe indicação para o uso da acupuntura para dores baixas nas costas porque não melhoram além do efeito placebo. Quanto à eficácia na síndrome das pernas inquietas, existem muito poucos dados e nenhuma reprodução independente. Alegações extraordinárias requerem demonstrações extraordinárias. Portanto, continua sendo um mito sem evidência.
Propaganda vende mais que a ciência
No trigésimo oitavo diz que é um mito a febre na dentição. Na verdade não é mito, mas meia verdade. A gengivite de erupção – inflamação localizada da gengiva, causa hiperemia da mucosa alveolar, dor espontânea, febre ocasional, recusa à alimentação, causadas por dente em erupção. Não é por ser natural que não dá dor e febre. Menstruação e parto são naturais e dão dor. Havendo uma reação inflamatória, poderá existir febre em criança que reage como um todo em caso de agressão a saúde. Febre, vômitos e diarréia.
No qüinquagésimo primeiro um erro? Diz que não há perigo de comer algo até cinco segundos depois de cair no chão. É mito. Considerando que você leve este tempo para levantar não faz muito sentido a frase. Não sei se existe isto lá nos Estado Unidos. Aqui nunca ouvi tal mito. Se ocorrer uma batida importante na cabeça não se deve comer mesmo. Não que a comida fará algum mal. Mas se ocorreu algum rompimento de vaso sanguíneo cerebral, e for necessária uma intervenção cirúrgica de emergência, existe menos perigo de aspiração pulmonar em caso de vômitos durante a anestesia.
No qüinquagésimo sexto diz que é meia verdade que as vacinas causam autismo. Na verdade é totalmente mito, conforme demonstrado no texto sem nenhuma exceção em levantamentos até hoje.
Voltamos a lembrar que as chamadas supostas terapêuticas que se propõem alternativas à medicina científica na verdade sobrevivem apenas por isto. Não serem feitos trabalhos para buscar as evidências ou simplesmente ignoram os resultados negativos, aproveitando a ingenuidade e a credulidade popular com estes mitos. A propaganda vende mais que a ciência.
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Médico, Porto Alegre, RS