Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Moacir Japiassu

‘Nosso considerado Sylvio Nogueira, que é arquiteto em Curitiba, traça as linhas da ignorância neste recado, no qual enfeza-se contra o coitado do Aurelião e congêneres:

Pegando gancho na pendenga entre ‘risco de morte’ e ‘risco de vida’, convoco os puristas da linguagem a fazer carga contra algumas impropriedades que, há muito, campeiam no português aparentemente culto:

1º) O adjetivo ‘coitado’, tão usado por piedosas e carolas matriarcas, não passa de ‘submetido a coito’; ou seja: F..

2º) O adjetivo ‘enfezado’, também aparentemente inócuo, se refere a pessoa coberta de fezes; ou seja; de M…..

3º) E que tal lembrar a chula expressão ‘rabo-de-galo’, que se refere a um trago de birosca, do tipo traçado de pinga com vermute ? Para quem ainda não percebeu, essa expressão é tradução, literal e direta, do ‘cocktail’ inglês; e nós, da patuléia culturalmente colonizada, vamos morrer achando a expressão inglesa elegante e a nossa, pra lá de bagaceira… ( quem nasce vassalo, morre vassalo … )

4º) Para completar, lembre-se a última praga verbal que se abateu sobre os mais recentes entrevistados, desde o congresso nacional até passantes de rua: ‘… sobre a sua pergunta, eu penso DE que ………’. Quem foi a sumidade literária que plantou este maldito ‘DE’ na desatenta mídia televisiva ????….

Mais perplexo do que Jorge Kajuru com a pirotécnica demissão da Band, Janistraquis gorgolejou: ‘Considerado, o ousado Sylvio anda a consultar o Caldas Aulete ou simplesmente confunde elefante com holofote?’

Creio que ambos os assertos estão corretos. E convenhamos: o sujeito que diz ‘eu penso DE que’ deveria ser enquadrado no Código Penal como autor de crime hediondo, né mesmo?

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Falta vírgula

Deu na versão eletrônica do essencial Meio & Mensagem:

‘Carol eu te amo’ pelo Dia dos Namorados

[31/05 – 15:44] Frase destaca nova campanha da OpusMúltipla pelo Dia dos Namorados de O Boticário

Janistraquis, que também anda a escrever para alguém e ainda ignoro quem seja a destinatária de tão surpreendente paixão, comentou, num desalentado suspiro: ‘Considerado, nesta frase sobra amor mas, infelizmente, falta vírgula…’.

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Não falta nada

Onde, com certeza, não faltarão vírgula e muito menos fremosura é na CartaCapital, pelo que se pôde ler também na versão eletrônica do Meio & Mensagem:

Nirlando Beirão na Carta Capital com apoio de Fiat

[03/06 – 18:00] Jornalista estréia coluna na próxima edição da publicação, que chega às bancas no final de semana

O jornalista Nirlando Beirão estréia na próxima edição da revista Carta Capital com uma coluna batizada de ‘Estilo’. A publicação de número 294 e data de capa de 9 de junho traz três páginas de Beirão, que apresentará uma reunião de notas com toque bem humorado, sobre assuntos como comportamento, moda e gente. A coluna conta com apoio da Fiat.

Janistraquis, ‘macaca de auditório’ do Nirlando, cujo pai foi seu chefe no primeiro emprego, na Associação Comercial de Minas Gerais (1960), festejou:

‘Considerado, o talento passou de pai pra filho; Nirlando pai era craque nos números, Nirlando filho é craque nas letras…’

Perdôo a puxação de saco do meu secretário, em vista de tantos outonos passados e tantas alegrias com o que a vida lhe ofereceu mais tarde.

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Nota falsa

A propósito da notícia segundo a qual O Dia está para ser vendido ao empresário Ronald Levinsohn, dono do centro universitário UniverCidade, o diretor-executivo do vibrante matutino, Marcos Cruz, declarou a Miriam Abreu e Karla Siqueira, aqui deste portal:

‘As fontes do Comunique-se são mais falsas que uma nota de R$7’.

Janistraquis leu e comentou: ‘Pois é, considerado, veja só os estragos da inflação! Até pouco tempo atrás, Marquinhos iria se referir, certamente, às notas de três reais; agora, a coisa já subiu pra sete. Portanto, quando O Dia for vendido pro Levinsohn, a nota falsa andará aí pela casa dos nove reais…’

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Entrar de sola!

Nosso considerado leitor Thomaz Figueiredo Magalhães, também mais perplexo do que Jorge Kajuru, etc., etc., passou 24 horas para se recuperar e narrar o seguinte e inesquecível susto:

Nos telejornais noturnos de segunda-feira (7/6), estranhei o Lula falando ‘Remédio vai deixar de ser coisa de rico (…) um elemento a mais para que a gente possa combater a saúde.’

‘Achei estranho, esperei e confirmei nas segundas edições, aquelas do final da noite. O presidente falou mesmo em combater a saúde…’

Janistraquis, que anda ‘com a cachorra’, como se diz, declarou, depois de entornar uma pra afastar a frialdade serrana: ‘Considerado, o meio mais fácil de se combater a saúde é entrar de sola na cachaça!’

Eu, que sou inteiramente abstêmio, concordo e acrescento: ‘E com tira-gosto de torresmo!!!’

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Degola

Nosso considerado Roldão Simas Filho, diretor da sucursal desta coluna no Planalto, de cujo terraço já não se enxerga mais nada, passava os olhos pela seção Mundo do Correio Braziliense de 3/6 quando sentiu no pescoço a fria adaga do absurdo. Estava escrito:

‘Menina degola sua colega – O assassinato brutal de uma menina de 12 anos, esfaqueada por uma colega de 11 numa escola de Sasebo (na província de Nagasaki, 980km ao norte de Tóquio) chocou o Japão (…) Satomi Mitarai, estudante da sexta série da escola primária, teve a garganta cortada pela colega durante o recreio e morreu de hemorragia interna (sic). (…) A autora do crime (…) retornou à sala de aula coberta de sangue e mais tarde confessou o assassinato à polícia.’

Roldão encostou o jornal e comentou com seus zíperes:

‘A menina morreu degolada; a assassina apresentou-se coberta de sangue. Como é que se pode falar em hemorragia INTERNA?’

Janistraquis acha que não é caso de demissão, como a do Kajuru, porém seria justíssimo cortar-se o dia do redator.

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Por fora

Nosso considerado Ageu Vieira, que é fã do Ancelmo Góis, lia O Globo de 28 de maio quando flagrou, logo abaixo do titulinho Briga feia, o seguinte texto perpetrado por seu colunista preferido:

‘O meio-campo Vampeta arrumou a maior confusão com a ex-mulher, Roberta Soares, na quarta-feira.

A ex registrou queixa numa delegacia de Salvador contra o jogador, que atua no Vitória e foi penta na França com a seleção.’

Ageu, que é mais fã ainda do Vampeta, festejou:

‘Além da briga feia com a mulher, ato indiscutivelmente reprovável, verifiquei que Vampeta foi penta na França! Como ele conseguiu? Nem o Brasil atingiu essa conquista, só chegando ao penta quatro anos depois, no Japão!!!’

Janistraquis meteu a colher: ‘É mesmo, considerado; Vampeta e Ancelmo estão mais por fora da copa da França do que Jorge Kajuru da grade de programação da Band.’

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Nota dez

O mais instigante texto da semana nasceu da indignação de Clóvis Rossi e veio de longe para a Folha de S. Paulo:

Sinais de vida. Vida?

PARIS – Salvo meia dúzia de loucos teimosos, o Brasil rendeu-se à mais mofina mediocridade. É uma conclusão inescapável quando se fica sabendo que o governo e alguns analistas foram quase à euforia com os dados do crescimento econômico do primeiro trimestre.

Como escreveu um desses loucos, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, o resultado do primeiro trimestre ‘eqüivale, digamos, a ganhar de 1 a 0 da Venezuela’.

É para causar euforia? (…)

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Errei, sim!

‘CRIME INAFIANÇÁVEL – Dois títulos do Estadão que Janistraquis inscreveu entre os concorrentes ao Prêmio Sossega Leão deste ano: Linfócito errado suicida-se e este outro, autêntica obra-prima do jornalismo, digamos, sentencioso – Fumaça preta dos ônibus será punida. Meu secretário consultou advogados e soube que tal fumaça pode pegar uns dois anos de cadeia. ‘O crime é inafiançável’ esclareceu Janistraquis.’ (agosto de 1990)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Sururu no Senado’, copyright Jornal do Brasil, 14/06/04

‘O bate-boca do Senado, semana passada, rebaixou os padrões de diálogo no Parlamento, a casa da palavra!

Nas altercações, um deles disse que não pretendia descer ao nível do outro. E a seguir desabou no precipício, referindo-se ao colega com um ‘até porque’, duas palavrinhas que viraram curingas nos embates parlamentares.

No caso, ‘até porque respeito a sua condição de ancião’, disse, indelicado, o agressor, que, aliás, replicava em favor de colega ofendido pelo ‘ancião’.

Mas ‘ancião’ foi chamado o que agredia, não aquele que fora ofendido. Por isso, o ‘ancião’ entendeu a afronta sibilina e treplicou: ‘Ser chamado de ancião não bole com minha virilidade’, acrescentando: ‘Nunca tive outra fama a não ser essa’.

Estávamos em briga de bar? Não! Nossos representantes debatiam os grandes interesses nacionais. Ou, segundo regência que alguns jornalistas estão consolidando aos trancos e barrancos, ‘debatiam sobre os grandes problemas nacionais’, pois, de ‘repente, não mais que de repente’, como exalou um dia Vinicius de Moraes em célebre soneto, ninguém mais debate nada, todos ‘debatem sobre’ e ‘discutem sobre’.

‘Sobre um beijo outro beijo, e sobre um ano outro ano’, escreveu Júlio Dantas em A ceia dos cardeais. Sobre uma ofensa outra ofensa, e sobre um ano outro ano, tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Assim, unidos, muitos parlamentares e jornalistas estão devastando a reserva de delicadezas que nossa língua tem para o diálogo. Com efeito, até para admoestar, somos cerimoniosos, de que é exemplo o pronome utilizado pela mãe para repreender a filhinha: ‘a senhora não faça mais isso!’. ‘Sim, senhor, hein!’, exclama o pai, inconformado com a rebeldia pertinaz do pimpolho.

Nem todos os senadores, porém, deram péssimos exemplos de convivência, semana passada. O presidente do Senado foi acusado de ter estuprado o regimento e violentado a Casa. Na ânsia quase desesperada de falar mal do gesto de José Sarney, Jefferson Peres reconheceu mais tarde que exagerara nas metáforas. Homo sum: humani nihil a me alienum puto, escreveu Terêncio. ‘Sou humano: nada do que é humano me é estranho.’ No calor da hora, todos corremos o risco de exagerar e embora exagerar seja um começo de invenção, como os estudantes rebelados escreveram nos muros de Paris em maio de 1968, é salutar reconhecer excessos.

O segundo desculpou-se em tom civilizado. O primeiro, que sempre defendeu a liturgia de cargos e encargos públicos, aceitou as escusas do colega no mesmo diapasão, e a paz voltou a reinar. Não sabemos, porém, o desfecho da proposta do senador Antonio Carlos Magalhães ao senador Almeida Lima: ‘Você quer ir lá fora sair no braço?’ Os meninos que os senadores foram um dia, de repente regurgitam em insuportáveis eflúvios.

A coluna Língua Viva, no intuito de ampliar a idéia do que os jornalistas corretamente definiram como bate-boca no Senado, apresenta outras palavras, usualmente utilizadas como sinônimos de bate-boca. São elas: arranca-rabo, arranca-toco, arrelia, auê, barulho, bate-barba, bulha, controvérsia, desamor, diatribe, duelo, entrevero, esporro, hostilidade, lubambo, pau, pendenga, porrada, quizila, rebordosa, rixa, rolo, rusga e sururu.

Às vezes, o Senado, por definição a casa de experimentados anciães, guardiães de altos valores da nacionalidade, transforma-se em estádio! E o adjetivo ‘ancião’ é brandido como ofensa!

Nesse ínterim, os senadores Heloísa Helena e Eduardo Suplicy beijavam-se em foto que mereceu a primeira página do JB. Nota dez para a legenda: ‘paixão de amigo’.

Um dos primeiros livros de Nélida Piñon, indispensável referência literária, chamou-se A casa da paixão. Bom título para o Senado.’



DIREITOS AUTORAIS
Ronaldo Lemos

‘MinC dá alternativa ao domínio restrito’, copyright Folha de S. Paulo, 9/06/04

‘Em artigo publicado nesta Ilustrada em 5 de junho, o compositor Livio Tragtenberg chama a política de apoio do MinC às formas inovadoras de uso do direito autoral de ‘desconversa’. Na opinião dele, o MinC faria melhor se concentrasse sua força política para promover uma reforma agrária sobre o ‘latifúndios das telecomunicações’.

O texto se baseia em um duplo desconhecimento. O primeiro é quanto ao debate relativo à convergência de mídias e à importância que a propriedade intelectual desempenha nesse âmbito. O segundo é quanto à própria política de cultura digital do MinC, cujo apoio às formas inovadoras de direito autoral é só um dos elementos de um amplo projeto.

Quanto ao primeiro ponto, Livio defende que o MinC deveria se preocupar com ‘a quebra dos monopólios dos meios de comunicação’. Tal questão fez muito sentido nas décadas de 70 e 80. Com o advento da TV digital, das rádios por IP, dos programas de compartilhamento de arquivos, dos jogos multijogadores e, sobretudo, das redes ‘wireless’, em que celulares irão transmitir conteúdo audiovisual nos próximos dois anos, não faz mais.

Fomentar a ampla circulação da cultura passa a ser não mais um problema ligado à infra-estrutura das redes de comunicação, mas à propriedade intelectual sobre os componentes desse sistema. O primeiro componente é o software que controla como e o que pode ser transmitido (a TV digital nada mais é do que um computador com software para exibir imagens). O segundo componente é o conteúdo, que pela lei nasce com vedação de uso para quaisquer fins. Quem quiser circular conteúdo legalmente precisa ter autorização do autor, o que na maioria absoluta das vezes -principalmente no caso de produções independentes- não é fácil.

O que a política proposta pelo MinC fomenta é uma alternativa a isso, situação perversa na qual tantos criadores saem prejudicados e o domínio público é cada vez mais restrito e tende a desaparecer. Instrumentos para autores e criadores que querem que seu trabalho ganhe espaço e circulação legalizada na rede. Instrumentos como o Creative Commons (www.creativecommons. org), pronto para uso. Enquanto a rede se transforma em commodity, seus componentes, sejam software ou conteúdo, transformam-se em mercadorias monopolizadas, de modo centralizado ou descentralizado. Esses são os monopólios a serem combatidos.

O segundo ponto ignorado pelo compositor é que o fomento do MinC a uma iniciativa como o Creative Commons se conjuga com outros projetos. O ciclo começa com a implementação de centros culturais em áreas de baixos Índices de Desenvolvimento Humano, que irão produzir cultura livre; depois, com a criação de espaços digitais de preservação e disseminação do patrimônio cultural brasileiro e da cultura licenciada por esses novos modelos em tempo real; por fim, chega ao fomento das rádios comunitárias e dos telecentros, que irão produzir e distribuir a cultura brasileira de forma democrática. Com isso fecha-se o ciclo de criação, permissão, preservação e acesso.

Por fim, apontamos com satisfação o fato de Tragtenberg ser entusiasta dos modelos propostos, apesar das objeções que faz.

Como ele mesmo diz, ‘é louvável que se comece a dar uma face mais normatizada aos novos mecanismos de distribuição da cultura, que encontra na internet seu espaço mais amigável para experimentação’. Esperamos a oportunidade de acessarmos (e samplearmos) seu trabalho pela rede, com licença Creative Commons. Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV’