Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Moacir Japiassu

Errei, sim!

‘FERRO NA FOLHA – Assustador título na Revista da Folha: Hoje o assunto é ferro. Não é, porém, o que o considerado leitor está pensando; a matéria se referia a mesas, cadeiras, revisteiras, tudo em ferro. Ah!, tinha também lixeira.’’

 

LÍNGUA PORTUGUESA

Deonísio da Silva

‘Nababos, marajás e nepotistas ‘, copyright Jornal do Brasil, 18/04/05

‘Foram cardeais que, ao se tornarem papas, disseminaram a palavra nepotismo em várias línguas, ao levarem parentes, especialmente sobrinhos, para trabalhar no Vaticano, utilizando de quebra um jeitinho de amenizar os rigores do celibato, como insinuou, entre discretos risos de seus pares, um deputado federal, semana passada, durante a discussão do tema e do problema na Câmara.

Até as denúncias no Brasil têm um caráter solene e para que obtenham a atenção do distinto público os denunciantes inventam novas palavras ou ressuscitam outras quase em desuso. Antes foram os nababos, depois vieram os marajás e agora ressurgiram os nepotistas.

O mal é o mesmo de sempre: o dolce far niente (doce fazer nada) à sombra do Estado que, sem a elegância da expressão italiana, é conhecido entre nós por empreguismo.

Nepotismo veio do francês népotisme, mas sua origem remota é o latim nepote, declinação de nepos, sobrinho. Ainda no latim, o vocábulo era aplicado também a outros parentes, como netos e primos.

O problema não é ser parente, o problema é não trabalhar. O nepotismo não teria recebido a tremenda carga pejorativa que acumulou ao longo do séculos, se todos os parentes trabalhassem. À sombra do poder, os nepotistas passaram a viver como nababos, do árabe nawwab, plural de nãOb, espécie de vice-rei, nomeado pelo grão-mogol, que estiveram no poder na Índia entre os séculos 16 e 19.

Em 1877, por ocasião da publicação da peça O nababo, do escritor francês Alphonse Daudet, o vocábulo já era popular na Europa.

Foi também da Índia que nos chegou marajá, do sânscrito maha-rajá, grande rei. No Brasil, marajá passou a indicar aqueles funcionários públicos que através de trambiques e contorcionismos legais, mas ilegítimos, passaram a aumentar seus próprios salários e ganhos indiretos em quantias escandalosas.

Contra eles investiu o então candidato à Presidência da República, Fernando Affonso Collor de Mello, fazendo das denúncias uma das principais peças de sua campanha. Uma vez no poder, pouco pôde fazer contra aqueles que tanto delatara. Os marajás haviam sido chocados e descascados em um ninho estarrecedor: instâncias do próprio Poder Judiciário.

Em nome do trato justo e da conversa clara, convém lembrar que a preguiça também, não exclusivamente o trabalho, faz avançar a civilização. Diversos escritores brasileiros foram grandes preguiçosos, beneficiários de práticas nepotistas e assemelhadas. O presidente Getúlio Vargas inventou um estratagema curioso para cooptar intelectuais, empregados como fiscais do consumo. Alguns não fiscalizaram sequer o consumo de álcool entre eles.

Nossos parlamentares, contrariando declarações e práticas do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, formularam o problema de outro modo e apresentaram seis emendas à Constituição para combater o nepotismo, que, entretanto, recebeu uma variante neológica: ‘é preciso acabar com o nepetismo’, disse um. Outro relatou ter recomendado a um amigo uma namorada petista: ‘Já vem empregada!’. E empregar cunhados, pode? Cunhado não é parente! Um deputado foi adiante: e amante é? Bastou para outro invocar insólito álibi: fotos de esposa e filhos na carteira.

Essas denúncias periódicas e suas fingidas tomadas de providência logo encontram o famoso jeitinho brasileiro de seguir à risca o preceito de Tomasi di Lampedusa em O leopardo: ‘se queremos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude’.

Nada disso nos diria respeito se o alto clero, reunido em Roma, e o baixo clero, pontificando na Câmara, não interferissem tanto em nossa vida, a começar pelos novos significados que dão às palavras.’