Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Moacir Japiassu

LEITURA & MÍDIA

Nelson Ascher

‘Os leitores futuros’, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/05

Pais e professores enfrentam freqüentemente um problema cuja solução não é nem fácil nem óbvia: como fazer seus respectivos filhos ou alunos lerem, como fazê-los gostar da leitura?

A revolução contemporânea nos meios de comunicação tornou a leitura mais, não menos, importante. Por exemplo, por mais ‘user-friendly’ que a internet seja, não há dúvida de que alguém habituado a ler é capaz de aproveitar seus recursos muito melhor. E a multiplicação paralela dos meios audiovisuais, com sua opulência de informações não raro contraditórias, requer igualmente uma capacidade de ‘ler nas entrelinhas’.

Ocorre que a prática da leitura na idade adequada parece embutir no cérebro das crianças um ‘software’ específico, uma espécie de mecanismo subliminar que lhes permitirá depois acompanhar mais proveitosamente outras formas de narrativa, como o cinema. Gente que freqüente livros não apenas ‘mata’, digamos, a trama de um ‘thriller’ antes, mas também arquiva na memória cenas e seqüências que os menos afeitos à leitura esquecem logo. Já o teatro, o cinema e a televisão, ao que tudo indica, não inserem mecanismos semelhantes na mente de seu público. Resulta disso que, se a leitura prepara alguém para se tornar um bom cinéfilo, o contrário não se verifica.

Quanto ao aprendizado de disciplinas variadas, existem estudantes que as assimilam melhor na sala de aula e outros que preferem o estudo solitário. Seja como for, esta última opção é a que lhes abre o leque mais amplo de possibilidades e lhes dá maior autonomia. E, por excelente que seja o professor, matéria nenhuma é plenamente aprendida sem seu estudo em casa. O objetivo de uma boa educação é tanto o de fornecer às crianças e jovens informações essenciais como prepará-los para se informarem por conta própria.

Nada disso, porém, começa sequer a ser concebível sem a leitura, ou melhor, sem seu hábito que combine desenvoltura e prazer. E, como sucede com todo o resto, há uma idade apropriada na qual tal interesse deve ser ativado. Como fazê-lo?

Algumas gerações atrás, quando os livros eram simultaneamente onde se estocava o conhecimento e um dos principais instrumentos de lazer, talvez fosse mais simples do que hoje. Ao contrário do que previam os profetas do apocalipse, o acúmulo de invenções e novas tecnologias não eclipsou a centralidade da cultura letrada e, por enquanto, nem sequer a do papel impresso. Mas, sobretudo em idades formativas, elas são fortes competidoras que podem desviar a atenção das crianças, levando-as a relegarem os livros ao segundo plano. E, quando elas buscam recuperar o tempo perdido, às vezes já é tarde demais.

Inúmeros métodos vêm sendo continuamente experimentados, com resultados entre ruins e péssimos. Banir de casa o aparelho de televisão quase nunca dá certo. Subornar os jovens leitores potenciais com recompensas variadas tampouco está entre as boas idéias. Simplesmente obrigá-los a ler traz em si o perigo de torná-los alérgicos a essa atividade. E então?

A má notícia é que há bem pouco que pais ou professores possam fazer. Em geral, o modo mais seguro que eles têm de estimular a leitura é dando o exemplo, ou seja, lendo. Outro estratagema que, em certos casos funciona, é o de sonegar informações que as crianças possam obter sozinhas. Em vez de lhes explicar uma palavra, é sempre útil mandar que as procurem no dicionário ou através do Google. Ao fim e ao cabo, existem apenas dois grupos capazes de levar as crianças a lerem ou lerem mais: os colegas ou a turma e os escritores.

Sabe-se agora (e sabia-se antes que aparecessem educadores e pedagogos) que a influência exercida pelas crianças entre si é tão vital quanto a dos adultos. Se todos os colegas de um garoto tocam algum instrumento, ele se sentirá tentado a emulá-los. E o mesmo se aplica à literatura. Quem quiser encorajar seu filho a ler deve pô-lo em contato com outras crianças que gostem de ler. Isso, contudo, somente transfere o problema do plano individual para o grupal.

Se há uma solução, ela está nas mãos dos escritores. Há uma correlação óbvia entre, por um lado, lugares e épocas que geraram boa literatura infantil ou juvenil e, por outro, a dimensão e a qualidade do público leitor. Grandes escritores não são produzidos industrialmente ou nas provetas e seu surgimento depende do acaso. Ainda assim, quando aparecem, eles contribuem decisivamente para criar sua audiência.

Todos os romancistas gostariam de ser Proust ou Joyce ou Thomas Mann e todos os poetas escreveriam, se pudessem, obras como as de Drummond ou Fernando Pessoa. Pouquíssimos chegam sequer perto. Mas a literatura infantil e juvenil permite uma margem distinta de manobra, sua criação pode ser aprendida.

Falava-se bastante, no século que passou, de coisas como a responsabilidade social do escritor. Ninguém mais liga muito para essa conversa, entre outras razões porque boa parte da tal responsabilidade se traduzia em servir regimes despóticos e louvar tiranos, transformando autores em lacaios de poderes não excessivamente democráticos. Todavia, se não responsabilidades, os profissionais das letras têm, sim, interesses sociais, e entre estes se encontra o de formar novas gerações de leitores.

A qualidade dos livros infantis e juvenis publicados no Brasil durante os decênios recentes não nos leva a nos ufanarmos de nosso país. Romancistas, contistas e poetas que desejem assegurar a existência de leitores futuros não estariam perdendo tempo caso se empenhassem em escrever, de quando em quando, bons livros para as crianças e adolescentes.’