Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Moacir Japiassu

ENTREVISTA / FERNANDO MORAIS

Carlos Alberto Dória

‘Como se faz um best-seller’, copyright Trópico (www.uol.com.br/tropico), 18/04/05

‘O que se pode esperar de um escritor que assina seus livros desde Saco de Sorocotuba? Ninguém sabe onde fica. Mas, sendo quem é, trata-se de uma paródia bem-humorada de Gilberto Freyre, que assinava desde Apipucos.

Escritores gostam de praias. E gostam de galardões, como a Academia Brasileira de Letras. O mestre de Apipucos chegou lá. O mestre do Saco de Sorocotuba não. Deu-lhe uma coça Marcos Maciel, mais um ponto de exclamação do que um escritor. Mas a academia é para pavões, não para escritores…

Estamos falando de Fernando Morais. O jornalista que, para escrever, se esconde no Guarujá, cidade praiana paulista. Exatamente na praia Saco de Sorocotuba. Ele é mineiro. Muitos mineiros sofrem da ‘síndrome boliviana’ e acabam inventando uma saída para o mar.

Esse jornalista, que não tem curso superior completo, que foi deputado de oposição à ditadura em boa medida graças ao livro ‘A Ilha’ -uma vasta reportagem sobre Cuba, mostrando para a classe média brasileira que comunistas não comiam criancinhas, mas tomavam mojitos e fumavam charutos- é dos poucos escritores profissionais do país, onde estes se contam nos dedos e nos dedos de uma única mão os que vivem de direitos autorais. Desde que começou a publicar já vendeu, no Brasil e pelo mundo afora, cerca de 2,5 milhões de livros.

Invejosos já disseram que ele é ‘o maior escritor médio do Brasil’. Mas, antes mesmo dos lançamentos, seus livros prenunciam grande sucesso, altas cifras, quando o seu ‘passe’ esquenta, sendo disputado por editoras como se fosse o de um artilheiro.

Se entendermos que literatura não é só o que se escreve e publica, mas especialmente o que se lê, ele e Paulo Coelho (que críticos dizem fazer qualquer coisa, menos literatura) exigem, urgentemente, a revisão dos critérios de avaliação de textos modernos ao gosto dos leitores.

Se ainda coubesse nos jornais a modalidade investigativa de jornalismo, talvez não existisse a obra de Fernando Morais. Mas, numa época em que os jornais brasileiros colhem informações por telefone, alguém que vá ‘atrás dos fatos’ é uma grande proeza. A obra de Fernando Morais tem sido assim: correr ‘atrás dos fatos’ no vácuo do bom jornalismo investigativo, que ele diz que não há mais.

‘Na Toca dos Leões’, história da agência de propaganda W/Brasil, é o primeiro livro de Morais pela editora Planeta. Um livro com bela capa e projeto gráfico de Hélio de Almeida, mais ‘popular’ que ‘Chatô’, que tinha um indisfarçável ar ‘cool-chic’ já na capa.

A espanhola Planeta pertence a um dos maiores grupos editoriais do mundo. Agora no Brasil, prepara o seu catálogo e recruta os ‘autores da casa’. Em vez de começar pelas beiradas, usa a tática do xadrez que consiste em ocupar o centro do tabuleiro. No capitalismo moderno, esta é uma tática espanhola que já vimos em ação quando o Grupo Santander comprou o Banespa. A Planeta buscou, inicialmente, adquirir o controle acionário de alguma grande editora. Tentou a Record, a Objetiva e a Companhia das Letras. Não deu certo. No mercado editorial se atribui a um dirigente seu a seguinte frase: ‘Já que não foi possível comprar uma grande editora, vamos comprar os grandes autores das grandes editoras’.

Capital é capital em qualquer segmento. Best-seller é uma commodity como outra qualquer, e vivemos a dessacralização do livro. Planeja-se, escreve-se, lança-se com estrondo, fatura-se alto. Com os livros de Fernando Morais assistimos à nacionalização do best-seller e, simultaneamente, à internalização de um novo modo de produzir livros. Um tipo de livro que deve gerar o prazer da leitura numa ponta e grana na outra. Só os tolos imaginam que best-sellers são livros que se desencaminharam da qualidade para cair na vida e no mercado, frutos da incultura geral. Best-seller é coisa pensada, planejada.

Fernando Morais é uma alavanca desta mudança de paradigma. ‘Na Toca dos Leões’ vem a público em tiragem inicial de 70 mil exemplares. Algo quase 50 vezes maior do que um livro ‘comum’ de hoje em dia. Seus livros, desde ‘A Ilha’, são certezas de sucesso, baixo risco editorial.

Morais é autor de best-sellers por várias razões. A principal é que tem senso editorial apuradíssimo -é capaz de distinguir, na nebulosa das obras que podem ser escritas, quais temas serão sucesso. Ele ‘viu’ Olga onde ninguém via, viu Chateaubriand, descobriu a seita secreta Shindo-Remei. Em torno desses achados foi desenvolvendo a capacidade de se organizar para comercializá-los antes mesmo de escrever; escrever com disciplina; transformar a sua própria angústia criativa em suspense do mercado, de tal sorte que, quando o livro aparece, o alívio do escritor e o do leitor se fundem num momento catártico. E junto ao seu público fiel ele consegue até moratórias, como quando interrompeu a redação de ‘Chatô’ para assumir cargos públicos no governo do Estado de São Paulo.

Leia a seguir a entrevista de Fernando Morais para Trópico.

***

Fale do livro sobre a W/Brasil. Como surgiu a decisão de produzi-lo, que negócio editorial se articulou em torno dele?

Fernando Morais: Surgiu de uma sugestão minha para o Washington Olivetto e o Gabriel Zellmeister de fazer um livro sobre a W/Brasil quando ela estava fazendo 15 anos. Eles sempre dão festas, fazem alguma coisa diferente a cada ano. Achei que 15 anos merecia um livro. Eles gostaram da idéia, e eu me pus a trabalhar.

Depois, com o seqüestro dele, ele próprio sugeriu que fizéssemos o segundo livro, um ‘instant book’, que a Companhia das Letras publicaria e que o Luiz Schwarcz, dono da editora, já tinha até batizado com o título de ‘Anatomia de um Seqüestro’. Mas, quando o Washington voltou da viagem à Europa, intimado pela Justiça para a primeira audiência, ele se viu pela primeira vez a um metro de distância dos seis que o seqüestraram.

Quando seqüestrado, ele não tinha contato com nenhum deles, esteve isolado por 53 dias. E ele, que até então parecia não ter ‘realizado’ o seqüestro, acho que, finalmente, viu a ficha cair e se deu conta da encrenca em que havia se metido. Ficou muito abalado, me chamou à casa dele para um café da manhã e… você sabe, quando é café da manhã nunca é boa notícia: pediu que não fizéssemos o segundo livro, que mantivéssemos apenas o projeto original.

Voltei ao projeto original e, no final, achei que não tinha como não incluir algo sobre o seqüestro, ao menos as coisas que eu havia apurado e ninguém mais na imprensa havia dado. E assim foi feito.

O Luiz Schwarcz até já tinha me dado um dinheiro pelo livro do seqüestro. O Washington se dispôs a devolver o dinheiro por mim, mas, felizmente, eu não havia gastado nada e pude devolver eu mesmo. De gasto mesmo só havia feito umas viagens e contratado uma excelente jornalista para me ajudar. Mas, aí, trata-se de um risco da minha atividade, não é?

E por que, nesse período, você migrou da Companhia das Letras para a editora Planeta?

Fernando Morais:Porque, quando o livro sobre a W/Brasil estava para ficar pronto, eu recebi uma oferta, muito generosa, da editora Objetiva. Disse a eles que tinha que consultar outras pessoas, como o Pedro Paulo de Sena Madureira, de A Girafa, e o meu editor, Luiz Schwarcz. Isso, na medida em que era um livro de minha iniciativa, não uma sugestão de qualquer editora. O Pedro Paulo achou a oferta da Objetiva muito alta e não quis cobrir. O Luiz também não…

Você pode falar sobre valores?

Morais: Olha…. foi alguma coisa em torno de US$ 60 mil. Aí eu recebi um convite do Pascoal Soto, da Planeta, para jantar com a direção da editora aqui no Brasil, e eles me fizeram uma proposta…. Enfim, uma proposta muito substantiva.

Você pode dizer o valor?

Morais: Não, nesse caso não posso. Por contrato, nem eu nem eles podem divulgar o valor. Mas, como era uma proposta muito alta, eles me pediram um segundo livro. Eu sugeri que fosse o retrato -nem um perfil, nem uma grande biografia, mas um retrato- do presidente Hugo Chávez, da Venezuela.

Cheguei a andar nesse projeto por um tempo. Andei pelo Brasil com ele, quando Chávez esteve aqui no Fórum de Porto Alegre, mas então o presidente me disse que Bob Fernandes já estava fazendo um livro sobre ele. O Bob havia deixado a revista ‘Carta Capital’ inclusive para isso. Então eu desisti, e tinha que propor uma alternativa à Planeta. Propus o João Pedro Stédile, o que, na minha opinião, seria uma maneira de contar um pouco da questão fundiária no Brasil, não só do MST. Mas a editora achou um pouco precoce fazer algo sobre o Stédile, e sugeriu o Paulo Coelho.

Eu disse que faria com muito prazer, se ele topasse. Embora não venha a ser uma biografia autorizada, é impossível fazer qualquer biografia se o biografado não der um mínimo de ajuda, se não quiser fazer. Essa é a história: o Luiz Schwarcz não cobriu a proposta da Planeta e eu fiz este livro com a Planeta e vou fazer o Paulo Coelho, sem que isso signifique ter deixado a Companhia das Letras.

O que você está descrevendo é um mecanismo de leilão. Desde quando isso existe no mercado editorial?

Morais: Já há algum tempo, eu diria… Como isso acontece? Você está pesquisando para fazer um livro, sempre sai uma notinha em algum jornal, já que você fala com tanta gente, de áreas tão diferentes… Quando sai a nota, um editor liga para você e pergunta se o livro está comprometido com alguma editora, se está contratado. Daí ele faz uma oferta. É assim que acontece, porque é muito desconfortável o autor sair por ai leiloando o seu trabalho, não é?

Esse é um mecanismo informal, portanto. Mas existe Frankfurt, onde o leilão é formal. E existem os agentes literários, no seu caso o Thomas Colchie.

Morais: Sim, Frankfurt é isso, mas você não vê autor leiloando seu próprio livro. São agentes literários. O meu agente, Thomas Colchie, é agente só para os Estados Unidos. E hoje ele é mais autor do que agente, pois está escrevendo uma interminável biografia do Jorge Amado. Então, sobre a minha venda fora, ou surgem iniciativas dos países ou a Companhia das Letras intermedia.

Quantos livros você já vendeu desde que começou a escrever?

Morais: Não sei dizer exatamente, mas quando lancei ‘100 Quilos de Ouro’, um site de literatura fez as contas e calculou que eu havia vendido mais ou menos 2,5 milhões. ‘A Ilha’ vendeu uns 600 mil exemplares no Brasil e mais alguma coisa no exterior; ‘Olga’ vendeu 1,2 milhão; ‘Chatô’ vendeu 250 mil; ‘Corações Sujos’ vendeu 170 mil. ‘100 Quilos de Ouro’ vendeu 30 mil. ‘A Ilha’ voltou a vender agora e também acaba de sair uma edição de ‘Olga’ na Itália, pela editora Il Saggiatore.

Isso significa mais ou menos uns US$ 5 milhões no seu bolso.

Morais: Não! Quer dizer, se significa não sei onde estão… Não tenho esse patrimônio. Pode ser, mas não sei onde foi parar o dinheiro. Vai ver eu fumei tudo em Cohibas, certamente (risos).

É evidente que o mercado seleciona alguns autores cujos livros podem chegar a um leilão. Você, Paulo Coelho…

Morais: Eu gostaria de dizer que, sob este ponto de vista, eu não chego aos cadarços dos sapatos do Paulo Coelho… (risos)

Mas, nas áreas em que você escreve, seus livros são, sem dúvida, os que mais se aproximam do que estamos falando. Gostaria de saber como você vislumbra as oportunidades de escrever livros que são de interesse de um grande público?

Morais: Olha, eu me considero uma pessoa mediana. Acho que aquilo que me interessa, me chama atenção e seduz, também seduz a maioria das pessoas. Claro, assim como eu, esse leitor se interessa por coisas desconhecidas, como a história do Shindo-Remei.

Se o assunto não me seduz, não me tira o fôlego, também não vai tirar o do leitor. E eu escrevo para ser lido, não para uma auto-realização privada, nem para os meus amigos lerem. Escrevo para ser lido pelo maior número de pessoas possível. O fato disso se traduzir em vendas é bom, é saudável.

Agora, não faço concessão, não escrevo livro ‘para vender’, do tipo ‘faz tal coisa que vai vender muito’. Não, não faço isso. Acho que uma das poucas vantagens de se fazer uma carreira solo é a sua independência. Poder dizer, faço isso e não faço aquilo. É um privilégio que você não tem na redação de um jornal, numa revista, em lugar nenhum.

No caso da W/Brasil você passa da biografia para a história empresarial. Antes você já havia feito outra história empresarial, a história da Companhia Souza Cruz, mas foi um livro sob encomenda.

Morais: Bem, aí eu estava precisando de dinheiro, e a Souza Cruz estava fazendo cem anos, mais ou menos na mesma época. Eles me perguntaram se eu faria o livro, e eu disse que não teria problema, já que eu sou um tabagista militante.’