Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Moacir Japiassu

‘O considerado Mario Nicoll lia o Globo Online quando o título de uma matéria desabou sobre seus ombros como se fosse o próprio edifício da Rua Conde Lajes, 25, Glória, Rio de Janeiro(*):

Arquiteto de Brasília é preso acusado de pedofilia

Nicoll levantou os pilotis de sua indignação:

A essa altura da vida pouca coisa deve surpreender Oscar Niemeyer. Mas, por essa calúnia ele não esperava!

Janistraquis consultou alguns juristas, ó Mario, e todos foram unânimes em considerar o título não apenas calunioso; trata-se, isto sim, de crime hediondo.

(A íntegra da matéria, cujo título foi modificado mais tarde, está no Blogstraquis.)

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Rascunho

A coluna cumprimenta Rogério Pereira e sua equipe do Rascunho, de Curitiba, a única publicação brasileira especializada em literatura e crítica literária. Neste abril, completa cinco anos de vida o polêmico jornal cujos pareceres deixam escritores e poetas com as barbas de molho, pulga atrás da orelha e os dois pés atrás.

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Bom gosto

Deu também no Globo Online:

Ladrões fazem arrastão em Moema e roubam escritório da dupla Bruno e Marrone

SÃO PAULO – Uma quadrilha fez um arrastão num prédio comercial da Avenida Jandira, em Moema, zona sul da capital na madrugada desta segunda-feira. A polícia acredita que o alvo foi o escritório da dupla sertaneja Bruno e Marrone. Foram roubados R$ 700 mil entre dinheiro e equipamentos eletrônicos, além de um carro importado. Mais cinco outros andares foram invadidos pelos ladrões.

Janistraquis leu, levantou-se da poltrona, acomodou um CD de Mozart no aparelho de som e declarou, com a boca tomada pelas moscas do mais abjeto preconceito :

‘Considerado, tenho a impressão de que os invasores não eram ladrões comuns; queriam mesmo era pegar os dois e, em nome do bom gosto, cortar-lhes a língua…’

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Veadagem

O considerado Giulio Sanmartini, o mais brasileiro dos italianos, que quando vivia no Rio de Janeiro fez de tudo e mais um pouco, deu agora um flagra em O Dia, ao ler o textinho arreganhado abaixo do título Glamour:

Organizadores das paradas gays de Madureira e Nilópolis vão comemorar o Dia das Mães à sua moda. Na Avenida Miranda, em Nilópolis, vão cortar cabelos e embelezar as mamães. De graça.

Giulio abriu o baú das reminiscências:

Quando este teu amigo era vendedor de Q-Refresco (balas Soft) e fazia a praça de Nilópolis, a avenida principal da cidade chamava-se Mirandela. Na época a Beija-Flor era totalmente desconhecida do grande público, mas os Abrahão já eram donos do pedaço. Creio que nestes passados mais de 30 anos, o nome da avenida não tenha mudado.

Janistraquis concorda com você, ó Italiano! É que veadagem em excesso, se não destrói mais a reputação de ninguém, é certo que compromete pelo menos a memória…

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Parahyba, Parahyba

Deu no Jornal do Comércio Online:

Ariano Suassuna está internado em hospital no Recife

O escritor paraibano radicado em Pernambuco Ariano Suassuna, 77 anos, está internado no Hospital Albert Sabin, na Ilha do Leite, região central do Recife. Ariano deu entrada na unidade na última quinta-feira (21) com um quadro de infecção urinária. O estado de saúde do escritor é bom e ele deve receber alta na próxima quinta-feira (28), depois de ser medicado com antibióticos.

BIOGRAFIA – Ariano Vilar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, na época em que João Pessoa (PB) ainda chamava-se Nossa Senhora das Neves. Com apenas um ano de idade, passou a morar na Fazenda Acauhan, quando seu pai, João Suassuna, deixou o Governo da Paraíba (…).

Janistraquis ficou perplexo:

‘Considerado, Recife é tão pertinho de João Pessoa que nunca imaginei a existência de tanta lonjura geopolítica. Ora, qualquer aluno de primeiro grau sabe que, às vésperas da Revolução de 30, a capital paraibana se chamava Paraíba, assim como São Paulo é a capital do estado de São Paulo!!!’

É verdade. Só não tenho certeza de que qualquer aluno do primeiro grau saiba da existência daquela velha Paraíba; aliás, Parahyba, como então se escrevia. E, só pra completar, João Pessoa nunca se chamou Nossa Senhora das Neves, mas Felipéia de Nossa Senhora da Neves, em homenagem ao… ah!, deixa pra lá…

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Balas perdidas

Sob o título Sandices em pleno vôo, lê-se na coluna de Luiz Garcia, editor de opinião e ombudsman de O Globo:

(…) Nestes dias, os teóricos do gatilho começam a sacar argumentos superficialmente convincentes. Por exemplo: apesar do grande número de armas recolhidas, os índices de mortes por tiro não diminuiu, principalmente em grandes centros. É alegação verdadeira, mas safada (…).

(…) Mas os índices de mortes por armas de fogo crescem. Óbvio. O que mais se poderia esperar, nas grandes cidades, onde as grandes quadrilhas de traficantes dispõem de arsenais altamente sofisticados, e travam tiroteios praticamente diários com policiais? Mas essa é outra guerra, não aquela iniciada, com êxito acima de todas as esperanças, com a campanha do desarmamento.

Depois de ler e reler o artigo, exalado pela ilustríssima lavra desse neto do mestre potiguar Rodolfo Garcia, Janistraquis saiu à procura de adesões para um jantar de desagravo à inteligência.

(Leia a íntegra das ‘sandices’ no Blogstraquis.)

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Tradutor pirado

O considerado José Paulo Lanyi passava os olhos pela Folha Online quando deparou com estimulante título:

Pentágono exonera quatro oficiais por escândalo em Abu Ghraib

Se o Pentágono responsabiliza e demite é porque o escândalo foi pra lá de escandaloso, imaginou Zé Paulo, porém a leitura do texto revelou que o tradutor da matéria da France Presse é que não conhece as sutilezas do verbo exonerar. Eis a obra da criatura:

Quatro altos oficiais do Exército dos Estados Unidos, incluindo um ex-comandante das forças americanas no Iraque, foram exonerados de toda a responsabilidade pelas torturas a prisioneiros na prisão de Abu Ghraib, segundo informações de funcionários da Defesa.

Ah!!!!!, então os elementos foram ‘exonerados de toda a responsabilidade’…

Zé Paulo suspirou:

É duro a gente ler uma coisa e logo descobrir que ocorreu justamente o contrário.

É mesmo de lascar. Aliás, os médicos também costumam receitar alguns remédios que ‘exoneram’ os intestinos de quem vive atrás das grades da prisão de ventre, né mesmo?

(A coluna convida o considerado leitor a fazer um passeio pelo Blogstraquis e conhecer o texto integral da matéria.)

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Aparição

Júlio Caldas Alves de Brito, considerado leitor de Petrópolis, envia materinha de O Globo, cujo título, Dom Cláudio prega diálogo entre papa e bispos, abriga uma verdadeira jóia da impropriedade histórica:

Ele (D. Cláudio Hummes) lembrou seu primeiro encontro com o líder comunista Luís Carlos Prestes, em 1996, numa reunião de operários para comemorar o primeiro de maio.

Alves de Brito, que tem boa memória, lembra que Prestes morreu no dia 7 de março de 1990 e arremata:

Vai ver foi o fantasma do Prestes que apareceu à frente do cardeal, né mesmo?

É verdade; afinal, essas surpresas espirituais costumam assaltar não apenas os pais-de-santo mas, principalmente, aqueles que têm intimidade mais estreita com o Altíssimo.

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Quepe e solidéu

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo janelão arreganhado dá pra ver o vice Zé Alencar mais isolado no curral do que bode de bicheira, pois Roldão lia o Jornal do Brasil quando tropeçou nesta legenda da grande foto da página A-10, de 17 de abril:

Na vitrine da alfaiataria Gammarelli, em Roma, sapatos e o quepe branco papal esperam o próximo dono para esta semana. A loja tradicionalmente veste os eleitos para o trono de São Pedro.

Como a foto mostrava um par de sapatos e um solidéu, Roldão se fez a pergunta:

Será que o legendador antevia um papa com instintos militares?

Procede. Na verdade, todos sabem, ou deveriam saber, a diferença entre um quepe e um solidéu…

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Nota dez

O destaque da semana vem da lavra do jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier, cujo artigo na seção Tendências/Debates da Folha de S. Paulo merece a reflexão de todos nós. Avalie o tom neste breve fragmento e confira a íntegra no Blogstraquis:

Os desafios da liberdade de expressão

(…) Não se deve confundir liberdade com liberalidade ou até libertinagem de imprensa. A imprensa -denominada o quarto poder, depois do governo, do clero e do Exército- nem sempre está a salvo de críticas.

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Errei, sim!

‘BORIS NÃO LEU – O considerado Ibsen Costa Manso, do TJ Brasil, pediu a Boris Casoy que lesse bem alto este título de matéria distribuída pela veterana agência France Press: Deputada francesa assassinada e morta!!! Ignora-se o motivo pelo qual Boris não topou divulgar tão inusitado, digamos, evento.’ (abril de 1994)

(*) Sede da Fundação Oscar Niemeyer’

LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Tempo é dinheiro?’, copyright Jornal do Brasil, 2/05/05

‘Na Roma antiga, no primeiro dia de cada mês um escravo anunciava os acontecimentos fastos (felizes) e nefastos (infelizes) do período.

Para melhor entender: mais ou menos como se o deputado Severino Cavalcanti determinasse a um de seus nepotes que avisasse ao distinto público, hoje, quando são dois de maio, que este mês será votada a redução dos juros, o pleno emprego (acontecimentos fastos), o aumento de impostos, a intervenção na saúde (acontecimentos nefastos).

Os gregos não tinham calendas. Sabedor disso, o historiador Suetônio criou a expressão ‘pagar nas calendas gregas’, isto é, nunca.

A palavra calendário veio do latim calendarium, radicado em calare, convocar, e calenda, o primeiro dia de cada mês, e suas divisões baseiam-se, desde as mais antigas culturas, nos movimentos da Terra e da Lua.

Vivemos o ano inteiro no mundo da Lua. O ano é o tempo que a Terra demora para dar uma volta ao redor do Sol. O mês, o tempo que a Lua leva para dar uma volta ao redor da Terra. A semana equivale a cada uma das quatro fases da Lua: minguante, crescente, nova e cheia. O dia equivale ao período que nosso planeta leva para dar uma volta sobre seu próprio eixo.

Frei Antônio das Chagas, que na Lisboa do século XIX esbofeteava esqueletos diante de assustadas platéias em suas homilias, recriminando o que tinham feito quando cobertos de carne e pele, fez belo poema sobre o tempo: ‘Deus pede estrita conta do meu tempo/ e eu vou do meu tempo dar-lhe conta,/ mas como dar, sem tempo, tanta conta,/ eu que gastei, sem conta, tanto tempo?/ Para ter minha conta feita a tempo,/ o tempo me foi dado e não fiz conta/ não quis, sobrando tempo, fazer conta,/ hoje quero acertar conta e não há tempo./ Ó vós que tendes tempo sem ter conta,/ não gasteis vosso tempo em passa-tempo./ Cuidai, enquanto é tempo, de vossa conta,/ pois aqueles que sem conta gastam o tempo,/ quando o tempo chegar de prestar contas,/ chorarão, como eu, o não ter tempo’.

E de onde veio a palavra hora? Ora, hora veio do grego hóra, pelo latim hora, outra divisão de tempo. As Horas eram divindades, filhas de Júpiter e Têmis. Presidiam às estações do ano e eram guardas das portas do Céu.

Na Idade Média, sugiram as divisões minuto e segundo, do latim primus minutus, primeira pequena parte da hora, e secundus minutus, segunda pequena parte da hora. Mais tarde, por economia, que é a regra básica da elegância, houve elipses de primus e minutus.

O escritor e jornalista espanhol Ramón Gómez de la Serna propôs o acréscimo da vigésima-quinta hora ao dia: ‘Oh, se houvesse uma hora a mais, uma hora excepcional e sobressalente, a hora vinte e cinco!’. E veio morar em Buenos Aires!

Tudo isso parece picuinha, mas não é. O tempo é nosso grande problema. Convém lembrar que picuinha veio do inglês picayune, coisa insignificante, palavra surgida na Louisiana e em outros estados do Sul dos EUA entre os séculos XVIII e XIX, que aludia à moeda espanhola, de cobre, de cinco centavos.

É possível que tenha sofrido influência do occitânico, língua falada no Sul da França, pela formação pica, pique, tinido, o barulhinho que faz a moeda ao bater em outra, que se mesclou ao inglês coin, moeda.

Como fosse de pouco valor, passou a indicar qualquer coisa insignificante. Terá contribuído para marcas do francês no inglês dos EUA a expulsão dos acadianos, franceses que viviam no Canadá. Eles se estabeleceram em estados norte-americanos que ainda hoje têm nomes franceses, como Vermont e Maine.

Tempo é dinheiro, diz o provérbio. Ou, time is money, como dizem nos EUA. Tal estranha equivalência não nos foi dada nem por Suetônio nem por Frei Antônio das Chagas.’

Pasquale Cipro Neto

‘‘O desembarque também pode ser feito’’, copyright O Globo, 1/05/05

‘HÁ ALGUM TEMPO, AO VOLTAR DE UMA viagem aérea, presenciei uma cena insólita. O avião tinha acabado de estacionar quando a aeromoça fez este anúncio: ‘Para seu conforto, o desembarque também poderá ser feito pela porta traseira da aeronave’. Imediatamente – e em voz alta (talvez porque quisesse ser ouvido pela aeromoça) – , um passageiro, que já estava em pé, mais ou menos no meio do avião, comentou com a pessoa que o acompanhava: ‘Que mais vai ser feito pela porta traseira? Que tal colocar o ‘também’ em outro lugar?’. E, com ênfase sobre o ‘também’, finalizou: ‘O desembarque poderá ser feito também pela porta traseira’.

As filas começaram a andar. Sim, as filas, já que uma se dirigia para a porta dianteira, e a outra, para a traseira. Quando me reconheceu (eu estava sentado na última fileira, na ‘janelinha’, esperando que todos descessem), o passageiro que fez o comentário abriu um sorriso e disse: ‘Professor, juro que eu não tinha visto o senhor’. E de fato era pouco provável que tivesse visto, já que ele estava razoavelmente longe de mim. O que se seguiu foi um verdadeiro debate sobre o assunto, com a participação de alguns dos passageiros que se espremiam no exíguo corredor do avião.

Em termos rigorosos, a observação do passageiro falastrão faz sentido. Se for tomada ao pé da letra, a frase da aeromoça permite a interpretação de que, além do desembarque, outra coisa pode ser feita pela porta traseira. Como o que se quer é acrescentar uma segunda porta para o desembarque, o ideal é colocar ‘também’ o mais perto possível da palavra ‘porta’ (‘O desembarque poderá ser feito também pela porta traseira…’). A perigosa palavra ‘também’ é uma batata quente na mão de quem redige. Qualquer descuido basta para que a ambigüidade (duplo sentido) dê o ar da graça, ou – pior – para que a frase não tenha o sentido desejado.

Dependendo do contexto, uma construção como ‘Ela também afirmou que os congressistas não podem legislar em causa própria’, por exemplo, pode permitir duas interpretações: 1) ela é uma das pessoas que afirmaram que os congressistas não podem legislar em causa própria; 2) ela fez pelo menos duas afirmações, entre as quais a de que os congressistas não podem legislar em causa própria. Se o sentido desejado é o segundo, é melhor colocar ‘também’ depois de ‘afirmou’ (‘Ela afirmou também que os congressistas…’).

Outra palavra perigosa é ‘somente’. Num de seus últimos vestibulares, a Fuvest fez uma questão baseada neste aviso, posto ao lado de um caixa eletrônico de um banco: ‘Em caso de dúvida, somente aceite ajuda de funcionário do banco’. O candidato tinha de reescrever a frase, ‘posicionando adequadamente o termo ‘somente’, de modo a eliminar a ambigüidade nela existente’.

Você já sabe qual são os dois sentidos da frase? O primeiro é óbvio: o usuário do equipamento só pode aceitar ajuda que venha de funcionário do banco. E o segundo sentido? Vamos lá: em caso de dúvida, a única coisa que o usuário pode fazer é aceitar a ajuda de um funcionário, o que significa, por exemplo, que ele (usuário) não pode desistir de usar o equipamento.

Onde pôr o bendito ‘somente’, então, para que se alcance o sentido desejado por quem redigiu a advertência? Não é difícil: ‘Em caso de dúvida, aceite ajuda somente de funcionário do banco’. Se você pensou em colocar ‘somente’ depois de ‘aceite’, reflita. Que tal? Com ‘somente’ nessa posição (‘Em caso de dúvida, aceite somente ajuda…’), persistiria a possibilidade de dupla interpretação, não?

Moral da história: quando usar ‘somente’ e ‘também’, leia e releia. Com essas palavras, o risco de escrever frases ambíguas é grande. Na fala, esse risco pode ser atenuado por alguns recursos típicos da expressão oral, como o tom de voz, a inflexão, as expressões faciais etc. Na escrita, a coisa é mais seca, árida, por isso todo o cuidado pode ser pouco.

Até domingo. Um forte abraço.’

JORNALISMO CULTURAL
Ana Maria Bahiana

‘Todas as margens do rio’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/04/05

‘Teoria da comunicação nunca foi meu forte. Na verdade, sempre foi meu fraquíssimo. Lembro-me vagamente de aulas espetacularmente monótonas que além do mais ocupavam o improvável horário de sábado à 9h, às quais eu chegava em geral sonambulando depois de uma noite de atividades extra-curriculares (mas extremamente proveitosas, porque eram conseqüência de meu trabalho na Rolling Stone).

Mas talvez fosse um mau do tempo – na época o novo não era tão novo assim, e embora se falasse de ‘o meio é a mensagem’ e do ‘choque do futuro’, etc, vivíamos intensamente num passado onde a última grande ruptura havia sido a televisão, já então velha de três décadas. Para todos os fins e propósitos, habitávamos um universo gutemberguiano, de papéis, tintas, escritores e leitores.

Já no atual estado de coisas eu até era capaz de me tornar uma fã ardorosa da teoria da comunicação. Mas digam vocês se ela é capaz de digerir um panorama que parece mudar a cada dia, e não necessariamente evoluir, ou mover-se numa direção, mas em todas as direções possíveis, tudo ao mesmo tempo agora. Fluidez absoluta.

No início da semana Claudio Zibenberg mandou para o Blue Bus um interessantíssimo relatório e comentário sobre blogs e seu impacto como mídia ou seja, como formadores de opinião e vendedores de bens e serviços (aqui). Uma frase sobretudo colou na minha cabeça como um estranho eco do que seria o avesso daquelas sonolentas manhãs de sábado da minha juventude: ‘em vez de mídia de massa, é uma massa de mídia.’ Os números atrás disso: existem hoje 9 milhões de blogs, com 40 mil novos a cada dia. Como cantaria Caetano na Idade do Bronze, quem lê tanta notícia? Quem escreve tanta notícia?

Possivelmente quem lê é quem escreve, quem escreve é quem lê, o espelho tem dois lados o tempo todo e, portanto, não é mais espelho. E nem mesmo a palavra ‘mídia’, no sentido de ‘mediação’ se aplica mais – quem está mediando o que num universo em que todos participam igualmente como emissores e receptores?

Tudo ao mesmo tempo agora. Em fluxo. É possível congelar teoricamente o que flui, rio caudaloso incapaz de tomar forma (mas capaz de erodir margens e rochas…)?

O interessante da erosão da mídia como reguladora das cancelas do acesso é que os contrapontos a qualquer melodia ‘unanimente’ entoada aparecem com grande facilidade. O site Information Clearing House, por exemplo (aqui) – conheço poucos antídotos mais eficientes que esse para suspeitas ‘tendências universais’.

Lá está uma das melhores ferramentas para compreender, em grande angular, a verdadeira batalha ideológica em curso, um estranho duelo entre iguais – o fundamentalismo de Sayyed Qutb, que gerou Al Qaedas e companhias, e o anti-relativismo de Leo Strauss, que pode ser lido sem dificuldade na Doutrina Bush . Está tudo aqui, em miúdos, claro e perfeitamente compreensível no espetacular documentário The Power of Nightmares (o poder dos pesadelos), de Adam Curtis, disponibilizado e transcrito no site http://www.informationclearinghouse.info/video1037.htm.

Interessante ouvir duas vozes tão apaixonadas pela idéia de rigidez e imutabilidade num contexto tão completamente maleável. Como se eles fossem o copo. E o mundo cá fora, a tempestade.’