Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Moacir Japiassu

‘A autobiografia de Samuel Wainer, organizada, editada e escrita por Augusto Nunes, é um sucesso editorial e precisa mesmo ser lida por todos, não apenas por jornalistas. As 366 páginas do livro contam a história de uma rara existência recheada de aventuras, muito trabalho, competência e honestidade. ‘A memória de Samuel Wainer é uma arma do povo’, escreveu Jorge Amado, que sabia das coisas.

Convido o considerado leitor a visitar o Blogstraquis, que abriga dois trechos de ‘Minha Razão de Viver’, trechos escolhidos pelo próprio Augusto Nunes, para deleite de todos nós. Sinta o clima:

– Tu te lembras de uma frase que me disseste no dia em que começamos a campanha? – perguntou-me de saída o presidente.

Não me lembrava.

– Era uma frase sobre jornalismo – disse Vargas.

Só então recordei a frase que dissera a Getúlio no dia em que me sentei a seu lado para voarmos do Rio de Janeiro ao Amazonas: ‘A imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.’

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Sem refresco

O considerado José Sérgio Rocha, diretor de nossa recém-inaugurada sucursal de Niterói, envia o seguinte despacho:

No sábado 13 de agosto, tentando fugir das notícias loucas das capitais, mergulhei na internet para ler jornais da roça e do sertão, e quem sabe me divertir um pouco com um noticiário mais ameno.

Entrando na página do jornal O Mossoroense, dei de cara com a notícia da morte de um perigoso bandido potiguar. Mas veja que maldade a polícia fez, de acordo com o repórter exagerado que cobriu a caçada:

‘A abordagem foi feita por volta da meia-noite da terça-feira, quando Waldetário Carneiro dormia junto com a namorada Maria Silvana Alves, 23, e um filho dele, de 10 meses, que foram presos, mas depois de ouvidos pela polícia colocados em liberdade’.

O coleguinha, não satisfeito em relatar a ‘prisão’ de um bebê de 10 meses, botou o projeto de moleque para dar depoimento!!!

(Está tudo lá no endereço http://www2.uol.com.br/omossoroense/mudanca/valdetario.htm)

Janistraquis garante que o delegado agiu corretamente. No Brasil de hoje em dia não se deve dar refresco a ninguém, Zé Sérgio; ninguém!!!!!!!!

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Tremendo barato!

Deu no UOL Bichos:

Russos vão alimentar vacas com maconha

MOSCOU (Reuters) – O longo inverno da Rússia vai passar voando para um rebanho de vacas na Rússia que, segundo um jornal, será alimentado com maconha nos meses de frio.

Profissionais do setor de drogas disseram que adotaram a forma incomum de criação de gado após terem sido forçados a destruir girassóis e colheitas de milho que cresciam em meio a 40 toneladas de maconha, informou o Novye Izvestia nesta terça-feira.

‘Simplesmente não há outra saída. Você vê, os campos são plantados com pastagem e se removermos tudo as vacas não terão nada para comer’, afirmou um porta-voz do Serviço Federal de Controle de Drogas.

‘Não sei como o leite ficará após isso’, acrescentou.

Janistraquis não conteve o entusiasmo:

‘Considerado, se a experiência russa for bem sucedida, é certo que a importaremos e isso vai representar o fim do latifúndio improdutivo no Brasil. Surgirão novos agricultores, como o goleiro Júlio César, por exemplo, que teria onde aplicar a dinheirama que recebe do Inter de Milão…’

Resta esperar pela reação do MST, o qual, como sabemos, é chegado numa fumaça – no sentido de prosápia, esclarece o colunista, para evitar falsas interpretações.

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Ricardo Noblat

O colunista cumprimenta Ricardo Noblat pelo autêntico show de informação e análise que oferece diariamente, e a toda hora, aos leitores de seu indispensável blog. Não precisa de divulgação, porque é conhecido de todos, porém está aqui, se alguém muito aluado ainda não conhece o trabalho dele.

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Segredo

O jornalista e escritor Fernando Portela garante:

A Polícia Federal já descobriu todos os membros da quadrilha que assaltou o Banco Central em Fortaleza. Mas ainda não divulgou de que partido eles são.

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Profundo mistério

O considerado Flávio Bredariol leu na Folha de S. Paulo, abaixo do título

Fora de casa, Paraná derrota adversário direto na tabela e fica a 2 pontos do líder Corinthians:

Surpresa no Brasileiro, o Paraná bateu ontem um rival direto na tabela e chegou a 36 pontos, dois a menos do que o líder Corinthians.

No primeiro tempo, o Paraná perdeu um gol incrível aos 26min, quando Aderaldo, na linha da pequena área, chutou para fora. Aos 41min, o zagueiro fez de cabeça.

No segundo tempo, o Paraná, dono da melhor defesa do Brasileiro, segurou a pressão.

Bredariol releu, voltou a reler, parou pra pensar e desabafou:

‘Tá bem, tá bem, mas contra quem jogou o Paraná?!?!?!

É boa pergunta…

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Concerto

O considerado Porfírio Castro, vice-diretor de nossa sucursal em Brasília, matou a cobra no dia 2/8 e esperou até agora para mostrar o pau:

Fiquei esperando que O Globo Online fizesse a correção; como não fez, aí vai:

Astronautas terão de concertar proteção do Discovery

HOUSTON (Reuters) – Determinada a não perder mais um ônibus espacial e sua tripulação, a Nasa decidiu nesta segunda-feira mandar um dos astronautas do Discovery para uma perigosa caminhada no espaço a fim de concertar o escudo contra o calor da nave.

Pois é, Porfírio, a Internet é perversa e mantém todos os erros em órbita, dias e dias depois da chegada triunfal da nave, devidamente consertada.

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História

O considerado Roldão Simas Filho, diretor da sucursal desta coluna em Brasília, bem pertinho donde um grupo de jovens protestou contra a corrupção mas livrou a cara do presidente, pois nosso Roldão passeava os olhos pelas páginas do número 24 (agosto/2005) da revista Aventuras na História, quando deparou com uma foto na qual o general Figueiredo posava ao lado do ‘presidente Geisel’, segundo a legenda.

‘Não era Geisel, era Médici!’, decepcionou-se Roldão.

Janistraquis preferiu revoltar-se:

‘Considerado, se a revista confunde Médici com Geisel, que ainda ontem nos atazanavam a vida, é bem capaz de também confundir Delúbio com Valério, Duda com Dirceu e até Oscarito com Grande Otelo!’

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Caso de polícia

A considerada Melina Marin, estudante de jornalismo, tem certeza de que não recebeu boa lição de jornalismo nesta notícia publicada pelo Terra:

O corpo do turista italiano Luigi Scarabelli, 35 anos, foi encontrado morto numa casa de praia do estado do Ceará com uma bolsa de plástico amarrada na cabeça, informaram hoje fontes oficiais (…).

Janistraquis está convencido do seguinte: quando um corpo é encontrado morto, o problema não é só da imprensa mais distraída, Melina; é, principalmente, da polícia.

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Nota dez

‘Todos negam, todos mentem. Com desfaçatez, com ênfase, eventualmente com laivos de sinceridade. ‘Não é verdade’ e ‘isso é mentira’ são as duas frases mais ouvidas nas CPIs. Chamadas por seus integrantes de CPMIs-acrônimo de Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito-elas, na verdade, se transformaram em comissões parlamentares de mentiras e insultos.’

(Você acaba de ler as primeiras linhas do artigo que o mestre Sérgio Augusto publicou no caderno Aliás, do Estadão. Leia o restante no Blogstraquis.)

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Errei, sim!

‘SEIS DOS QUATRO… — Esta é do primeiro caderno do Jornal do Brasil. Caminhoneiro é preso bêbado, denunciava o título, ao contar os detalhes de pavoroso acidente na cidade gaúcha de São Leopoldo. Seria ocorrência normal dessas nossas perigosas estradas se não fosse esta deveras impressionante revelação ao pé da matéria: ‘Seis dos quatro jovens que viajavam no Passat morreram na madrugada de domingo (…)’.

Dos quatro jovens que viajavam, morreram seis!!! Só me refiz do susto quando Janistraquis ponderou: ‘Considerado, tudo é possível para um jornal que consegue dar gargalhadas via fax’. E desatamos a rir.’(fevereiro de 1994)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Pasquale Cipro Neto

‘Absolutamente relativo (2)’, copyright O Globo, 21/08/05

‘ANTES DE COMPLETAR 25 ANOS, CHICO Buarque já tinha escrito algumas das mais belas peças da música brasileira. Uma dessas obras-primas é ‘Até pensei’ (de 1968), cujos versos iniciais são estes: ‘Junto à minha rua havia um bosque, / que um muro alto proibia / Lá todo balão caía, / toda maçã nascia / E o dono do bosque nem via.’ Diz a lenda que o carioca Chico se refere a um casarão em que morou, localizado – salvo engano – numa das travessas da Avenida Paulista ou na região do Pacaembu, na São Paulo dos anos 50 ou 60.

Na Avenida Paulista de hoje, são raros os casarões. No lugar deles, prédios de gosto duvidoso. O que sentirá quando passa diante de um desses espigões alguém que, quando criança ou jovem, tenha morado num casarão que tenha sido demolido para dar lugar a um charuto vertical? Orgulho? Ou melancolia?

‘Mutatis mutandis’, foi isso que certa vez perguntou aos candidatos a Fuvest, em uma de suas mais memoráveis provas de redação. A banca apresentou aos candidatos um quadro do pintor belga René Magritte, em que se viam um cachimbo e esta frase (para muitos, alucinante): ‘Isto continua a não ser um cachimbo’. Além da reprodução do quadro de Magritte, havia dois trechos literários. O primeiro, de ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’, de Machado de Assis: ‘Voltemos à casinha. Não serias capaz de lá entrar hoje, curioso leitor; envelheceu, enegreceu, apodreceu, e o proprietário deitou-a abaixo para substituí-la por outra, três vezes maior, mas juro-te que muito menor que a primeira. O mundo era estreito para Alexandre; um desvão de telhado é o infinito para as andorinhas’.

O segundo trecho literário era de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro): ‘O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia’. Por fim, a proposta da banca da Fuvest: ‘A partir da relação entre o quadro e os textos, é possível afirmar que tudo é relativo? E que a realidade é uma ilusão?’.

Os leitores habituais desta coluna sabem que volta e meia me refiro ao tema da relatividade conceitual. Na semana passada, particularmente, referi-me a algumas obrigações do professor de português no que diz respeito ao ensino das classes de palavras. Uma dessas obrigações é a de explicar aos alunos a origem dos nomes dessas classes; outra é mostrar a necessidade de ler a frase, de levar em conta o texto, o contexto em que o termo é usado. A questão não é absoluta, é relativa. Terminei a coluna afirmando que esse pode ser o início de uma bela viagem pelo mundo das palavras e daí pelo mundo das idéias. O tema da redação da Fuvest é prova cabal disso. Acostumados ao ‘pão, pão, queijo, queijo’, muitos alunos simplesmente enlouqueceram diante da afirmação de Magritte de que aquilo continuava a não ser um cachimbo. ‘O que é então? Uma vaca voadora?’. Ora, tanto o que está ali não é um cachimbo (mas apenas uma tentativa de reprodução gráfica de um deles) que não é possível apanhá-lo, colocar fumo etc.

A casa que foi construída no lugar da que foi demolida é maior no tamanho, mas pode ser menor no valor sentimental, por exemplo. ‘E o Tejo? É mais belo ou não é do que o rio que corre pela minha aldeia?’ É, mas não é. Em Portugal, numa aula de geografia, pobre do rio da ‘minha aldeia’. Simplesmente não existe. O rio nacional é o Tejo. Foi de lá que partiram as grandes expedições portuguesas – a de Cabral, por exemplo. Na prática, porém, para o habitante de uma aldeia o Tejo nada mais é do que um risco no mapa. O rio da vida dele é mesmo o da aldeia.

Até domingo. Um forte abraço.’



JORNALISMO & LITERATURA
Antonio Fernando Borges

‘Literatura e jornalismo: entre o carvão e o diamante’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 16/08/05

‘Quem pensa que a literatura de aluguel de um Dan Brown é uma invenção recente, filha espúria da era da cultura de massas, talvez se surpreenda ao saber que, já no século 18, o escritor inglês Samuel Johnson sentenciava que só um idiota poderia escrever por outro motivo além do dinheiro. Conhecedor ou não da frase do extravagante personagem, o russo Anton Tchekov parece ter seguido à risca o conselho: para garantir seu sustento, escrevia contos humorísticos ‘a metro’. No artigo de abertura da coletânea ‘Lendo Tchekov’, a americana Janet Malcolm vai mais longe, afirmando que ele começou a escrever interessado exclusivamente no retorno financeiro imediato, e até arrisca: ‘Se tivesse surgido outro meio de ganhar a vida, Tchekov teria preferido’. Sorte da literatura.

O caso de Tchekov, certamente, não é único: seu conterrâneo Fiódor Dostoiévski e o francês Honoré de Balzac são dois outros exemplos bem conhecidos de autores que escreviam de olho menos na glória literária do que nos credores – circunstância que ajuda a explicar o caráter irregular de suas respectivas obras, cheias de altos e baixos. Preocupados em não correr esse mesmo risco, muitos escritores trataram de conciliar a vocação literária com carreiras profissionais mais prudentes. Para ficarmos apenas entre os ilustres, citemos o pobre Kafka, que era empregado modesto de uma companhia de seguros; o dublê de bancário e poeta T.S. Eliot; e, entre nós, Guimarães Rosa e João Cabral, diplomatas de carreira.

A lista dos que optaram por ‘esquizofrenizar’ suas habilidades, dividindo-se entre a arte e o ganha-pão, é bastante extensa – e talvez só perca em tamanho para a dos escritores que acabaram se fixando nas cercanias da literatura, combinando sua ficção com a prática do jornalismo. Machado de Assis, José de Alencar, Olavo Bilac, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Rezende e Nelson Rodrigues constituem apenas uma pequena parcela dessa ilustríssima e imensa galeria, que se movia em terreno pantanoso. Afinal, mesmo aparentemente próxima, a literatura costuma se distanciar do jornalismo como o diamante do carvão: feitos da mesma substância (a linguagem, o carbono), acabam por se diferenciar profundamente em utilidade, em valor – e, sobretudo, no brilho. Que o digam os depoimentos dolorosos deixados por tantos literatos, em volumes de memórias e entrevistas.

Tudo isso vem tornar ainda mais surpreendente a trajetória de um Erico Veríssimo (1905-1975), cujo centenário de nascimento se comemora este ano. Além de grande romancista (sua saga ‘O tempo e o vento’, por exemplo, é inestimável), Erico foi um caso raro de escritor brasileiro que conseguiu superar este conflito e atingir a invejável condição de viver da venda de seus livros, sem que isso tenha significado abrir mão da qualidade. Talvez seja mesmo um caso único – já que é difícil estender essa virtude a um Jorge Amado ou um Paulo Coelho.

Nascido em dezembro de 1905 na província gaúcha de Cruz Alta, Erico cedo se mudou para Porto Alegre e precocemente começou a trabalhar na revista da Editora Globo. Fazia um pouco de tudo: editava, traduzia, copidescava e, assim que lhe permitiram, arriscou ali mesmo suas primeiras e ainda mal-traçadas linhas. A Globo, aliás, acabou sendo, durante décadas, a casa editorial de Erico, onde ele publicou a maioria de seus livros, desde a estréia com ‘Fantoches’ (contos, 1932) até o memorialístico ‘Solo de clarineta’ (1973). Se a primeira edição encalhou, já a partir do livro seguinte, o romance ‘Clarissa’ (1933), ele pôde saborear o sucesso de vendas, em animadora escalada. Em pouco tempo, alguns de seus livros (que ele às vezes publicava à média de um por ano) chegaram a esgotar várias edições, até se tornarem verdadeiros best-sellers nacionais. É bem verdade que nem todos têm os méritos de ‘O tempo e o vento’, mas não há dúvida de que, desde o início, Érico já dava mostras de grande talento narrativo: exemplo disso é a prosa deliciosa da ‘saga de Jacarecanga’, formada por ‘Clarissa’, ‘Música ao Longe’ (1935), ‘Caminhos Cruzados’ (1935) e ‘Um lugar ao sol’ (1936). Rejeitado a princípio pela crítica, ao morrer em novembro de 1975 o bravo gaúcho tinha se reconciliado com ela – se não como uma unanimidade, ao menos com admiração e respeito.

Infelizmente, a história de Erico é apenas a parte mais bem-sucedida da ampla e atribulada relação entre literatura e jornalismo no Brasil: a maioria de seus companheiros de ofício não teve sua ‘sorte’, restando-lhes amargar longas jornadas nas redações dos jornais e revistas, ao longo das décadas, para não ficarem à míngua nem morrerem tísicos ou de inanição, num estilo romântico meio fora de moda. Os interessados em saber mais sobre essa longa e trágica epopéia não devem deixar de ler o ensaio ‘Pena de aluguel’, de Cristiane Costa, que acaba de sair pela Companhia das Letras. O subtítulo (‘Escritores jornalistas no Brasil 1904-2004’) já anuncia a proposta: além de apresentar um grande painel de um século dessa relação tanto amorosa quanto atormentada entre imprensa e arte literária, a autora retoma a curiosa enquete promovida em 1904 pelo jornalista-escritor João do Rio e mais tarde reunida no livro ‘O momento literário’, hoje um importante documento sobre nossa vida intelectual na alvorada do século 20. A principal pergunta que João do Rio dirigiu a seus pares foi: o jornalismo é bom ou ruim para a literatura? Ampliar e atualizar essa reflexão é a tarefa que Cristiane Costa leva a cabo em seu alentado estudo.

Seria impossível resumir, nos limites deste artigo, a riqueza do material compilado, mesmo porque nenhum resumo substituiria a leitura deleitosa do original. Mas vale a pena destacar alguns dos aspectos problematizados por Cristiane Costa. Em sua retomada da pesquisa de João do Rio, a autora entrevista 32 jornalistas-escritores de todo o país, mostrando como suas respostas abrem para uma série de outras questões. Por exemplo: as relações entre arte e mercado, ou entre a linguagem condicionada da imprensa e a liberdade criadora, imprescindível à literatura; a dramática alternativa tempo x dinheiro; enfim, o conflito entre o imediatismo do texto jornalístico e a literatura que (ao menos em tese) aspira à eternidade. Feitas as contas, muitos dos entrevistados acabam se confessando divididos, na medida em que apontam ao mesmo tempo vantagens e desvantagens nessa (falta de) opção: se o emprego numa redação rouba tempo á literatura, o salário no fim do mês garante um pouco de serenidade ao espírito. Além disso, escrever diariamente, ainda que por obrigação, ajuda a aprimorar a técnica e a delinear o estilo. O que não é nenhuma exclusividade: na vida de qualquer ser humano, as graças e as desgraças costumam vir sempre embaralhadas.

Viver entre o carvão e o diamante: na vida dos escritores-jornalistas, esse conflito é sem dúvida antigo e – como Cristiane Costa faz questão de ressaltar – também atormentava o próprio Erico Veríssimo. Premido pela jornada de dez horas diárias na redação da ‘Revista do Globo’ e pela necessidade de sustentar a família, só bem mais tarde o gaúcho viria a admitir que escreveu seus primeiros livros às pressas, em ‘aparas de tempo’. Só quando passou a viver da venda dos livros é que ele pôde ‘caprichar mais’, como está registrado nas páginas da coletânea de artigos ‘A liberdade de escrever’, publicada postumamente (1997): ‘Esse novo caminho dos meus últimos romances não foi uma resposta aos críticos e sim a mim mesmo, à minha autocrítica. Está claro que quem mudou fui eu. Eu sabia que podia dar em meus livros mais do que estava dando’. Numa época em que tantos escrevem de olho na máquina registradora, movidos por aquela ‘sede de nomeada’ de que falava Machado de Assis, Erico permanece como um exemplo de integridade e grandeza.

Não sendo filósofa nem psicóloga, Cristiane Costa acaba passando ao largo de uma questão crucial para o perfil de todo escritor: afinal, que vocação ou danação será essa, capaz de fazer muita gente continuar sacrificando a vida à missão inglória de fazer literatura, para além de qualquer obstáculo? Certamente, a pergunta renderia material para um outro livro. Mas, em sua famosa entrevista para a ‘Paris Review’, em 1956, William Faulkner arriscou uma possível resposta, ao dizer que o artista é ‘uma criatura arrastada por demônios’, capaz de sacrificar honra, orgulho, decência, segurança, felicidade e todo o resto para escrever seu livro: ‘Se um escritor tiver que roubar sua mãe, não hesitará’. Exageros de bêbado neurótico à parte, o genial (e genioso) americano acertou em cheio ao definir as dificuldades que um artista enfrenta como uma espécie de ‘processo de seleção natural’, capaz de separar o joio do trigo – quer dizer, os talentosos e sinceros da grande legião de simples caçadores de fama.

O rigor exemplar de Erico Veríssimo, não se acomodando e aperfeiçoando seu trabalho quando já era praticamente um campeão de vendas, vem nos lembrar que o sucesso financeiro não é tudo para o verdadeiro escritor. E que Otto Maria Carpeaux tinha uma boa dose de razão quando afirmou, num artigo sobre Camus: ‘Só os cínicos e os iletrados acreditam que um escritor trabalha ‘para ganhar dinheiro’. Não é verdade não. Até o fabricante mais inescrupuloso de best-sellers faz questão de ser reconhecido ou entendido, o que não é apenas um problema de vaidade’.

O resto é silêncio – por sinal, título de outro belo romance de Erico. Que falta ele nos faz.’