Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Nahima Maciel

‘Pouco antes do Natal, durante cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou decreto cujo conteúdo tem feito as editoras brasileiras celebrarem a perspectiva de uma nova era. Em meio a representantes do mercado editorial, Lula fez valer a lei que vai isentar editoras e livrarias de impostos sobre a produção de livros.

A medida, aprovada na Câmara e no Senado, livra o setor do pagamento de PIS, Confins e Pasep e deixa mais leve o custo final do produto. A redução varia entre 3,65% e 9,25% e acerta as contas com a Constituição, que declara o livro imune de impostos. É um dos primeiros passos para colocar em prática o Plano Nacional do Livro, Leitura e Bibliotecas e estimular o aumento nos índices de leitura no Brasil.

‘Essa foi a primeira de um conjunto de medidas que vão integrar a política do livro’, avisa Galeno Amorim, coordenador do Plano Nacional do Livro, Leitura e Bibliotecas do Ministério da Cultura (MinC). Além de estarem livres dos impostos, as empresas do mercado editorial também vão contribuir para o Fundo Pró-Leitura com 1% do total antes destinado ao tesouro da União. ‘Esse fundo de apoio deve chegar a R$ 45 milhões por ano’, revela Galeno. ‘E é crucial para a formação de acervos e criação de novas bibliotecas’, completa Felipe Lindoso, autor de O Brasil pode ser um país de leitores? e consultor do MinC. Lindoso avisa que nada acontecerá a curto prazo e que é preciso entender a desoneração como apêndice de uma política para a leitura, cujo objetivo é melhorar o acesso ao livro.

Com a isenção, o governo deixará de arrecadar cerca de R$ 160 milhões por ano e aposta na redução de 10% no preço do livro nos próximos três anos. Sonho louvável num país em que a média nacional de leitura é de míseros 1,8 título a cada ano. ‘É uma medida política, o governo deu o sinal de que o livro é um produto diferenciado’, acredita Sérgio Machado, diretor do grupo Record, que reúne seis selos de diferentes gêneros literários. No entanto, não é exatamente a redução no preço do livro que Sérgio comemora. ‘É um falso discurso o do preço do livro. As pessoas não lêem porque não têm dinheiro para encontrar o tempo de ler. Quem lê não é rico ou pobre, é a classe média, que tem que estar tranqüila, sem medo de perder o emprego, para poder comprar livros.’

O editor encara a desoneração como a oportunidade de retomada de fôlego do mercado editorial. Mais ousadia por parte dos editores, investimentos em projetos engavetados, aposta em novos autores e aumento dos títulos nos catálogos são conseqüências que devem acompanhar a nova lei. ‘Vai me sobrar mais dinheiro para investir em divulgação e outros projetos’, aponta Sérgio.

Maria Amélia Mello, editora da José Olympio, encara a mudança no mercado como o maior saldo da desoneração. ‘É estimulante porque o mercado passa a ser competitivo, poderemos refazer coleções, refazer livros e oferecer novas idéias e novos produtos’, garante. Quanto à redução do preço do produto, é reticente: ‘Talvez não aconteça a curtíssimo prazo’. A medida pode até reduzir o preço, mas se isso acontecer será por ajuste do mercado. Maria Amélia lembra que o Fundo Pró-Leitura certamente permitirá o incremento dos acervos das bibliotecas públicas e exigirá tiragens maiores das editoras. ‘Com isso, cai o preço’, diz.

Para Edilberto Verza, da editora Estação Liberdade, a desoneração é muito mais significativa para os grandes grupos editoriais. Em empresas pequenas como a Estação, que gastam 50% do preço de capa de um livro em divulgação, o impacto será menor. ‘Ficaria muito feliz se houvesse linhas de crédito para editores com juros que tornassem nossa vida mais viável’, brinca. ‘Você acha que uma redução de 2% no preço de um livro vai mudar substancialmente um problema que é estrutural?’, continua, sem poupar elogios às intenções do governo.’



INTELECTUAIS & CRÍTICA
Isabel Lustosa

‘O intelectual e o desafio da crítica’, copyright O Globo, 5/01/05

‘O papel do intelectual hoje, organização de Izabel Margato e Renato Cordeiro Gomes. Editora UFMG, 244 páginas. R$ 35

Qual seria a missão do ‘verdadeiro intelectual’: promover valores supremos da civilização, não se envolvendo com as circunstâncias, como quer Julien Benda, ou o verdadeiro intelectual seria aquele que emerge do seu mundo, e dele participa, toma posição, assume responsabilidade, como quer Antônio Gramsci? Diz Antônio Pinto Ribeiro que ‘os modos de pensar e querer são contraditórios. O primeiro exige contenção, quietude, solidão e o segundo impõe labor, paixão, ação e envolvimento’. Como pode o intelectual ser espectador e ator ao mesmo tempo?

O adjetivo ‘intelectual’ já veio ao mundo sob a forma gramsciana. Pois seu registro de nascimento foi o célebre ‘Manifeste des intellectuels’, de 14 de janeiro de 1898, motivado pelo caso Dreyfus e assinado por escritores importantes, como Zola e Proust. Zola, aliás, seria o primeiro exemplar desse tipo de intelectual. Seu panfleto ‘J’accuse’ constitui o momento fundador do movimento pelo qual o criador intervém civicamente aplicando ao espaço público os valores do campo cultural. Tradição que encontraria eco em Bobbio e Foucault, para os quais a primeira tarefa do intelectual é ‘impedir que o monopólio da força se torne o monopólio da verdade’.

Promover mudança tornou-se imperativo

A partir da herança iluminista e racionalista, os intelectuais ajustaram sua prática aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, dando-lhe, no entanto, o caráter messiânico da intervenção. Detendo o conhecimento da verdade, cabia a eles a missão de anunciá-la. Com Marx, tornou-se imperativo, para todo aquele que até então buscava encontrar uma explicação justa para o mundo, encontrar também uma maneira de mudá-lo.

Os intelectuais do século XX transformaram-se, a partir dessa abordagem, nos guardiões do bem contra o mal. A natureza do mal era, até a queda do muro de Berlim, óbvia. Era fácil identificá-lo. Mas a crise dos valores universais desencadeada pela História do século XX fez com que a natureza do mal se diluísse em formas aparentemente benignas. A sua localização tornou-se difícil de detectar. É hoje, portanto, impossível para o intelectual contemporâneo manter claro o seu status de guardião do bem. Ao mesmo tempo, a perda de credibilidade dos políticos refletiu-se também no intelectual, pois era em político que, em última instância, o intelectual militante acabava por se transformar.

Bourdieu identificou os principais traços sem os quais não compreendemos a emergência e o impacto da função do intelectual: a soberania dos valores culturais (a arte pela arte), o desinteresse econômico e o desprendimento político (a aposta no ciclo longo da produção artística pura) e a consagração da pluralidade dos critérios e das fontes de autoridade estética (a institucionalização da autonomia).

No entanto, diz Augusto Santos Silva, ‘ao mesmo tempo em que, pelo diálogo permanente com os estados anteriores do campo, os criadores vão mobilizando os patrimônios das disciplinas e das correntes que praticam, a força dinâmica da criação faz-se pela ruptura, pelo desafio ao estabelecido e pela produção do novo ou, mais exatamente, pela tensão entre continuidade e mudança, entre cumulatividade e ruptura, entre escola e vanguarda’.

Distanciamento confere autoridade

É esta tensão, diz o mesmo autor, que caracteriza o desenvolvimento do campo cultural: é autônomo porque elabora e protege os seus princípios de funcionamento e hierarquização e é anômico porque mais importante que tais princípios é que não há lei estética, ética ou social a que obedecer, pois o campo cultural é pluriforme e vive da confrontação de criações. Liberto dos constrangimentos a que estão submetidos os agentes políticos, o intelectual intervém no espaço público, em nome de causas ou valores que supõe extravasarem os limites estritos da esfera política. É o distanciamento assim conseguido que confere autoridade própria ao intelectual para desocultar e trazer para a agenda pública questões que ela não está reconhecendo como relevantes (os direitos cívicos das mulheres ou a situação das populações indígenas, por exemplo) e fazer a crítica, em nome da razão científica, das evidências aparentes, das crenças estabelecidas, da opinião corrente. Defendendo a valorização do conhecimento, da arte ou da moral, o intelectual pratica a problematização, a interpelação, a interpretação e a decodificação dos jogos de linguagem e comportamento.

‘O papel do intelectual hoje’ é livro que resulta da reunião de trabalhos apresentados no XI Seminário Internacional da Cátedra Pe. Antonio Vieira, na PUC do Rio, em novembro de 2003. Os textos possibilitam um primeiro contato com reflexões de intelectuais consagrados: Eduardo Jardim retoma sua tese da subdivisão dos tempos do modernismo, contemplando a relação de Mário de Andrade com a sua própria condição de intelectual; Silviano Santiago (ele mesmo tema do interessantíssimo ensaio de Eneida Maria de Sousa), corajosamente enfrenta a polêmica questão do lugar de Paulo Coelho no contexto contemporâneo; Sérgio Micelli avança no tema central de sua principal obra, a relação dos intelectuais com a sociedade e o Estado, focando desta feita a vida intelectual argentina. Coerente com a discussão em tela, o livro ultrapassa as fronteiras da academia e abre espaço para Silvio Tendler falar do ofício de cineasta e Maria Helena Werneck falar de José Celso Martinez e o seu papel na cena teatral brasileira.

Os estudos de Renato Cordeiro Gomes, Izabel Margato, Vera Follain de Figueiredo e Wander Melo Miranda contemplam o tema central do livro, iluminando-o da perspectiva proposta logo nos textos de orelha e apresentação. O livro apresenta ao leitor brasileiro as reflexões ainda de quatro autores estrangeiros, o venezuelano Daniel Mato e os portugueses Eduardo Prado Coelho, Augusto Santos Silva e Antônio Pinto Ribeiro. ISABEL LUSTOSA é escritora, cientista política e historiadora da Casa de Rui Barbosa’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Lindeza de texto’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/01/05

‘O considerado Willians Barros envia de Porto Alegre um texto publicado em Zero Hora que é o crème de la crème da linguagem harmoniosa e das possibilidades musicais do idioma:

‘Bairro de mentalidade aberta’. Esta é a forma como o histórico bairro de San Telmo, na capital da Argentina, Buenos Aires, pretende ser conhecido daqui para a frente em todo o mundo.

Um grupo de empresários da cidade quer divulgar a imagem de San Telmo como um bairro ‘gay friendly’ (amigável com os gays) e, desta forma, atrair investimentos e turistas, tanto argentinos como estrangeiros.

Desde a desvalorização do peso, em janeiro de 2002, Buenos Aires transformou-se na Meca gay da América Latina, deslocando do pódio – segundo especialistas e agentes de viagens – o Rio de Janeiro.

Perplexo, Willians se pergunta:

Será que o escatológico cacófato foi proposital, considerado?

Janistraquis acha que sim: ‘Afinal, a ‘gayzada’ está c…gando e andando pra todos nós, né mesmo?’

Ivandel Godinho

O considerado Marco Antonio Zanfra, assessor de imprensa do Detran de Santa Catarina, habituado a conviver com desastres de toda ordem, escreve à coluna:

Descontando-se o trágico da situação, o sentimento de indignação e impotência diante da morte de Ivandel Godinho, a Folha On-line beira o cômico com este título: Jornalista pode ter sido morto após seqüestro. Realmente, teria sido muito mais trabalhoso seqüestrar alguém já morto – afinal, como mantê-lo sentado na moto em que foi transportado? – e o poder de barganha certamente seria mais baixo.

Tragédia

Assarapolhados, se me permitem o esdrúxulo vocábulo, inúmeros leitores enviaram esta que saiu no portal IG e foi considerada a mais infeliz manchete do finalzinho de dezembro:

Tragédia na Ásia: Brasileira vai chefiar missão de socorro da ONU

Igualmente azabumbado, Janistraquis exclamou, à moda dos conterrâneos do nosso diretor no Ceará, Celsinho Neto: ‘Arriégua!!!’

Enxúndia

No finalzinho do ano, considerado leitor que se apresenta como Lufleury, leu, releu e não acreditou na manchete da Folha de S. Paulo:

Brasil tem mais obesos que pessoas com falta de peso

Lufleury escreveu:

Não que o título não esteja correto, pois acredito que, realmente, não haja nenhuma pessoa no Brasil com falta de peso…

Então, Janistraquis enredou-se nos buscadores da internet e chegou à seguinte conclusão:

‘Nós leitores até admitimos que a Folha paire sobre a lógica formal; porém, negar a lei da gravidade já é intolerável absurdo!!!’

Aula magna

O considerado Camilo Viana, diretor da sucursal desta coluna em Minas Gerais, está convencido de que Henrique Meirelles estudou português com o mesmo professor de Gilberto Gil. Leiam a frase do presidente do Banco Central, em aula magna para alunos de economia da Faap e reproduzida na Istoé:

‘Os meios de pagamento eletrônicos trouxeram uma volatilidade endógena aos agregados monetários’

Ignorância

O considerado Giulio Sanmartini, o mais brasileiro dos italianos, despacha da invernal Belluno esta amostra do calcinado jornalismo que se pratica no Brasil, onde simples noções de geografia do Primeiro Grau morrem de sede nas redações ermas da rosa-dos-ventos.

Giulio leu em O Globo, sob o título César é lançado pré-candidato à Presidência:

O prefeito disse que escolheu o Nordeste, onde o PFL tem mais força, como prioridade. Com o Rio, a região soma 40% do eleitorado nacional. César disse estar disposto a resgatar as raízes nordestinas, lembrando que sua família paterna é de Catolé do Rocha, no Rio Grande do Norte.

Janistraquis, que muito padeceu naqueles sertões, garante ter escutado outro lamento nascido da patacoada:

‘Considerado, quem ficou decepcionado foi aquele outro César, o Chico, famoso paraibano de Catolé do Rocha.’

Verdade. Chico César é conterrâneo de João Suassuna, presidente da Paraíba (1924-1928) e pai do mestre de todos nós, Ariano Suassuna, o qual já não se decepciona com mais nada neste país de terceiro nível.

Falso cognato

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal em Brasília, está no gozo de merecidas férias, porém decidiu não dar folga à imprensa. Na revista Superinteressante, que lia à beira de uma praia do Espírito Santo, ao abrigo dos tsunamis, ele encontrou esta frase:

‘O destino dos resíduos resultantes desse processo é um desafio para a produção de petróleo: afinal essa borra, como chamam os técnicos, contém metais, óleo pesado e outros poluentes. Antes da disposição (sic) final, ela precisa ser submetida a tratamentos dispendiosos em que seus componentes são degradados.’

Roldão desaprovou:

‘Mau emprego do termo ‘disposição’. Demonstra uma contaminação do vocabulário por termo inglês, falso cognato. Na nossa língua devem-se usar palavras como despejo, descarte, rejeito.’

Tiro certo

Considerado leitor que se assina ‘Winchester 73’ faz uma pergunta cuja resposta ignoro completamente e, por tal razão, repasso o assunto aos especialistas:

Tenho em casa uma arma que foi do meu avô e estou a fim de levantar uma grana com ela. Só preciso de uma informação: se eu for até o posto de arrecadação e não aceitar a proposta que me fizerem, poderei levar a arma de volta pra casa?

Atenção, entendidos (no bom sentido); pode ou não pode? Apreenderão a arma? Pelo pseudônimo do leitor, talvez se trate mesmo de uma Winchester modelo 1873, lendária arma que já foi até estrela de filme dirigido pelo grande Anthony Mann, com James Stewart ‘e grande elenco’, como se dizia antigamente.

Mestre Gullar

A coluna cumprimenta a Folha de S. Paulo pela contratação de Ferreira Gullar. Afinal, quando se dá espaço à inteligência é porque nem tudo está perdido neste país de muros baixos. Saiba mais sobre o escritor/poeta/crítico de arte/cronista/autor teatral, etc., etc., aqui.

Exclusão

Excelente a resposta do empresário Sérgio Haberfeld quando lhe perguntaram por que vendera sua empresa de embalagens Dixie-Toga, por 671,2 milhões de reais, à americana Bemis Company:

– É que estou de saco cheio!

Janistraquis leu, permaneceu alguns minutos em silêncio e finalmente desabafou:

‘Pois é, considerado, a diferença é que nós dois também estamos de saco cheio e não temos nem caixinhas de leite vazias pra repassar à reciclagem!’

Verdade. Dolorosa é a exclusão social nesta nação de cumoas (não se trata de uma tribo indígena).

Nota dez

O mais, digamos, lampejante texto deste início de ano saiu na coluna do considerado Elio Gaspari:

A mordomia hipercalórica da Câmara

A primeira coisa que se pode pedir aos candidatos a presidente da Câmara é o compromisso de devolução à Viúva da casa oficial onde vive hoje o deputado João Paulo Cunha. Devolvida a casa, caducará a mordomia mal-assombrada que ela hospeda. Ela provoca surtos prorrogacionistas nos inquilinos que não gostam de pagar carrinho de feira, muito menos aluguel.

Em julho passado a repórter Lydia Medeiros descreveu a estrutura hoteleira da ‘casa do João’, como ela é conhecida. O aparelho digestivo da mansão legislativa habilitava-a a receber trinta convidados para um café da manhã onde se esperavam quinze. Três cozinheiras, duas auxiliares e uma nutricionista garantiam sucos frescos (do gosto do doutor João Paulo) e operavam uma pequena panificadora, louvada pela qualidade de seus pães de queijo (…)

O texto integral está em O Globo.

Errei, sim!

‘CINTURA GROSSA – Ousada e precoce, como revelava o texto, a revista Playboy ofereceu a seus leitores as medidas da modelo Marianne: ‘53 quilos maravilhosamente divididos em 1,68 metro de altura, num conjunto de 90 de busto, 63 de quadril e 90 de cintura’. Janistraquis voltou do banheiro com intrigado semblante: ‘Considerado, a moça até que dá pro gasto, mas as medidas publicadas pertencem, certamente, a Wilza Carla. Noventa de cintura!!!’, espantou-se meu secretário. Com justa razão. (setembro de 1991)’