‘Não tem data certa para terminar nem grande audiência. Apesar disso, vai afetar 170 milhões de brasileiros, ou seja, os 98% da população com aparelho de tevê em casa. A trama envolve o modelo de transmissão digital para tevê a ser adotado pelo Brasil e estreou em fevereiro de 1998, quando a Agência Nacional de Telecomunicações começou seus estudos. A aposta mais otimista para o epílogo é que apenas brasileiros com maior acesso a tecnologias de ponta vão assistir à Copa do Mundo de 2006 em televisores digitais ou adaptados para receber sinal digital. Não há previsão de quando o sistema estará disponível em todo o País.
Há dois anos, representantes do governo federal e pesquisadores estão reunidos em 22 grupos de estudos, encarregados de elaborar o modelo que melhor se adapte às peculiaridades econômicas, sociais e geográficas do País. São, no total, 550 profissionais, que levam em conta as tecnologias existentes em outros países. Eles têm até dezembro para entregar o parecer final. Para os estudos, o governo já investiu R$ 38,9 milhões e outros R$ 26,1 milhões estão previstos para os próximos meses.
Originalmente, o projeto do governo era criar um padrão próprio de televisão digital em vez de adotar modelos estrangeiros. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse que o Brasil precisa adaptar os três ou quatro modelos que estão sendo desenvolvidos no mundo a sua própria realidade. ‘Não vamos gastar recursos em tecnologia que já existe’, afirmou ele. Diferentes sistemas digitais funcionam nos Estados Unidos, em oito países europeus, no Japão, na Coréia e na China. ‘O Brasil deve participar como agente ativo nesse processo. Sendo competente só terá a contribuir’, ressalta Augusto César Gadelha, coordenador do grupo gestor do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTD), criado para conduzir o processo de digitalização da tevê aberta brasileira.
Conversor de sinais – ‘Faremos um mix de tecnologias. Testes demonstram que a modulação (a forma de transmissão dos sinais) dos sistemas japonês e europeu é mais moderna e robusta do que nos Estados Unidos, o que evita interferências’, explica Gadelha. Num país de dimensões continentais como o Brasil, esse aspecto é primordial. ‘A propagação do sinal deve levar em conta a nossa geografia. Temos televisores em residências na floresta, em favelas e no litoral’, diz Luis Geraldo Pedroso Meloni, pesquisador da Unicamp, que participa de um programa para viabilizar a interatividade no ensino a distância. O aluno poderá fazer perguntas e ouvir a resposta do professor em tempo real usando o controle remoto e um teclado adaptado à tevê.
O maior desafio do programa é promover a inclusão social, já que os meios de comunicação integrados à internet podem ser instrumentos eficientes para educar e informar os 98% da população que já possuem um televisor em casa. Pode-se perguntar: é o computador que está se transformando numa tevê ou a tevê que está virando um computador? No Brasil, em que apenas 9% das residências têm computador, pode-se apostar na segunda hipótese. ‘Estamos assistindo à convergência tecnológica das telecomunicações, da tecnologia da informação e dos meios de comunicação social’, explica Meloni.
O próximo capítulo da telenovela deverá incluir um termo novo ao vocabulário nacional: set top box. É este, por enquanto, o nome do aparelho que servirá como conversor do sinal digital para o analógico no televisor antigo. Será pequeno e portátil, semelhante ao aparelho utilizado para acessar os canais a cabo de uma tevê paga. A idéia é que existam set top boxes com diferentes aplicativos e preços. Os 90% da população brasileira que assiste apenas à televisão aberta (gratuita), provavelmente irá adquirir o aparelho básico.
A vantagem é que estes consumidores terão acesso a um número maior de canais, imagens mais definidas, como a do DVD, e som de melhor qualidade, como o do CD. Os fabricantes acreditam que o produto não pode custar mais do que R$ 200, sob o risco de não vender. O projeto do governo é criar um sistema que torne o set top box um produto tão popular quanto o celular. E isso num prazo de uma década.
Sem fantasmas – Consumidores de maior poder aquisitivo poderão adquirir set top boxes mais sofisticados, com maior número de aplicativos, possibilidades de downloads e gravação de áudio e vídeo no próprio aparelho a partir do controle remoto. Há ainda os televisores digitais, que já estão no mercado, por cerca de R$ 12 mil, e dispensam o set top box, pois vêm com o decodificador embutido. Permitem imagens de alta definição e trazem o cinema para dentro de casa.
‘A digitalização é um caminho sem volta. Depois do televisor colorido, a tevê aberta evoluiu pouco. Com a digitalização, já é possível dar adeus à tevê com fantasmas, sombras e ruídos’, diz Marcelo Knörich Zuffo, coordenador de um dos grupos do SBTD. Uma virada similar à chegada dos filmes falados no cinema, quando atores e atrizes com sotaques carregados ou timbres de voz estridentes ficaram fora das telas. A falta de sintonia dos antigos ídolos foi magistralmente retratada no musical americano Cantando na chuva, no qual os atores Gene Kelly e Jean Hagen fazem o papel do casal mais famoso de Hollywood no final dos anos 20, quando o cinema mudo começou a ficar obsoleto. Com a sonorização, a dupla entra em apuros, pois a personagem de Jean Hagen, Lina Lamont, tem uma voz horrível. Acaba cedendo espaço para a atriz estreante Kathy Selden, interpretada por Debbie Reynolds. As novas tecnologias também fazem vítimas. No caso da tevê digital, os chuviscos são os primeiros excluídos.’
TV & VIDEOGAMES
‘Uma boa má influência’, copyright Época, 9/08/05
‘Estudioso da cultura digital e do cérebro sustenta que TV e videogames tornam as pessoas mais inteligentes
O americano Steven Johnson, depois de lançar seu último livro, Everything Bad Is Good for You (ainda sem tradução no Brasil, mas que significa algo como ‘tudo o que é ruim é bom para você’), foi descrito por um crítico como um homem muito inteligente que desperdiçou a maior parte de sua juventude vendo televisão e jogando videogame. Johnson anda provocando muita polêmica no mundo todo por defender a idéia de que as expressões da cultura de massa – filmes, programas de TV e jogos eletrônicos -, tidas normalmente como lixo, são, na realidade, grandes estimulantes da mente. O inusitado é que seus argumentos são convincentes. Johnson busca olhar além dos temas violentos, sexualizados e banais que dominam vários seriados americanos e filmes de Hollywood e identifica desafios ao cérebro humano no formato desses produtos culturais. Para o escritor, a narrativa não-linear e as diversas referências presentes em seriados como Lost, que estreou na TV paga brasileira no início do ano e acaba de ser comprado pela TV Globo, e 24 Horas, que teve duas temporadas exibidas pela televisão aberta, exercitam o raciocínio. Os games – até aqueles em que o jogador brinca de ser um criminoso -, por sua vez, contribuem para as conexões mentais de lógica e a velocidade de raciocínio, afirma ele. A tese de Johnson ganhou respaldo maior no mês passado, quando saíram os resultados da Avaliação Nacional de Progresso Educacional, teste de leitura e matemática aplicado em estudantes nos Estados Unidos desde 1971. O exame apurou que os alunos do ensino fundamental, atualmente, têm desempenho substancialmente melhor que há 30 anos nas disciplinas avaliadas.
Ao contrário do que suas idéias podem sugerir, Johnson é um grande amante dos livros. Especialista em literatura inglesa e semiótica, o autor de obras aclamadas como A Cultura da Interface e Emergência, que ganharam traduções no Brasil, concedeu a seguinte entrevista a ÉPOCA, na qual sustenta a opinião de que a leitura não está ameaçada pela cultura digital.
ÉPOCA – Em seu novo livro, a tese que provocou muita polêmica se chama Curva do Dorminhoco. O que é isso?
Steven Johnson – O nome ‘dorminhoco’ vem da comédia do cineasta Woody Allen, Sleeper (O Dorminhoco, em português), de 1973. O personagem interpretado por Allen acorda 200 anos à frente e os cientistas informam a ele que gordura, caldas doces e cigarros, no fim, fazem bem à saúde. Algo semelhante ocorreu com a cultura pop – as coisas que pensávamos ser lixo, no sentido da cognição e da inteligência, na realidade se mostraram saudáveis, intelectualmente falando. O que eu chamo de Curva do Dorminhoco seria, então, a tendência da cultura popular, nos últimos 30 anos, a ficar mais e mais complexa e a exigir mais da inteligência das pessoas. No livro, falo mais da cultura americana, mas suspeito que minha tese se aplica a muitos outros países.
ÉPOCA – Muitos críticos o acusaram de afirmar que reality shows como Big Brother fazem bem para o Q.I. (quociente intelectual), mas não é bem isso o que você escreveu. Acha que muitas pessoas não entenderam seu ponto de vista?
Johnson – O que eu digo no livro é que reality shows são em geral bem medíocres. Mas o que eu faço, na verdade, é comparar esses reality shows atuais com programas fracos de 30 anos atrás, como Chips, The Dukes of Hazzard (antigamente transmitido no Brasil sob o nome de Os Gatões) etc. Eu diria que a maioria dos novos programas populares é muito mais complexa do que esses programas antigos horríveis. Dessa maneira, até mesmo a programação de qualidade inferior atual, se comparada à dos anos 70, tem aumentado seu nível. No entanto, isso não significa que reality shows estão nos tornando mais inteligentes, mas que a qualidade da TV está melhorando com o tempo.
‘Muitos seriados e novelas contêm estruturas narrativas complexas, com dramas que seguem múltiplas linhas. Eles exercitam habilidades como atenção, paciência e retenção de informações’
ÉPOCA – Mas você acredita que há uma espécie de ‘inteligência emocional’ em reality shows, não?
Johnson – Com inteligência emocional quero dizer que há um jogo psicológico entre os participantes: eles tentam parecer espertinhos e aparecer para os espectadores, ou paqueram e fazem amizade com todos os outros na competição. São diversas as formas de estratégia. É o que faz os reality shows interessantes para quem os vê, e os grandes críticos desse tipo de programa muitas vezes ignoram isso.
ÉPOCA – Em sua opinião, a TV e as novas tecnologias nos fazem mais inteligentes em alguns aspectos, como na resolução de problemas e desafios cognitivos. Mas não acha que, com a cultura digital, as pessoas passaram a ler de forma pior?
Johnson – Não, ao contrário. Em minha opinião, a internet trouxe um novo meio textual para nosso consumo de mídia. Todo o complexo de como funciona a web e o e-mail, por exemplo, fez a palavra escrita mais importante do que nunca. No momento em que vivemos, a palavra é mais relevante do que era quando nossa cultura era predominantemente impressa.
ÉPOCA – A web ajuda a desenvolver habilidades de leitura e escrita em crianças?
Johnson – As crianças que estão crescendo na era da internet estão criando um mundo em que o texto é muito mais importante do que foi nos anos 70, durante a era de ouro da TV. As crianças não apenas estão lendo on-line, mas estão escrevendo muito mais. Algumas até publicam os próprios pensamentos para que todo o mundo leia em websites. Em minha opinião, isso revela um desenvolvimento incrível.
ÉPOCA – Você publicou o ensaio Assistir à TV nos Torna mais Inteligentes, baseado em seu livro, no jornal The New York Times no primeiro dia da TV-Turnoff Week (campanha feita por ONGs que incentivam os americanos a desligar a TV para fazer outras atividades, como ler). Foi proposital, como uma boa jogada de marketing?
Johnson – Não. Juro! Não fazia a menor idéia, foi pura coincidência.
ÉPOCA – Você não acha perigoso, de certa forma, lançar um argumento de que a cultura pop e a tecnologia digital aumentaram nossas habilidades intelectuais? Sua tese não poderia influenciar de forma negativa as pessoas no sentido de ler boa literatura?
Johnson – Os livros continuam a ser uma força dominante na sociedade – veja a polêmica criada por meu livro! Minha tese nunca teria tido tanta atenção se tivesse sido publicada só em meu blog, ou se tivesse sido exposta na televisão. Menos ainda num videogame, por exemplo. A diferença é que, atualmente, os livros têm muito mais concorrentes do que antigamente. Temos a televisão, a internet, os games, que disputam a atenção dos consumidores de mídia. Mas os livros continuam sendo vitais para nossa cultura, e não acho que eles estejam sob ameaça de se tornar irrelevantes. ÉPOCA – Em Everything Bad Is Good for You, você faz uma sátira, imaginando que o mundo reagiria com horror aos livros se estes tivessem sido criados depois dos games. Nessa fábula, os críticos ressaltariam, por exemplo, características anti-sociais do ato de ler. É uma brincadeira, obviamente, mas você parece pensar que a leitura é realmente algo mais passivo que os jogos eletrônicos.
Johnson – Os livros não são passivos, no sentido de que é preciso usar mais a imaginação quando se lê. Mas não se tomam decisões de nenhum tipo quando se está lendo; segue-se a determinação de outra pessoa – no caso, do narrador. Os games, por outro lado, são totalmente pensados para que quem joga tome várias decisões, como avaliar as diversas situações que se colocam à frente, calcular objetivos de longo e curto prazo, administrar os recursos disponíveis e fazer escolhas. Esse é um modo de pensar ativo, mas totalmente diferente do que é usado para ler.
ÉPOCA – E na televisão? O raciocínio que utilizamos para acompanhar os programas também é totalmente diferente do que usamos para ler?
Johnson – Depende. Há muitos seriados e novelas que contêm estruturas narrativas complexas, com dramas que seguem múltiplas linhas de histórias, possuem vários sentidos e apresentam questões em aberto. A televisão popular nunca foi tão difícil de acompanhar. É necessário usar atenção, paciência e retenção de informações – um trabalho de análise, semelhante ao que usamos diante da literatura -, para compreender os roteiros mais complicados.
ÉPOCA – A televisão atual possui, então, qualidades literárias?
Johnson – Sim, é mais ou menos isso.
ÉPOCA – Você conhece a novela brasileira, famosa por sua qualidade tecnológica e pelos roteiros inteligentes?
Johnson – Não conheço a novela brasileira, mas já ouvi falar que é muito interessante. Acho que um dos efeitos colaterais do argumento feito em meu livro é que acaba dando às novelas um pouco mais de respeito do que elas tiveram historicamente. Mostro que a estrutura narrativa das novelas é muito mais complicada que a de outros programas.
ÉPOCA – Uma pesquisa concluiu que médicos-cirurgiões que jogam videogame fazem seu trabalho melhor que os que não jogam. Acha possível?
Johnson – Sim, absolutamente. Já se sabe definitivamente que os games melhoram tanto a inteligência visual como a coordenação motora entre as mãos e os olhos. Essas são habilidades cruciais para o trabalho dos cirurgiões.
‘É hora de perguntar se os games violentos estão na verdade reduzindo os crimes, ao permitir que as pessoas descarreguem seus sentimentos agressivos num ambiente virtual, e não no mundo real’
ÉPOCA – Você acredita que os games são intelectualmente exigentes. Acha que essa qualidade se sobrepõe ao conteúdo muitas vezes brutal que pode ser encontrado nos games?
Johnson – Depende do jogo. Há um tipo de jogo chamado ‘atiradores em primeira pessoa’ que basicamente possui personagens correndo e atirando uns nos outros. Isso envolve muito pouco pensamento. Acho até que é uma perda de tempo. Por outro lado, Grand Theft Auto (game em que o jogador é um criminoso que desenvolve várias táticas para praticar os delitos), por exemplo, é um game muito violento e às vezes até ofensivo. No entanto, tem uma estrutura muito complexa e intelectualmente desafiadora. Ele também possui toda uma escala de ambientes diferentes a que o jogador tem de se adaptar. Acho que essas qualidades têm de ser levadas em consideração, embora o jogo certamente não seja apropriado para crianças.
ÉPOCA – Você acha que games considerados muito violentos podem estimular a violência no mundo real? Em parte, eles podem ser responsáveis pelas altas taxas de criminalidade no mundo?
Johnson – Acho que há muito pouca correlação entre a violência ficcional dos videogames e a violência do mundo real. Os dados de pesquisas recentes sobre criminalidade nos Estados Unidos sustentam essa opinião. Os programas de televisão e os games nunca foram tão violentos – ao menos se prestarmos atenção a todo o sangue que eles mostram – e, ainda assim, acabamos de assistir à queda mais dramática das taxas de criminalidade na história dos Estados Unidos. É hora de perguntar se os games violentos estão na verdade reduzindo os crimes, ao permitir que as pessoas descarreguem seus sentimentos agressivos num ambiente virtual, e não no mundo real.
ÉPOCA – Você explica a melhora da programação da TV e da cultura pop pelo avanço na tecnologia e pelos incentivos do mercado. Você é um entusiasta do capitalismo?
Johnson – Não, acho que o capitalismo tem boas e más fases, e é essencial que oscile entre diferentes estados. Na verdade, sou um entusiasta da tecnologia digital e das redes de comunicação. Acho que incentivos do livre mercado, combinados a investimentos do setor público e à tecnologia da era digital, levaram a um aumento da complexidade das expressões culturais. Aliás, muitas das inovações tecnológicas mais importantes foram desenvolvidas pelo setor público, e não pelo privado. Para falar a verdade, não teríamos a internet se a tarefa de criá-la tivesse sido deixada para as empresas privadas! Por isso, não sou simplesmente um defensor do capitalismo e do livre mercado.
ÉPOCA – Por que escolheu um título tão polêmico para o livro?
Johnson – A polêmica do nome é em parte a razão para todo mundo ter começado a discutir o assunto. Isso é o que eu mais gosto em meu livro. Muita gente pensou que meu editor tivesse forçado esse nome, contra minha vontade, só para vender mais. Mas não foi o que aconteceu. O título do livro sempre foi idéia minha. Se eu tivesse colocado um título como ‘A Cultura da Complexidade: como a Cultura Pop Está Aumentando Nossas Habilidades Cognitivas para Resolver Problemas mais do Que Há 30 Anos’, ninguém estaria falando sobre a publicação. Mas o preço que se paga por toda essa polêmica que criei é que as pessoas começam a discutir a premissa sem ter lido, e a maioria das críticas que fazem está baseada em assuntos que eu não abordo no livro.’
TV PAGA
‘‘Nip/Tuck’ retorna com bisturi afiado’, copyright Folha de S. Paulo, 7/08/05
‘Hoje o principal sustentáculo e diferencial da TV paga, o filão dos seriados faz jus à lógica mercantilista: venda ao povo aquilo que ele quer. E basta lembrar quais são as fantasias que povoam os sonhos de boa parte do público-alvo do segmento, vindo das classes A e B, para entender o sucesso de uma série como ‘Nip/Tuck’, que dá a largada a um período de boas estréias neste segundo semestre. Drama de humor negro, a produção, uma das melhores, mais cínicas, grotescas -e criativas- da atualidade, retorna em três frentes. No Brasil, o canal Fox estréia sua segunda temporada a partir desta terça-feira, enquanto as lojas recebem um box com cinco DVDs de seu primeiro ano a partir da semana que vem (Warner, R$ 130, em média). Nos EUA, a boa recepção garantiu uma terceira temporada, que estréia por lá em 20 de setembro próximo. Segundo a Fox brasileira, o programa é um dos carros-chefes do canal, liderando seu ibope (não divulgado) ao lado de ‘24 Horas’ e ‘Os Simpsons’. No Globo de Ouro deste ano, venceu na categoria melhor série de drama. ‘Nip/Tuck’ é um Frankenstein bem-sucedido formado de pedaços de diferentes gêneros. Toca na obsessão norte-americana (e brasileira) pelas aparências; aproxima-se de ‘reality shows’ ao mostrar em detalhes carne humana sendo retalhada em operações -aqui, essas seqüências são registradas como um glamouroso videoclipe; na segunda temporada, uma dessas cenas é ironicamente embalada pelo hit oitentista ‘Eyes without a Face’ (Olhos sem face), de Billy Idol; agrada ainda a homens e mulheres que preferem cenas leves de sexo e beleza exterior à interior; aos fãs de dramas familiares mais tradicionais e apreciadores de tramas policiais e de suspense. Tudo enxertado no mesmo produto. Neste primeiro episódio, o dr. Sean McNamara (Dylan Walsh) entra em crise ao completar 40 anos. Começa a sofrer tiques nervosos e pensa em largar a carreira. Ao mesmo tempo, é intimado pela sogra a lhe fazer uma operação e atende uma mulher que levou um tiro no rosto. No Brasil, a série ganha um interesse a mais. É no finzinho desta temporada que o brasileiro Bruno Campos (conhecido por aqui pelo seu trabalho em ‘O Quatrilho’, 1995, de Fábio Barreto) faz sua estréia, como convidado especial. Na temporada 3, ele se tornará um personagem fixo.
Indústria das séries
Campos, 31, interpreta Quentin Costa, cirurgião que terá um papel fundamental na vida de Sean. ‘A série tem dois protagonistas que são opostos. Sean é ético, a voz moral do programa, enquanto o dr. Christian Troy [Julian McMahon] não é tão dedicado e representa o desejo, o pecado, o outro lado moral da cirurgia’, diz Campos à Folha. ‘Meu personagem vai incorporar esses dois lados. É um personagem ambíguo e encarna o bem e o mal.’ O ator diz que conheceu o criador da série, Ryan Murphy, quando este trabalhava em um projeto chamado ‘More’, há cinco anos. ‘Era sobre um gigolô, uma comédia de humor negro surreal. Na época, o estilo era considerado muito agressivo, hoje faz o maior sucesso.’ Este não é o primeiro personagem com nome latino que Campos interpreta; ele agora ironicamente trabalha em uma série que aborda o mundo das aparências. ‘Não sou como o Antonio Banderas, que saiu da Espanha depois de anos. Moro nos EUA há 18 anos, tenho uma carreira aqui. Quando interpreto um personagem latino, não faço estereótipos. Quentin Costa é um grande cirurgião, um dos melhores dos EUA.’ Campos acredita que as relações entre séries de TV e cinema estão em transformação nos EUA. ‘O cinema surgiu quase 50 anos antes da TV. Com esse tempo, o cinema atingiu status. Antes, era raro ver um ator da TV fazendo filmes. Você era de uma área ou de outra. Hoje, tudo é misto, a linha está quase extinta. O Julian, por exemplo, acabou de fazer ‘O Quarteto Fantástico’.’
Nip/Tuck (2ª temporada)
Quando: às terças-feiras, às 22h, no Fox
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‘‘Cirurgiões plásticos’ abordam pedestres’, copyright Folha de S. Paulo, 7/08/05
‘Como TV paga ainda é para poucos no Brasil, a estratégia de marketing de canais como a Fox é clara: chamar a atenção do maior número de pessoas em locais públicos usando táticas de ‘guerrilha’.
Para promover a estréia de ‘Nip/Tuck’, o canal colocou nas ruas de São Paulo atores fantasiados de cirurgiões plásticos, à semelhança dos personagens do programa. Duas equipes, com quatro atores cada uma, percorrem desde a última quarta-feira (e até a próxima terça) regiões como as avenidas Luís Carlos Berrini, Paulista e Brigadeiro Faria Lima.
Eles abordam pessoas que ‘fazem parte do público-alvo do canal’, segundo a coordenadora da ação, Heloísa Mello, que acompanha os atores: indivíduos aparentando ter entre 20 e 50 anos vindos das classes A e B. A partir daí, os ‘cirurgiões’ fazem a seguinte pergunta: ‘O que você não gosta em você?’ (espécie de bordão do programa, frase dita pelos personagens). Mello diz que a experiência tem causado reações inesperadas. ‘Um homem de 40 anos não sabia o que não gostava nele mesmo. Resolveu telefonar para a mulher e perguntar. Ela mandou ele escolher a barriga’, conta. Já uma garota disse que tinha acabado de marcar uma plástica no nariz e nas orelhas.’
Inácio Araujo
‘Ciclo foge do óbvio na fartura da produção japonesa’, copyright Folha de S. Paulo, 08/08/05
‘É um ciclo de respeito este que o Telecine está inaugurando em dois de seus canais, o Classic e o Emotion. São, no total, 19 filmes, dos quais oito, representando o cinema japonês atual, vão para o Telecine Emotion. Os demais, referentes ao pré e ao pós-Segunda Guerra, ficam no Classic.
É claro que 19 filmes não poderão jamais resumir a riqueza e a diversidade dessa cinematografia, mas a amostragem é significativa e sempre foge ao óbvio. Vejamos os mais célebres diretores clássicos daquele país. Yasujiro Ozu (1903-1963) tem três filmes que permitirão acompanhar a formação de seu estilo (‘Dias de Juventude’, de 1929, ‘Meninos de Tóquio’, de 1932, e ‘Filho Único’, de 1936 -os dois primeiros mudos), antes de reencontrá-lo no apogeu, com ‘Também Fomos Felizes’ (1951).
Já o soberbo Kenji Mizoguchi (1898-1956) tem apenas dois filmes na mostra, mas ‘A Perdição de Osen’ (1935) é um belíssimo filme mudo, em que já desenvolve o seu tema favorito (condição das mulheres, prostituição), que aparentemente será retomado no filme ‘Vitória das Mulheres’ (1946).
Akira Kurosawa (1910-1998) comparece apenas com um filme menor (embora grande no tamanho), ‘O Idiota’ (1951), e com seu seu penúltimo longa, ‘Rapsódia em Agosto’ (1991). Em compensação, Keisuke Kinoshita (1912-1998), dito ‘o magnífico’, vem com três trabalhos, entre eles o pacifista ‘24 Olhos’ (1954) e a comédia ‘A Volta de Carmen’ (1951), o primeiro filme japonês colorido.
Mikio Naruse (1905-1969) é outro cineasta que está na hora de ser redescoberto. Este intimista sensibilíssimo, que influenciou bastante o cinema de Walter Hugo Khouri, será representado no ciclo por ‘Batalha das Rosas’ (1950).
Entre os filmes ditos atuais, alguns cineastas cujo trabalho alcançou repercussão recentemente, como Takeshi Kitano (‘Adrenalina Máxima’, de 1994, e ‘Verão Feliz’, de 1997) e, sobretudo, Shohei Imamura, do pouco conhecido, porém admirável, ‘A Minha Vingança’ (1979) e do já lançado aqui, em cinemas e vídeo, ‘A Enguia’ (1997).
Mas há lugar também para o último filme do cineasta Tadashi Imai (diretor de ‘Guerra e Juventude’, 1991), famoso não só pelo talento como pelos pendores esquerdistas no pós-guerra.
Os filmes de samurais, honorável tradição do cinema nipônico, ficam um pouco escanteados no ciclo. Seu único representante é ‘Arakiri’ (1962), do diretor Masaki Kobayashi (1916-1996). Mas é, para dizer o mínimo, um filme cortante.’
Thiago Ney
‘Seriado revela o fantástico universo da matemática’, copyright Folha de S. Paulo, 7/08/05
‘Os números estão em todos os lugares. Tudo tem a ver com números. Os mantras serão muito ouvidos a partir de hoje, quando o canal pago Telecine exibe o primeiro episódio de ‘Numb3rs’.
O seriado vem na esteira de ‘CSI’, ‘CSI Miami’, ‘CSI New York’, ‘Cold Case’, ‘Medical Investigation’…, programas em que a força policial dá lugar a técnicas apuradas de legistas e especialistas que dificilmente empunham alguma arma.
Tudo são números, e os ‘Numb3rs’ são o agente do FBI Don Eppes (interpretado por Rob Morrow) e seu irmão Charlie (David Krumholtz), um gênio da matemática.
No piloto do seriado, Don se envolve no caso de um estuprador em série que fez 12 vítimas em Los Angeles. Ele não tem nenhuma pista do criminoso, mas Charlie o ilumina utilizando uma teoria matemática para tentar localizar o bandido.
De acordo com Charlie, o criminoso escolheu suas vítimas tendo como referência a casa em que mora. Assim, por meio de complexas equações, ele tenta localizar onde o estuprador vive.
Claro que Charlie não terá sucesso na primeira tentativa, e o ritmo do seriado é conduzido pelas idas e vindas dessa busca, ilustrada por números e teoremas matemáticos.
Exibido nas noites de sexta na rede CBS, nos Estados Unidos, ‘Numb3rs’ estreou em janeiro. É produzido por Ridley Scott e seu irmão, Tony, e foi criado por Nick Falacci e Cheryl Heuton, marido e mulher na vida real. Chegou a ter audiência de mais de 11 milhões de espectadores por episódio; depois, esse índice caiu um pouco.
Para dar credibilidade ao programa, os produtores se utilizam do conselho de gente que entende. Jonathan Farley, professor de Harvard, é um dos consultores da série. Ele e sua equipe recebem roteiros ainda não-terminados, dão palpites e corrigem falhas na história. Gary Lorden, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, é outro acadêmico sempre ouvido pelos produtores da série.
A imagem de um nerd como o popstar de um seriado de TV causou alvoroço no mundo da matemática. Vários colunistas do site da Associação Americana de Matemática (www.maa.org) deram seus pitacos sobre ‘Numb3rs’.
‘Normalmente os colunistas evitam falar sobre histórias já comentadas por outros, em intervalo curto de tempo, mas a estréia de um seriado de TV em que o herói é um matemático é um evento tão singular que merece o tratamento’, escreveu Keith Devlin, da Universidade Stanford.
Além dos números e dos crimes, há aqui -como em ‘CSI’, ‘Cold Case’…- o drama de relacionamento entre os personagens principais, notadamente entre os dois irmãos e o pai, interpretado pelo veterano ator de TV Judd Hirsch (de ‘Taxi’). Don é policial impetuoso, afoito e muitas vezes bate de frente com cerebral de Charlie. Hirsch aparece pouco e quase sempre como apaziguador das discussões dos filhos. Já no segundo episódio, Charlie ajuda o irmão a evitar o assalto a um banco, mas, depois que um policial morre no confronto com os bandidos, ele entra em crise.
O seriado é acurado e preciso como um teorema, mas deixa algumas dúvidas bestas: como é que Charlie se locomove apenas de bicicleta… em Los Angeles?
Krumholtz, o geniozinho, já disse em entrevistas que arranjou o papel de sua vida. ‘Devo dizer a verdade… na escola, sempre fui péssimo em matemática.’
A segunda temporada de ‘Numb3rs’ estréia em 9 de setembro nos EUA.
Numb3rs
Quando: todo domingo, a partir de hoje, às 22h, no canal pago Telecine’