‘O título da coletânea de ensaios e artigos de Reinaldo Azevedo, ‘Contra o Consenso’, é explícito e apropriado. O autor não é homem de meias palavras, de insinuações enigmáticas ou de juízos ocultos nas entrelinhas. Suas opiniões são claras, diretas. Quando ele gosta de algo, gosta; quando não, então não. E o seu não é um livro que exija intermediários e/ ou intérpretes.
Azevedo discute um leque de assuntos amplo e atual: filmes e autores recentes, alguns clássicos que não envelheceram e a política, em especial a do Brasil contemporâneo. Entre os escritores e poetas que aborda, ele tem seus heróis (Ariano Suassuna, Mario Faustino etc.) e seus vilões (particularmente a poesia concreta e a crítica literária uspiana). Há também gente que, como Drummond ou Sá-Carneiro, habita uma zona meio cinzenta: não são ruins, mas tampouco tão bons como se diz.
Não é fácil julgar suas opiniões culturais porque, felizmente, estas não pertencem a nenhum dos blocos ou partidos culturais reconhecidos. Como se sabe, aqui, e não só aqui, o grosso das opiniões vem em pacotes: quem aprecia A, admira B e detesta C. Quem é de esquerda lê esse romancista, enquanto quem lê aquele poeta é de direita. Azevedo escapa de tanta previsibilidade, fazendo seu recorte pessoal e independente.
Sua independência e a convicção de que cabe ao observador ou comentador, antes de mais nada, preservá-la são, justificando igualmente o título, o que o livro tem de melhor. Pois, em vez de se entregar ao automatismo tedioso de desafiar todo e qualquer consenso, o que ele parece atacar em cada texto é a passividade preguiçosa ou dogmática dos que se deixam levar pelo espírito dos rebanhos. Assim, não há por que um crítico não pudesse aderir (em seus próprios termos) a um consenso justificado, como o que consagrou Fernando Pessoa.
Nem há razão, além disso, para que o leitor estabeleça necessariamente um consenso com o escritor, ou seja, concorde com todos os seus pontos de vista: alguns são mais bem argüidos do que os outros e, em certos casos (especialmente na breve nota sobre Drummond), o autor fica a nos dever, para alicerçar suas teses, uma análise substancialmente mais minuciosa da obra do poeta mineiro. Nitidamente, embora um conjunto mais sistematizado de idéias subjaza a suas conclusões, a variedade de temas e os limites do tomo se combinam para iluminá-lo apenas em parte.
Se uma voz original como a sua é bem-vinda no debate cultural, ela é mais necessária do que nunca no político. As farpas mais pontiagudas de Azevedo são, com justiça, reservadas para essa esfera e, no seu âmbito, para a esquerda em geral e a intelectualidade esquerdista brasileira em particular. Escancarando a falta de idéias do PT, denunciando as bem-pagas mistificações antiamericanas do cineasta americano Michael Moore e revelando a mescla de inveja e admiração de que se nutre o antiamericanismo, ele se insurge contra nossos maiores e piores consensos nacionais: o de que certas questões não se discutem e o de que tomar determinados partidos é sempre tabu.
Contra o Consenso Autor: Reinaldo Azevedo Editora: Barracuda Quanto: R$ 35 (256 págs.)’
Gilberto Felisberto Vasconcellos
‘Obra discute o papel dos intelectuais’, copyright Folha de S. Paulo, 21/05/05
‘‘É puras do Social’ é um bazar crítico onde o leitor encontrará quase de tudo sobre cultura brasileira. Escrito com apuro e requinte, repleto de centenas de citações, este livro de maturidade de Joel Rufino dos Santos (a maturidade, essa terrível prenda, como poetou alguém) lida basicamente com duas coisas entrelaçadas: os pobres e os intelectuais. O principal objeto da reflexão da obra é o povo, o oprimido, o explorado, o pobre, ou melhor: os pobres que sustentam os ricos. E pobreza (a falta do necessário) difere da miséria em que a privação é absoluta.
Segundo Rufino, a arte ou a literatura apreende melhor o que é a pobreza no Brasil do que a sociologia ou a história, embora ele seja um excelente historiador dos ex-escravos e seus descendentes, nos quais se encontra a gênese da atual pobreza generalizada.
Rufino não é desses sociólogos chatos que desconfiam da expressão como se algo que esteja bem escrito carecerá de gnose, isto é, de conhecimento. Convém deixar claro: Rufino é um escritor da pesada. Afinal, quem são os pobres? São os despossuídos, os desclassificados, obrigados a se virar, a correr atrás, que não conseguem se assalariar nem arrumar emprego fixo, são os destituídos de território. O agravante disso é que as privatizações converteram todos os brasileiros em pobres desterritorializados. A verdade é que somos todos palestinos.
Este livro de Rufino merece a atenção das pessoas de bem por ter sido mentalizado sob o signo da inquietude: um livro que levanta inúmeros problemas e questões do capitalismo videofinanceiro. A fim de acabar com a existência do intelectual espúrio que joga no time dos ricos e dos poderosos, Rufino teoriza um intelectual para pobres, mas não embarca na esparrela retórica sobre os ‘excluídos’ e a ‘exclusão’.
O intelectual para pobres quer se olhar no espelho e não se sentir envergonhado. É o desdobramento do intelectual iracundo de que falava mestre Darcy Ribeiro. Por causa dessa filiação ideológica soa estranho e incompreensível Rufino se valer da anfibologia do ‘populismo’, principalmente depois que o arsenal da maldade acadêmica deitou e rolou com a morte do caudilho Leonel Brizola. Trata-se de um esforço notável para tirar o intelectual da lama. A figura do intelectual no Brasil está mais suja do que pau de galinheiro. O intelectual se desmoralizou como um burocrata indiferente à miséria que o cerca num país ocupado pelo imperialismo. Intelectual de outra estirpe, o lance de Rufino é pensar o povo e o país, com o objetivo de eliminar a pobreza.
O que deveria ser motivo de reflexão para as esquerdas é a idéia de Rufino sobre o trabalhador da cultura como uma estratégia inteligente de oxigenar o Ministério da Cultura, ou seja: ‘O objetivo principal de uma política cultural de um governo de esquerda seria transferir renda, sob a forma de bens culturais, para os pobres’. Aliás, esse livro traz um belo roteiro para um ministro da Cultura que esteja antenado no brasileiro como o melhor produto do Brasil. Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de ‘A Salvação da Lavoura’ (Casa Amarela)
Épuras do Social Autor: Joel Rufino dos Santos Editora: Global Quanto: R$ 35 (256 págs.)’
CASO KAJURU
Folha de S. Paulo
‘Kajuru obtém habeas corpus, mas é condenado a pagar indenização’, copyright Folha de S. Paulo, 21/05/05
‘No mesmo dia em que conseguiu habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra condenação de 18 meses de prisão em regime aberto imposta pela Justiça de Goiás, o jornalista Jorge dos Reis da Costa, o Jorge Kajuru, 44, foi condenado em outra ação a pagar uma indenização de cem salários mínimos.
A liminar do STJ suspendeu a execução da pena de 18 meses em processo em que ele fora acusado de difamação de uma empresa de comunicação e de seu presidente.
Enquanto isso, o juiz Amaral Wilson de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Goiânia, determinou anteontem que Kajuru pague cem salários mínimos ao governador de Goiás, Marconi Perillo, além de 15% de honorários advocatícios e custas processuais.
O governador havia impetrado ação de indenização por danos morais por causa de acusações feitas em 1999, em um programa de rádio. Cabe recurso da decisão.
No programa, Kajuru havia falado sobre a suposta utilização de verba secreta da sede do governo goiano na aquisição de jóias, comida e bebidas alcóolicas. Também disse que o governo pressionou empresas a retirar contas de publicidade de sua Rádio K.
Kajuru não se mostrou preocupado com a condenação, da qual não foi notificado. ‘É descabida. O juiz determina que a honra do governador vale R$ 30 mil. Pensei que valesse mais.’ A assessoria de Perillo não comentou o caso.
Sobre a decisão do STJ de conceder habeas corpus, Kajuru comemorou. ‘Estou orgulhoso de ter dito, quando fui condenado, que eu acreditava na Justiça brasileira. Não sou criminoso.’ Para ele, o fato de o advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias ter assumido sua defesa recentemente foi fundamental para que obtivesse o habeas corpus.
A decisão, do ministro José Arnaldo Esteves, valerá até que a 5ª Turma do STJ, composta por ele e outros quatro ministros, julgue o mérito do habeas corpus.
As Organizações Jaime Câmara e o seu presidente, Jaime Câmara Júnior, moveram ação contra ele porque, em programa de rádio, em janeiro de 2001, ele classificou a TV Anhangüera, daquela empresa e afiliada à Rede Globo, de oportunista sobre como teria obtido o direito de transmitir o Campeonato Goiano de Futebol.’