Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Nelson de Sá

"Tudo começou, ao que parece, às 12h12 no site Terra. O ‘sistema automático de captura de notícias’ jogou no ar um despacho da agência EFE, com informações do Índice de Desenvolvimento Humano, das Nações Unidas.

A ONU havia solicitado que as informações do IDH só fossem divulgadas hoje.

O site diz que retirou o despacho, mas outros, como UOL, Veja On-line e Agência Estado, entraram na corrida. De parte a parte, liam-se notas acusando ‘outros sites’ de ‘falta de ética’ e assim ficou.

Mais tarde, também o ‘Jornal da Band’, o ‘Jornal da Record’ e o ‘Jornal Nacional’ romperam as regras. Se parasse aí o problema, seria tema para acusações e debates, nada mais.

Mas havia mais. Ao contrário do que os primeiros textos davam a entender, tratava-se de um relatório sobre 2002. Além dos títulos, um dos trechos que levavam à confusão:

– A diminuição da pontuação fez com que o Brasil caísse no ranking e estivesse neste ano na posição de número 72, quando no ano passado o país havia ficado em 65º.

Na verdade, falava-se de 2002 em relação a 2001 -e não ‘neste ano’, em relação ao ‘ano passado’. Falava-se do último ano do governo FHC, não do segundo ano de Lula.

Mas também não parou aí. É injusto com FHC afirmar que, em seu último ano, o Brasil caiu no IDH.

O que houve foi uma ‘alteração na fonte dos dados sobre analfabetismo’ de 2002. Se a mesma fonte fosse usada para 2001, o Brasil não sairia do lugar. Daí a ONU ter solicitado que não se fizessem comparações entre os dois anos.

Por sorte, quando se chegou ao ‘Jornal Nacional’, a confusão já era um pouco menor.

NO AR

Marta Suplicy e José Serra não têm só os maiores tempos no horário eleitoral que vem aí. Têm também Lula e Geraldo Alckmin. O presidente e o governador estão no ar com comerciais para mostrar o quanto eles fazem pelo ‘saneamento’, quantas ‘obras’ realizam ou como se esforçam para recuperar ‘o centro’. Só o dinheiro é do contribuinte

Não dá pra negar

Como escreveu ‘O Estado de S.Paulo’, ‘não há mais como negar: a economia brasileira está mesmo em recuperação’.

Na manchete de Boris Casoy, Lula ‘comemora’ 830 mil empregos formais criados no ano.

Nas manchetes do ‘JN’, ‘a criação de vagas é recorde’ em São Paulo e ‘a produção cresce em todo o país’. Até no Rio.

Sem falar da ‘surpreendente queda do IPC da Fipe’, no dizer do Valor On Line. A queda interrompeu a série de 11 quadrissemanas de inflação em alta.

Dá pra negar

Mas sempre dá para negar. O Valor On Line também noticiou ontem ‘o rumor de ‘upgrade’ da nota do Brasil’, a ser dada ‘por uma agência classificadora de risco’. Fez subir a Bovespa.

Mas logo veio a agência Dow Jones e disse que as agências classificadoras estavam ‘cool’, frias, enquanto ‘os rumores de ‘upgrade’ esquentam no Brasil’. De um analista da Moody´s:

– Do ponto de vista dos fatores estruturais, eu não acho que exista qualquer novidade.

Calmaria

De todo modo, o ‘Financial Times’ destacou anteontem os avanços do mercado acionário no Brasil, que estaria finalmente oferecendo ‘um ritmo mais calmo’ aos investidores.

A prova seriam os inusitados lançamentos de ações de três empresas brasileiras na Bovespa, notícia que o ‘Valor’ levou ontem à sua manchete.

Insulto

Nos EUA, como destacavam ontem os sites do ‘Washington Post’ e do ‘New York Times’, a emenda constitucional que o presidente e candidato à reeleição George W. Bush apoiou, contra o casamento de homossexuais, foi derrubada.

Já no Brasil, ou melhor, no Rio de tantos candidatos cristãos, um projeto de lei está revoltando os líderes da comunidade homossexual. Foi o que noticiou ontem a agência France Presse, como se lia nos sites.

O projeto prevê que o governo estadual subsidie, com dinheiro público, os homossexuais que buscarem mudar de orientação. De um dos líderes:

– É um insulto político.

RESPEITO E TEMOR

Do ‘La Nación’, com direito à foto dos manifestantes na avenida Paulista, com os uniformes das seleções brasileira e argentina, ao ‘Financial Times’, a pressão dos brasileiros sobre Lula e contra a Argentina era notícia por todo lado, ontem:

– A paciência interna é cada vez menor.

O ‘Ámbito Financiero’ e outros argentinos destacaram em suas páginas iniciais, durante o dia, as declarações do assessor de Assuntos Internacionais de Lula a Eliane Catanhêde, na Folha, reafirmando a ‘aliança estratégica’ do Brasil com a Argentina.

Faziam um esforço de descompressão, mas pelos lados do presidente Néstor Kirchner as coisas só faziam piorar. Com manifestantes diante da Casa Rosada, ele chamou seu médico e levou a especulações:

– O presidente está doente outra vez?

As páginas iniciais dos mesmos sites argentinos mostravam outro conflito com o Brasil -com teor alegórico. O colunista de futebol do ‘La Nación’ se dizia feliz por que a seleção ‘escapou de um choque com o Brasil nas quartas de final’ da Copa América. E o treinador Carlos Alberto Parreira, do Brasil, deu entrevista dizendo que quer muito jogar com a Argentina:

– Nós a respeitamos, mas não a tememos."

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Nelson de Sá

"Impaciência", copyright Folha de S. Paulo, 16/07/04

"Nas contas de Boris Casoy, no Jornal da Record, ‘pela quinta vez em dois meses, Lula pediu paciência à população’. Desta vez, ele pediu a paciência das mulheres.

Mas é o presidente quem pode estar perdendo a paciência. É o que parece se desenhar, na cobertura, em meio às resistências internas ao projeto de Parceria Público-Privada.

Começou n ‘Valor Econômico’, dias atrás, com o relato de que, na reunião que decidiu como seria o projeto, Lula se colocou inesperadamente contra o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Do jornal:

– Foi um dos únicos casos, até agora, em que o ministro Palocci perdeu uma disputa dentro do governo.

Pior, ele perdeu no governo e foi a um jantar com senadores tucanos, que passaram a brecar o projeto. Segundo ‘O Globo’, a notícia do jantar deixou ‘muita gente incomodada’.

A novidade de ontem foi o registro, no mesmo jornal:

– Lula continua apoiando o ministro Palocci e sua política econômica, mas tem a cada dia mais feito a seguinte pergunta: Mas como ficam a distribuição de renda e o combate às desigualdades?

Pode ser só a retomada da guerra fria entre os integrantes do ‘núcleo duro’, pela imprensa, mas talvez Lula já não tenha mais paciência.

Daí pedir tanto, aos outros.

OLGA

O Cine Alvorada, nome que o colunista Ancelmo Góis dá às sessões de Lula no Palácio da Alvorada, lança na terça mais um filme sobre um ícone revolucionário, ‘Olga’.

Antes, a mais nova edição da revista ‘Nossa História’ traz Olga Benario na capa, em texto da historiadora (filha de Olga) Anita Leocádia Prestes. É um artigo formal, mas aqui e ali deixa escapar emoção, em passagens como a que relata os poucos meses que elas tiveram juntas:

– Olga deu à luz em novembro de 1936, na prisão de mulheres de Barnimstrasse, em Berlim. Na exígua cela da prisão, submetida a regime de rigoroso isolamento, conseguiu criar a filha até os 14 meses.

Em 1942, ‘Olga era transferida ao campo de Bernburg, onde seria assassinada numa câmara de gás’.

CHE

‘Diários de Motocicleta’, filme de Walter Salles sobre outro ícone revolucionário, Che Guevara, corre o mundo em quase 30 festivais. No mais recente, em Ramallah, na Palestina, foi notícia no ‘Haaretz’ (israelense) e no ‘Crônica Palestina’ -que o descreviam como ‘a jornada em que Che cristalizou sua consciência revolucionária’ e ‘a jornada de Che a caminho da autodescoberta’.

Na passagem por Cuba, o crítico do ‘Granma’ se viu em maus bocados diante do filme que a ‘Variety’, como ele destacou, disse ser ‘não-político’. Mas elogiou.

O londrino ‘The Observer’, às vésperas da estréia local de ‘Diários’, deu longa reportagem crítica ao mito Che. Ouviu o marxista arrependido Christopher Hitchens:

– Quando se pensa em Che, é mais como Byron do que Marx. Ele pertence mais à tradição romântica.

Outro arrependido, o mexicano Jorge Castañeda:

– Ele é um símbolo de um tempo em que as pessoas morriam heroicamente. Elas não fazem mais isso.

A reportagem deu que, no rastro de ‘Diários’, vêm aí dois outros filmes sobre Che, um de Steven Soderbergh, com Benicio Del Toro, e outro ‘um veículo para Antonio Banderas’. E se questiona o ‘Observer’, no título:

– Che era só uma cara bonita?

Poluidor

Reportagem do Nomínimo diz que está pronto, à espera do anúncio, o Inventário Brasileiro de Emissões de Gases do Efeito Estufa. Não serão boas notícias. O Brasil passa a quinto poluidor global. De um entrevistado:

– A imprensa mundial vai colocar o país na berlinda.

Para o site, apesar dos esforços da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, Lula mostra ‘pouca sensibilidade’.

Esforços

Apontada sempre como vilã nos comentários de economia, por frear o progresso agrícola ou coisa assim, Marina Silva segue com os seus ‘esforços’.

A ‘Gazeta Mercantil’ noticiou em tom positivo o acordo que ela fechou com o Ministério da Defesa, para mobilizar mais de cem homens da Infantaria de Selva, além de 18 helicópteros, para combater desmatamento, extração, grilagem etc.

Empregos

Nas manchetes do Jornal da Band, de Carlos Nascimento:

– Campanha para as eleições municipais cria empregos em vários setores da economia.

É um espetáculo, afinal.

Paciência

Anda aos poucos, em doses, a negociação com a Argentina nos eletroeletrônicos. Primeiro veio um acordo nos fogões. Ontem, como afirmou à noite o ‘Ámbito Financiero’, nas geladeiras:

– Mas ainda falta superar o conflito nas máquinas de lavar.

E acrescenta o ‘Clarín’:

– De todo modo, a tensão se mantém em outros setores.

Quase lá

A nova ‘Economist’ saudou as ‘boas notícias’ nas conversas no âmbito da Organização Mundial do Comércio:

– Os grandes comerciantes, tanto ricos como pobres, estão com um acerto ao alcance da mão. No comércio agrícola, os gigantes (EUA, Europa, Brasil, Austrália e Índia) caminham aos poucos para um acordo.

Não culpe o rico

O obstáculo agora, para a ‘Economist’, são alguns ‘países pobres’ da América Central e de outras partes, que não querem perder as vantagens que têm no atual ‘sistema distorcido’. Daí o seu título provocador:

– Não culpem o mundo rico se as negociações entrarem em colapso novamente."

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Nelson de Sá

"Mudou a maré", copyright Folha de S. Paulo, 18/07/04

"Do Jornal da Globo:

– O mercado não faz passeatas em favor da política econômica, mas emite sinais claros de que adora Antonio Palocci.

Foi o que aconteceu no fechamento da semana, depois que o ministro defendeu no ‘Financial Times’ a autonomia do Banco Central. A Bolsa subiu, o dólar caiu e o risco Brasil ‘ficou bem abaixo dos 600 pontos’.

O ‘clima de quase euforia’ não foi efeito só da entrevista, mas dos ‘indicadores positivos’. Que o diga Paulo Leme, economista-chefe na Goldman, Sachs & Co., ontem na Bloomberg:

– O crescimento se alastra, o consumo está renascendo, a renda está se recuperando, os investimentos privados entraram em fase de retomada.

E agora ele também aposta em 4% de crescimento no ano.

Em ‘quase euforia’, no entanto, Leme ainda perde para o ‘New York Times’, que abriu assim uma reportagem:

– As exportações explodem. A produção industrial cresce há nove meses. As vendas no comércio estão se recuperando. E o desemprego começa a cair.

São ‘todos sinais’ de que o país ‘está se reerguendo com mais força do que se esperava’. Título do ‘International Herald Tribune’ para a mesma reportagem:

– A maré mudou no Brasil.

Mas, em ‘quase euforia’, todos perdem para o ministro Luiz Furlan. Segundo a ‘Época’, ele ‘já fala em crescimento de 5%’.

E Palocci nem havia falado ainda, o que fez ontem na Globo, em ‘reduzir os impostos’.

Para além do mercado, a maré mudou nas ruas.

Os jornais da Band e da Record destacaram na sexta a passeata da CUT ‘contra a política econômica’. A rádio Band notou que era Dia Nacional de Luta por Mudança na Política Econômica.

Contra Palocci. A passeata parou até ‘na frente da sede do Banco Central’, em São Paulo.

Mas não foi a manifestação da CUT que assustou o ministro, anteontem. Da ‘Veja’:

– Um Learjet da FAB no qual viajava Palocci teve de fazer uma manobra arriscada para se desviar de um urubu.

O ministro teve ‘um susto monumental’, nada mais:

– E assim o risco Brasil manteve a sua rota de queda.

ARDE ARGENTINA

‘La Nación’ e ‘Clarín’ (à dir.) deram manchete, mas foi o ‘Ámbito Financiero’ o mais assustador: ‘O dia mais violento desde a queda de Fernando de la Rúa’. A sombra persegue o presidente Néstor Kirchner até no ‘Le Monde’, que deu reportagem sublinhando a ameaça feita por um dos líderes dos manifestantes:

– A cada dia, Kirchner está mais parecido com De la Rúa. Como ele, não terminará seu mandato.

Não é à toa que Kirchner anda atrás de inimigo externo.

ARDE BOLÍVIA

Em sua seção ‘Arde Bolívia’, o site ‘Rebelión’ brada contra a Petrobras e os ‘governos do Brasil e dos EUA’. Na radicalização boliviana, nem o líder indígena Evo Morales escapa, tachado de ‘direita’ por se opor à nacionalização do gás a ser decidida hoje.

Falando ao ‘Valor’, o presidenciável Morales modera o discurso, como Lula: ‘Somos aliados dos empresários’.

Libertadores

Mais que nos outros, ecoou nos jornais da Venezuela, como ‘El Universal’, a notícia de que a Petrobras deve levar o Brasil à auto-suficiência em petróleo no meio do ano que vem.

Hugo Chávez, segundo o ‘Valor’, quer a união das estatais de petróleo latino-americanas.

Beterraba

O ‘Wall Street Journal’ elogiou a proposta da União Européia de cortar os subsídios ao açúcar -citando o ministro Roberto Rodrigues, segundo o qual parte do mercado vai para o Brasil.

Mas o ‘Le Monde’ já noticiava, anteontem, que os produtores de beterraba da França apelaram ao presidente Jacques Chirac, contra a proposta ‘severa demais’.

Português x inglês

A agência Reuters deu que o fascínio dos brasileiros pelo Orkut começa a incomodar:

– O Brasil tem trombado com os EUA nos subsídios agrícolas, no Iraque, mas nenhum conflito é tão pessoal como o que está sendo travado na internet.

Os brasileiros invadem o Orkut com mensagens em português, que americano nenhum entende.

‘NYT’ humilde

O ‘New York Times’ voltou a pedir desculpas, agora em editorial, por ter aceito sem questionar as justificativas de George W. Bush para a invasão do Iraque. Do texto, anteontem:

– Estávamos errados sobre as armas de destruição em massa.

E sobre a própria invasão:

– Nós não podemos fingir que foi uma boa idéia.

Bucaneiros

Outro editorial do ‘NYT’, este na quinta, mencionou os riscos, mas elogiou com bom humor, até citando o lendário jornalista independente H.L. Mencken, a entrada dos blogs ‘bucaneiros’ na cobertura das convenções partidárias -os maiores eventos das campanhas presidenciais.

Sensibilidades

O canal árabe Al Jazira, às voltas com os vídeos da Al Qaeda com ameaças de assassinato, soltou na semana um código de ética. Defendeu seu direito de mostrar ‘o lado feio da guerra’, mas incluiu, nas novas normas:

– Levar em consideração as sensibilidades ocidentais e árabes antes de transmitir imagens sangrentas de violência."