Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nelson de Sá

‘A morte de Iasser Arafat permitiu aos porta-vozes da direita vitoriosa nos EUA (o canal Fox News, os jornais ‘The Washington Times’ e ‘New York Post’, o National Review Online, o blog Drudge Report) mostrar as suas garras.

Nenhum deu destaque maior a Arafat. Fox News e Drudge se apegaram à suposta nova fase da batalha de Fallujah, no Iraque. O ‘Washington Times’ ficou com a indicação de Alberto Gonzales para ministro da justiça.

E não faltaram ataques, com virulência, no registro paralelo ao líder palestino. Um dos textos no NRO saudava a morte do ‘terrorista favorito da ONU’. O ‘WT’ foi além, com ‘rumores’ escandalosos tirados da internet sobre a causa da morte.

A Fox News, quando abordou Arafat, foi sempre voltada ao que pode ocorrer de bom, agora. E trouxe coisas como:

– Arafat frustra até na morte. Por algum tempo, parecia que ele se recusava a morrer.

Nem a mídia americana mais tradicional, tachada de ‘liberal’, escapou de certo excesso.

O ‘New York Times’ destacou ‘bilhões escondidos’ pelo líder em bancos pelo mundo. E o ‘Boston Globe’ deu um artigo intitulado ‘Arafat, o monstro’.

Para um tratamento menos agressivo, era preciso recorrer a sites e publicações da Europa, como ‘Financial Times’, para o qual o palestino usou ‘tanto as armas quanto o ramo de oliveira pela causa de seu povo’, ou o ‘Le Monde’ (abaixo).

No Brasil, TV, rádio e internet seguiram mais a linha européia -com o Jornal Nacional, por exemplo, descrevendo que, ‘no campo de batalha ou na mesa de negociações, Iasser Arafat foi o líder dos palestinos pela criação de um estado independente’.

E foi a Globo, como é regra, que trouxe a versão do governo brasileiro, já de manhã, ao vivo com o chanceler Celso Amorim. Arafat foi chamado de ‘grande líder’, mas não o bastante para mudar a agenda de Lula:

– O presidente, se não tivesse visita de Estado, provavelmente iria ele próprio às exéquias.

Mas não, foi José Dirceu.

O próximo

Enquanto especulava sobre o que vem aí, ‘depois de Arafat’, como toda a cobertura dos EUA, a CNN saiu-se ontem com uma comparação entre o palestino e o cubano Fidel Castro.

Questionada sobre o que vai acontecer quando Fidel morrer, a correspondente em Havana foi direta e sincera:

– Ninguém sabe.

Conspiração

Os blogs ‘liberais’ dos EUA, após o tombo dos números de boca-de-urna, vêm espalhando agora rumores sobre fraude com as urnas eletrônicas.

O ‘Washington Post’, ontem, e a revista on-line Salon, dias atrás, já trataram de derrubar ponto a ponto a ‘teoria’.

Ficção

O colunista Frank Rich, do ‘New York Times’, referência dos ‘liberais’ americanos, diz em seu texto desta semana que ‘uma nova expressão cunhada por um pesquisador anônimo’ suplantou todos os outros temas do debate político, nos EUA: ‘valores morais’.

Em suma, fixou-se o ‘spin’ de que George W. Bush venceu a eleição com uma nova versão do mote hoje famoso -agora ‘é a cultura, estúpido’, referência às ‘guerras culturais’ que opõem conservador e ‘liberais’. Mas ele enumera dados para afirmar que não é bem assim:

– Só tem um probleminha. Como tantas narrativas feitas hoje em dia na nossa mídia 24/7 [24 horas por dia, sete dias por semana], é uma ficção.

Ao ritmo da China

Foi chegar o presidente chinês, ontem, que o Jornal Nacional destacou o fim de uma novela de meses em Brasília:

– Governo e oposição fecham um acordo sobre o projeto das PPPs, as Parcerias Público-Privadas.

Como esperado, a visita de Hu Jintao recebe cobertura extensiva no exterior . O ‘Financial Times’ dizia ontem em seu título que a ‘América Latina dança ao ritmo da China’ e que ‘o chinês é hoje o mercado de exportação do Brasil que mais cresce’.

A agência Dow Jones, ligada ao ‘Wall Street Journal’, dizia em título que ‘As reuniões entre o Brasil e a China anunciam relações mais próximas entre os gigantes’ e que os funcionários chineses ‘querem aumentar seu acesso a commodities importantes e já asseguraram os investimentos em projetos de larga escala’.

Aqui e ali, nas diversas reportagens, menções às PPPs que não saem ou não saíam, até o acordo.

O jornal estatal chinês ‘Diário do Povo’, de sua parte, deu longo editorial -ou coisa parecida- sob o título ‘Relações sino-brasileiras entram em uma nova era’, destacando a cooperação em comércio, mas citando da tecnologia espacial à política externa.’



ROSSI POR CHAPARRO
Carlos Chaparro

‘Clóvis Rossi, o crítico implacável’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/11/04

‘O XIS DA QUESTÃO – Textos diários como os de Clóvis Rossi, ainda que sirvam para discordarmos deles, fazem um bem enorme ao nosso jornalismo de relato, fortemente pressionado pela contundência e avassaladora quantidade de fatos e falas noticiáveis.

1. Clóvis, o cáustico

Clóvis Rossi nunca esteve tão afiado no cumprimento do ‘dever da crítica’, que alguns consideram ser a obrigação primeira do jornalismo e dos jornalistas. Refiro-me, evidentemente, ao Clóvis Rossi, articulista da página 2 da Folha, onde, quase diariamente, desanca sem contemplação o governo do presidente Lula. Fez o mesmo com o governo anterior. Mas, se compararmos textos de uma época e de outra, pode-se dizer que Clóvis Rossi nem nos melhores momentos da avaliação crítica que fazia ao neo-liberalismo de Fernando Henrique Cardoso chegou à causticidade com que agora trata a performance do atual governo. Num dos seus mais recentes comentários, por exemplo, assim o qualificou: ‘É um governo tosco, primitivo, incapaz até de apagar as pegadas que deixa na areia’.

Com essa frase, Clóvis Rossi comentava o parecer por meio do qual o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, demonstra a inconstitucionalidade da Medida Provisória editada para ‘blindar’ Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. E para que não se pense que posso estar fazendo um recorte deformador do contexto, transcrevo o final do comentário:

‘O PT e, com ele, o seu governo estão perdidos, do que dão prova (…) os artigos mais recentes, nesta Folha, do ministro Tarso Genro e do senador Aloizio Mercadante. Não recomendo a leitura, porque é puro blábláblá. Como não têm coragem de criticar o que está sendo feito, mas não podem também endossar tudo, ficam numa tremenda masturbação sociológica, um, e econômica, o outro. É tudo o que o partido consegue produzir.’ O desassombro da crítica, a clareza do texto, o referencial do nome do autor e a sua coragem de se expor em opiniões, fazem do pedacinho de texto assinado por Clóvis Rossi, na página 2 da Folha, um dos espaços de maior índice de leitura, na imprensa brasileira.

Também eu sou leitor fiel da Clóvis Rossi. Nem sempre concordo com ele. Às vezes, chego mesmo a detectar e a lamentar um certo viés de obediência sistemática ao tal dever de criticar. Admito, até, que leio Clóvis Rossi um tanto quanto de pé atrás, por causa de uma definição de jornalismo que ele assumiu, no livro O que é Jornalismo – esta: ‘Jornalismo é uma fascinante batalha pelas conquista das mentes e dos corações de seus alvos: os leitores, telespectadores e ouvintes’.

Embora, em texto posterior, Clóvis Rossi se tivesse corrigido, quase pedindo desculpas pela ‘verdade’ criada naquela definição, a frase me ficou na lembrança, como razão para adotar atitudes defensivas na leitura dos textos dele. Ainda assim, faço questão de me assumir como seu leitor e admirador, pelas razões já expostas.

2. Polivalência estilística

Tudo isto a propósito de uma questão que gostaria de aqui comentar. Refiro-me à porosidade das fronteiras que a teoria dos gêneros estabelece, para classificar as espécies ou classes de texto. Sempre tive dúvidas, quando tentei enquadrar, em classificações, o texto que Clóvis Rossi escreve na página 2 da Folha. Artigo? Crônica? Coluna?

Provavelmente, tudo isso. Ou talvez nada disso.

Clóvis Rossi é, a um só tempo, articulista, cronista e colunista.

Articulista, porque exercita com inquestionável habilidade as ferramentas da argumentação. Sempre parte dos fatos, para propor ajuizamentos críticos sobre pessoas, situações, governos, governantes, partidos e entidades. À argumentação em que sustenta os ajuizamentos, quase sempre oferece articulações coerentes entre verdades, presunções e valores ou princípios em que acredita. E, com freqüência, traz para um texto de 1.300 caracteres a densidade de reflexões que justificariam artigos mais extensos.

Mas Clóvis Rossi escreve também com liberdades estilísticas de cronista, inclusive nos enxertos narrativos que sabe fazer na estrutura argumentativa dos seus textos. E usa a liberdade estilística de cronista para dar força à causticidade dos embates críticos em que inevitavelmente se envolve. Embora pouco ou nada propenso a elaborações poético-literárias típicas da boa crônica brasileira (historicamente marcada por artistas do texto do porte de Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Antonio Maria, Eneida,, Adalgisa Nery, Ruben Braga, Paulo Mendes Campos, Flávio Rangel, Sérgio Porto e Lourenço Diaféria, entre muitos outros), Clóvis Rossi nos oferece algo que só os bons cronistas conseguem: flagrantes da realidade (no caso dele, realidade política) recortados, entendidos e interpretados por um olhar de enorme sensibilidade. E, como cronista, faz parte das histórias que nos conta, porque, mesmo fugindo das construções na primeira pessoa, nelas insere o seu ‘eu’, como observador pensante e livre, autor de sentidos.

E por que não colunista? Afinal, naquele espaço da página 2 da Folha, os textos de Clóvis Rossi estão marcados pelas características do colunismo, tal como o conhecemos e definimos na imprensa brasileira: constância de formatação e localização gráfica; potencialização de credibilidade dos conteúdos por causa do nome do autor; e, como decorrência, uma enorme aptidão para criar e impor horizontes às expectativas dos leitores, e a elas corresponder.

Teorias e classificações à parte, textos diários como os de Clóvis Rossi, ainda que sirvam para discordarmos deles, fazem um bem enorme ao nosso jornalismo de relato, fortemente pressionado pela contundência e avassaladora quantidade de fatos e falas noticiáveis.’



ACIDENTE COM JORNALISTA
Ismael Machado e Leticia Helena

‘Acidente de hidroavião mata três na Amazônia’, copyright O Globo, 12/11/04

‘Três pessoas morreram ontem em conseqüência da queda de um hidroavião no arquipélago de Anavilhanas, no município de Novo Airão, próximo a Manaus. O fotógrafo francês Nicolas Reynard — conhecido internacionalmente por suas reportagens para a revista ‘National Geographic’ na Amazônia, na África e na Guerra do Golfo — um jornalista francês identificado apenas como Joel e o piloto brasileiro Paulo Miranda documentavam o trabalho do casal de aventureiros Gérard e Margi Moss no arquipélago de Anavilhanas quando o aparelho caiu. Até o fim da tarde de ontem, os mergulhadores do Corpo de Bombeiros de Manaus ainda não tinham encontrado os corpos. O trabalho de resgate prossegue hoje.

Fotógrafo participou de expedição indigenista

Reynard já havia feito dezenas de viagens ao Brasil e, na semana passada, ficara noivo em Manaus de uma brasileira. Entre outras reportagens, participou da primeira expedição que fez contato com os índios korubos, no Acre. Ele conheceu o casal Moss num Kuarup (festa dos mortos dos grupos indígenas do Xingu) há alguns anos. O registro da expedição atual de Margi e Gérard seria publicado na ‘National Geographic’ ou na ‘Paris-Match’.

— Estávamos voando em Anavilhanas quando eles nos pediram para ir um pouco adiante, porque queriam continuar a fazer imagens. De repente, perdemos o contato por rádio. Procuramos no céu e, como não encontramos, resolvemos voltar. Foi então que vimos o hidroavião afundando, de cabeça para baixo, no Rio Negro — conta Margi que, com o marido, está percorrendo o Brasil num hidroavião anfíbio desde outubro de 2003, como parte do projeto Brasil das Águas.

Diante da cena, o casal Moss pousou na margem do Rio Negro e Gérard mergulhou para tentar salvar os ocupantes do hidroavião:

— Gérard mergulhou diversas vezes. Ele ia e voltava, mas não conseguiu achar a porta do hidroavião, que estava virado e apenas com os flutuadores fora da água — diz Margi.

O hidroavião era um modelo Caravan, que, segundo o capitão do Corpo de Bombeiros de Manaus Mário Belotta, necessita de um treinamento especial para pilotagem.

— O piloto Paulo Miranda era um dos poucos aqui que sabiam pilotar um avião anfíbio desse tipo — disse.

Entre os aviadores, Miranda era considerado o maior especialista brasileiro neste tipo de aparelho. Tanto que, quando iniciou sua expedição, Gérard Moss o procurou para ter aulas sobre o hidroavião.

— Falamos com Paulo pouco antes do acidente e ele não relatou nada diferente. Pelo que vimos, não dá para imaginar o que aconteceu — afirma Margi Moss.

O acidente ocorreu por volta de 8h. O hidroavião saíra de Manaus. O Corpo de Bombeiros acredita que a queda foi causada pela perda de um flutuador, que teria se partido enquanto o aparelho sobrevoava a selva.

— Fica quase impossível pilotar um hidroavião nessas condições — diz Belotta.

Ibama emprestou helicóptero para resgate

Apesar de estar sobrevoando uma região de mata fechada, o hidroavião estava a apenas a 20 minutos de Manaus, o que não foi suficiente para um pouso de emergência. Os bombeiros só foram notificados do acidente às 11h. O Ibama cedeu um helicóptero para que fossem iniciados os trabalhos de resgate imediatamente. Mas a esperança de encontrar sobreviventes durou pouco.

— Pelas condições em que se encontrava o hidroavião era praticamente impossível que alguém tivesse sobrevivido — lamentou o capitão dos bombeiros.’



O Globo

‘Marinha busca corpo de francês no AM’, copyright O Globo, 13/11/04

‘A Marinha foi chamada pelo Corpo de Bombeiros de Manaus para ajudar no resgate do corpo do jornalista francês Joel Taunay, que morreu na queda de um hidroavião Caravan, na manhã de quinta-feira, perto de Novo Airão, no Amazonas. Os corpos do piloto Paulo Sérgio de Miranda Corrêa e do fotógrafo francês Nicolas Reynard já foram encontrados por mergulhadores.

Os corpos foram levados para o Instituto Médico-Legal de Manaus. O avião decolou do Rio Negro, perto de um hotel de selva levando os jornalistas para um sobrevôo no arquipélago de Anavilhanas. A intenção era filmar o avião Lake PT-WAF que tinha a bordo o pesquisador Gèrard Moss e sua mulher, Margi Moss. O casal faz a coleta de água em bacias e lagos da região amazônica.

— Fomos até o local do acidente na esperança de encontrar sobreviventes, mas o choque com as águas do Rio Negro foi muito forte — disse o comandante Franz Alcântara.

Corpos estavam presos pelos cintos de segurança

Os corpos de Miranda e do fotógrafo estavam presos pelos cintos de segurança nos bancos da frente do hidroavião. Já o do jornalista pode ter sido cuspido da aeronave, já que a porta lateral do aparelho estava aberta, para facilitar a tomada de imagens.

Cinco mergulhadores ainda fazem buscas no região do acidente. O local é de mata fechada com algumas praias. O hidroavião foi encontrado de barriga para cima e ainda não pôde ser retirado da água. Os bombeiros amarraram o avião para evitar que a correnteza o levasse.

— No primeiro dia encerramos as buscas para levar os corpos a Manaus. Agora, com o apoio da Marinha, podemos permanecer no local por mais tempo — disse Alcântara.’

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‘Em 2001, fotógrafo escapou de acidente’, copyright O Globo, 12/11/04

‘Em 2001, o fotógrafo francês Nicolas Reynard escapou de um grave acidente de avião na Amazônia: o bimotor da Funai que o levara de Rio Branco a Santa Rosa do Purus, no Acre, caiu pouco depois de ele desembarcar. O piloto e os passageiros — o sertanista Sidney Possuelo e três jornalistas japoneses — sobreviveram ‘por milagre’, como descreveu o próprio Reynard na reportagem sobre a expedição que fez o primeiro contato com os índios korubos, publicada na edição de janeiro de 2002 da ‘National Geographic’.

‘E pensar que tudo havia começado tão bem… Na manhã do quinto dia, o bimotor da Funai deveria realizar dois vôos a partir de Rio Branco. Embarquei no primeiro — hora e meia de viagem sobre a selva fechada. O piloto me deixou e regressou rapidamente para buscar Possuelo e três jornalistas japoneses. Eles deveriam chegar para o almoço, mas, misteriosamente, não deram nenhum sinal. Depois de um dia inteiro de silêncio e aflição, Possuelo finalmente chamou-me pelo rádio 4 Batalhão de Infantaria da Selva, onde eu estava alojado. Sua voz parecia fraca, cansada. Não era para menos. O bimotor havia se espatifado no solo meia hora após a decolagem, numa tentativa de pouso forçado. Possuelo, o piloto e os três japoneses, por milagre, sobreviveram’, relatou Reynard.’