‘Brasília descobriu um ‘quinto poder’ na web, dos blogs aos e-mails e até as listas de discussão.
Ao menos é assim que Cristóvam Buarque descreve, em seu blog, a ‘pressão popular’ que inviabilizou o aumento dos deputados federais.
Dias antes, ele já havia lançado no site um ‘manifesto’ contra o aumento, em função de ‘centenas de mensagens contrárias’ que teria recebido. Derrotado o aumento, postou:
– O quinto poder demonstrou sua força ao provocar o colapso da proposta, circulando pelo sistema nervoso dos outros quatro poderes.
A Globo News concordou (leia abaixo), relatando que ‘milhares de e-mails, na maioria pouco amigáveis, lotaram os computadores dos 513 deputados’ com desabafos como:
– Não dá pra viver com R$ 12 mil? Tenta com R$ 200!
Além do blog do senador petista, também o blog tucano E-agora saiu louvando a vitória do ‘quinto poder’.
Em raro apoio a um petista, o blogueiro que assina Antonio Fernandes (um nome sob o qual se esconde um cacique tucano) reproduziu o blog de Buarque e acrescentou:
– Pois é. Ele tem toda a razão. No tipo de sociedade em que vivemos, temos muito mais força do que avaliamos.
Qualquer um ‘pode dar a sua contribuição’:
– Está em nossas mãos… Não precisa ser parlamentar ou ter acesso à grande mídia.
Basta o ‘acesso a qualquer meio de comunicação’. Quem tem mais tempo até ‘pode inaugurar seu blog’.
E pronto. É possível evitar o aumento dos parlamentares -e, acreditam agora as duas partes em Brasília, derrotar ou reeleger Lula.
Enquanto blogs e internautas saboreiam por aqui seu poder autoproclamado, nos EUA a sombra é de reação institucional ao ‘quinto poder’.
Blogueiros de influência como Dan Gillmor e Andrew Sullivan denunciavam no fim de semana a ‘tempestade que se arma’ contra a liberdade de expressão na internet.
O que detonou o temor foi a entrevista de um dos membros da comissão eleitoral dos EUA ao site CNet News.com, dizendo que a lei exige a ‘regulação do discurso político’ nos blogs -ao contrário do que ocorre com a grande mídia.
PODER O programa Fatos & Versões destacou alguns dos e-mails que, aos ‘milhares, lotaram os computadores’ dos deputados contra o aumento dos salários. Por exemplo, ‘vocês são muito ‘cara de pau’. Outro, ‘se eu te encontrar na rua, eu te mato’
Globo lá
A Globo anunciou ‘uma nova etapa’. Agora tem sucursal em Pequim para trazer ‘um olhar brasileiro’. Por ora, é o olhar que a China permite.
Sábado, no Jornal Nacional, o despacho foi sobre a excitante ‘abertura da sessão anual do Congresso da China’. O país ‘tem nove partidos’, informou a TV, ‘mas o poder se concentra no comunista’.
Parceria
Também ontem, o ministro chinês do exterior deu entrevista coletiva, com participação das agências Xinhua, AP etc. Nem foi questionado, mas mandou recado ao Brasil:
– Gostaríamos de continuar a aprofundar e desenvolver a parceria estratégica entre as duas nações.
Positiva e…
O serviço mundial da BBC fez pesquisa em 22 países sobre EUA, China e outros. Segundo o site BBC Brasil, ‘a influência da China no mundo é vista como mais positiva que a dos EUA por 48% dos entrevistados’:
– No Brasil, 53%.
É preciso lembrar, sempre, que a China é uma ditadura.
… negativa
Mas nem todos vêem a China como uma dádiva.
No ‘Miami Herald’, ontem, ‘grupos ecológicos dizem que o apetite da China por madeira pode estar contribuindo para o comércio ilegal e afetando o ambiente’.
Entre os mais atingidos, Brasil, Indonésia e Rússia.
Grande estilo
A reportagem especial de fim de semana da agência AP, lida no site do ‘Los Angeles Times’ e outros, destacou não a China, mas a Espanha:
– Espanha investe com força no Brasil.
Falou das visitas do príncipe e do primeiro-ministro, relatou inversões, ouviu especialistas, para fechar prevendo:
– O investimento espanhol será subjugado nos próximos anos pelo da China, que entrará em grande estilo.
Cosmonauta
Que China, que nada.
O site do russo ‘Pravda’ deu ontem que Rússia e Brasil negociam enviar um brasileiro ao espaço no ano que vem:
– O primeiro cosmonauta brasileiro.’
***
‘Condi e José Dirceu’, copyright Folha de S. Paulo, 4/03/05
‘Agências internacionais e a Globo, que segue José Dirceu há dias pelo mundo, deram que a Alca foi destaque na conversa do ministro com a secretária de Estado, Condoleezza Rice, na ‘photo-op’ de ontem em Washington.
O porta-voz da secretária dos EUA relatou no site do Departamento de Estado que ‘a Alca certamente veio à tona’, mas que a conversa abordou ‘um monte de coisas’.
Para começar, discutiram o encontro entre América Latina e Oriente Médio, que vem aí, no Brasil -e ‘ficou claro como é importante, para nós e para o Brasil, a reforma democrática’ nos países árabes.
Mas havia algo mais significativo, ‘eu estou esquecendo algo grande’, observou o porta-voz. Ele checou as notas:
– Deixe-me ver… Eles falaram sobre o Haiti. E falaram sobre a relação entre os Estados Unidos e o Brasil, que tem sido muito próxima e como nós estamos trabalhando bem. Não apenas entre as nações, mas entre os dois presidentes.
Pelo jeito, parou por aí.
Quanto à Alca, destacada no Jornal Nacional, o porta-voz de ‘Condi’ procurou deixar claro que não é para já.
OUTRAS INFLUÊNCIAS
SORRISOS Prosseguia ontem, em jornais sul-americanos como o ‘Página 12’, a repercussão do encontro -e da sorridente concordância- entre Lula, Néstor Kirchner e Hugo Chávez
Sem os EUA, outros vão tomando a iniciativa na América Latina. Ontem o ‘Financial Times’ noticiou que a Espanha de José Luis Zapatero está organizando um encontro com o brasileiro Lula, o venezuelano Hugo Chávez e o colombiano Alvaro Uribe, até o final deste mês, para coordenar ‘o combate ao terrorismo’ na Amazônia -e na Colômbia em particular.
Por outro lado, o ‘Miami Herald’ destacou ontem um estudo elaborado pela academia de ciências da China, ‘Reformas Econômicas em Cuba, na Perspectiva Chinesa’, que aponta ‘o que Cuba pode aprender com a China’. Entre outras lições: ‘o mercado pode também servir ao socialismo’; ‘a liderança cubana poderia ser mais liberal e corajosa em áreas como a abertura [comercial] para o resto do mundo’; e ‘é necessário deixar algumas pessoas se tornarem ricas’.
Patrimônio
Já não vai bem a imagem do Congresso, sob o comando de Severino Cavalcanti.
E ontem o site Congresso em Foco entrou na rede com novo levantamento detalhado sobre ‘a evolução patrimonial dos parlamentares’. Os eleitos no ano passado ‘tiveram aumento patrimonial de até 233%’.
A quem produz
O ministro Antônio Palocci apostou que os números ainda vão dizer que a carga tributária não aumentou em 2004.
Já o pefelista Cesar Maia faz da aposta contrária a sua bandeira, em novos comerciais. Em início de campanha, ele já promete ‘diminuir o peso dos impostos sobre quem produz’.
NOVOS PROBLEMAS
‘O ministro Antônio Palocci deve se sentir agora como alguém que diz eu-não-falei’, escreveu ontem a revista ‘The Economist’. Afinal, sua tão criticada política fiscal ‘nocauteou a inflação em 2003 e entregou depois um crescimento de 5,2% no ano passado’:
– Mas o sucesso apresentou novos problemas e novos críticos a Mr. Palocci.
A nova crítica é que agora ‘a política orçamentária está fazendo pouco para conter a demanda e a inflação’, o que leva a uma taxa de juros alta demais.
A ‘Economist’ concorda, ‘desta vez os críticos estão certos’, e aponta o dedo para ‘o chefe de Mr. Palocci, presidente Lula’, que elevou ‘os gastos do governo em 11% no ano passado’. E agora, diz a revista ultraliberal, ‘ele vai elevar o salário mínimo para R$ 300 (US$ 115)’, aumentando o custo da Previdência.’
***
‘Quem manda?’, copyright Folha de S. Paulo, 3/03/05
‘Os americanos não querem esquecer Dorothy Stang. Dia após dia, é possível ler sobre a missionária em algum site do país, sobretudo em páginas católicas.
É o caso do ‘Catholic Herald’, que destacava anteontem um missa em memória de Stang na Virgínia, ou do ‘National Catholic Reporter’, que veiculou ontem editorial dando a freira como ‘exemplo’ para os fiéis americanos:
– Irmã Dorothy nos chama a uma cristandade mais robusta.
Mas o editorial que mais conta, de ontem, é o do ‘New York Times’, que obteve repercussão durante todo o dia por aqui, na Globo, Jovem Pan etc.
Sob o título ‘Os assassinos da irmã Dorothy’, o principal jornal americano e mundial elogia respeitosamente a freira ‘nascida em Ohio mas uma brasileira naturalizada’.
Como destacou a Globo, para o ‘NYT’ o assassinato deve ser entendido como recado dos grileiros de terra ao governo do Brasil -de que eles é que ‘mandam’. O governo até que ‘reagiu com determinação’…
– Mas resta ver se é forte o suficiente para provar que os grileiros estão errados.
OS TRÊS E A DÍVIDA
Por aqui, até que rendeu uma ou outra manchete nos telejornais, mas foi na Argentina que ecoou mais o trio Lula, Néstor Kirchner e Hugo Chávez.
Foi estridente manchete, com foto, tanto no ‘Clarín’ como no ‘La Nación’, sempre com destaque para frases de Kirchner, que se juntou ao brasileiro e ao venezuelano no discurso pela unidade sul-americana.
O presidente argentino anunciou um ‘novo ambiente’ em meio a enunciados como ‘Kirchner, Lula e Chávez se unem sobre a dívida’. É talvez o ponto mais significativo. Segundo o chanceler argentino, tanto Lula como Chávez expressaram ‘reconhecimento’ à recente renegociação de seu país, encerrada com sucesso, e manifestaram ‘muito interesse em conhecer os detalhes’.
O QUE FAZER
O ‘Wall Street Journal’ é mais um diário americano a tratar o uruguaio Tabaré Vázquez como parte da ‘nova geração de esquerdistas pragmáticos’ na região. Eles ‘esperam combinar objetivos da esquerda com uma apreciação pelo frio cálculo econômico’.
Por enquanto, avalia o jornal, a ‘nova geração’ (dos já avançados Lula, Kirchner etc.), em sua ‘nova tradução para ‘esquerda’, se caracteriza por controle dos gastos públicos e abertura comercial. É ‘o mesmo’ que faziam seus antecessores de ‘centro-direita’.
O que surge como ‘diferente’ é o ‘papel maior para o Estado no desenvolvimento industrial’ e ‘o gasto maior com os pobres’. E o que falta para os dois lados, direita e esquerda, desde a redemocratização, são coisas como melhoria da educação e rigor na ‘política antitruste’.
Contra Severino
Severino Cavalcanti começou a perder. Na manchete de Boris Casoy, na Record:
– O presidente do Senado recusa manobra para dar aumento aos deputados.
Enunciado da Folha Online:
– Severino quer aumento sem votação. Senado discorda.
Palmas para Renan Calheiros, por todo lado. Mas o JN vai esperar para ver. Sua manchete:
– Deputados buscam um atalho para o aumento dos próprios salários.
Cargos, cargos
Se não rolar aumento, resta a Severino a pressão sobre o Poder Executivo. Na Globo News, ele garantiu que ‘não tem nada a ver uma coisa com a outra’ -a reforma ministerial e sua demora em apreciar o pedido de processo contra Lula.
Mas lá estava Aloizio Mercadante, na Folha Online:
– PT admite ampliar espaço para os aliados na reforma.
Falou em um ministério, mas, segundo Casoy:
– O PP de Severino quer dois.
Socorro
Do Rodoanel ao metrô, Geraldo Alckmin tem culpado para os problemas financeiros de São Paulo: o BNDES. No domingo, um noticiário regional da Globo mostrou protesto contra a situação na Cesp, durante inauguração no interior.
Alckmin reagiu cobrando ‘recursos do BNDES’, lá também. Ontem, foi a manchete do ‘Valor Econômico’:
– Alckmin negocia operação socorro para a Cesp.
No intervalo do JN, ontem, lá estava o presidenciável em novo comercial, dizendo que ‘baixou impostos’ porque é seu estilo.
Nas ruas
Começam a pipocar cenas de protestos de rua. Foi até manchete no Jornal da Band:
– Sem-teto enfrentam polícia durante invasão de conjunto habitacional em Belém.
E mais: o ministro Gilberto Gil sugeriu e, segundo o site da Agência Estado, milhares de estudantes ligados à UNE fizeram passeata em São Paulo. Por verbas para a cultura.’
***
‘Cor-de-rosa’, copyright Folha de S. Paulo, 2/03/05
‘‘Dia histórico’ era como descreviam a posse do uruguaio Tabaré Vázquez, ontem, da Globo ao site do uruguaio ‘El Observador’.
Não foi muito diferente no ‘New York Times’ de Larry Rohter, no ‘Los Angeles Times’, no ‘Miami Herald’, no britânico ‘Independent’, no francês ‘Le Monde’, no espanhol ‘El País’ etc.
Nos EUA, o ‘NYT’ falou em ‘clara ruptura com o passado’ -com ‘grande simbolismo para a região’, pois ‘consolida o que se tornou o novo consenso de esquerda’ na região:
– Não é tanto maré vermelha, mas cor-de-rosa, em que o socialismo doutrinário é menos influente do que o pragmatismo. Uma mudança importante, que torna este momento político decididamente novo.
O ‘Los Angeles Times’ avaliou na mesma direção:
– A América Latina desafia os velhos rótulos. No Uruguai e outros, a etiqueta ‘esquerdista’ não tem mais sentido.
Na Europa, a avaliação não foi tão cor-de-rosa, ao menos não de modo tão uniforme.
Para o articulista do ‘Independent’, a posse do uruguaio, ao lado de tantos líderes da ‘nova onda’, ‘simboliza a minguante influência dos EUA’:
– Washington não pode fazer nada além de olhar e ranger os dentes em fúria impotente.
Já o ‘Le Monde’, além da longa cobertura, incluindo uma reprodução do site Carta Maior, deu análise de um ex-líder da guerrilha salvadorenha.
Segundo Joaquin Villalobos, a esquerda latino-americana vive um ‘debate crucial’ entre as correntes ‘pragmática’ (Lula, Néstor Kirchner) e ‘religiosa’ (Hugo Chávez, Fidel Castro). A segunda, no seu entender, é uma ‘doença da esquerda’.
O EXEMPLO CHINÊS
O ‘NYT’ de ontem se mostrou temeroso com o avanço da China na América Latina. Fez longa reportagem sobre a ‘diplomacia chinesa do petróleo’, em acordos com Venezuela, Brasil e até Colômbia. De um republicano:
– Os chineses estão aproveitando que nós não damos atenção como deveríamos para a América Latina.
Não é só o ‘NYT’. O ‘Miami Herald’ enviou o colunista Andres Oppenheimer à China. Ele voltou para avisar, anteontem, que ‘o sucesso chinês pode confundir os líderes latino-americanos’. Ele defende o ‘grande exemplo econômico’, mas teme pelo exemplo político.
Em outra direção, o ‘Wall Street Journal’ noticiou há uma semana que cresce entre economistas latino-americanos, até entre os que não se alinham à esquerda, a reação à ‘ortodoxia do livre mercado’ -que, dizem, ‘cega para o grande papel que os planejadores governamentais jogaram no sucesso da China, Coréia do Sul e Taiwan’.
Na mão 1
Na Câmara, Severino Cavalcanti, segundo a Folha Online, ‘adiou a decisão sobre a denúncia contra Lula’.
No Senado, Renan Calheiros ‘adiou a definição sobre convocar José Dirceu para explicar declarações de Lula’.
Ato contínuo, também na Folha Online, mas como manchete do site noticioso:
– Aloizio Mercadante confirma que Lula vai anunciar a reforma ministerial a partir da próxima semana.
Na mão 2
Título do ‘Financial Times’:
– Brasil cresce na maior taxa em uma década.
Do ‘Wall Street Journal’:
– O crescimento do Brasil é o maior em dez anos.
Mas o ministro da Fazenda nem comemorou direito. Na Globo, fez um apelo:
– Eu tenho certeza que o presidente Severino Cavalcanti, que o presidente Renan Calheiros terão isso [crescimento] como prioridade. Agora é hora de trabalhar para o Brasil.
C-Span/Reprodução
AMIGO Chegou à web a palestra que FHC fez há dias em Washington, a convite de Henry Kissinger. O ex-presidente agradece a presença do ex-secretário, a quem chama de ‘meu velho amigo’: 0- Sua produção acadêmica só encontra paralelo na contribuição à política externa dos EUA, ajudando a mudar o mundo, especialmente nos anos 70.’
FSP
CONTESTADAPainel do Leitor, Folha de S. Paulo
‘Cartas de Leitores’, copyright Folha de S. Paulo
‘5/03/05
Abuso sexual
‘Com o devido respeito, a opinião da colunista Barbara Gancia (‘Nos EUA, brincar de médico pode dar 20 anos de cana’, Cotidiano, 4/3) contraria a Constituição da República, os tratados internacionais ratificados pelo Brasil e o Código Penal brasileiro e pode levar os leitores do jornal à nociva conclusão de que molestar sexualmente uma criança ou um adolescente, desde que não os ‘estupre, maltrate ou surre’, é uma conduta socialmente permitida. Convém lembrar que o art. 224, alínea ‘a’, do Código Penal brasileiro estabelece que, nos crimes contra a liberdade sexual, presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos. Em outras palavras, não há a necessidade de algum ato de violência física contra a criança menor de 14 anos para definir a conduta do agente como criminosa: é suficiente, para nosso direito, que o molestador tenha praticado conduta de natureza sexual contra a vítima menor para que incorra ele nos tipos descritos no Código Penal (especialmente o art. 213 e o 214). Tal presunção ocorre porque nossa ordem jurídica, à semelhança das legislações da maioria dos Estados ocidentais, entende que uma criança não possui plena capacidade de compreensão do ato sexual, de sorte que seu consentimento, ainda que exista, não é relevante para afastar a conduta criminosa do agressor. Convém lembrar ainda que o art. 227 da Constituição da República determina ser ‘dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’ e que o parágrafo 4º do mesmo artigo estabelece que ‘a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente’. Dispositivos semelhantes podem ser encontrados na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 20/9/1990. Salta aos olhos a opinião preconceituosa da articulista, que, sem conhecer com precisão os fatos apurados na ação penal ajuizada em face do compositor Michael Jackson, conclui apressadamente que o réu estava apenas ‘brincando de médico’ com um ‘rapagão (sic) de 13 anos’. Por certo, tem a jornalista o direito constitucional de expressar livremente a sua opinião acerca do processo, ainda que não o conheça. Todavia o texto por ela subscrito está muito próximo da irresponsável defesa da violência contra crianças e adolescentes na medida em que, contrariando o que dispõe a legislação brasileira acerca do assunto, advoga a tese equivocada de que só há molestamento sexual quando a criança for ‘estuprada, maltratada ou surrada’. Poderia a jornalista, antes de escrever o infeliz artigo, consultar profissionais que lidam cotidianamente com situações de abuso sexual doméstico ou ainda indagar a opinião de seu colega de periódico, o jornalista Gilberto Dimenstein, que há anos vem lutando para o efetivo reconhecimento dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil.’ Sergio Gardenghi Suiama , procurador regional dos Direitos do Cidadão (São Paulo, SP)
4/03/05
Poli
‘O articulista Demétrio Magnoli utilizou seu espaço de ontem na Folha para publicar artigo no qual acusa de forma leviana o projeto Cursinho da Poli. Seria honesto e transparente informar aos leitores que é casado com uma professora licenciada do cursinho e amigo pessoal de um dos quatro professores demitidos da instituição. Toda a sua linha de raciocínio se baseou no rancor de ambos com essa decisão administrativa. Seria também ético que tivesse procurado o cursinho antes de publicar o seu texto. Estaria mais bem informado antes de usar um veículo de circulação nacional para defender o seu grupo de relacionamento pessoal. O Cursinho da Poli está encaminhando ao ombudsman respostas para todas as acusações feitas pelo articulista. E reafirma o seu compromisso com a inclusão social e cultural da juventude, que pode ser medido pelos mais de 60 mil jovens atendidos pela instituição apenas nos últimos cinco anos.’ Maria do Carmo Fernandes, assessora do Cursinho da Poli (São Paulo, SP)
Resposta do colunista Demétrio Magnoli – A privatização de instituições ligadas à universidade pública por um grupo de interesses privados com altas conexões políticas é assunto de interesse público. Ao contrário dos autonomeados curadores vitalícios do Cursinho da Poli, separo a esfera pública do interesse privado. Por isso escrevi sobre o assunto, mesmo que a coluna ponha em risco o emprego de minha esposa. Em tempo: não tenho amigos pessoais no quadro docente do Cursinho da Poli nem entre os demitidos.’
CRISES DE IMAGEM
‘Tsunamis, incêndio e crises de imagem’, copyright revista Imprensa, março de 2005
‘Os tsunamis que varreram oito países da Ásia e parte da costa África, um dia depois do Natal de 2004, respingaram nas imagens de George W. Bush e Kofi Annan. Cinco dias depois da devastação das águas asiáticas, foi à vez das chamas e da fumaça, causadas por um incêndio em uma discoteca, em Buenos Aires, chamuscarem a imagem do presidente argentino Néstor Kirchner. O motivo que ocasionou umidades e queimaduras nas imagens desses políticos foi à demora em aparecerem em meio à comoção causada pelos desastres. A explicação para a morosidade: todos estavam gozando as suas folgas de final de ano.
Os terríveis acontecimentos do final de 2004 transformaram internacionalmente a catatonia em um comportamento político padrão. Os motivos que levaram a essa inércia diante dos brutais desastres dificilmente serão conhecidos. Então sobram as especulações, que começam com a suposição de carência de bons conselheiros, munidos de informações precisas, que desenhassem para essas personalidades a dimensão das catástrofes, para os países atingidos, negócios e as relações públicas governamentais. E continuam com o rumor de que predominou, no caso de Bush, o desinteresse pelo que ocorre no quintal dos outros. Principalmente se os países forem constituídos de gente com pele amarela e religião inimiga. Essas divagações no caso do presidente norte-americano colam bem, pois o seu currículum vitae mostra que os seus conselheiros não detinham informações consistentes sobre as armas químicas de Sadam Hussein. Néstor Kirchner como bom estancieiro talvez não goste de roqueiros e nem de ajuntamento humano.
O importante nos fatos apontados acima é a constatação que os indicadores de imagem dos políticos, isso vale também para os empresários, ficam ao sabor das percepções das massas, dos inimigos políticos, concorrentes, e jornalistas amuados. Quando o negócio é imagem, percepção é quase tudo. O pragmatismo dita, então, que é melhor parecer do que ser.
Líderes políticos e empresariais, em situações em que a casa caiu, inundou ou está pegando fogo precisam estar no olho do furacão, que no mundo atual são as câmeras de televisão, munidos com discursos que expliquem rapidamente alguma coisa, descrevam providências e prometam ajudas. Tudo isso devidamente registrado e embalado com sobrevôos seguros de helicópteros, capas de chuva, botas de borracha e doações emergenciais de dinheiro, comida e roupas secas. Não seguir esta receita é estar sujeito a todo tipo de adjetivo pesado.
Muitos vão rotular esse kit de sobrevivência política de cinismo. Outros vão ver nesse teatro escrito em letra de imprensa e imagem uma aplicação atualizada das recomendações de Maquiavel: hoje, O príncipe é eletrônico, além da virtù e da fortuna, ele tem que se equipar de bons conhecimentos sobre comunicação e a gestão de crises.
O mundo real tem se mostrado um ninho de eventos espetaculares. E os exercícios da política, do marketing e das relações públicas modernas têm os espetáculos como um dos seus principais componentes. Lembrem-se do 11 de setembro, orquestrado pelo midiático Bin Laden. No entanto as manipulações comunicacionais esbarram em limites, como em casos de mega-desastres naturais, exemplificados em impactos de asteróides na Terra, mudanças climáticas produtoras de línguas de água e fogo infernais, coisas que lembram a imagem bushiana-protestante do Armagedon. Nesses casos, os manuais e comitês de crise, midiatrainings, especialistas em relacionamento com imprensa e bons consultores de imagem só parecem funcionar mesmo nos filmes de Hollywood.
*Paulo Nassar – Professor da ECA-USP e presidente-executivo da ABERJE (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial).’
COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
‘O valor da verdade e do diálogo’, copyright Folha de S. Paulo, 4/03/05
‘A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que ameaça.
Rui Barbosa
A comunicação integrada é fundamental para a criação de valor perene para a organização. Isto é condição importante porque na atualidade os públicos percebem as organizações por qualquer uma das suas vertentes comunicacionais, não só pela comunicação mercadológica.
Paulo Nassar, presidente executivo da Aberje.
São dois novos livros que giram em torno do jornalismo e da comunicação, ambos leitura obrigatória. Um, Rui Barbosa e o dever da Verdade, escrito em 1920, muito citado e pouco conhecido, mas que só agora, depois de quase 85 anos, alcança a quarta edição graças ao patrocínio da Caixa Econômica Federal. O outro é Comunicação interna, a força das empresas, tema atualíssimo, que chega às livrarias esta semana, com o selo Aberje, entidade que reúne cerca de mil empresas privadas e públicas, mais agências de comunicação empresarial.
Rui, no dizer de Sílvio Romero, foi ‘o escritor que dominou intelectualmente a sua época’, comparável pela qualidade e multiplicidade dos seus escritos a Victor Hugo. Advogado, jurista, diplomata, orador, jornalista, escritor, deputado e estadista que disputou por quatro vezes a presidência da república, esse baiano insigne, nascido em novembro de 1849 foi ao longo dos seus 74 anos de vida um intransigente defensor da liberdade. As suas realizações trazem a marca da oposição aberta e permanente às oligarquias que dominavam o País – e infelizmente continuam a dominar, em larga medida – na nas últimas décadas do século 19 e nas primeiras décadas do século 20. Entre as suas muitas tribunas, a imprensa foi uma das mais eficazes.
Fora da lei não há salvação
O autor da Oração aos Moços, iniciou-se na imprensa, profissionalmente, no Diário da Bahia, em 1872, dois anos depois de diplomar-se bacharel em direito pela Faculdade de São Paulo e passados três anos do seu engajamento na campanha abolicionista. Por aquela época, 1869, já revelava o seu pendor para o jornalismo redigindo o Radical Paulistano, órgão do então Partido Radical. Seus escritos defendiam o negro contra o senhor, sem meias palavras. No Diário da Bahia trabalhou por oito anos. Empunhou as bandeiras da abolição, do voto direto e das reformas liberais. Era como escreveu mais tarde ‘um dos mais sobrecarregados, um dos escalados para ocasiões e missões mais árduas’. Às vezes, escrevia sob pseudônimos -Swft, Lincoln, Salisbury.
Não poupava os conservadores. Projetou-se como polemista e como libertário. Disse José do Patrocínio, em 1885: ‘ Deus acendeu um vulcão na cabeça de Rui Barbosa.’
Mas no seu manifesto à nação, divulgado na imprensa após a deposição de Dom Pedro II, o vulcão-Rui não hesitou em assinalar: ‘ Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação. Eu ouso dizer que este é o programa da República’. O seu período áureo na imprensa foi justamente nos primeiros anos da República quando dedicou todo o seu talento à causa de tornar a Constituição um documento vivo, não uma letra morta a existir apenas no papel.
Escrevia no Diário de Notícias. Nos seus editoriais denunciava a republicanização da Monarquia ‘porque não há monarquia compatível com a liberdade, se não for essencialmente republicana.’ Cedo compreendeu que a cegueira dos monarquistas levaria o Brasil à República. Cedo se deu conta que com a República tudo mudou para que nada mudasse.
Foi assim, pela palavra, pela força dos argumentos, pelos seus ‘maravilhosos artigos, profundos pela erudição, cintilantes pela forma, atraentes pelos assuntos’, no dizer de Elmano Cardin, que Rui tornou-se o Jornalista da República. O livro A imprensa e o dever da verdade, escrito quando ele estava com 71 anos, registra esta singular e original experiência. A verdade, para Rui Barbosa, estava na liberdade da sociedade, na liberdade de expressão. Os males da imprensa serão curados pelas suas virtudes, argumentava do alto da sua sabedoria. Ou, como afirmou certa vez: ‘A justiça pode impacientar-se, porque é precária. A verdade não se impacienta, porque é eterna.’
Discurso e ação
Se o livro de Rui Barbosa aborda as complexas relações da imprensa com a verdade, o livro da Aberje, não é exagero afirmar, trata do mesmo tema, a verdade com relação à sociedade, sob o ponto de vista das empresas. Trata-se, na realidade, de um segundo volume a abordar a comunicação interna, desta vez com cases de empresas como o banco Itaú, Companhia Vale do Rio Doce, General Motors, grupos Gerdau e Odebrecht, a Portugal Telecom, Petrobras,Votorantim e a Sabesp.
Um case que chama atenção é o da Açominas, do grupo Gerdau. De texto leve, criativo, de autoria do jornalista José Eustáquio de Souza, mostra como a força da equipe bem informada e motivada conseguiu o que parecia impossível: em apenas um ano atingir e superar as metas previstas para três anos. Show de bola, como diz o título do case.
Um segundo case que prima pelo ineditismo é o da Odebrecht, escrito por Márcio Polidoro.Conta como o patriarca da empresa, Norberto Odebrecht, um homem refratário a exposições públicas, aos quase 70 anos, encarou o desafio de tornar-se protagonista de um comercial veiculado em todo o País, em rede de televisão, no horário nobre, para homenagear funcionários com 25 anos na empresa. Foi ao ar quando o milésimo integrante dos quadros da Odebrecht completou 25 anos de trabalho.
Dizia o anúncio, na voz de Norberto: ‘Na Odebrecht a principal tarefa de cada geração é a educação qualificada da geração seguinte, oferecendo tempo, presença, experiência e exemplo. Isto é o que viabiliza a renovação permanente e o crescimento sustentável.’ Se tratava, portanto de uma iniciativa que enfatizava o valor humano, hoje muito em foco nas corporações.
Existem muitas novidades nesse segundo volume de Comunicação interna, da Aberje. Por exemplo, é crescente o número de empresas onde a teoria e o conhecimento acadêmico vem se transformando em prática. Testemunha dessa realidade é o case assinado por Paul Edman de Almeida, de Habermas a Porter, tendo como pano de fundo a experiência da refinaria Henrique Lage, da Petrobras. Todo o arcabouço da comunicação foi inspirado em Jurgen Habermas e Michael Porter, autoridades no planejamento estratégico e no conceito de comunicação participativa.
A proposta do livro, coordenado por Paulo Nassar, que é professor da Universidade de São Paulo e presidente executivo da Aberje, pode ser ilustrada com uma frase de um dos autores. Diz Amauri Marchesi: ‘ O discurso empresarial não pode ser diferente da ação.’
Faces de uma mesma moeda
A verdade de Rui Barbosa e a verdade das organizações coletadas pela Aberje se complementam por uma razão cada vez mais evidente. O trabalho da imprensa e a ação das empresas estão intimamente ligados à vida da sociedade e ao exercício da cidadania.
A imprensa vem sendo muito questionada quanto aos seus paradigmas. Contudo, continua sendo, como foi nos dois últimos séculos, o escudo de defesa do cidadão. Como nos tempos de Rui Barbosa, vive-se um momento de grande transição no Brasil. Assim, a liberdade de expressão e a busca da verdade, em suas múltiplas formas, a começar pela verdade factual, é um fator de dinâmica renovação. Isto é que faz a atualidade do livro A imprensa e o dever da verdade.
Por outro lado, as empresas estão aprendendo que a comunicação é um capital. Intangível, mas um capital. Se a comunicação interna falha, esse capital, tão valioso quanto os ativos tangíveis – máquinas, dinheiro em casa, etc… – é desperdiçado e perde-se terreno, perde-se mercado, perde-se credibilidade e reputação. Essa forma de ver é que faz a atualidade do livro editado pela Aberje.
Juntos, os dois livros refletem faces diferentes de uma mesma moeda: a transparência. Se a imprensa degenera, como afirma Rui Barbosa, o país torna-se cego. Se a empresa degenera, é porque seus lideres tornaram-se cegos. Nos dois casos, é certo que o cidadão irá reagir e restaurar os princípios dessa divindade tão preciosa e tão temida que é a verdade.’