Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Newton Carlos

‘Um desses veteranos nostálgicos costuma dizer que o jornalista se conhece pela sola do sapato. Se está gasta, é bom, corre atrás. O jornalista da Folha João Batista Natali, que acaba de lançar o livro ‘Jornalismo Internacional’, atualiza este conceito. Ex-editor de Mundo e ex-correspondente da Folha em Paris, são 37 países carimbados no passaporte.

Natali é de tempos de pioneirismo,quando os correspondentes martelavam máquinas de escrever e em geral dependiam de digitadores de telex.

Como não havia essa nova pulsão na vida do jornalista, a de ficar de olhos pregados na tela do computador, não faltavam, a quem quisesse, horas de boa recreação. Como pegar um trem em Paris só para ir à ópera de Estrasburgo, o que Natali fazia com freqüência, já que inexistiam celulares.

Estamos, portanto, na companhia de alguém muito especial, a nos conduzir pelo que me parece ser uma pequena (mas interessantíssima) história do jornalismo em seu espaço internacional. Com ampla abrangência, apesar de encaixada em cento e poucas páginas.

‘Jornalismo Internacional’, suponho, tem sua origem mais remota na experiência de Natali como correspondente na França, onde o jornalista chegou numa época em que a imprensa brasileira despertava para a necessidade de encarar com nossos olhos o que se passa no mundo.

Não se trata de manual de jornalismo, embora possa parecer nas partes em que Natali decreta o fim dos monoglotas e do redator só redator, que também não seja um bom apurador.

O livro traça o percurso do jornalismo internacional desde a newsletter, citada como primeira manifestação deste campo de atuação da imprensa, até esse confuso bazar de ‘conteúdos’ da internet.

Atualmente, tempo em que a informação tornou-se um bem público e circula à vontade, o acesso a ela foi franqueado, e há quem diga que isso esvazia sobretudo as páginas de ‘mundo’. A vacina contra este mal, nos ensina Natali, seria um bom jornalismo, impresso ou não, de ‘qualificação diferenciada’, tendo à frente ‘imensas possibilidades’.

Sabe-se que quase não há jornalismo internacional nos currículos das escolas de comunicação. Por isso, o livro de Natali se torna ainda mais valioso. A dissertação sobre a notícia é, em si só, uma aula.

Entre algumas informações históricas, Natali nos conta que o jornalismo internacional foi instrumento de divulgação, e de injeções de medo, durante a Revolução Francesa e que o ‘New York Herald’ foi o primeiro jornal americano a declarar-se apartidário. Acrescento que os jornais americanos têm como norma apoiar candidaturas.O papel vergonhoso da imprensa na cobertura da guerra do Iraque, recheado de autocríticas, merece um livro à parte.

Natali cita no livro o fato de as agências de notícias terem dado viabilidade econômica ao jornalismo internacional. No entanto, há pontos sobre os quais acho que é bom falar. Elas têm uma história de subsídios oficiais e, de imediato, trataram de ajustar-se à ordem colonial por meio de divisões de áreas de atuação. A agência Reuters, inglesa, plantou-se mais nas regiões de maior influência da Inglaterra. A France Presse, francesa, fez o mesmo em relação ao colonialismo francês.

Em 1946, terminada a guerra, os Estados Unidos, assumindo a condição de potência mundial, soltaram por meio do Departamento de Estado o famoso memorando exigindo ‘liberdade de informação’. Queriam mais espaço para as agências americanas.

Quarto poder? Poder da informação? Ou poder de manipulação? A imprensa empurrou os Estados Unidos para a guerra contra a Espanha em solo cubano. Campanha que nos remete à de agora, contra o Iraque, apesar de feita em termos mais grosseiros.

Em ‘Jornalismo Internacional’, é mencionada a resistência da Rússia e da China diante do poder de veto da França no Conselho de Segurança da ONU, reunido em 2003 para decidir se aprovaria ou não a guerra contra o Iraque. Aproveito para falar que o governo Bush se contentaria com maioria simples de votos no Conselho.

Ele é constituído de cinco membros permanentes com direito a voto e veto e dez não permanentes, com direito a voto. Uma resolução aprovada, embora vetada, seria pelo menos uma vitória ‘moral’ para Bush. Faltava apenas um voto. As pressões foram enormes em cima de Angola e Chile, na época membros não permanentes do conselho. Telefonemas pessoais de Bush. Promessa de tapete vermelho em Washington ao presidente angolano. Os dois países não cederam, e nem maioria simples Bush conseguiu. Resistência histórica, é preciso que seja lembrado. Um bom fecho para um texto sobre jornalismo internacional.

Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais

Jornalismo Internacional Autor: João Batista Natali Editora: Contexto Quanto: R$ 23,90 (128 págs.)’



FOTOJORNALISMO
Luiz Carlos Merten

‘Em discussão nas telas, o fotojornalismo e a arte’, copyright O Estado de S. Paulo, 6/08/04

‘Henri Cartier-Bresson, o grande fotógrafo francês que morreu na segunda-feira, foi lembrado no debate que se seguiu à exibição de Evandro Teixeira – Instantâneos da Realidade, terça-feira à noite, no Espaço Unibanco de Cinema. O evento promovido pelo Instituto Livre de Jornalismo, o Ijor, reuniu o diretor Paulo Fontenelle e seu cinebiografado com diversos convidados para discutir o tema do fotojornalismo brasileiro.

Cartier-Bresson foi citado porque Teixeira é do time dele – o repórter fotográfico do Jornal do Brasil é hoje reconhecido como um grande artista da fotografia, com direito a exposições (no exterior) que celebram seu gênio.

Instantâneos da Realidade estréia hoje na cidade. é um documentário que merece ser visto, embora a ressalva deva ser feita imediatamente – é pequeno para personagem tão imenso.

O diretor Fontenelle – que tem outro documentário, Sobreviventes – Os Filhos da Guerra de Canudos, selecionado para o Festival de Gramado, que começa no dia 16 – até que percebeu a armadilha e tentou contorná-la. Documentários hagiográficos, popularmente chamados de chapa branca, sobre grandes personagens, tornam-se muito aborrecidos. A gente fica ouvindo todos aqueles figurões do jornalismo dizerem quanto Evandro Teixeira é maravilhoso. é verdade, mas tanta mistificação é desnecessária e até prejudicial. Teixeira é incensado porque aos 60 tem, no exercício da profissão, o entusiasmo de um garoto de 20. Mas não é assim que tem de ser? E ele próprio diz que o buraco da esquina deve ser tão estimulante para o repórter fotográfico quanto as grandes reportagens. é uma bela verdade, mas há quanto tempo você não vê Evandro clicar para fotos de buracos na esquina?

A importância desse homem foi (e ainda é) muito grande. Você pode acreditar quando aqueles editores dizem que a excelência de Teixeira desequilibra as grandes coberturas e cria problemas para seus colegas repórteres fotográficos. Ele vem dos anos da repressão – no Brasil, no Chile. Clicou as convulsões que atingiram a sociedade brasileira nos anos 1960, o horror que se seguiu ao golpe militar que colocou o general Augusto Pinochet no poder.

Acompanhou Luiz Inácio Lula da Silva na sua caravana pelo Brasil, quando o hoje presidente disputava o posto com Fernando Collor de Mello. Teixeira é sincero – diz que aquela viagem mudou sua vida. Deu-lhe uma percepção mais profunda do País. é quando o filme fica interessante e o diretor descobre o tema que lhe dá relevância – é o olhar de Teixeira sobre Canudos, 100 anos após o Conselheiro, e o que ele revela sobre o Brasil atual. O novo documentário de Fontenelle também nasce daí.

Há coisas que são discutíveis, para dizer-se o mínimo. Na série de fotos sobre Paraty, o jornalista Fritz Utzeri comenta a capacidade de Teixeira de dar múltiplos significados a uma imagem. Escolhe aquele casal e diz que é o casamento do jeca com a jeca. é uma foto de uma singeleza e de uma tristeza exemplares. São freaks – criaturas pobres, desajeitadas e feias -, mas de uma humanidade que poderiam motivar o Werner Herzog da grande fase a fazer um filme quem sabe dilacerante. A arte de Teixeira é aí impecável. O filme é que tropeça. O comentário mais a imagem – Utzeri diz que aquelas pessoas não têm futuro, não têm horizonte – provocou uma onda de riso na platéia do Espaço Unibanco. Riam de quê? Não era com aquelas criaturas sofridas, era delas. Um pouco depois, em Canudos, surgiu a foto da sertaneja seguida de um bando de crianças, todos com latas d’água na cabeça. Digamos que as pessoas ali também não têm muito futuro, muitos horizontes, mas o tom grave da música, a ausência de comentário induzem à reflexão. E depois dizem que Michael Moore é o manipulador. Ele é, mas com certeza não é o único documentarista a fazê-lo.

Evandro Teixeira falou no seu projeto atual. Em 1968, ele fotografou a passeata dos 100 mil que protestavam contra a ditadura, pedindo liberdade para o povo. Teixeira está procurando as pessoas da foto porque quer hoje, 36 anos depois, reuni-las para descobrir quem eram, o que queriam e o que restou de seus sonhos de juventude. é um projeto pelo qual recebeu a Bolsa Vitae. Poderá sair daí uma nova foto – nós que amávamos tanto a revolução.

Você poderá participar desse projeto acionando o site www.evandroteixeira.net. Se for internauta, você pode navegar no site (e suas imagens). Se for cinéfilo, veja o filme para compreender por que ele talvez seja mais interessante pelos defeitos do que pelas qualidades, que – não há por que ser radical – também possui.’



Eder Chiodetto

‘Documentário sobre fotógrafo tem mais exaltação que informação’, copyright Folha de S. Paulo, 6/08/04

‘Entra hoje em circuito comercial o documentário ‘Evandro Teixeira – Instantâneos da Realidade’, que narra em 76 minutos um pouco da vida e obra de Evandro Teixeira, 69, repórter-fotográfico do Jornal do Brasil que, ao longo de 37 anos, vem construindo uma das carreiras mais notáveis entre os fotógrafos de imprensa no Brasil.

Com roteiro e direção de Paulo Fontenelle, ‘Instantâneos’ se baseia em uma série de depoimentos de familiares, amigos e pessoas que trabalharam em algum momento com Teixeira.

As fotografias, geralmente em preto e branco, realizadas por Teixeira ao longo de sua carreira, ainda em plena atividade, surgem em blocos organizados por temas, como o golpe militar de 1964, os conflitos da polícia com estudantes em 1968, coberturas de Olimpíadas e Copas do Mundo, o suicídio coletivo comandado pelo pastor Jim Jones e sua seita, em 1978, na Guiana, além de muitas cenas do cotidiano do Rio de Janeiro e do Brasil em geral.

Boa parte do filme se passa na região de Canudos, tema do mais recente livro do fotógrafo: ‘Canudos 100 anos’, publicado em 1997, no qual Teixeira fotografou sobreviventes da saga de Antônio Conselheiro, todos com mais de 100 anos de idade.

O roteiro do filme desenvolvido pelo diretor, porém, privilegia em demasia depoimentos excessivamente elogiosos ao fotógrafo, que pouco contribuem para uma prospecção mais séria sobre o fotojornalismo ou mesmo sobre o olhar particular de Teixeira.

O filme acaba soando um pouco como o lendário programa televisivo ‘Essa é a Sua Vida’, de J. Silvestre. Menos exaltação e mais informação teria sido um caminho mais profícuo tanto para o público quanto para o homenageado.’