Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

No Mínimo

NEWSVINE
Pedro Doria

O futuro da notícia?, 21/1/06

‘Há um novo conceito de site de notícias no ar: chama-se Newsvine. Junta os modelos do tradicional site de notícias, blogs, Orkut, talvez até um quê de Amazon. Em Newsvine, a notícia não pára em si mesma, ela é o início de uma conversa. E não é todo mundo que pode entrar. É preciso cadastro e senha, coisa só ganha por meio de convite, como num Orkut.

Quem entra no Newsvine, ainda em fase de testes, encontra chamadas para notícias da AP, para notícias escritas pelos usuários ou para links de notícias noutros sites da web: é como um portal. A idéia de só permitir a entrada mediante convite é para selecionar quem pode escrever. Idealmente, reunirá uma comunidade de gente que gosta de notícia. Em cada notícia, há duas áreas diferentes de discussão. Uma carrega comentários, como um blog comum. Outra tem chat online para quem quiser discutir no calor da situação.

Como no Orkut, todo usuário tem sua página com direito a foto e pequeno perfil. Esta página é também um blog. Contém aqueles links externos que o sujeito sugeriu, aquilo que escreveu. É um pouco como se fosse uma coluna: há duas maneiras de encontrar notícias. Na primeira página ou nas páginas de cada indivíduo. Quem se interessar pelas contribuições de um ou de outro terá sempre onde encontrar as últimas de sua autoria.

O sistema distribui a renda democraticamente. Do valor angariado com banners, 90% fica com quem criou o texto gerador de tráfego. Quem for muito lido ganha mais dinheiro. O sistema tem também um quê de Amazon. Conforme o recém-cadastrado vai lendo, comentando, contribuindo, Newsvine vai aprendendo sobre seus interesses.

Aí, ele é esperto. O grande risco da página que só oferece o noticiário que em teoria interessa ao leitor é que ele jamais aprenderá algo novo, jamais se surpreenderá. Fica viciado. Newsvine valoriza aquilo que por hábito o leitor procura, mas não esconde o resto do noticiário. Há um balanço na oferta.

E diferentemente de um Orkut, Newvine é moderado. Assim, quem por acaso abusa nos comentários ou envia spams é imediatamente eliminado. A política é rigorosa: aquele que convidou o spammer entra numa lista negra e passa a ser vigiado. Tudo em prol da comunidade. Se o sujeito não souber avaliar quem convida, fica como que em liberdade condicional.

É, naturalmente, um jogar de dados: será que o modelo Newsvine funcionará? Será que vai atrair leitores? Mike Davidson, pai do projeto, reclama de muita coisa nos sites de notícias comuns. Por exemplo, das seções. Portais noticiosos costumam dividir seu material nas editorias tradicionais: nacional, internacional, esportes, cultura etc. Faz sentido no papel, que carece duma organização linear, caderno após caderno do jornal.

Na web as possibilidades são muito maiores. Evidentemente, uma reportagem sobre um escritor turco vítima de gripe aviária é cultura, é saúde, é ciência, é internacional. Então, ao invés de organizar por editorias, as notícias são arrumadas por palavras-chave. Quem estiver procurando noticiário sobre livros vai se deparar com ela, o interessado em Turquia também.

O que Newsvine parece eliminar é o toque pessoal. Uma comunidade selecionada talvez se prove uma excelente editora, mas mesmo com as páginas pessoais ela será, sempre, mais comunidade, menos indivíduo. Este é um dos atrativos de blogs, coisa que já vem desde os tempos do impresso. O autor atrai, seu espaço, sua cara.

Por outro lado, Newsvine parece diferente. É uma maneira de ver a seleção e organização de notícias que não tem nada a ver com a maneira como jornais sempre foram feitos. É inteiramente pensado para a web. Se atrairá público, os próximos meses o dirão.’

 

NOTAS
Mario Sergio Conti

Graves problemas brasileiros: janeiro, 15/1/06

‘Giselle Bündchen dá entrevista e diz que está louquinha para filmar com Walter Salles e Fernando Meirelles. Passa um dia, passam dois dias, passam três dias e os cineastas se mantêm em silêncio. Nada de encaminharem um roteiro à moça, oferecendo-lhe um papel qualquer, ao menos uma ponta. Sejam um pouco mais cafajestes, rapazes.

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Um jornalista elogia a polêmica de Ferreira Gullar com Gilberto Gil, envolvendo Barretão, Caetano Veloso, Zelito Vianna, um assessor chamado Leitão. Falou-se, com profunda ignorância, de stalinismo e totalitarismo. Ele argumenta que, em janeiro, não acontece absolutamente nada. Com a polêmica, enchem-se páginas e páginas de jornal e segue-se em frente, em busca de outro assunto.

Entrevisto Gil. Pergunto se a polêmica existe. Ele garante que não. Insisto: se a polêmica existisse, o seu motivo não seria dinheiro? O Barretão quer dinheiro para fazer seus filmes, e o ministério anda de grana curta, em suma? Ele responde longamente. Parece (não garanto) que concordou com o argumento. Sem ter mais o que perguntar, peço-lhe que cante. Ele canta ‘Balé em Berlim’.

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Uma amiga liga de Paris para contar que Evo Morales fez um mal terrível à América Latina: foi se encontrar com Jacques Chirac no palácio presidencial (frisos dourados, veludo vermelho, mordomos de casaca, pompa) com camisa branca de mangas curtas, para fora da calça. Estava com aquela franjinha infame. A amiga diz que a roupa era inacreditável, que era mais chocante que se estivesse nu, com algumas penas na bunda.

José Saramago, saído não se sabe de onde, vem a público para defender a indumentária de Morales. Não a camisa branca, mas aquela malha com listras horizontais. Diz que é uma roupa histórica, tradicional, deve ser respeitada. Concordo. Lula deveria se vestir de torneiro mecânico. Bush, de caubói. Chirac, de Capeto. O mundo não melhoraria, mas ficaria mais divertido.

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Ainda no capítulo roupas, bem legais os calções do presidente Lula durante as suas férias na Bahia. Mas prefiro os usados por Garotinho & Garotinha em Bonito. Geraldo Alckmin, que não saiu de férias e está em campanha, tira os sapatos numa praia para distribuir saquinhos de lixo aos banhistas. Governar não é abrir estradas. Governar é aparecer em situações ridículas.

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O governo anuncia que, a toque de caixa, vai fazer um recapeamento meia-boca nas estradas. Os eternos insatisfeitos denunciam o pendor eleitoreiro da iniciativa tapa-buraco. O ideal, dizem, seria ter um programa consistente, em vez de tapar buracos às pressas, para que eles se abram novamente depois da eleição. Bobagem. O ideal não existe, nunca existiu. Obra, só em período eleitoral, e olhe lá.

Também se denuncia a liberação de verbas pré-eleitoral. Diz-se que elas não foram planejadas, que não haverá licitações. Tudo bem. Deixa os caras roubarem. Pelo menos pintam alguns empregos. Governar é recapear estradas.

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Contam-me que José Dirceu e Fernando Morais ficaram pasmos porque Paulo Coelho apresentou-lhes a conta do réveillon para dividirem a despesa. Pensaram, tolinhos, que iam comer e beber de graça só porque o mago é rico. Não existe jantar de graça, meninos. Por não saber o básico, a esquerda brasileira só leva na cabeça.

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Bernardo Kucinski, que entre os colegas de profissão tem o carinhoso apelido de O Inominável, dá entrevista atacando a imprensa. Diz: ‘os jornalistas não têm respeito com a pessoa do Lula. Há sempre há um pressuposto de que ele vai falar besteira, vai errar, de que ele não conhece as coisas, usando como parâmetro um conceito de saber que é acadêmico’. Não sei com quais jornalistas Kucinsnki convive e quais redações tem frequentado. Não existe nada mais desvalorizado, no meio, que o saber acadêmico. Se um repórter, digamos, diz que pretende fazer uma pós-graduação, passa a ser encarado com desconfiança, com se estivesse a um passo de abandonar a profissão.

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Há o mito que jornalistas gostam de ler. Não acho que seja verdade. Gostam, isso sim, de dar uma olhada nos jornais e revistas. Quem lê livros é minoria. Sempre foi. Jornalista gosta de conversar, falar dos erros e besteiras dos outros, se jactar de seus feitos. Como Lula.

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Todo ano, durante a peregrinação a Meca, morrem muçulmanos às pampas. A gente ri, condescendente: esses caras não conseguem mesmo se organizar, mesmo sabendo que, infalivelmente, mais de 2 milhões de fiéis irão à cidade. Já nós, brasileiros, parecemos capazes de uma organização quase germânica para organizar os réveillons em Copacabana e na avenida Paulista, ou o Carnaval. Brasileiro só se organiza para festa. Tudo o mais (um campeonato de futebol de botão, uma rede ferroviária nacional, uma reforma política, a retirada de nióbio da lua) nos é impossível de organizar.

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Um amigo matou a charada de Lula. A verdadeira vocação de Lula é a de animador de programa de auditório de televisão. Microfone na mão, num palanque, ele anda para lá e para cá. Se curva para a frente. Faz piada, sua em bicas, simula indignação. Num palco, Ratinho e Lula são idênticos, intercambiáveis.’

 

LULA E A IMPRENSA
Guilherme Fiuza

A república da paranóia, 18/1/06

‘Está cada vez mais claro que o PT não quis seqüestrar o Estado brasileiro por mal. Depois de muito tempo na oposição, enfrentando a opressão do sistema desde o nascimento do partido, José Dirceu e companhia aprenderam muito mais a reagir do que a agir. Quase toda iniciativa é pautada como prevenção ao que, fatalmente, virá em sentido contrário. Vamos ocupar o Estado antes que ele nos engula e nos estraçalhe, como sempre quis fazer. É mais ou menos isso.

O problema do reflexo pavloviano do PT é que ele aprendeu a associar a campainha ao choque. Mesmo retirado o choque, cada vez que soa a campainha o partido se contrai em reação à descarga elétrica. E mesmo sem campainha, o PT continua reagindo ao nada. É como a parábola do homem que parou na estrada à noite com o pneu do carro furado. Ele não tinha macaco para fazer a troca, e avistou a luz de uma única casa a cem metros de distância. Foi andando até lá, imaginando no caminho que o morador poderia se assustar com ele. Assustado, talvez não abrisse a porta. Apesar dos apelos, o dono da casa daria uma desculpa, diria que seu macaco estava quebrado e lhe diria para caminhar até o posto no quilômetro seguinte. Quando de fato chegou à casa na beira da estrada, o homem tocou a campainha e foi logo falando ao morador: ‘Vá para o inferno, você e o seu macaco!’

O Brasil está descobrindo aos poucos o inimaginável. Lula, o presidente eleito com 52 milhões de votos após dar uma surra no seu oponente, aclamado por uma campanha redentora, quase mítica, se sente oprimido pelo sistema. O núcleo duro, já não tão duro, parece acreditar mesmo que os fazedores de cabeças têm um preconceito intransponível contra o ex-operário, e por isso a imprensa o estigmatiza. Dirceu já tinha dado algumas pistas desse conceito, em suas eventuais reclamações da mídia burguesa e em sua tentativa de ‘corrigir’ o rumo da imprensa com mão de ferro. Delúbio, quando ainda acendia charuto com nota de 100 dólares, já denunciara o complô das elites e direita para abater o projeto petista. Agora, o assessor do presidente que lê os jornais para ele bota a boca no mundo: ‘Lula sempre foi muito maltratado pela imprensa.’

Está tudo explicado. O homem que traduz o noticiário para Lula vê Lula como uma vítima da imprensa. A função do professor Bernardo Kucinski é nobre, e perfeitamente justificável. Em sua rotina avassaladora, um presidente precisa mesmo de assessores que façam um certo mapeamento e uma primeira digestão da torrente de notícias. Mas deve ser mesmo difícil resistir à tentação de dar um passo além da simples seleção e hierarquização das matérias. Uma interpretação sutil, uma sacação genial, alguns pitacos decisivos que podem fazer a cabeça do presidente. Lula se apresenta a toda hora como vítima da imprensa, já tendo inclusive feito um paralelo arriscado com a mídia da Venezuela, que se uniu para derrubar Hugo Chávez. Começa a ficar mais fácil enxergar o nascedouro dessa mania de perseguição.

Lula é um dos personagens mais mimados da história da imprensa brasileira. Perto dele, Lech Walesa, o herói do Sindicato Solidariedade, é um lateral-esquerdo do Criciúma. O ex-líder do ABC é quase dono da história do movimento sindical, e freqüentemente é apresentado como um dos símbolos da derrubada da ditadura militar – o que vem a ser um doce engano. Jamais um mesmo homem público brasileiro foi investido, por correntes tão díspares, de tantos atributos elevados, como honra, justiça social, sentimento de pátria, sabedoria política, pureza ideológica, bondade e espiritualidade. Um verdadeiro arrastão virtuoso, captado e exaustivamente disseminado pela imprensa nacional.

Descobrir que este homem, e os que o cercam, consideram-no uma vítima da imprensa é no mínimo comovente. Não deixa de ser doloroso ver alguém padecendo no paraíso, assim como é sempre duro assistir ao sofrimento de um Napoleão de hospício – não porque lhe dizem que não é Napoleão, mas porque insistem em afirmar que sua espada é apenas uma vassoura de piaçava, e o faxineiro está precisando dela. É muita humilhação.

Lula é humilhado pelo tratamento preconceituoso que sofre da imprensa, que não o respeita como pessoa, é o que revela publicamente o professor Kucinski. Pode-se imaginar os esforços, entre quatro paredes, para remar contra essa injustiça: reaja, presidente; o senhor pode; o que é um diploma, afinal? Eurico Gaspar Dutra também não falava uma palavra de inglês, o que é que tem isso demais? Não se deixe abater por esse bando de invejosos, que no fundo queriam era ter um AeroLula só para eles.

O que mais impressiona é que o assessor que traduz a imprensa para Lula, o homem que serve o noticiário ao presidente junto com o café-da-manhã, acredita sinceramente que os principais espaços da mídia estão ocupados pelos jornalistas que rezam por uma mesma e determinada cartilha. ‘Eles estão em todos os espaços ao mesmo tempo, porque estão falando aquilo que o poder quer que eles falem.’ (note-se que ‘o poder’ não é, evidentemente, o presidente da República, nem o governo central, com todas as suas prerrogativas quase imperiais que o regime brasileiro lhe outorga. O ‘poder’ é outra coisa, provavelmente horripilante, portanto é melhor nem olhar).

Se a imprensa está mesmo dominada, de ponta a ponta, por jornalistas de rabo preso, que alugam sua pena e seu caráter ao grande capital, em detrimento do povo e de Lula, Delúbio tinha razão: há de fato uma conspiração das elites contra a verdadeira democracia brasileira. Com campainha, choque elétrico e a mais pavloviana das paranóias.’

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