Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

No Mínimo

RC & CENSURA
Luiz Antônio Ryff

Uma tarde com o Rei, 12/12/06

‘Na introdução da entrevista coletiva do novo disco, o presidente da gravadora Sony BMG no Brasil, Alexandre Schiavo, anunciou que o pacote ‘Duetos’ (CD e DVD) chega às lojas com uma tiragem de 250 mil cópias (o CD) e 150 mil (o DVD). Como se isso fosse um feito. Há pouco mais de uma década, em 1994, em situação semelhante, o então presidente da Sony, Roberto Augusto, revelava que o disco que Roberto Carlos estava lançando saía com uma tiragem inicial de 1,5 milhão – um recorde.

Os números não diminuíram por acaso. Se Roberto chegava a vender 2 milhões de discos, seu último CD vendeu cerca de 300 mil unidades (350 mil, segundo Schiavo). Hoje, Roberto não é mais o artista número 1 nem dentro de sua gravadora. Ana Carolina vende mais (630 mil com a série Perfil). E o Padre Marcelo deve ultrapassar os 700 mil cópias com ‘Minha Benção’, lançado em outubro. Schiavo garante que as caixas que reuniam a discografia de Roberto em cada década passaram do milhão, contando individualmente cada CD nos pacotes.

Questionado sobre a baixa vendagem, o cantor diz que se preocupa com o problema, mas não de uma forma pessoal. ‘Isso não acontece só comigo. É uma questão de mercado’. Ele coloca a culpa na pirataria pelos números minguantes. Na sua avaliação, as autoridades deveriam coibir com mais rigor o comércio de produtos falsificados. ‘O grande problema é a impunidade’, reclama ele, lembrando que, na Europa, não vê banquinhas de camelôs vendendo as cópias ilegais pelas ruas.

Schiavo vem em socorro de Roberto. Afirma que a estimativa é de que 70% dos discos vendidos atualmente no Brasil sejam piratas e que a prática afeta a indústria como um todo. É verdade que a crise que afeta o setor no mundo inteiro é mais aguda por aqui. O país já chegou a ser o 6º maior mercado fonográfico (atrás dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Inglaterra) há dez anos. Hoje é o 11º. E se antes um artista precisava vender cem mil cópias para obter um disco de ouro, hoje é necessário apenas a metade disso, 50 mil.

Roberto também reclama da internet, com a troca gratuita de arquivos como um problema do setor. E acha que se o preço do original baixasse não adiantaria muito. ‘Por que você vai comprar um CD a R$ 20 se do lado o pirata vende a R$ 3?’, questiona ele, que lamenta não ter mais a mesma quantidade de execução nas rádios.

Ternura

Um aspecto dessa crise podia ser visto na coletiva de ontem à tarde. Em um salão do hotel Caesar Park, em Ipanema, havia 40 jornalistas. Segundo a assessoria, a gravadora convidou e pagou a viagem de cinco veículos. Nos áureos tempos, do Rei e da indústria fonográfica, o mimo era oferecido a um número muito maior, que incluía os principais jornais e rádios fora do eixo Rio-São Paulo.

Crítico musical de ‘O Globo’, Antônio Carlos Miguel lembra a última coletiva de que participara, em 2001. ‘No lançamento do disco acústico da MTV, no Copacabana Palace (no Rio), tinha três vezes mais gente’. Mas isso foi no apagar das luzes do período de vacas gordas da indústria musical. Há onze anos, a tradicional coletiva de final de ano do cantor foi no hotel Transamérica em um salão quatro vezes maior, com quatro vezes mais jornalistas.

Se pouca coisa mudou de lá pra cá foi o jeito Roberto Carlos de se vestir. O uniforme do Rei continua o mesmo: roupa jeans azul claro e sapato branco. Sua simpatia também é a mesma. Ele chega sorrindo (veja aqui o vídeo da entrada do cantor no salão da coletiva), brincando com os jornalistas. Segura o DVD e faz blague para os fotógrafos: ‘Não deixem de publicar essa’.

Com um jornalista que indaga o motivo de ter gravado ‘Insensatez’ em espanhol, Roberto dá uma explicação para terminar desarmando o repórter: ‘Por quê? Você não gostou?’, sorri candidamente e arrancando risos da audiência.

O cantor senta-se ao lado do presidente da gravadora, Alexandre Schiavo, e de seu empresário, Dody Sirena. Na primeira fileira está Ivone Kassú, escudeira e assessora de imprensa. São eles que socorrem Roberto ao menor sinal de perigo. As questões de praxe são feitas. Se ele está solteiro (está); os boatos sobre Hebe Camargo e Luciana Vendramini (diz que são amigas); sobre o ‘charme que deixa as mulheres enlouquecidas’ (ele foge do assunto e ri); conselhos sobre boa forma física e qualidade de vida (ri e diz que não tem conselhos a dar); sobre a permanência de Gilberto Gil no Ministério da Cultura (elogia o amigo, mas sai pela tangente dizendo que não tem informações detalhadas sobre o assunto); e onde vai passar o Natal e o ano novo (no Rio mesmo, como faz todo ano, a quem interessar).

Houve também perguntas sobre seu tratamento contra TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo). Famoso por suas manias – como não gostar de marrom, sempre sair pela mesma porta pela qual entrou, conversar com plantas etc – Roberto conta sobre seus progressos. Voltou a cantar ‘Negro Gato’, que tinha engavetado por superstição. E chegou a recitar o verso ‘se o bem e o mal existem’, de ‘É Preciso Saber Viver’, que ele tinha alterado para ‘se o bem e o bem existem’. ‘Eu melhorei bastante, mas não quer dizer que tenha tomado alta’, ri.

Desabafo

Mas nem tudo é paz no reino de Roberto Carlos. Dody sopra respostas às perguntas mais embaraçosas. Kassú encerra a entrevista ao perceber que um tema fugia ao controle. Quando um jornalista insiste pela terceira vez em abordar a recém-lançada biografia não-autorizada do cantor, Kassú faz um gesto com as mãos e os lábios balbuciam a palavra ‘chega’ para os organizadores da coletiva.

Escrito pelo historiador Paulo Cesar de Araújo, ‘Roberto Carlos em detalhes’ (editora Planeta) é um levantamento minucioso da vida e obra do cantor – e foi bem recebido pela imprensa. Feito à revelia do Rei, que não quis colaborar com a obra, o livro parece irritar profundamente a Roberto e a sua entourage. Ao ser perguntado pela primeira vez, ele não disfarça o descontentamento e se confessa muito aborrecido e triste. ‘Não li o livro todo, mas as coisas que já tomei conhecimento…’, interrompe com um suspiro e continua: ‘Me desagradam muito’. Ele qualifica o livro de absurdo e diz que há inverdades ‘que ofendem a mim e a pessoas muito queridas e maravilhosas’.

Na segunda tentativa de abordar a biografia não-autorizada, Roberto demonstra maior irritação e diz que não vai falar mais sobre o tema. ‘Isso me aborrece muito’. Dody sopra no seu ouvido. ‘Os advogados vão cuidar disso’. Mas tenta sair pela tangente ao ser perguntado se desaconselha seus fãs a comprarem o livro. ‘Não estou aqui para dizer o que meus fãs devem fazer ou não. Eu me sinto agredido’.

Sem dizer o que o incomoda tanto nem apontar as incorreções que vê na obra, ele critica o fato de alguém tirar proveito comercial de sua história. Reclama que se apropriaram de seu patrimônio, de sua história, de forma sensacionalista. E argumenta que caberia a ele contar a própria vida – um projeto que diz querer fazer há mais de 20 anos. Roberto não aceita a defesa do livro, ensaiada por um jornalista que enumera alguns elogios feitos ao cantor na obra. ‘E daí?’, retruca. E devolve interpelando: ‘Você gostaria que alguém se apropriasse da sua história?’. E responde: ‘A vida privada de cada um deve ser respeitada’.

A polêmica sobre o livro acaba ofuscando o lançamento do CD/DVD, o motivo da coletiva anual do cantor. Azar de Roberto. Na atual fase, um disco de duetos não ajuda muito. É um artifício usado por grandes artistas em final de carreira ou em crise criativa grave. Frank Sinatra fez os dele pouco antes de morrer. O octagenário B.B.King fez há alguns anos. E é assim o último lançamento de Tony Bennett, um dos ídolos maiores de Roberto.

E, como qualquer álbum do tipo, tem altos e baixos, com apresentações desiguais e artistas de peso diverso. Um balaio em que cabe Tom Jobim e Jota Quest, Chitãozinho & Xororó e Ângela Maria serve para mostrar, de qualquer jeito, a abrangência e a influência do Rei.

De notável apenas a ausência de canções de cunho religioso. Sua antiga retórica pregatória também faltou à coletiva. Após a morte da mulher, Maria Rita, em 1999, Roberto fez algumas críticas à religião. Portanto, a omissão parece, à primeira vista, ser mais do que uma simples coincidência. O cantor afirma não ter percebido, titubeia um pouco e diz que continua católico.

Em compensação outras fases estão presentes, da Jovem Guarda ao sertanejo – gênero bastante influenciado por ele. O material foi extraído dos especiais da Rede Globo. Inicialmente foram catalogados 93 duetos. Desses, primeiramente foram selecionados 43. Após uma peneira, sobraram 16. ‘Há material para mais dois ou três’, garante Roberto, que afirma não estar atravessando uma crise de criatividade.

Ao ser indagado sobre a tal crise, Roberto gagueja, mas contesta. Diz que há cinco anos lançou um CD com canções inéditas e promete que o próximo álbum também trará composições novas suas. Ele se defende afirmando que, com o tempo, o trabalho de composição fica mais lento e o grau de exigência é maior.

O cantor ainda fala da participação de MC Leozinho no seu especial de final de ano na Globo, em que os dois dividiram os vocais no funk ‘Ela Só Pensa Em Beijar’ – provavelmente a maior ousadia cometida por ele nas últimas duas décadas. Aproveitando a deixa, ele confessa que tem curiosidade em conhecer um baile funk da periferia. Se um dia Roberto Carlos for a um, vai fazer por merecer alta do tratamento contra o TOC.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Agência Senado

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