‘O governo jordaniano rejeitou licença para a publicação de uma peça de teatro escrita pelo deposto presidente iraquiano Saddam Hussein pouco antes da invasão do Iraque liderada pelos EUA, em 2003. A decisão foi anunciada ontem pelo jornal pró-governamental Al-Rai.
De acordo com o diário, a obra, intitulada Saiam Daqui, Malditos! não foi autorizada pelo Departamento de Imprensa e Publicação da Jordânia por razões diplomáticas. ‘O departamento entendeu que a publicação da obra poderia prejudicar os laços entre Jordânia e Iraque’, disse Ahmed Qudah, diretor do órgão.
Outro jornal jordaniano, Al-Arab Alyawm, afirmou ter tido acesso a uma cópia dos textos de Saddam, entregue pela filha mais velha do ex-ditador, Raghad, que vive em Amã junto com outras duas de suas irmãs. De acordo com fontes locais, uma editora jordaniana obteve a permissão das três filhas de Saddam para publicar a obra e já imprimiu cerca de 10 mil exemplares que seriam distribuídos dentro e fora da Jordânia.
Segundo as fontes, a publicação da peça teatral começaria em breve, já que a editora tinha uma autorização provisória do Departamento de Imprensa e Publicação, e por isso não esperava problemas posteriores.
‘O governo mudou de opinião, aparentemente, depois que um jornal local divulgou a iminente publicação da peça de Saddam’, afirmou uma fonte ligada à editora.
O enredo conta a história de um homem chamado Ezequiel – uma referência aos judeus – que conspira para derrubar um xeque, mas é derrotado pela filha do xeque e por um guerreiro árabe.’
MEMÓRIA / CLAIR KILBY
Sérgio Augusto
‘Parem as máquinas! Pois Kilby morreu’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/06/05
‘Morreu Jack St. Clair Kilby. E também Charles D. Keeling. Ambos na segunda-feira passada. O New York Times estampou a notícia na primeira página.
OK, eles eram norte-americanos; mas o espanhol El País também destacou as duas baixas e a importância dos finados. Nos jornais do Rio, moita. Falta de espaço? Talvez. Às celebridades, tudo; aos ilustres desconhecidos, o limbo.
Em compensação, quem nos quatro primeiros dias da semana passada se abasteceu de notícias lendo apenas a imprensa carioca ficou sabendo, por exemplo, que Tom Cruise levou um jato de água em Londres; que a prefeitura de Roma criou uma praia artificial à beira do Rio Tibre, igual àquela cafonice montada às margens do Sena durante o verão; que a atriz Luiza Valdetaro, a Manu da novela América, posou para a capa da revista Vizoo; que o jogador Ronaldo fumou e cortejou numa festa a modelo Marcelle Bittar; que Lívia Lemos, ex de Ronaldo, está pouco se lixando para o namoro de Daniella Cicarelli com seu ex Flávio Zveiter; que a banda Maroon 5 encerrou uma turnê de três anos; que o percentual de estrangeiros que procuram os serviços da clínica de Ivo Pitanguy saltou, nos dois últimos anos, de 12% para 40%; que o publicitário Duda Mendonça comprou um cavalo de R$ 180 mil para presentear seu aniversariante filho; que o delegado Luiz Flávio Zampronha, responsável pelo inquérito que apura as denúncias de corrupção nos Correios, está fazendo um baita sucesso com o mulherio; que Deborah Secco não permitiu que Juliana Knust aparecesse de biquíni numa cena de América e ela, Deborah, de calça comprida; que morreu o empresário Oswaldo Falchero, fundador da fábrica de chocolates Pan.
Com todo o respeito aos familiares do sr. Falchero, pergunto: o que é que ele tinha que Jack Kilby e Charles Keeling não tinham? Por que sonegar aos dois últimos a caridade de um obituário, ainda que pequeno como o que O Globo dedicou ao nosso valoroso chocolateiro? Se não fosse Jack Kilby, o exchefe dos Correios Maurício Marinho não teria sido filmado embolsando aquela propina de R$ 3 mil. Nem outros flagras em corruptos o Jornal Nacional teria dado por lhe faltar o indispensável suporte de uma microcâmera digital. Não, Kilby não era um cinegrafista do FBI emprestado à Abin e nunca ouviu falar em Roberto Jefferson, embora tivesse nascido – irônica coincidência – em Jefferson City, capital do Missouri, justo no mesmo dia, ora vejam só, em que Hitler armou o frustrado putsch de Munique.
Kilby era um engenheiro eletrônico aposentado, o mais importante que o mundo conheceu no século passado. Ele inventou o circuito integrado, base dos microprocessadores, sem os quais não teríamos hoje microcâmeras, computadores, celulares, fornos microondas, calculadoras portáteis, impressoras térmicas e demais aparatos digitais. E, talvez, nem a CPI dos Correios. Kilby abriu as portas para a era da informática (e para o melhor da globalização), deslanchando uma revolução tecnológica e cultural tão impactante quanto a que os tipos móveis de Johan Gutenberg desencadearam no século 15.
Premiado com as duas mais importantes medalhas científicas concedidas nos EUA e o Nobel de Física de 2000, Kilby, o Gutenberg.2, deixou mais de 60 patentes e um patrimônio de invenções comparável ao de Thomas Edison. Ignorar sua morte foi, no mínimo, uma falta de consideração com o cientista que mais contribuições individuais deu à imprensa, desde que ela existe.
Presumo que Kilby só não tenha conseguido vaga na famosa lista dos cientistas mais influentes de todos os tempos, compilada pelo físico e astrônomo Michael H. Hart, porque ela foi elaborada antes da industrialização dos microprocessadores.
Alan Axelrod, contudo, publicou Ciência a Jato em 2003, e nessa popularíssima obra de vulgarização científica, traduzida pela Record, tampouco cita Kilby quando trata da invenção do microprocessador. Axelrod, aliás, não cita ninguém, nem mesmo Robert N. Noyce, cofundador da Intel que durante anos disputou em vão com Kilby a paternidade do invento.
Até parece que o circuito integrado foi uma criação do Divino Espírito Santo. Não foi, claro, mas, como tantas outras descobertas, surgiu casualmente. O óptico holandês Zacharias Janssen juntou duas lentes e, sem querer, inventou o microscópio. Seu patrício Hans Lippershey fez a mesma coisa e montou o primeiro telescópio. O alemão Friedrich von Stradonitz sacou num sonho a base da química orgânica. Wilhelm Röntgen procurava outra coisa quando, serendipity!, descobriu os raios X. Alexander Fleming precisou de um mofo para chegar à penicilina. Em 12 de setembro de 1958, Kilby, sozinho no batente porque, novo na Texas Instruments, em Dallas, ainda não tinha direito a férias, uniu com as mãos uma série de transistores e criou o primeiro circuito integrado, protótipo primitivo da pequena placa semicondutora a que deram o nome de microchip porque, além de minúscula, parecia uma lasca (em inglês, chip). Charles Keeling era químico, formado pela Universidade de Illinois. Se Kilby, também formado em Illinois, nos abriu as portas da era eletrônica, Keeling nos alertou para o fim do mundo. Nem mais, nem menos.
Foi ele quem primeiro detectou o efeito estufa. Quando Keeling iniciou suas pesquisas, meio século atrás, a maioria dos cientistas não acreditava que as emissões de dióxido de carbono (CO ) pudessem afetar o clima2da Terra. E, assim, os carros e as fábricas continuaram poluindo tranqüilamente a atmosfera terrestre. Isolado em Mauna Loa, no Havaí, Keeling passou a medir e comparar, obstinadamente, as alterações no clima e na temperatura do planeta, calculando a curva de crescimento dos níveis de dióxido de carbono, medição que em sua homenagem batizaram de Curva de Keeling. Sem suas pesquisas, F. Sherwood Rowland e Mario Molina (não, não vou dizer que é outra coincidência) não teriam desenvolvido ou mais tempo teriam levado para chegar às suas teorias sobre os efeitos dos clorofluorcarbonetos (CFCs) na camada de ozônio.
Keeling, o São João da climatologia, pode ter ajudado a salvar o mundo de uma hecatombe similar à que se viu no filme O Dia Depois de Amanhã.Se is- so também é menos importante do que levar um jato de água numa rua de Londres, posar para a capa da Vizoo, namorar Marcelle Bittar, fazer uma plástica no Pitanguy e fabricar chocolates, então merecemos, mesmo, o apocalipse.’
RÁDIO
Ethevaldo Siqueira
‘Três gênios do rádio visitam minha casa’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/06/05
‘Eles ressuscitaram e apareceram lá em casa. Imaginem meu espanto, superado apenas pela admiração que tomou conta desses três gênios da comunicação sem fio – o inglês James Maxwell, o alemão Heinrich Hertz e o italiano Guglielmo Marconi – diante da tecnologia que tenho à disposição no dia-a-dia. Pense na cara deles diante de todas as coisas que aconteceram no mundo das ondas eletromagnéticas nos últimos 100 anos. Meus equipamentos, embora relativamente comuns, foram suficientes para deixar os três boquiabertos, a partir do momento em que entenderam o que são e para que servem computadores, DVDs, home theater, celular, internet de banda larga e redes sem fio Bluetooth e Wi-Fi que interligam essa parafernália. Fiz uma rápida retrospectiva do progresso da comunicação sem fio, sem a qual nem eu nem milhões de brasileiros poderíamos viver. Disse-lhes que somos escravos entusiastas da comunicação wireless, seja no celular, nas redes de nova geração, no rádio, na TV ou no satélite.
Didaticamente, faço um pequeno balanço da evolução do mundo wireless. Relembro e homenageio, antes de mais de nada, o pioneirismo de Maxwell, professor na Universidade de Cambridge, que previu em 1861 a existência das ondas eletromagnéticas e estabeleceu a relação matemática entre vibração elétrica e campos magnéticos.
Destaco em seguida a contribuição de Hertz, ao comprovar praticamente a existência das ondas eletromagnéticas ou hertzianas – assim chamadas em sua homenagem – e ao construir em 1887 um transmissor-receptor de rádio, demonstrando na prática a teoria de Maxwell.
Volto-me, por fim, para Marconi, para recordar suas primeiras transmissões atmosféricas de um sinal elétrico, em 1895, bem como o envio de um sinal telegráfico através do Atlântico, em 1901, ou a invenção do rádio, em 1920. E, sem nenhuma patriotada, digo-lhe que um padre brasileiro, Roberto Landell de Moura, fez, antes dele, em 1893, pelo menos uma experiência pioneira de telegrafia sem fio na Cidade de São Paulo. Mas não polemizo.
O papo rola animado:
‘Meus caros senhores Maxwell, Hertz e Marconi, não sei se alguma vez, em vida, tiveram a oportunidade de se encontrar, para discutir tecnologia e seu desenvolvimento. Este, portanto, talvez seja o primeiro encontro dos três. Fico feliz de que seja em minha casa. E, em nome dos cidadãos do século 21, agradeço-lhes as contribuições e trabalhos pioneiros no campo da comunicação sem fio.’
E prossigo na retrospectiva:
‘Vejam que o mundo já utiliza praticamente todo o espectro eletromagnético, com freqüências que vão de 300 ciclos por segundo ou 300 hertz (Hz) a 300 gigahertz (GHz), ou seja, 300 bilhões de hertz. Desde os usos antigos da telegrafia e do teletipo até à radiodifusão, com as emissoras de rádio (AM, de amplitude modulada, e FM, de freqüência modulada) ou o novíssimo rádio digital (já conhecido pela sigla XM, digital modulation). Ou ainda a televisão aberta ou por assinatura, a televisão digital, via satélite ou via microondas atmosféricas, os sistemas de identificação por radiofreqüência (RFID), a telefonia celular e o acesso à internet através das demais tecnologias de redes sem fio, como Bluetooth, Wi-Fi, Wi-Max e Ultrawide Band (UWB).’
MUNDO WIRELESS
‘It is amazing!’ – diz Maxwell, ao ler um exemplar da revista inglesa Wireless World, a mesma que, em outubro de 1945, publicou artigo profético do escritor e cientista inglês Arthur C. Clarke, prevendo a possibilidade de construção de um sistema de telecomunicações via satélite em órbita geoestacionária, isto é, no plano do equador terrestre a 36 mil quilômetros da superfície do planeta.
Depois de duas horas de conversa, na melhor entrevista de minha vida, percebi que Maxwell, Hertz e Marconi estavam orgulhosos de terem participado dos primeiros momentos dessa revolução tecnológica, além de admirados de forma especial com o celular e a internet.
Marconi era o mais interessado nas projeções do crescimento do celular. No começo da conversa, ficou confuso com a montanha de siglas, sejam as de tecnologias digitais de telefonia móvel, como GSM (Global Standard Móbile), CDMA EV-DO (Code Division Multiplex Acces Enhanced Velocity-Data Only), Universal Móbile Telephone System (UMTS), sejam as de transmissões de altíssima velocidade ou High Speed Download Packetized Access (HSDPA), tecnologia que poderá permitir a recepção de imagens e dados no celular de terceira geração, à velocidade de até 20 megabits por segundo (Mbps).
E Marconi observa, profundamente admirado:
‘Mas, então, o mundo caminha para um total de 2 bilhões de celulares até o final deste ano? Isso significa que, em breve, a densidade mundial será de um celular para cada três habitantes. Em 2010, serão 3 bilhões de telefones móveis para uma população estimada de 6,8 bilhões de habitantes. E, em 2015, a rede celular global deverá ter 4 bilhões de aparelhos para uma população da ordem de 7,5 bilhões de habitantes. O que significará, mais de 50% de índice de penetração da telefonia sem fio. Pensar que, em 1920, eu precisava de uma montanha de equipamentos e dinheiro para levar ao ar a primeira emissora de rádio com recepção livre, aberta, no mundo – a radiodifusão. E, agora, num pequeno aparelho de bolso, os engenheiros instalam um transmissor e um receptor – chamado, na linguagem técnica, de transceptor – que abriga alguns milhões transistores e de outros microcomponentes eletrônicos.’
Explico aos três o que é e como funciona um disco rígido capaz de armazenar 10 mil músicas com qualidade digital de CD. Projeto na tela grande o conteúdo de um documentário que mostra a TV digital, com as principais aplicações de interatividade e com a qualidade impressionante das imagens de alta definição. Os três visitantes atalham quase ao mesmo tempo:
‘Mas já existe a TV digital?’
‘No Brasil ainda não. Por enquanto, só na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e mais dois ou três países da Ásia.’
RÁDIO DIGITAL
Depois de um copo de suco de frutas e um cafezinho, os três tentam relaxar e conter a emoção das novidades. Querendo atualizar-se mais rapidamente, Maxwell não sabe se conversa ou lê algumas publicações que tenho no escritório. Apanha um exemplar de The Economist, de 9 de junho de 2005 e se encanta ao ler as previsões sobre o desenvolvimento a curto prazo do rádio digital de alcance mundial, descrito num artigo da famosa publicação. Resumo-lhe o assunto para ganhar tempo.
‘Vejam isso, cavalheiros. Todas as formas de comunicação se tornam digitais, isto é, baseadas num código binário, semelhante ao que foi o código Morse, usado em telegrafia no tempo de vocês três. Agora, em lugar de pontos e traços, temos dois dígitos: zero (0) e um (1). Pois esse artigo do Economist mostra dois caminhos do rádio digital no mundo. O primeiro deles é o americano, com o rádio digital por assinatura (com os sistemas XM e Sirius) via satélite. O segundo é o europeu, conhecido como Radiodifusão Digital de Áudio ou Digital Audio Broadcasting (DAB), que começa a se popularizar com os novos receptores híbridos, FM e XM.’
Esse projeto começa a se expandir em escala mundial, passando inicialmente da Europa para o Canadá e a Ásia. Lançado neste mês na Grã-Bretanha, um sistema de rádio digital via satélite distribui programas para os primeiros 4 milhões de receptores que dispõem de um sistema de gravação semelhante aos PVR (personal vídeo recorders). Em 2008, deverão ser 8 milhões.
O que o rádio digital oferece, acima de tudo, é melhor qualidade de som, mais estabilidade e menos interferência. O modelo comercial do rádio por assinatura via satélite, com mais de uma centena de canais ou programas, bem diversificados, pode ser um caminho.
Conto aos três visitantes que cruzei há poucos meses os Estados Unidos, de costa a costa, de carro, com um rádio digital a bordo, ouvindo todo tipo de noticiário, informações sobre a situação das estradas, meteorologia, música clássica, jazz, bossa nova e tudo o mais.
A visita chega ao fim, com meu agradecimento:
‘Os senhores começaram tudo isso. Sem sua contribuição inicial, nada disso seria possível. Obrigado, em nome de todos os habitantes do planeta.’
E acordei.’