Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O Estado de S. Paulo



CRISE POLÍTICA
João Domingos

Planalto recorre a novo marqueteiro

‘Com o setor de publicidade destroçado pelo escândalo dos contratos com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, principal suspeito de ser o fornecedor do caixa 2 do PT, o governo tenta se socorrer no jornalista e publicitário João Santana, a dez meses da eleição presidencial. Pelas negociações feitas até agora, Santana deverá ser contratado para analisar as pesquisas internas e de conteúdo e apontar o rumo do marketing governamental no ano que vem.

As conversações ficaram a cargo do secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci. Ele herdou a publicidade governamental há quatro meses, depois que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, recusou-se a ficar com o ‘abacaxi’, definição usada por ela própria. Antes, a publicidade era tocada pela Secretaria de Comunicação de Governo, mas Lula tirou-lhe o status de ministério logo depois da eclosão do caixa 2 petista.

João Santana é um discreto publicitário com experiência multipartidária e internacional – foi ele quem fez a campanha do ex-presidente argentino Eduardo Duhalde. Em 1998 fez a de Antonio Britto (PMDB), no Rio Grande do Sul, e perdeu a eleição para o petista Olívio Dutra. Em 2002, trabalhou na eleição do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) e na reeleição de Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul. Foi vitorioso com os dois.

Amigo do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e do líder do PT no Senado, Delcídio Amaral (MS), para os quais fez campanhas, seu nome foi levado a Lula como solução para dar um jeito no setor de marketing do governo. Afinal, diz um auxiliar do presidente, hoje o Planalto perdeu o rumo da publicidade.

O contrato com Duda Mendonça, que fez a campanha do candidato Lula, foi rompido em agosto, também por conta do escândalo do caixa 2. Duda era o palpiteiro oficial de toda a campanha, razão de vários dos desentendimentos com Gushiken. O mesmo auxiliar metaforiza a complicada situação do governo: ninguém sabe se é hora de comer figo ou pêssego. Ou mesmo se é hora de comer algo.

Quando Palocci falou com Lula da necessidade da contratação de um marqueteiro, ficou entendido que ele poderá pegar o contrato da campanha do candidato do governo à Presidência no ano que vem. O favorito é Lula, mas ninguém no PT tem 100% de certeza de que ele será mesmo candidato à reeleição.

O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, por exemplo, perguntou ao presidente se tem a autorização para sair candidato a deputado ou a governador da Bahia. Lula respondeu: ‘Espera, por que a pressa? Eu mesmo não me decidi ainda.’ Em vista das dúvidas de Lula, fala-se até no apoio do presidente ao ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB). O certo é que Lula só vai se definir depois que as CPIs dos Correios e dos Bingos encerrarem seus trabalhos. Elas reservam para o governo quase uma surpresa por dia.

Nas consultas que tem feito para encontrar novo marqueteiro, o governo chegou ao nome de Paulo de Tarso Santos, dono da agência de publicidade Matisse. Paulo de Tarso, que fez história no PT – criou o jingle ‘Lula, lá’, de 1989, até hoje o mais lembrado pelos petistas – poderia formar dupla com Santana, na visão do Planalto. O problema é que ele é tido como de temperamento difícil, dizem os auxiliares do presidente.’



CENSURA
O Estado de S. Paulo

ANJ denuncia censura em decisão judicial

‘A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou ontem nota onde protesta contra decisão de uma juíza federal de São Paulo que proibiu a Folha Online de veicular notícias sobre o episódio da contratação da empresa de investigações Kroll pela Brasil Telecom. Também critica a autorização judicial que permitiu a escuta telefônica da Rede Gazeta, do Espírito Santo.

‘São dois fatos gravíssimos, que atentam contra a liberdade. O caso da escuta telefônica é estarrecedor e nos remete aos piores momentos do autoritarismo, quando a privacidade das pessoas e empresas era invadida pelo aparato estatal. A proibição de divulgação de reportagens significa, na prática, a censura prévia, contrariando a Constituição. É revoltante que essas duas aberrações tenham partido da Justiça, a quem cabe garantir os direitos e a liberdade’, diz a nota assinada pelo presidente da ANJ, Nelson P. Sirotsky, que pede a imediata suspensão da censura.

Anteontem, a juíza substituta Margarete Martinez Sacristan, da 5.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determinou, atendendo a solicitação de ‘um dos envolvidos’, que a Folha Online se abstivesse de publicar qualquer notícia sobre o processo criminal que envolve o caso Kroll. O site retirou do ar 165 páginas eletrônicas. A atuação da Kroll gerou intensa polêmica, por causa de suposta espionagem sobre autoridades do governo Lula.’



TV DIGITAL
Ethevaldo Siqueira

Dá para confiar nesse sistema brasileiro?

‘Prepare o seu coração, leitor, pois a TV digital está chegando. Embora ela ainda vá levar mais de 10 anos para se consolidar, como ocorre até nos países desenvolvidos, sua decolagem para o grande público começa no primeiro semestre de 2006, com a produção pela indústria brasileira de mais de 20 mil caixas de conversão (set top boxes). Centenas delas serão espalhadas pela Grande São Paulo, conectadas a televisores de várias dimensões em pontos de grande visibilidade, como shopping centers, lojas, hotéis e residências, para demonstrar os recursos da TV digital com os primeiros programas transmitidos no Brasil. Em junho, milhares de paulistas poderão receber as imagens de alta definição dos jogos da Copa. É claro que nos televisores de maiores dimensões e de plasma, as imagens de alta definição poderão ser vistas em toda a sua beleza.

No dia 7 de Setembro, as seis maiores redes de TV brasileiras deverão iniciar as transmissões regulares de programas. E existem muitas razões para que o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) seja um sucesso. Aqui e no mundo.

VER PARA CRER

Sei que ainda há muita desconfiança. O leitor, como eu, talvez seja cético, em princípio, em relação aos avanços brasileiros em eletrônica, por conta de problemas do passado, como o padrão de TV em cores PAL-M ou da reserva de mercado de informática. O maior temor para mim seria um sistema incompatível com o mundo. Mas, segundo o professor Marcelo Zuffo, da Politécnica, ‘o sistema brasileiro elimina esse risco de incompatibilidade com os três principais sistemas’.

Quanto à confiança, confesso que, depois de acompanhar de perto o trabalho de quase uma centena de pesquisadores, me convenci de que – apesar de todas as dificuldades – esses cientistas são competentes, criativos e bem preparados. Muitos têm mestrado e doutorado e mais de 10 anos de experiência no Brasil e no Exterior.

Na sexta-feira, o Brasil viveu um desses momentos históricos na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Com a presença do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e de mais 200 pessoas, representantes da universidade, da indústria e das emissoras, os consórcios de pesquisa demonstraram durante quatro horas o resultado de seu trabalho no desenvolvimento do sistema brasileiro, suas principais características da transmissão, modulação, recepção, interatividade, canais de retorno, middleware, controle remoto e caixa de conversão.

Em seu discurso, Hélio Costa prometeu dar todo apoio ao trabalho dos pesquisadores, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) e outros. E previu a possibilidade de obter mais R$ 100 milhões em 2006, para a segunda fase dos trabalhos. Esperemos que tudo isso se confirme no ano que vem.

O MELHOR DE TRÊS MUNDOS

O Brasil adotou o caminho mais inteligente e criativo, ao fugir da tentação de reinventar a roda e preferiu recorrer ao melhor de três mundos, ou seja, os melhores padrões e ferramentas de software disponíveis, usados nos sistemas americano, europeu e japonês. Essa é a vantagem de chegar por último ao mercado.

A estratégia brasileira consiste, acima de tudo, em escolher e adaptar os padrões abertos ou proprietários mais avançados do mercado internacional, associando-os às ferramentas de desenvolvimento mais modernas disponíveis no País e no mundo. Por isso, o sistema criado vai incorporando todas as vantagens dos demais e superando suas eventuais limitações. Para a modulação do sinal, foi escolhido o padrão de modulação OFDM (do inglês Orthogonal Frequency Division Muliplexing), que garante maior robustez, estabilidade ao sinal e a mobilidade. Para compressão digital, o Brasil usará o MPEG-4. O middleware, caixa de conversão (set top box) e o controle remoto terão os recursos exigidos pelos conteúdos brasileiros e pelos futuros programas de inclusão digital.

Entre outras vantagens, o sistema brasileiro permitirá que uma emissora possa transmitir até quatro programas simultâneos de diferentes graus de definição num único canal de freqüência de 6 megahertz (MHz): 1) low definition (LD); 2) standard definition (SD); 3) enhanced definition (ED), como a dos DVDs; 4) e high definition (HD), ou alta definição.

É claro que o sistema brasileiro não é uma mera junção de padrões e mundiais. Todos os seus avanços exigiram e ainda vão exigir o desenvolvimento e a criação de centenas de softwares e hardwares adequados à realidade brasileira.

UMA REVOLUÇÃO

A TV digital pode oferecer imagem superior, som de CD, maior estabilidade, mobilidade e, acima de tudo, interatividade. Num país como o Brasil, em que a televisão aberta está presente em mais de 95% dos domicílios e que tem mais redes geradoras e retransmissoras do que os Estados Unidos, a digitalização terá um papel revolucionário de inclusão digital e social.

Quais são as próximas etapas? Se escolhido como padrão brasileiro, o SBTVD será transferido à indústria para a produção de componentes, partes e projetos de equipamentos. Em paralelo, o Brasil passará a debater com emissoras e empresas de telecomunicações as linhas gerais do modelo de negócio para a TV digital.’



Renato Cruz

TV digital dá mais controle ao espectador

A televisão sempre foi burra. Não, isso não tem nada a ver com a qualidade do conteúdo, mas com a tecnologia, em que a inteligência se encontra no centro da rede, nas emissoras, e os televisores oferecem poucas opções aos espectadores, como mudar de canal ou desligar. A partir do ano que vem, tudo começa a mudar. O Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), desenvolvido por pesquisadores locais, promete criar aqui, se deixarem, a TV aberta mais interativa do planeta.

Às vezes ela se parece com a internet. Ou vai além. O televisor – ou o conversor, que converte o sinal digital em analógico, para ser visto nos aparelhos atuais – tem capacidade de processamento e de armazenamento como um computador. A inteligência estará ao alcance dos dedos do espectador pelo controle remoto ou teclado sem fio.

A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) demonstrou na sexta-feira uma aplicação de torcida virtual durante evento na Universidade de São Paulo (USP). ‘Queremos levar para a TV a experiência coletiva de assistir a um jogo de futebol no estádio’, diz Guido Lemos, professor da UFPB. Com a torcida virtual, a imagem é a mesma transmitida pela emissora, mas o som é dos torcedores. Se tiver um canal de retorno, como um telefone ligado à televisão, o espectador pode comentar e torcer com amigos que estão em várias partes do País ou do mundo. A UFPB liderou um dos 22 consórcios do SBTVD. O grupo desenvolveu o FlexTV, um middleware, software que funciona como o sistema operacional do computador, fazendo com que os aplicativos tenham acesso a recursos do equipamento.

Além da torcida virtual, o consórcio da UFPB demonstrou uma aplicação de educação a distância, que usa gravador digital de vídeo. Em inglês, Digital Video Recorder (DVR) ou Personal Video Recorder (PVR). Navegando por um menu na tela da televisão com o controle remoto, o professor programa o vídeo de que precisará para a próxima aula. Se ele for transmitido até o início da aula, o equipamento grava automaticamente. Se não, o gravador busca o vídeo por uma conexão de internet. A tecnologia poderia ser usada também em casa, para o entretenimento.

BLOQUEIO E ENQUETES

Outro grupo, liderado pela Universidade de Campinas (Unicamp), desenvolveu mais uma alternativa de middleware. O sistema desenvolvido pelo consórcio permite programar a televisão para sintonizar um programa assim que ele começar. O espectador pode ver na tela informações como diretor e elenco do filme, país de origem e ano de lançamento.

O middleware da Unicamp também tem serviço de correio eletrônico na tela. ‘O espectador pode configurar qualquer sistema convencional de e-mail na televisão’, explica Rodrigo Araújo, diretor-comercial da RCA Soft, de Campinas, empresa participante do consórcio. Outra aplicação do middleware é o registro de perfis de usuário. ‘Os pais podem impedir que os filhos assistam a programas que considerem impróprios.’

O consórcio da Unicamp também desenvolveu um sistema de ensino a distância, onde o espectador pode responder a questionários de múltipla escolha pela televisão, enquanto assiste a programas educativos. A aplicação também poderia ser usada para entretenimento. Um programa de TV é capaz de fazer enquetes em tempo real, com as pessoas respondendo pelo controle remoto.

A interatividade e a internet na TV exigem, no entanto, um canal de retorno. Uma alternativa é o telefone fixo. Outra, o celular. Os consórcios da TV digital apresentaram mais duas opções: o WiMax, sistema de banda larga sem fio, que funciona em canal de UHF, e o CDMA450, mesma tecnologia usada pela Vivo no celular, numa faixa de freqüência diferente.

Além dos novos serviços, há uma aplicação prevista pelo SBTVD imbatível: assistir aos programas de TV com imagem de qualidade. ‘Na cidade de São Paulo, 56% das residências recebem imagem ruim’, diz Gunnar Bedicks Jr., professor do Mackenzie. Um grupo liderado pelo Mackenzie aperfeiçoou o sistema de modulação (que protege o sinal transmitido) japonês, com uma tecnologia chamada Turbo Code. A inovação aumenta o alcance das transmissões e promete acabar com a imagem ruim.

***

FITec fecha acordo de pesquisa com americanos

‘Os 22 consórcios do SBTVD entregaram ao governo na semana passada o resultado de seu trabalho, que deve orientar a escolha da tecnologia a ser adotada no País. O governo pretende anunciar sua decisão até 10 de fevereiro. Com isso, a movimentação dos grupos estrangeiros se intensifica. As alternativas ao sistema brasileiro, que usa padrões internacionais, são o japonês ISDB, o europeu DVB e o americano ATSC.

Na semana passada, os americanos fecharam um acordo com a FITec, instituição brasileira de pesquisa, para desenvolver aplicações interativas baseadas no ACAP, middleware do ATSC. O projeto, que será desenvolvido na unidade de Belo Horizonte (MG) da FITec, tem como parceiras as coreanas Aircode e LG e a americana Zenith, que pertence à LG e detém patentes importantes do padrão americano.

‘A FITec considera estratégica a atuação no mercado de TV digital, tanto nacional como internacional’, afirma Lauro Ferreira, gerente de Desenvolvimento de Negócios do centro de pesquisas. ‘Acreditamos que as aplicações resultantes do nosso projeto poderão ser facilmente adaptadas ao futuro sistema brasileiro de TV digital.’ O projeto tem três meses de duração, com investimento de US$ 500 mil.

‘Temos de conter e domar os lobbies dos sistemas internacionais’, afirmou na sexta-feira o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Eles competem com o SBTVD. Os japoneses ofereceram gratuidade nos royalties e os europeus, uma linha de crédito de 400 milhões. Os americanos, que haviam prometido financiamento de US$ 150 milhões, podem subir sua aposta semana que vem, quando se reúnem com o governo.



TELEVISÃO
Ivan Carvalho Finotti

A volta da rainha da sucata

‘Se ainda faltava alguma coisa à rainha da noite de São Paulo, isso vai mudar no mês que vem, quando JK estréia na Globo. A minissérie vai retratar a vida do presidente Juscelino Kubitschek e, de quebra, dar o aval de que Lilian Gonçalves é, sim, uma personagem digna de novela. Não que isso seja grande novidade para ela, que já foi tema do samba-enredo da Vai-Vai, A Rainha – A Noite Tudo Transforma, em 1996, e também a inspiração nunca admitida por Silvio de Abreu para a sua novela Rainha da Sucata, em 1990.

A diferença é que agora Lilian Gonçalves, 57, sem plásticas, ‘só no creminho’, vai estar na tela da Globo com nome e sobrenome. Uma das personagens da minissérie de Maria Adelaide Amaral é exatamente Lilian Gonçalves (interpretada por Mariana Ximenes), menina que chegou de pau-de-arara a Brasília, encantou o presidente, foi a primeira miss da nova capital, largou tudo e se mudou com uma mão na frente e outra atrás para São Paulo para se tornar a rainha da noite da cidade.

Filha de uma aventura de uma noite de Nelson Gonçalves com sua mãe no interior de Minas Gerais, Lilian hoje está rica. Suas cinco casas, todas na pequena Rua Canuto do Val, em Santa Cecília, no centro de São Paulo, atenderam 428 mil pessoas no ano passado. Tem 400 funcionários, 93 músicos contratados e 27 seguranças que cuidam de sua rua. Chamar a Canuto do Val de sua rua não é exagero. Além das cinco casas, Lilian quer inaugurar a sexta, que vai se chamar Frango com Tudo Dentro, em fevereiro. No mês seguinte, é a vez da Calçada da Fama, onde pretende imortalizar, à maneira de Hollywood, o nome de artistas brasileiras com estrelas de ouro (para Roberto Carlos), aço, bronze e granilite (para os não reis).

Lilian não tem tempo para gastar seu dinheiro. Trabalha todo dia, ou melhor dizendo, toda noite, até às 7 horas, quando vai para sua mansão no Alto de Pinheiros com seu Jaguar preto blindado (sua Mercedes de ‘R$ 300 mil ou R$ 400 mil ‘, sem seguro, foi engolida pela última enchente. No dia seguinte, comprou o Jaguar). Faz o cabelo no Jacques Janine ou no Jassa. ‘Eu era morena e fui ficando loira, né? Afinal, mulher não envelhece, mulher enloirece.’ Veste-se preferencialmente em Nova York e, em São Paulo, é Daslu, mas nada disso é suficiente para que Lilian Gonçalves não seja rotulada como perua. ‘Acho ótimo. Pode me chamar do que quiser, quer dizer, brilho, batom, brega, sou eu mesma’, diverte-se, enquanto come um chocolate com pimenta e maravilha-se com as luzes de suas casas na noite do centro decadente de São Paulo. É como diz o título de sua autobiografia, A Vida Brilhando em Néon, editada em 1997, que será relançada pela Siciliano.

OS ANOS JK

Lilian Gonçalves chegou a Brasília em 1959, com a mãe e oito irmãos, vindos de Garapuava, Minas Gerais. O pai recém-falecera e a dona Maria resolvera tentar a sorte bem no centro do novo Brasil, aquele desenvolvimentista, que ganhava 50 anos em cinco. ‘Ela virou cozinheira do quiosque de um libanês. Servia prato feito. Mas prato feito da minha mãe era no forno a lenha, com lombo de porco, tutu de feijão e leitão a pururuca.’

Um dia, um político passou lá e pediu um prato para o Juscelino. O presidente, que estava instalado provisoriamente no Catetinho, uma construção de madeira bem simples, aprovou os quitutes. ‘Quero essa cozinheira’, disse ao amigo. Assim a dona Maria virou a chef do Juscelino. ‘O que ele mais gostava era galinhada caipira com arroz e açafrão e ovos cozidos cortados em quatro por cima’, diz Lilian, que transformou o prato no carro-chefe de sua casa Biroska. Logo o presidente caiu de encantos pela menina de 11 anos. ‘Lembro de estar sentada no colo dele. Ele dizia que eu era especial, diferente, muito inteligente para a idade’, conta.

Mas, com a inauguração do Palácio da Alvorada, dona Maria foi dispensada e a família voltou à sua vida normal. ‘Comecei em casa de família, cozinhando, lavando e passando roupa. Naquele tempo não tinha isso de idade. Era andar e já sair trabalhando.’ Aos 15, trabalhava de garçonete quando virou uma das Garotas da Semana do Correio Braziliense. A foto no jornal rendeu convite para participar do 1º Miss Brasília. Ela diz que ganhou, mas teve de devolver a coroa por ser menor de idade.

GENE DA BOEMIA

Quando sua mãe estava no leito de morte, a chamou e disse que precisava lhe contar um segredo, mas lhe faltava coragem. Preferiu deixar uma carta explicando tudo tintim por tintim: certa vez, em 1947, sua mãe havia se separado do pai, uma briga à-toa, que logo foi resolvida. Mas, durante aqueles meses de separação, ela foi à cidade vizinha para assistir a um show do potente Nelson Gonçalves. Depois da apresentação, papo vai, papo vem, e não é que Nelson dá em cima da mulher? E dessa noitada nasceu Lilian nove meses depois. Assim, aos 25 anos, Lilian descobriu ser filha de um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos, mas não deu muita bola.

‘Quando o conheci, anos depois, fiz festa pra ele, mas não falei nada. Mas, quando ele ficou bem debilitado, quis falar com ele, chamei para uma semana de shows no Scandal. Conversamos sobre isso, ele disse que já sabia há alguns anos, e aqueles foram seus últimos shows. Morreu em abril de 1998.’ Ora, de onde senão do velho boêmio teria Lilian herdado o gene da noite? Desde o início dos anos 70, ela inaugurava casas no centro de São Paulo. Primeiro, uma pequena garagem na Rua Jaguaribe. Depois uma casa de acarajé na Avenida Angélica. E em 1977 comprou o que seria a Biroska.

REDUTO DE ARTISTAS

Localizada na Rua Canuto do Val, 9, onde está até hoje, a Biroska trazia algumas novidades para a época: garçonetes especialmente bonitas, música sertaneja em vez de discoteca, a dona que saracoteava para lá e para cá e, principalmente, o horário generoso. Como virava a noite, coisa raríssima à época, a Biroska logo começou a atrair os boêmios, os artistas que trabalhavam em outras casas ou simplesmente qualquer corajoso que resolvesse encarar uma moqueca às 4 da madrugada.

Mas foi a vizinhança com a gravadora RCA que mais ajudou a Biroska a se tornar o que ela foi nos anos 80: o maior reduto de artistas populares já visto em São Paulo, reunindo em volta da mesma garrafa de uísque gente como Odair José (‘Perdi a conta de quanto ele afogou as mágoas na bebida por causa da Diana, sua mulher.’), Raul Seixas (‘Era na dele. Entrava e todo mundo parava de conversar para vê-lo passar. Às vezes, quando vinha com o Paulo Coelho, um saía segurando o outro.’), Martinho da Vila (‘Foi o cara que mais vi beber na vida. Pedia cerveja, campari, uísque e conhaque, tudo junto, com quatro copos na mesa. Compunha música ali.’), Antonio Marcos (‘Rivalizava com o Martinho, mas teve um final triste. A bebida tomou conta.’), Fábio Jr. (‘Se existe alguém paquerador no mundo, é esse. Dizia que só se interessava por duas mulheres: a brasileira e a estrangeira.’), Benito de Paula, Cauby Peixoto (‘Benito era brincalhão, chegava e se ajoelhava aos meus pés. Cauby, ao contrário, entrava, e eram os clientes que se ajoelhavam aos pés dele.’), e muitos outros ainda, como Sidney Magal, Vanusa, Silvio Brito, Maria Creuza, Zé do Caixão e, de vez em quando, nomes da primeira linha da MPB, como Toquinho e Vinicius.

Mas o primeiro a aparecer lá, logo após a inauguração, não foi nenhum desses, e sim o cantor Nilton César. Estava no auge do sucesso com o estouro de Professor Apaixonado, canção que tinha um início falado (Minhas alunas/ Hoje eu vim aqui para me despedir de vocês!/ Não, professor!!!), mas que logo descambava para o triste refrão: A minha profissão, vou ter que abandonar/ Porque meu coração, não pode suportar…/ Há uma aluna que estou a namorar/ Eu vou parar, parar de lecionar…) Pois o professor apaixonado entrou na Biroska e, depois de aprovar a decoração simples, a procedência do uísque (eram tempos dos temíveis paraguaios) e até a dona, a quem lançou alguns galanteios, começou a trazer os amigos. E a fazer a fama de Lilian.

Chacrinha virou habitué e, logo ele, trocou o bacalhau pela galinha. ‘Foi ele quem pediu, pela primeira vez, para comer uma galinhada. Claro que fizemos igual à que Juscelino gostava, e o sucesso foi tão grande que logo se tornou o principal prato da casa.’ Aquela galinhada deve mesmo ter sido especial porque, semanas depois, Chacrinha a convidou para ser jurada em seu programa na Globo e, depois de apresentá-la como ‘latifundiária, a empresária Lilian Gonçalves’, começou a cantar sua última marchinha: Entra na Biroska que você vai ser feliz/ Entra na Biroska que você vai ser feliz/ Eu nessa noite vou querer me acabar/ Todo mundo lá/ Todo mundo lá. A surpreendente composição era assinada por Michael Sullivan e Paulo Massadas, reis não coroados do pop brasileiro. E a dupla, aliás, também não saía da Biroska.

Agora que a Biroska estava na boca do povo, Lilian tentou uma nova cartada: ser cantora. Lançou dois compactos e um LP romântico em 1986 e, apesar de eleita ‘a cantora mais elegante do ano’, o sucesso foi relativo. A turnê incluiu show com a caravana Raul Gil para os detentos do Carandiru, mas nem essa rara oportunidade fez Lilian abraçar de vez a carreira artística. ‘O curso para perdedora eu não fiz. A sensibilidade necessária para cantar não combinava com minha brutalidade de empresária’, analisa.

A LIMUSINE BRANCA

Sua rede de casas noturnas foi aumentando. Houve a Biroska 2, em Moema; a 3, na Amaral Gurgel; a 4, com o subtítulo de Chiquita Bacana, na Rui Barbosa; e a 5, que virou Scandal, e foi uma tentativa de Lilian de se aproximar do público classe A. ‘Minha vaidade é apenas comercial. O Scandal dava muito trabalho e pouco lucro. Pessoas sofisticadas exigem demais. A faixa popular é mais animada, mais fácil de trabalhar e paga muito melhor.’

A farra durou das Biroskas durou até o Plano Cruzado, em 1986, quando o presidente Sarney tabelou cerveja e chope. Casas como a de Lilian, que cobravam três vezes mais por uma garrafa de cerveja que o pé-sujo da esquina, tiveram de nivelar o preço. Houve uma invasão popular, com gente de chinelo de dedo consumindo apenas uma coca-cola a noite inteira, um trauma que espantou os artistas para todo o sempre. Aí Lilian inventou o couvert artístico (‘fui eu mesma!’) e seguiu em frente. Agora, em quatro rodas.

Sua idéia sempre foi arrasar. Então, como convinha a uma rainha da noite, comprou dois Landaus e mandou juntar numa limusine de 9,5 metros. Tinha TV, interfone para alcançar o motorista lá na frente, rádio transmissor, televisão e, claro, um bar completo. A limo branca rodava por São Paulo arrancando suspiros de inveja e era cobiçada por diversos artistas, inclusive James Brown, que a usou em uma passagem pelo Brasil. Ficou com a limo oito dias e a devolveu depois de vomitar dentro e quebrar tudo o que era possível, mas Lilian só ficou mais ou menos brava. Isso porque, ao visitar a Biroska, o rei do soul, o pai do funk, o senhor sex machine em pessoa, entrou rebolando, fazendo piruetas, mandando beijinhos e parou, estático, sozinho, no meio do restaurante, esperando os aplausos. Até Lilian sabe que tem coisas que o dinheiro não compra.

Mas uma hora ela se encheu. ‘Era tanto pedido, tanto desespero para conhecer a limusine que um dia mandei estacionar na porta da Biroska para o motorista dar voltas no quarteirão com os clientes.’ O carrão foi aposentado no Plano Collor, em 1990. ‘Todo mundo ficou pobre de repente; não quis ostentar’, segreda. Mas ela existe até hoje, apodrecendo, a ferrugem nunca dorme, na garagem de sua mansão.

E as casas de Lilian iam fechando, Scandal, Bastidores; outras iam abrindo, Dança Brasil, Espetinho 2; trocando de nome, Poison, Caipiroska; e hoje sua lista está assim: Biroska – A Casa dos Artistas, o restaurante Território da Bahia, a pizzaria Viva Maria, o boteco Espetinho, Cerveja & Cia. e o Bastidores Espaço Cultural, todos lado a lado, na pequenina Canuto do Val, esperando os executivos para o happy hour, os estudantes no início da noite, os baladeiros lá por volta da 0h, os funcionários de bingos ali pelas 2h, os garçons de outros bares às 4 da manhã, os manobristas de estacionamento às 5h, e às 7h pode-se ver Lilian Gonçalves indo para casa, com o sol nascido, sem uma única gota de álcool no sangue e sem uma única tragada de cigarro na consciência, mas com alguns milhares de reais a mais em sua conta bancária.’



Leila Reis

TV mais responsável

‘Se nada de extraordinário acontecer, amanhã estréia na RedeTV! um programa absolutamente fora dos padrões da TV brasileira. As ONGs que processaram a emissora por causa das pegadinhas do Tarde Quente, comandado por João Kleber, ganharam na Justiça o direito de colocar no ar um mês de programação (das 16 às 17 horas) vendendo o peixe das causas que abraçam. O programa de auditório (fora do ar há algum tempo) foi acusado de humilhar gays e deficientes com as brincadeiras, incentivando assim o preconceito contra as minorias.

Além de ser condenada a exibir os programas, a RedeTV! também foi obrigada a pagar a conta da produção: R$ 200 mil. Para os padrões de televisão esse valor é irrisório (um só capítulo de novela na Globo custa perto de R$ 200 mil) e, se não fosse o interesse das produtoras independentes em contribuir, talvez não fosse possível ocupar o horário conseguido por meio da ação judicial.

Assim, entra no ar um programa cuja fórmula anunciada é um debate e a exibição de programas sobre direitos humanos. Os temas tratam do combate à discriminação sexual, racial, a fome, a defesa dos direitos da criança e do adolescente, da reforma agrária, direito à comunicação, etc. A Intervozes, uma das organizações envolvidas, recebeu mais de 100 fitas candidatando-se a entrar no vídeo. A seleção dará vez àquelas com um padrão técnico minimamente compatível com o da TV.

Não cabe discutir a priori o resultado do que vai ao ar. Mas, independentemente de qualquer coisa, esse fato é inédito na TV brasileira e remete a algumas constatações.

A primeira é que somente o incrível desenvolvimento tecnológico permite a pequenos produtores a possibilidade de preencher uma grade de programação sem despender os milhões de dólares investidos pelas emissoras em passado recente.

Outra constatação é que existe uma demanda reprimida de criadores em busca de um canal de expressão. Assuntos de interesse do terceiro setor podem não encontrar receptividade na rede aberta, mas isso não impede que vídeos e filmes sejam produzidos para alimentar o circuito de atividades das entidades.

São esses documentaristas, cineastas, videomakers -seja lá como se chamam- que se mexeram para batalhar uma oportunidade de aparecer na TV. Eles não podem ser acusados de artistas em busca do estrelato. Como criadores, buscam legitimamente atingir um público do tamanho que só a TV consegue arrebanhar.

A mais importante das constatações é que, pela primeira vez na vida da televisão brasileira (que nasceu em 1950), a Justiça olha para o conteúdo da programação a pedido de representantes de cidadãos ofendidos e lhes dá razão, punindo efetivamente uma emissora (a Rede TV! ficou 25 horas fora do ar por não colocar os programas educativos no horário do Tarde Quente).

Essa atitude do poder constituído mexeu muito com os defensores da concorrência de mercado. O pessoal – numeroso, diga-se de passagem, que aponta o telespectador como o responsável pela baixa qualidade da TV porque, em tese, é o dono do controle remoto – acusou a volta da censura e alardeou o perigo que corria a liberdade de expressão.

Na verdade, o que ocorreu – e parece que a opinião pública assim entendeu – é que o Ministério Público acatou reclamação de representantes de brasileiros (deficientes, negros e homossexuais) que se sentiram prejudicados pela televisão e a Justiça deu ganho de causa aos ofendidos. No que nos tange, esse ato é exemplar, porque responsabiliza finalmente as emissoras pelo que colocam dentro da casa dos brasileiros.’

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O Estado de S. Paulo
Sábado, 10 de dezembro de 2005



TV DIGITAL
Renato Cruz

TV digital deve ter transmissão comercial em 7 de setembro

‘Se quiser ver a Copa na TV digital, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de se contentar com as transmissões de teste, como as previstas para hoje no canal 24 UHF, em São Paulo. Ontem, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou que as transmissões comerciais de TV digital devem começar em 7 de setembro de 2006, Dia da Pátria. Mas ainda não se sabe se isso significará a independência do País em relação aos sistemas internacionais, o japonês ISDB, o europeu DVB e o americano ATSC.

‘As principais redes participam de um esforço para começar a pôr no ar o sinal comercial em São Paulo’, afirmou Costa, durante evento na Universidade de São Paulo (USP). ‘Não é uma promessa.’ As emissoras, que se tudo correr bem, devem entrar ao mesmo tempo, são a Globo, SBT, Record, Bandeirantes, RedeTV! e Cultura.

Segundo o professor Marcelo Zuffo, da USP, devem ser produzidos 10 mil conversores de TV digital até junho, em tempo para a Copa. Os conversores permitem receber o sinal digital em televisores analógicos.

Antes de visitar a USP, Costa se empolgou e falou em ‘reserva de mercado’ para a indústria nacional, durante almoço da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), mas percebeu a gafe e recuou: ‘Quis dizer que daremos todo o apoio à indústria nacional’.

Para desenvolver o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), foram formados 22 consórcios, formados por 79 instituições de ensino e pesquisa. Os trabalhos envolveram 1,3 mil pesquisadores de todo o País. Ontem, o ministro assistiu à demonstração do resultado da pesquisa de 10 consórcios.

‘O presidente se comprometeu a tratar com prioridade absoluta a TV digital’, afirmou Costa. Os consórcios têm até hoje para entregar ao CPqD o resultado de seu trabalho, que inclui relatórios e protótipos.

‘O trabalho não pára amanhã’, disse o ministro das Comunicações. Ele destacou que o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) terá R$ 200 milhões no ano que vem. As universidades precisam de pelo menos R$ 100 milhões para transformar a pesquisa em produto. Até janeiro, o dinheiro desembolsado pelo governo para a primeira fase do SBTVD, já concluída, chegará a R$ 52 milhões.

A decisão sobre a tecnologia a ser adotada no País deve ser anunciada até o dia 10 de fevereiro de 2006.



TELEVISÃO
O Estado de S. Paulo

No Natal, Roberto vem de roupa nova

‘Falou um quase-palavrão (‘Tá ferrado!’), vestiu terno azul-escuro (quebrando uma tradição de mais de 20 anos), fez broma com a própria letra de sua música, cantou rock’n’roll acelerado e canção de motel. Roberto Carlos, decididamente, não é mais o mesmo. Mas é cada vez mais o Roberto multifacetado que foi pioneiro do rock, gênio do iê-iê-iê, fã da bossa de João Gilberto, adepto do funk e do soul nacional, cantor romântico picante e tudo o mais que encenou em sua vida profissional, ao longo de quase 50 anos de carreira.

Todos esses Robertos Carlos estarão no Especial de Fim de Ano da TV Globo, que vai ao ar no dia 21, após a novela Belíssima. Roberto gravou o programa anteontem à noite, no Credicard Hall, em São Paulo, para uma platéia de mais de 3 mil convidados, muitos deles sorteados em programas de rádios, além de VIPs como Regina Duarte, Wanderléa, Lu Alckmin, John Herbert, Washington Olivetto, Gabriela Duarte. Hebe Camargo, que é do SBT, estava no gargarejo (será que vão mostrá-la na telinha da Globo? Tem quem duvide).

Esforçando-se para mostrar que está se curando da doença psicológica conhecida como TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), o cantor encarou o desafio de trocar de roupa. Em vez do terno branco que sempre usa na gravação anual, ele desta vez envergou um azul-escuro, e ainda por cima elegante. ‘Sou eu mesmo. Troquei de roupa hoje’, explicou, rindo, à platéia. ‘Ou melhor: de cor. Ou melhor: de tom’, continuou. Mudou tudo, mas ninguém conseguiu tirar dele o cintão country de fivela redonda gigante.

O show é excepcional. Roberto gravou tudo sem repetir música alguma, nem papo algum com os convidados. Os músicos não erraram nada, ele não esqueceu nenhuma letra. Foi pá-pum, entrou cantando um pot-pourri com Pra sempre e Emoções, emendou Eu te Amo, Te Amo, Te amo e foi até o fim sem paradas, culminando com a eucaristia de Jesus Cristo, com a oferenda de rosas para as fãs.

O cenário era high tech, com telões ao fundo e painéis luminosos nas laterais, com imagens manipuladas por computador. Muito sofisticado, reforçava a impressão de ‘banho de loja’ em Roberto, que se mostrou incrivelmente à vontade na noite. As histórias que ele conta, é claro, são repetidas, como a resistência a cantar Outra Vez, de Isolda, porque ‘nem sempre as mesmas coisas têm o mesmo sentido’, mas é preciso fazer um esforço: ‘Eu sei que vocês gostam muito dessa canção.’ O entusiasmo é que parece diferente, renovado.

Tocando violão, à moda joãogilbertiana, Roberto cantou Detalhes. Tocando piano, cantou Acróstico, cujas iniciais dos versos formam a frase Maria Rita, Meu Amor. Com ‘o carro e o coração acelerados’, cantou Por Isso Corro demais.

O grupo mineiro Jota Quest desafiou Roberto a cantar com eles a sua versão lisérgica de Além do Horizonte, que o vocalista Rogério Flausino chamou de hino pela paz. ‘Um hino não sei. Mas a vontade pelo menos é’, retrucou Roberto. ‘Vai encarar o rock’n’roll? Você que começou’, provocou Flausino. ‘Vamos nessa!’, devolveu o Brasa. Antes, sozinho, o Jota Quest executou seu hit Do Seu Lado (Nando Reis).

‘Há muito tempo, nem me lembro quando, fui ver um filme de Elvis Presley’, começa a contar o ‘Rei’, para justificar a admiração por uma música do outro ‘Rei’ do rock, Loving You. ‘Pensei em gravar uma versão em português, mas decidi cantar assim mesmo, em inglês.’

De política, nem um pio. Ou melhor, só um arranhão de crítica. Nos versos iniciais de É Preciso Saber Viver, ele declama os versos ‘Quem espera que a vida/Seja feita de ilusão…’, faz uma pausa e diz: ‘Tá ferrado!’

Com Cláudia Leite, da banda de axé baiana Babado Novo, ele cantou Amor Perfeito. Em seguida, ela sozinha (belíssimo transgênico blonde de Ivete Sangalo, mas com uns dez anos a menos) carnavalizou o ambiente e cantou Você Pirou Minha Cabeça e Meu Coração. ‘Obrigada, meu rei’, disse a cantora, ao finalizar. ‘E ainda por cima ele é simples pra dedéu!’, derreteu-se.

Simples, mas não simplório. Os dons de interpretação de Roberto são incomparáveis na MPB, ele é único no gênero. Obviamente, é triste vê-lo submeter sua voz a canções menores ou jecas, como a novíssima Arrasta Uma Cadeira, que ele conta ter levado 14 anos para finalizar. A música estará no disco que ele lança quarta, no Rio.

Mas o que levanta a platéia são mesmo os clássicos, como não poderia deixar de ser. São os standards de Roberto. ‘As coisas velhas são como os velhos amigos: a gente gosta de ter sempre com a gente’, disse ele ao cantor do Jota Quest. Então, quando ele retoma a velha canção de motel Cavalgada, com tudo que ela traz de metáfora musical (até o clímax final), é a afirmação de uma verdade inescapável: Roberto Carlos ainda é, e provavelmente será até o fim, o maior cantor popular do País.’

Keila Jimenez

Vesgo processa Netinho

‘O repórter Vesgo, do Pânico na TV!, está processando uma celebridade por danos morais. Mais uma piada da trupe? Não, o negócio é sério, bem sério. Rodrigo Scarpa, que faz o Vesgo na atração da RedeTV!, entrou esta semana com uma ação contra o apresentador Netinho, da Record.

A confusão começou em novembro, quando o apresentador deu um soco no repórter Vesgo na chegada à festa do Troféu Raça Negra. Na ocasião, Vesgo, que fazia uma daquelas reportagens para o Pânico, mandou uma de suas perguntas engraçadinhas para o apresentador, que não achou graça e respondeu com um soco. A agressão foi ao ar, e , dias depois, Netinho chegou a se desculpar em público pelo ocorrido.

O Pânico pintou e bordou com a história, conseguiu ficar em segundo lugar em audiência explorando a confusão, mas na gravação fica claro que Vesgo não gostou nada do resultado da piada.

Tanto é que entrou com uma ação por danos morais contra Netinho na quarta-feira, na 45ª Vara Cível do Rio de Janeiro.

Segundo o advogado do humorista, Sylvio Guerra, Vesgo teve problemas de audição por causa da agressão e ficou abalado psicologicamente com o ocorrido. ‘Logo após a agressão, Netinho subiu em um palco e disse para a platéia que bateu no Vesgo e bateria de novo se quisesse’, fala o advogado. ‘No dia seguinte, foi a um programa em rede nacional e repetiu isso. Meu cliente está no direito dele. Agora, quem vai calcular o valor da indenização por dano moral é o juiz, ele é quem calcula a extensão da gravidade do dano.’

Segundo Sylvio Guerra, Rodrigo Scarpa tem até laudos médicos que comprovam a agressão, além da gravação. ‘Quer prova maior do que esta?’, pergunta o advogado.’