Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo


TANURE & VARIG
Lourival Sant’Anna


O vôo turbulento do capitão Tanure


‘Em seus 33 anos como empresário, Nelson Tanure coleciona uma seqüência notável de negócios em que comprou e não pagou, vendeu e não entregou. O homem que quer comprar a Varig, e que confessa desinteresse por gestão, adquire empresas insolventes para tirar proveito de seu lado bom – caixa momentâneo, ativos, contratos ou prestígio. E ignora seu lado ruim – as dívidas que atormentam seus donos, mas não a ele, que, afinal, não as paga.


Tanure estreou em 1972 na sua Salvador natal, com uma incorporadora de nome Cinassa. Fez empréstimos no Banco do Nordeste para construir edifícios cuja garantia eram os próprios apartamentos a serem vendidos. Seus clientes pagaram pelos apartamentos; mas a Cinassa não pagou as hipotecas. Processado por estelionato, Tanure foi embora da Bahia.


Desembarcou em Paris, onde um amigo intermediou um convite para trabalhar na embaixada brasileira, na época a cargo do atual deputado Delfim Netto. Quando Delfim voltou para o Brasil, para assumir pela segunda vez o Ministério da Fazenda, Tanure também voltou, instalando-se no Rio. Passou a trabalhar como vendedor de turbinas da francesa CGE Alsthon para hidrelétricas. Nesse período, conheceu políticos influentes do Norte, como os ex-governadores Gilberto Mestrinho, do Amazonas, e Jader Barbalho, do Pará (ambos em 1983-87 e 1991-95).


Em meados dos anos 80, Tanure fez lobby na Petrobrás para conseguir um contrato de construção de navio para uma empresa de pequeno porte, a Sequip, e tornou-se acionista dela. Em 1987, adquiriu as partes dos sócios e partiu para aquisições de empresas arruinadas com clientes no seu círculo de influência. Foi assim com o estaleiro Emaq, dono de encomendas da Petrobrás, e a Sade, distribuidora de energia elétrica e credora dos governos do Amazonas e do Pará. Depois de sua aquisição por Tanure, por um décimo do valor, Barbalho quitou a dívida com a Sade.


APOGEU


No curto governo do presidente Fernando Collor (1990-92), Tanure, um homem discreto e afável, viveu seu apogeu em Brasília. O advogado Bernardo Cabral, amigo de Mestrinho, tornou-se ministro da Justiça; a economista Zélia Cardoso de Mello, amiga de sua mulher, Patrícia, ministra da Economia. O rumoroso romance dos dois ministros teve como cenário o sítio do casal Tanure em Petrópolis, comprado da família Valois Souto, com sede decorada em estilo inglês e rico acervo de obras de arte.


Em abril de 1991, num interesse repentino e simultâneo, dez fundos de pensão de estatais, entre eles Previ, do Banco do Brasil, Petros, da Petrobrás, e Funcef, da Caixa, compraram US$ 26 milhões em ações da Sade, ainda combalida financeiramente. O BNDES injetou outro US$ 1,68 milhão. Essa foi a primeira grande oportunidade de capitalização de Tanure.


Ele comprou, então, o controle do Verolme, à época o maior estaleiro da América Latina, com uma – para ele – apetitosa dívida de US$ 200 milhões e 11 encomendas de navios para a Petrobrás. Embora o estaleiro fosse avaliado em US$ 200 milhões – o mesmo valor de suas dívidas -, o pagamento de que se tem notícia foi um sinal de US$ 250 mil. Correu no mercado que seus controladores teriam recebido por fora. Os bancos credores foram pagos em ações. Uma fusão com a japonesa Ishikawajima deu origem às Indústrias Verolme-Ishibrás (IVI), detentoras de 80% da capacidade instalada da indústria naval – e de centenas de milhões de dólares em dívidas.


As greves sucessivas dos empregados dos estaleiros, por falta de pagamentos de direitos trabalhistas, levou a Petrobrás a botar a mão no bolso, pelo menos duas vezes, para garantir a entrega de suas encomendas. Além do que já havia pagado pelas embarcações, a Petrobrás arcou, em 1997, com mais de R$ 50 milhões, em dinheiro de hoje, para custear o FGTS dos funcionários. Tanure costuma dizer que pagar direitos trabalhistas vai contra seus princípios.


As dívidas contraídas pelos estaleiros, entre 1992 e 1995, com o BNDES valem hoje R$ 200 milhões, com juros e encargos. Em razão disso, as portas do banco estariam fechadas para uma Varig sob Tanure.


PROEZA


A segunda grande oportunidade surgiu em 2000, quando o Bradesco manifestou interesse em comprar o Banco Boavista. Seus controladores eram os grupos Monteiro Aranha, o português Espírito Santo e o francês Crédit Agricole, que, depois de comprá-lo da família Guinle de Paula Machado, haviam enterrado mais de R$ 850 milhões no banco sem conseguir cobrir seu rombo e estavam desesperados para pular fora.


O Bradesco concordou em pagar o que os três grupos tinham injetado no banco e comprá-lo pelo preço simbólico de R$ 1, e se preparava para fechar o capital do Boavista. Foi quando surgiu Tanure, com ações do banco, que vieram com a companhia Docas, por ele comprada da família Paula Machado. Tanure, que sempre teve bom trânsito em tribunais, bloqueou a venda na Justiça e exigiu R$ 200 milhões. O valor não tinha relação com as ações do banco falido. Era o preço da solução do negócio. No fim, o Bradesco lhe pagou o equivalente a US$ 83 milhões.


Depois de tantas proezas, a imagem de Tanure no mercado começou a incomodar até o próprio Tanure. Filho de imigrantes libaneses instalados no sul da Bahia, ele já se havia habituado a emprestar passados e traços aristocráticos de outros, como os burgueses emergentes que encomendavam quadros da Renascença. Detentor da coleção de CDs eruditos arrematada da viúva do economista Mário Henrique Simonsen, Tanure mantém no seu escritório, no quarto andar do Edifício Argentina, no centro do Rio, fotografias dos Guinle de Paula Machado, como quem exibe o álbum de família.


JORNAIS


Para melhorar a imagem, resolveu que era hora de comprar jornais de prestígio falidos – e não pagar. Para isso, seu artifício é criar uma empresa nova, que fica com os ativos, como a marca, e deixa para trás os passivos. No fim do ano 2000, Tanure convenceu José Antonio do Nascimento Brito, o Josa, um dos cinco herdeiros e presidente do Jornal do Brasil, a associar-se a ele na JB Comercial, uma empresa criada para ‘arrendar a marca’ – eufemismo para comprar sem assumir o passivo – por 50 anos. A família, que ficou com a dívida de R$ 2,7 bilhões, nada recebeu.


Em dezembro de 2003, foi a vez da Gazeta Mercantil, com uma dívida de R$ 300 milhões, cuja marca a Editora JB arrendou por 60 anos. O contrato previa o pagamento de R$ 140 milhões para saldar dívidas e mais 3% da receita líquida mensal pelo arrendamento. Luiz Fernando Levy, o dono da Gazeta, também não viu a cor do dinheiro. Embora o contrato restringisse o negócio à operação comercial, Tanure passou a dar as cartas no jornal, por meio de um preposto, o jornalista Marcos Troyjo. O mesmo se deu no JB.


Aos 54 anos, Tanure parte para mais uma: embora sua holding Docas Investimentos S/A tenha amargado prejuízo de R$ 23 milhões no balanço de 2004, ele promete investir na Varig mais ou menos isso (US$ 11,2 milhões) por ano, ao longo de uma década. A Fundação Ruben Berta quer acreditar.’


Mariana Barbosa


Desafio é reconquistar a credibilidade


‘As idas e vindas judiciais da última semana mostram que não será fácil para o empresário Nelson Tanure adquirir o controle da Varig. E, mesmo que consiga, terá de fazer milagres para restabelecer os dias de glória da ‘estrela brasileira’.


Aos 78 anos, a Varig é um elefante voador que carrega no lombo uma dívida estimada em R$ 9 bilhões. Com 15 aviões parados por falta de dinheiro para manutenção, a empresa assiste da janela ao crescimento recorde de quase 20% do setor aéreo brasileiro neste ano. De novembro do ano passado para cá, caiu 10 pontos porcentuais em participação no mercado doméstico, perdendo a vice-liderança para a Gol. Com isso, sua receita, que chegou a R$ 8,8 bilhões no ano passado, deverá cair para R$ 6,5 bilhões. Enquanto isso, sua estrutura de custos se manteve praticamente inalterada.


Ainda que consiga vencer a batalha dos tribunais para garantir a aquisição do controle da Fundação Ruben Berta (FRB), controladora da Varig, o empresário terá de convencer os credores da Varig a apoiá-lo. O primeiro desafio será amanhã com a assembléia de credores, parte do processo de recuperação judicial. Se não houver nenhuma liminar suspendendo a assembléia, os credores deverão apreciar o plano de Tanure para a aquisição do controle da Varig e também o plano de recuperação da companhia. Se o plano for rejeitado, a falência da empresa será imediatamente decretada.


Mas, supondo que o plano será aprovado e os credores aceitarão Tanure como controlador da empresa, o desafio será restabelecer a credibilidade perdida junto aos fornecedores, em especial as empresas de arrendamento de aeronaves.


Aqui, o primeiro teste virá na quarta-feira, quando a Justiça de Nova York julgará liminar concedida à Varig que impede o arresto de aeronaves por empresas de leasing. Tanure terá, no mínimo, de provar que será capaz de pagar compromissos correntes com essas empresas – uma conta de cerca de US$ 30 milhões mensais que a Varig não paga desde que entrou em recuperação judicial, em junho. (A TAP e o BNDES pagaram US$ 62 milhões para as empresas de leasing, referente a parcelas de julho a setembro, em nome da Varig, numa operação que envolveu a venda de duas subsidiárias mas foi atropelada pela entrada de Tanure. Além de contabilizar essa dívida com a TAP, Tanure terá de pagar outros U$ 60 milhões pelos aluguéis de outubro e novembro.) Isso sem contar as dívidas passadas. Se a liminar for suspensa, a empresa perde imediatamente seus principais aviões, e será o fim dos vôos internacionais. No início do ano, vencerão nada menos do que 31 contratos de arrendamento, referentes a quase toda a frota de 84 aviões. Com o mercado internacional aquecido, especialmente na Ásia, esses aviões serão rapidamente realocados para outras partes do mundo.


Tanure herdará uma empresa totalmente descapitalizada, que paga salários com semanas de atraso e tem de pagar pelo combustível que usa a cada dez dias. ‘Sem uma injeção de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões no curto prazo, não há como pensar em reerguer a Varig’, diz um executivo do setor.


Apenas para recuperar os motores das aeronaves paradas são R$ 120 milhões. Os valores estão longe, bem longe, dos US$ 112 milhões que Tanure ofereceu pelo controle da FRB durante dez anos – e que ele se propõe a pagar em dez parcelas, uma por ano.


Para convencer a fundação e os sindicatos a abraçar sua proposta, Tanure prometeu não fazer demissões, manter o fundo de pensão Aerus e não fatiar a empresa. Até o momento, porém, o empresário não deu nenhuma indicação de como pretende reestruturar a empresa e pagar as dívidas (se é que tem alguma intenção de fazê-lo). Quais serão as prioridades: mercado doméstico ou internacional? Com que frota pretende operar? Haverá demissões? De onde sairá o capital de giro para bancar a operação? Até agora, ninguém sabe.


Por fim, se a intenção do empresário é fazer com a Varig o que fez com o Jornal do Brasil e com a Gazeta Mercantil, alugando a marca e deixando o passivo de R$ 9 bilhões no colo da fundação, ele já tem um inimigo: o procurador gaúcho Antônio Carlos de Avelar Bastos, do Ministério Público de Fundações. Preocupado, Bastos já instaurou, na noite de sexta-feira, um inquérito civil público para investigar as negociações entre Tanure e a FRB.’


CRISE POLÍTICA
Ana Paula Scinocca e Ângela Lacerda


Oposição grita agora, mas perde fôlego até a eleição, diz Lula


‘Depois da divulgação de duas pesquisas mostrando o pré-candidato tucano José Serra à frente da corrida presidencial, tanto no primeiro como no segundo turnos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que, ‘após meses gritando’, a oposição perderá fôlego até a eleição. No lançamento da pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca, região metropolitana de Recife, Lula afirmou que, se entrar na disputa, será para ganhar.


‘Sei que nós teremos eleições em outubro, que no Brasil o clima já é pré-eleitoral. A oposição já está na rua gritando há alguns meses. E eu acho que o fôlego vai terminando quando vai se aproximando da data das eleições’, discursou.


Ao lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez – a refinaria é resultado de uma parceria entre a Petrobrás e a Petróleos de Venezuela S. A (PDVSA) -, Lula reiterou que vai decidir se disputará a reeleição ‘no momento certo’. ‘Não vou precipitar nenhuma decisão. Não sou candidato antes do tempo.’ Anteontem, falava-se que ele poderia antecipar o lançamento da candidatura após saber dos dados das pesquisas eleitorais.


Falando de improviso e bastante à vontade, Lula foi duro com a oposição. ‘Não farei o jogo rasteiro dos meus adversários. Não jogarei pequeno e não baixarei o nível de uma campanha política neste país’, disse.


FALAR COM ALMA


Durante pouco mais de 40 minutos, Lula discursou para cerca de 4 mil pessoas, a maioria do PT e do PSB, de seu ex-ministro Eduardo Campos. Destacou que, se abrir mão da reeleição, o PT escolherá ‘um companheiro’ para ganhar as eleições.


Antes de começar a falar de improviso, o presidente tentou, como ele próprio afirmou, seguir o discurso escrito. No entanto, tendo Chávez como companhia e exemplo – o venezuelano falou antes dele durante 53 minutos, e só parou diante da inquietação do público -, o presidente preferiu ‘falar com a alma’. E saiu aplaudido.


A refinaria Abreu e Lima vai receber investimentos de US$ 2,5 bilhões e deverá entrar em funcionamento em 2011. A previsão é de que, ao longo da construção, gere 230 mil empregos diretos e indiretos. A Abreu e Lima vai ser a primeira refinaria construída pela Petrobrás nos últimos 25 anos.’


***


Para presidente, imprensa age como a da Venezuela


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem duras críticas à imprensa. Ao participar do lançamento da pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima, ao lado do presidente venezuelano, Hugo Chávez, Lula comparou o comportamento da imprensa brasileira com o da Venezuela. ‘Vão marcando a alma de cada pessoa atacada e, muitas vezes, não se tem a grandeza de pedir desculpa quando reconhece que estava errado’, disse. ‘Como haverá o dia do juízo final para cada um e nós, haverá o dia em que a verdade irá prevalecer.’


Dirigindo-se a Chávez, a quem chamou de ‘amigo e irmão’, Lula afirmou que conheceu o venezuelano num momento em que a imprensa do país vizinho o castigava duramente. ‘Estava um dia no hotel com Marco Aurélio (hoje assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República) assistindo à TV. A propaganda contra o Chávez era de tamanha magnitude, as ofensas pessoais ao Chávez eram de tamanha magnitude, que eu jamais imaginei que num país democrático pudesse a imprensa pudesse agir da forma que agiu.’


A lembrança foi a senha para que Lula fizesse a comparação com a linha adotada pela mídia brasileira. ‘Agora estamos vivendo no Brasil algo semelhante. Estamos vivendo um momento em que as pessoas não têm preocupação de saber se é verdade ou não a denúncia’, comentou.


O presidente disse que no Brasil a imprensa ‘primeiro publica’ para depois checar a veracidade das informações. ‘Não há nenhuma responsabilidade em apurar’, reclamou.


Lula avaliou que o País vive um clima de denuncismo semelhante ao de outras nações. Para o presidente, vários políticos sabem o significado de uma denúncia que não tem apuração, não tem prova. ‘Vão marcando a alma de cada pessoa atacada’, frisou.


JUSCELINO


À vontade em seu Estado natal, e diante de uma platéia favorável – que exibia faixas de apoio, como ‘Lula, Lutar, Mudar, Vencer’ e ‘Para o bem do povo, Lula de novo’ -, o presidente disse que o tempo se encarregará de revelar as verdades e revelar injustiças que tenham sido cometidas.


Em seguida, voltou a citar como exemplo os presidentes Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas. ‘Tivemos nesse País alguns grandes presidentes, mas vou lembrar de um: Juscelino’, anotou. ‘Se pegar hoje o que a imprensa falava entre 1956 e 1961, percebe o massacre que se fazia contra o presidente Juscelino. 45 anos depois vejo uma propaganda na TV Globo: estão fazendo um documentário especial sobre o mais importante presidente que o País já teve.’


Ao mencionar Getúlio, Lula disse que ‘quem mais tinha ódio’ dele era uma pequena parcela da elite brasileira, ‘sobretudo do Sul do País, porque ele acabou com a escravidão dos trabalhadores, criando a legislação trabalhista’.


Recorrendo a um velho chavão de campanha, quando reclamava do preconceito da elite, Lula voltou a falar que há no Brasil quem não saiba conviver em democracia. ‘Estou mais dedicado a ler a vida desses homens (Juscelino e Getúlio) para compreender a história do meu país e para perceber que nem todo mundo está habituado a viver em democracia’, disse.


‘A democracia, para algumas pessoas aqui, era boa quando o povo tinha apenas o direito de gritar que estava com fome, porque na cabeça de alguns esse era o limite da democracia, o povo poder reclamar. Não estavam preparados para que a democracia, levada às suas últimas conseqüências, fizesse um torneiro mecânico presidente da República. Não estava no prognóstico.’


‘Estamos provando que a democracia é o melhor dos instrumentos. Ela permite desde um grande empresário a um operário chegar à Presidência. Esse é um valor tão grande que, possivelmente, alguns levarão alguns anos para saber o significado’, comentou, para em seguida lembrar que o preconceito não é exclusividade do Brasil. ‘Mesmo nas dificuldades da democracia, é possível construir um espaço e convivência política na adversidade, onde a alternância de poder é a melhor solução para consolidar o processo democrático.’’


***


Chávez: ‘Direita está implacável. Mas vamos ao contra-ataque’


O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez ontem um discurso de apoio ao ‘amigo e irmão’ Luiz Inácio Lula da Silva – elogio retribuído, nas mesmas palavras, por Lula. Durante os 53 minutos em que falou na inauguração da pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima, Chávez recomendou ao colega brasileiro que tenha ‘força e coragem’ para enfrentar os ataques da direita que, para o venezuelano, tem agido de maneira ‘implacável’. Mas o presidente da Venezuela gastou mesmo a maior parte de sua fala para defender a reeleição de Lula.


‘Sim, Lula, você será presidente (novamente). A direita está implacável, mas, força Lula, coragem. Vamos ao contra-ataque’, sugeriu. Chávez disse que seria eleitor de Lula se votasse no Brasil. ‘Da mesma forma que você seria meu eleitor, se fosse venezuelano.’


Após citar personagens que lutaram pela independência de países da América do Sul, como Simon Bolívar e José Inácio Abreu e Lima, que dá nome à refinaria visitada ontem em Ipojuca, Chávez afirmou que Lula poderia seguir presidente do Brasil até 2011, ano em que a refinaria deverá ser colocada em funcionamento.


‘Lula, você vai estar na Presidência em 2011? Vamos à luta, vamos brigar pelos nossos ideais de justiça social, de melhorar a vida dos mais pobres, de ver o nosso continente se desenvolvendo cada vez mais’, pregou o venezuelano, que fez vários elogios ao colega. Disse até que Lula ‘traz nos genes carga de 500 anos de batalha e resistência ao imperialismo’.


Como de praxe, Chávez criticou o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. ‘Os Estados Unidos estão financiando as oposições do meu país, estão espelhando mentiras e difamações contra mim. Não adianta nada esta campanha imperialista. Vou ganhar novamente as eleições, desta vez com mais de 20 milhões de votos’, disse.


Nem mesmo o calor forte de 35°fez com que o presidente da Venezuela encurtasse o discurso. ‘Quando começo a falar, perco a noção do tempo’, admitiu, após ouvir reclamações da platéia de que era hora de terminar. Discretamente, enquanto Chávez falava, Lula acenou com as mãos, pedindo calma aos manifestantes impacientes. Lula também tentou conter as vaias da platéia durante o discurso do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcellos. Não adiantou.’


RODA VIVA COM ALCKMIN
Mário Sérgio Conti


A hora e a vez da desfaçatez


‘O governador Geraldo Alckmin provocou mal-estar, na segunda-feira, no programa ‘Roda Viva’. Perguntado, logo de cara, se era candidato à Presidência da República, Alckmin respondeu com uma única palavra: ‘Sou’. Alguns dos jornalistas que o entrevistavam ficaram momentaneamente mudos, estupefatos. Outros, constrangidos, trocaram risinhos amarelos. Parecia que o governador havia gritado um palavrão durante a missa.


Missa: as entrevistas de políticos na televisão seguem rituais tão rígidos quanto as cerimônias religiosas. Elas começam com perguntas espinhosas. Depois há as indagações genéricas. A seguir, os sorrisos cúmplices. No final, na regra, um jornalista insta o entrevistado a proferir uma ode ao povo e ao sistema democrático. E então todos se abraçam ou trocam apertos de mão – exatamente como numa missa.


Durante o ritual, o político cita números, faz auto-elogios, ataca a oposição, enaltece os eleitores, cita dificuldades da conjuntura internacional, simula estar irritado com uma eventual aleivosia, decididamente injusta. Há diferenças de ênfase, de tom, de argumentação, de estilo no desempenho dos políticos. O que não muda nunca, pois é o coração duro do espetáculo, é a mentira. O político mente o tempo inteiro. Mente no sujeito, no verbo e no predicado. No substantivo e no adjetivo. Mente até nas vírgulas. Os entrevistadores simulam (pois sabem que a tarefa é impossível) agir no sentido de que o político acabe dizendo, senão a Verdade, pelo menos, num deslize, num lapso, algo de verdadeiro.


Daí o espanto provocado por Geraldo Alckmin no ‘Roda Viva’. Ele rompeu com a tradição, com os bons modos, com o pacto ritualístico. Disse a verdade: é candidato à Presidência. Depois de meses de negaceios e desconversas, o governador finalmente reconheceu de público o que todos (no PSDB, nos outros partidos, no governo, na Opus Dei, nos sindicatos, na imprensa e na opinião pública dita esclarecida) estavam carecas de saber. O choque foi ainda maior porque há seis meses a política – e não o futebol, ou uma novela, como é de hábito – ocupa parte ponderável do sistema midiático; ou seja, estamos todos submetidos a doses colossais de mentira.


Um porco-espinho poderia argumentar que Alckmin não falou a verdade por amor à verdade, e sim por cálculo. Com seus assessores, aliados e pesquisólogos, ele teria concluído que aqueles eram o melhor momento e o melhor palco para lançar a candidatura. Falar a verdade, nesse raciocínio, seria um expediente. Um recurso de marketing. Logo a seguir Alckmin voltou ao normal, à engambelação habitual. Disse que ‘o Brasil está preparado para dar um grande salto de qualidade’; que quer ser presidente ‘para fazer as reformas que o Brasil não fez’; que quer ‘cortar gastos públicos’. Em suma, a lengalenga de sempre. Repetiu tudo aquilo que Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e todos os seus oponentes de peso, papaguearam durante as campanhas eleitorais. Deu no que deu, o resultado está à vista de todos.


Alckmin saiu-se, até, com uma metáfora à la Lula. Para realçar sua experiência (vereador, deputado, vice-governador, etc.), revelou que não se ‘pilota um Airbus sem ter antes passado por um monomotor, um bimotor… Fui co-piloto de um grande comandante, Mario Covas’. Como convém a um médico anestesista, o governador anestesiou a audiência.


A incompatibilidade entre verdade e discurso político não começou nem ontem nem no Brasil. No ensaio ‘A mentira na política’, a pensadora Hannah Arendt recenseia a literatura sobre o assunto, começando com os filósofos gregos. E conclui que a verdade ‘nunca esteve entre as virtudes políticas, e mentiras sempre foram encaradas como instrumentos justificáveis’. O que há de novo é a generalização da mentira política, que se espalha por toda a sociedade. Essa generalização, que tem algo de totalitária, é produto da submissão do discurso político aos ditames da técnica publicitária, que tem alcance massificador.


Agora mesmo, no seu belíssimo discurso de aceitação do Prêmio Nobel de Literatura (feito num hospital, onde se trata de um câncer no pâncreas), o escritor inglês Harold Pinter aborda o tema. Ele diz que a maioria dos políticos ‘estão interessados não na verdade, mas no poder e na manutenção desse poder. Para manter esse poder é essencial que as pessoas continuem na ignorância, que elas vivam na ignorância da verdade, mesmo da verdade de sua própria vida. O que nos rodeia, então, é um vasto tecido de mentiras, do qual nos alimentamos’.


Exagero? Pinter oferece como exemplo a política externa americana. ‘A justificativa para a invasão do Iraque era que Saddam Hussein detinha um arsenal extremamente perigoso de armas de destruição em massa, algumas das quais podiam ser disparadas em 45 minutos, provocando uma carnificina horrível. Foi-nos assegurado que isso era verdade. Não era verdade. Disseram-nos que o Iraque tinha relações com a Al-Qaeda e portanto tinha responsabilidade pelas atrocidades em Nova York, em 11 de setembro de 2001. Foi-nos assegurado que isso era verdade. Não era verdade. Disseram-nos que o Iraque ameaçava a segurança do planeta. Foi-nos assegurado que isso era verdade. Não era verdade.’


Aqui embaixo, no hemisfério sul, o buraco é um pouco mais embaixo. Como no plano das coisas reais a importância da política é nula, a desfaçatez tomou o lugar da mentira. Tanto que, nesta semana mesmo, a Câmara dos Deputados manteve o mandato de um dos seus pares que se confessou criminoso. Aqui e ali, praticamente apenas entre os profissionais da reclamação (colunistas e editorialistas políticos), houve as reclamações de praxe. Reclamações corretas, claro. Mas que se tornam chatas quando seus autores vêm com a ladainha ‘a sociedade exige’, ‘a sociedade espera’, ‘a sociedade vai dar o troco nas eleições’. Só que a sociedade, reconheça-se, não exige, não espera e não vai dar troco algum – já que os candidatos são bem parecidos. A não ser que ocorra o milagre. Que surja um candidato que só diga a verdade. Que reconheça que a situação é difícil e levará décadas para que os pobres brasileiros saiam do buraco. Que afirme que, para haver progresso e divisão de renda, os estupidamente ricos não poderão continuar sendo tão ricos. Ou então que quer ser presidente porque o cargo garante casa, comida, roupa lavada e passada, além de um salário bem maneiro. Ou que prometa que, se eleito, viajará adoidado pelo mundo afora, e começará por visitar o Taiti. Se algum candidato não embromar, e disser a verdade, qualquer que seja ela, ele pode não ser eleito. Mas poderá mudar e tornar a política um pouco mais divertida.’


GRAMPO NOS EUA
Paulo Sotero


Presidente Bush admite grampo


‘O presidente George W. Bush admitiu ontem que autorizou pessoalmente um programa de grampo nos Estados Unidos depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. ‘Este é um programa secreto crucial para a segurança nacional’, disse em uma declaração transmitida por rádio e TV. Já o Senado americano bloqueou, na noite de sexta-feira, a renovação de uma lei que daria poderes ampliados de vigilância ao governo. A idéia dos congressistas é deixá-la simplesmente expirar, no próximo dia 31.


A decisão foi tomada depois da revelação, feita na sexta-feira pelo ‘The New York Times’, de que o governo autorizou secretamente a escuta de comunicações entre cidadãos americanos e de outros países, dentro dos Estados Unidos, em sua busca por terroristas. O próprio Bush disse que autorizou a espionagem de pessoas ‘conhecidas por seus vínculos com a Al-Qaeda’. Juristas afirmaram que a decisão é inconstitucional e pode ter acobertado atividades criminosas por parte do governo.


Chocados com a informação divulgada pelo ‘Times’, senadores republicanos somaram-se a seus colegas da oposição democrata na noite de sexta-feira e impediram uma votação sobre a prorrogação da Lei Patriótica, uma controvertida lei aprovada sob o impacto dos ataques de 11 de setembro. A legislação ampliou a capacidade de vigilância do governo contra possíveis ações terroristas no país, mas manteve as proteções essenciais às liberdades civis, tais como a exigência de ordem judicial para operações de escuta telefônica ou monitoramento de comunicações via internet pelas autoridades.


No início da madrugada de ontem, os senadores dividiam-se entre dar uma lição a Bush e simplesmente deixar a Lei Patriótica caducar ou prorrogá-la por três meses, adiando o debate para o início de 2006. Os senadores favoráveis a prolongar o debate reuniram votos suficientes para prevalecer: apenas 52 senadores votaram a favor da renovação – 8 a menos que o necessário -, e 47 votaram contra. FERRAMENTA VITAL


O presidente Bush disse ontem que os senadores que impediram a renovação das cláusulas da Lei Patriótica são irresponsáveis e criaram obstáculos à proteção americana. ‘Os senadores devem desistir de suas táticas dilatórias e o Senado deve voltar a ratificar a Lei Patriótica’, disse Bush, esperando que o debate seja retomado antes do recesso de Natal.


[TEXTO]’Essa autorização é uma ferramenta vital para nossa luta contra o terrorismo. É crucial para salvar vidas americanas. O povo americano espera que eu faça tudo, sob nossas leis e Constituição, para protegê-lo e a suas liberdades civis e é isso que eu continuarei a fazer enquanto for presidente dos EUA’, afirmou o presidente. Integrantes do Congresso, porém, haviam exigido uma explicação sobre o grampo de telefonemas e e-mails, revelado sexta-feira pelo ‘New York Times’, e se a ação da Agência de Segurança Nacional violava as liberdades civis.


A revelação de que Bush autorizou secretamente a Agência de Segurança Nacional a grampear comunicações dentro dos Estados Unidos – sem a autorização do tribunal especial criado nos anos 70 para impedir esse tipo de abuso contra as liberdades civis – reforçou a posição de um punhado de senadores republicanos e da esmagadora maioria dos democratas sobre a futilidade da prorrogação de uma lei que divide a população e é vista por muitos como uma ameaça à própria natureza dos princípios democráticos que regem o país.


O episódio deu ao Congresso uma chance para se pronunciar sobre a impressionante afirmação do poder presidencial que Bush fez sob o pretexto de combater o terrorismo. Na quinta-feira, numa decisão que refletiu a preocupação de uma parte dos republicanos de se desassociar de um Bush cada dia mais impopular, deputados e senadores conservadores juntaram-se aos democratas e aprovaram uma emenda proibindo o uso de tortura e outras formas de tratamento cruel no interrogatório de presos estrangeiros suspeitos de envolvimento com terroristas. O governo queria isentar os agentes da CIA da proibição.’


BALANÇO CULURAL
Daniel Piza


Destaques e decepções do ano


‘O ano foi de bons livros. Nada estupendo – como nada foi estupendo em nenhuma área. Mas a combinação de quantidade e qualidade foi suficiente para nutrir o ânimo. A ficção brasileira não brilhou, salvo por Cinzas do Norte, de Milton Hatoum, e, num patamar menor, Amor Anarquista, de Miguel Sanches Neto. Os melhores romances que li foram Sábado, de Ian McEwan, e O Sonho mais Doce, de Doris Lessing, embora não sejam as obras-primas dos dois autores (que são, respectivamente, Reparação e O Carnê Dourado). Também foi traduzido aqui Complô contra a América, de Philip Roth, para mim o melhor escritor vivo. E ninguém pode negar a Memórias de Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez, o dom da narrativa. Já Shalimar, de Salman Rushdie, Desvarios no Brooklyn, de Paul Auster, Não me Abandone nunca, de Kazuo Ishiguro, e Uma Escola para a Vida, de Muriel Spark, têm muitas qualidades, mas esbarram nos defeitos mais centrais de cada escritor. Uma descoberta, para mim, foi A Ocasião, de José Juan Saer, ficcionista argentino morto neste ano. Dez romances interessantes num ano não é mau índice.


O que continua forte no mercado editorial brasileiro são as reedições e traduções de grandes autores do passado. A reedição dos livros de Erico Verissimo e as de Dom Quixote, de Cervantes, por causa de efemérides, foram muito bem-vindas. Novas traduções do Livro das Mil e Uma Noites (agora no segundo volume), por Mamede Mustafa Jarouche, e Ulisses, de James Joyce, por Bernardina Pinheiro, aproximaram muito mais o leitor e os originais. Bartleby, de Herman Melville, História de O, de Pauline Réage, e a série Jeeves de P.G. Wodehouse são outros exemplos. Na área da história e crítica de arte, tivemos títulos de Goethe, Giedion e Longhi. No jornalismo, coisas ótimas: os relatos de guerra de Jon Lee Anderson e Michael Herr, a crítica de comida de A.J. Liebling, o novo jornalismo de Lillian Ross, as crônicas de Ivan Lessa, as críticas literárias de Obras-Primas que Poucos Leram, a reedição fac-similar do Pif Paf de Millôr Fernandes e companhia. E o evento do ano, que não paro de explorar desde que chegou: The Complete New Yorker, em oito DVDs, um mundo de E.B. White a Adam Gopnik, de capas e cartuns sensacionais.


A não-ficção, por sinal, continua mais pujante. Beethoven, de Lewis Lockwood, Will in the World, de Stephen Greenblatt, e Roosevelt, de Roy Jenkins, pela ordem, são três biografias memoráveis. De Amor e Trevas, do grande escritor israelense Amós Oz, é a autobiografia do ano. Li também ensaios de Harold Bloom, George Steiner, Frank Furedi e dos saudosos Isaiah Berlin e Edward Said, cinco inteligências raras. Das ciências, porém, veio o livro do ano: Colapso, de Jared Diamond, uma mescla brilhante de geografia, história e biologia (deixando apenas a dever em economia), sobre civilizações do passado, que, ao lado da foto do Kilimanjaro sem neve, me fez repensar algumas críticas ao ambientalismo. O Ano da Física também foi pródigo, principalmente os livros sobre Einstein como o de Michio Kaku e o organizado por Andrew Robinson. E agora estou me divertindo muito com Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson. O humor e a coloquialidade de seu texto, que ensina muito sobre as descobertas da ciência, fazem dele um modelo a seguir.


No Brasil, Evaldo Cabral de Mello voltou a mostrar suas credenciais de grande historiador em A Outra Independência; Peter Fry fez um livro que mereceria muito mais debate, A Persistência da Raça; e Miriam Dohlnikoff também lançou luzes em O Pacto Imperial. O lançamento do ano foram os Diários de Joaquim Nabuco, grande intelectual e cidadão. Spacca fez uma bela HQ em Santô e os Pais da Aviação, para você dar para seu filho neste Natal. E a fotografia ganhou pelo menos dois livros muito bonitos, O Brasil de Marc Ferrez e Olho da Rua, de José Medeiros – dois momentos emolduráveis de nossa história.


LÁGRIMAS


Todo ano é a mesma coisa, quando revejo os textos em busca dos destaques: percebo que choramos muito, porque perdemos gente que nos divertia fazendo pensar ou fazia pensar nos divertindo. Grandes escritores, além de Saer, morreram neste ano: Saul Bellow, Arthur Miller, Roa Bastos, Cabrera Infante, George Kennan, Hunter Thompson. (Sim, na minha sensibilidade cabem Kennan e Thompson perto.) Cientistas como Hans Bethe, Ernst Mayr (de quem foi editado Biologia, Ciência Única, fascinante explanação sobre as sutilezas da evolução e da seleção natural) e César Lattes, brasileiro que poderia ser o primeiro a receber um Nobel (não, não vale Peter Medawar, britânico de origem e formação), também nos deixaram mais burros. Arquitetos como Philip Johnson e Kenzo Tange, músicos como Bobby Short, Ibrahim Ferrer, Shirley Horn, Emilinha Borba e Artie Shaw, artistas como Jesús Soto e Franz Weissmann, comediantes como Ronald Golias, Francisco Milani e Don Adams, cineastas como Robert Wise – enfim, toda uma turma que fazia o mundo mais bonito e engraçado se foi.


DE LA MUSIQUE


Música tem sido dos maiores alentos. Poder todo ano assistir a pelo menos um concerto com Nelson Freire, Antonio Meneses e/ou Roberto Minczuk, três dos representantes brasileiros na música mundial, é um prazer único – assim como ver Ney Matogrosso no Baretto, Elvis Costello ‘on the rock’, Kurt Masur em Campos do Jordão e o Crepúsculo de Wagner montado em Manaus. E se emocionar com virtuoses como Arcadi Volodos e Joshua Bell.


Os CDs que mais me interessaram no ano foram Get behind the Satan, de White Stripes, no pop; 4, de Los Hermanos, na MPB; e Sempre Libera, de Anne Netrebko, na erudita. Os de Maria Bethânia, Gal Costa e Maria Rita foram injustamente exaltados; também a cantora Céu, belo talento que se revelou em CD neste ano, precisa mostrar que tem mais a oferecer do que MPB suave em embalagem pop. E algumas canções de Seu Jorge em Cru vão além do ‘for export’. No jazz, o ano que tinha se aberto com Coral, de David Sánchez, se fecha com outro CD de alto nível, o duo de Branford Marsalis com Harry Connick Jr.


CADERNOS DO CINEMA


Os filmes que mais apreciei entre os que vi em 2005 são Menina de Ouro, de Clint Eastwood, pela coragem, Herói, de Zhang Yimou, pela beleza, Perto Demais, de Mike Nichols, por algumas cenas de atuação forte, e A Queda, de Oliver Hirschbiegel, pela tentativa de buscar outras camadas em Hitler. O melhor documentário: Ingmar Bergman por Marie Nyreröd. Nenhum filme brasileiro mereceu mais que três estrelas, mas estes foram, a meu ver, Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, Vida de Menina, de Helena Solberg, e Cidade Baixa, de Sérgio Machado. Dois Filhos de Francisco foi a cegueira de crítica e público no ano. Mas finalmente saiu o DVD de Lavoura Arcaica.


TV, TEATRO, DANÇA, MOSTRAS


A TV não teve grandes coisas, afora as séries de Martin Scorsese sobre blues e Bob Dylan e as produções controversas da HBO como Roma. Os DVDs da Odisséia de Cousteau e do Cosmos de Carl Sagan foram ótimos resgates. O melhor programa brasileiro, disparado, foram os dois ‘livros’ de Hoje É Dia de Maria, de Luiz Fernando Carvalho.


O teatro brasileiro continua em fase medíocre. Das poucas montagens que vi, gostei de Os Sete Gatinhos, de Nelson Rodrigues, por Alexandre Reinecke, com Bárbara Paz; admirei a atuação de Marco Nanini em Circo de Rins e Fígados, de Gerald Thomas; e aplaudi sobretudo Adivinhe Quem Vem para Rezar, estréia de Dib Carneiro Neto, com Paulo Autran. Também vi poucos espetáculos de dança, e o destaque fica novamente com o grupo Corpo, por Onqotô.


A carência de boas exposições também continua. A Pinacoteca segue montando as melhores, como as de Henry Moore e Evandro Carlos Jardim, seguida de perto pelo Centro Cultural Banco do Brasil, onde vi Antes, com artefatos incríveis da pré-história brasileira.


Não tenho outro canal tão confiável com o leitor. Então aproveito este espaço para convidar a todos para o lançamento da biografia Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro (Imprensa Oficial, 416 págs., R$ 60, desconto de 30% na ocasião), na próxima quarta-feira, dia 21, a partir das 19h, na Casa das Rosas, na av. Paulista, 37. O que dizer senão que é o livro da minha vida?


POR QUE NÃO ME UFANO


As chances de vitória de Lula nas eleições de 2006 caem mês a mês. Se ele não fosse tão orgulhoso, veria que não terá força política para governar no segundo mandato, lembraria que é contra a reeleição e meditaria sobre a enorme distância entre suas realizações e suas promessas (espetáculo do crescimento, 10 milhões de empregos, três refeições por dia, ética, reformas, desenvolvimento social) – e desistiria. Mas o orgulho viceja mesmo é no vazio.’


LE NOUVEL OBSERVATEUR
Luiz Zanin Oricchio


Os neo-reacionários franceses


‘Interessante a capa da Le Nouvel Observateur sobre os ‘néoréacs’, ou seja, os neo-reacionários da República Francesa. A reportagem alinha gente conhecida mesmo fora das fronteiras hexagonais, como o escritor Alain Finkielkraut, o romancista Michel Houellebecq, o ‘novo filósofo’ André Glucksmann, o ministro Nicolas Sarkozy. Este, aliás, foi considerado um dos responsáveis pela recente onda de violência na França ao tachar os jovens da periferia de ‘escumalha’.


A revista entende que esses nomes são os expoentes intelectuais de uma nova direita que se aglutinou depois do 11 de setembro e dos outros atentados terroristas praticados na Europa. Contribuem também para o fortalecimento desse grupo o medo dos europeus diante da crescente vaga de imigrantes de origem islâmica e também a fraqueza atual da cultura de esquerda, incapaz de formular um pensamento convincente para o século 21.


No artigo principal do dossiê, alguns traços dos ‘néoréacs’. O primeiro e principal: para eles, o mundo está em guerra, há um movimento de agressão contra o Ocidente e este precisa se defender. No interior desta guerra há uma quinta coluna, composta pelos antiamericanos sistemáticos, mas também pelos pacifistas empedernidos. Há, em seguida, os inocentes úteis, homens de esquerda, acusados de inércia e que se recusam a enxergar o mal. Isso tudo é apenas sintoma de um perigo maior, a dissolução dos valores e a decadência da cultura ocidental, de sua boa e velha cultura judaico-cristã.


O tom da revista é crítico em relação à nova direita. Mesmo assim, admite que ela só pôde crescer sobre a maré vazante do pensamento crítico de esquerda, dominante na França até fins dos anos 1980 e que entrou em parafuso depois da queda do Muro. Desde então, vem subindo na cotação esse tipo de intelectual supostamente iconoclasta, ou que se vende como tal, e que, em outros tempos, seria simplesmente classificado de reacionário, racista ou truculento. Uma besta, enfim. Esse tipo de intelectual se ufana de dizer, com todas as letras, ‘o que todo mundo pensa e não tem coragem de falar’. Para Daniel Lindenberg, autor do livro Rappel à l’Ordre, o que eles fazem não é bem iconoclastia e sim a direitização do pensamento, e que seria mais honesto se assumissem essa posição no espectro político. Mas enfim, as sociedades, e também a francesa, parecem mais preocupadas na ordem do que na justiça, incluindo a justiça intelectual.


Dessa forma, a nova direita, sempre segundo a Nouvel Observateur, não apenas defende posições de força diante de conflitos internos e externos, como promove uma ousada tentativa de reinterpretação histórica. Inclusive da aventura colonial, da qual a França participou e tinha, até há pouco, motivos para se envergonhar. Qualquer dúvida, basta lembrar da Guerra da Argélia, por exemplo. Mas sobre isso, a opinião de Finkielkraut, por exemplo, não deixa dúvidas: ‘O que a França fez aos africanos? Apenas e somente o bem!’, diz, sem corar. Inventada então a colonização benevolente, o filósofo pode se queixar à vontade dos jovens da banlieue, a maioria de origem árabe-muçulmana e, segundo ele, incapaz de se integrar e de assumir a condição de cidadãos da República.’


INTERNET
Paulo Baraldi


Telefone via internet chega às ruas


‘A cada dez dias, o estudante Rodrigo dos Santos, de 22 anos, liga para a amiga Ana Clara, que mora na França. Só que, para não estourar o orçamento com os gastos das ligações internacionais, o jovem usa o que há de mais moderno e, em alguns casos, econômico: o sistema de voz sobre protocolo de internet (IP), também conhecido como VoIP ou telefonia via internet.


Ele ainda usa a cabine da Baratofone, empresa que arriscou investir na telefonia via internet. Com isso, reduziu bem o custo do minuto. Santos, um assíduo freqüentador das cabines, economizou, se comparado ao sistema convencional de telefonia, até R$ 1,32 em cada minuto com Ana Clara, para quem ligou na sexta-feira, como de costume.


Se o rapaz estivesse em casa ou no serviço e quisesse ligar para a amiga na França usando o serviço da Telefônica, pagaria R$ 2,41 por minuto. Pela Embratel, R$ 2,06. Na Baratofone, ele paga R$ 1,09. Os valores referem-se a uma ligação durante a semana, à tarde.


‘É muito mais barato. Ligo para amigos e para a família daqui, além de ter o conforto da cabine’, diz Santos. O conforto ao qual o estudante de análise de sistemas se refere são cabines de vidro, cada uma com aparelho de telefone, cadeira e tarifador. O consumidor acompanha quanto gasta e quanto tempo está ao telefone. Formato importado da Argentina em 2002, quando a empresa foi fundada por 5 sócios, sendo 2 argentinos. Na época, ainda não se tinha idéia do uso do sistema VoIP.


Com o tempo, algumas alterações foram feitas. Alguns sócios se foram e outros chegaram. O preço teve de passar por aprimoramento para manter a concorrência. ‘Um minuto para a Nigéria custava R$ 9 há um ano e meio’, conta o presidente da Baratofone, Alberto Rosati. Hoje, custa R$ 2,49. Pela Telefônica, sai por R$ 6,05. Há um ano e meio, a telefonia passou a ser pelo sistema VoIP.


Segundo Rosati, a empresa então começou a crescer. O que no início era uma loja com dez espaços para ligações em bairro nobre de São Paulo virou uma rede de franquias, instaladas em lugares mais populares, com grande movimento, como Praça da República e Brás, centros comerciais em São Paulo.


Ao todo, são dez lojas, duas no interior de São Paulo e as outras na capital paulista. Apenas este ano foram inauguradas quatro delas. A expectativa é ter 20 até o fim de 2006. A empresa já negocia a expansão da rede para o Rio e Porto Alegre. ‘Também enxergamos as cidades vizinhas (de São Paulo) com grande potencial.’


CRESCIMENTO


O faturamento da Baratofone por pouco não vai dobrar em um ano. Fechou 2004 em R$ 1,3 milhão e a previsão é encerrar 2005 em R$ 2,3 milhões. Porém nem tudo vem da telefonia. As unidades da empresa também oferecem outros serviços, como acesso à internet, xerox e impressão de documentos.


Por mês, são consumidos cerca de 200 mil minutos em ligações, dos quais 65% são locais. A segunda maior fatia cabe a ligações de longa distância, 15%. Chamadas internacionais e locais para celulares têm 10% de representatividade cada. ‘São 80 mil pessoas por mês. Cada um usa, em média, R$ 3’, conta Rosati.


Enquanto o sistema de voz por protocolo de internet invade, cada vez mais, as empresas e residências dos brasileiros, a quantidade de telefones fixos em serviço fica estável. Nos últimos três anos, o avanço é quase imperceptível nos gráficos, bem diferente do desempenho entre 1998 e 2001, quando a quantidade pulou dos 20,3 milhões para 37,4 milhões.


Mas são poucos os que conhecem o sistema VoIP. Muitos não percebem nem se o preço da ligação é menor, como o pedagogo Paulo Roberto Silvestre Júnior, que gastou R$ 11,20 em sete ligações. Duas delas feitas para um amigo em Pernambuco. ‘A cabine é tranqüila, não tem chiado como no orelhão na rua. A ligação é bem melhor’, avalia Silvestre Júnior. Sobre VoIP, ele não conhece nada.


A costa-riquenha Yanit Nuñez também desconhece a diferença entre um telefone convencional e um via internet, mas diariamente, há uma semana, usa o sistema VoIP para se comunicar com a família na Costa Rica. ‘Não faz diferença, venho aqui por ser mais perto’, diz ela, logo depois de sair da cabine na Praça da República, onde está o prédio principal da Baratofone.


Além do preço competitivo e do bom desempenho de ligações via internet , Rosati acredita que a empresa também tem atraído usuários de telefones públicos das operadoras convencionais, principalmente com o crescimento explosivo nas vendas de telefones móveis. ‘Quase todo mundo tem celular pré-pago e acaba usando o orelhão para fazer ligações’, explica. Além da Baratofone, outras empresas já surgem com o sistema VoIP, oferecendo ligação mais barata e também instaladas em lugares estratégicos, como a Lig Center, fundada há um ano.’


TELEVISÃO
Leila Reis


Mudança em curso


‘Basta olhar atentamente o comportamento da TV este ano para concluir que alguma coisa está mudando. É possível notar que o veículo mais poderoso deste Brasil – presente em 98% dos lares brasileiros, diz o IBGE – não é santo, mas também não é o diabo que o senso comum tem pintado.


Continua fazendo bobagem – programas de auditório que fazem debate de assuntos ‘polêmicos’ estão diariamente no vídeo para atestar -, mas está fazendo também coisas relevantes. Hoje É Dia de Maria, a microssérie de Luiz Fernando Carvalho, que abriu e fechou o ano na Globo, por exemplo.


Destacada pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) como o grande acontecimento do ano, Hoje É Dia de Maria deve entrar para a galeria das melhores produções da TV de todos os tempos. Com toda justiça. A saga da pequena Maria pelo campo e na cidade grande teve tratamento do mais alto gabarito – do texto ao elenco, passando pela cenografia, figurino etc.


Ao exibir a série Cidade dos Homens, produzida em parceria com a O2 Filmes, a Globo contrapôs duas maneiras de fazer ficção, com linguagens absolutamente diversas, mas nem por isso de qualidades diferentes. O onírico de Hoje É Dia de Maria e a realidade dos morros cariocas (dura, mas nunca deprimente na leitura de Cidade dos Homens) vêm demonstrar que uma mídia de massa comporta o talento sem grande esforço, tanto que o público – não tão Hommer Simpson como andam aventando – não fugiu da frente da TV, abrindo a possibilidade de novas temporadas do mesmo nível.


A letargia que nos acomete na noite de domingo foi espantada pelo investimento do Fantástico em novos quadros. As duas séries comandadas por Regina Casé – Crianças e Mercadão de Sucessos -, o quadro Os Cinco Sentidos, apresentado pelo ator Lázaro Ramos, os caminhos filosóficos do Ser ou Não Ser e o consultório aberto do doutor Drauzio Varella são provas de que se pode juntar informação e entretenimento sem forçar a barra.


A Record continuou investindo – em novelas, no humor, em programas jornalísticos – e o público respondeu. Repórter Record começou a incomodar a sala de visitas de Hebe e a novela Prova de Amor, a tirar o sono dos envolvidos com Bang Bang. Até o SBT conseguiu superar sua ojeriza à notícia e sacudiu o mercado com a contratação de Ana Paula Padrão para compor uma rede de jornalismo para alimentar o SBT Brasil.


Foi o ano do renascimento da TV Cultura que, depois de longa data, trocou as reprises por boas produções. Entre elas, Senhor Brasil, de Rolando Boldrin (uma mistura de prosa e música regional de qualidade), também premiado pela APCA.


Por mais paradoxal que possa parecer, a RedeTV! foi a responsável pela maior mudança no universo da TV este ano. Os programas de João Kleber – Tarde Quente e Teste de Fidelidade – foram tirados do ar por determinação da Justiça, que acatou representação de ONGs defensoras dos direitos humanos.


A ação não só inibiu as iniciativas que envolvem ‘pegadinhas’ de mau gosto, como mudou a cara da própria emissora com o cumprimento da segunda parte da sentença. No lugar da baixaria, a RedeTV! está exibindo (por um mês) programas produzidos pelas entidades ofendidas.


Assim, no lugar da exploração do sensacional, entraram debates e reportagens sobre problemas dos deficientes físicos, discriminação racial, sexual, etc. O resultado é que, sem querer, a emissora acabou promovendo uma espécie de inclusão social na TV, inédita no Brasil.’


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O Estado de S. Paulo


Sábado, 17 de dezembro de 2005


TANURE & VARIG
Mariana Barbosa


Tanure age como controlador


‘Apesar de a decisão liminar suspendendo a operação de Nelson Tanure com a Fundação Ruben Berta (FRB) – controladora da Varig – não ter sido derrubada no despacho do desembargador Siro Darlan, o empresário já assumiu seu papel de controlador.


Os advogados da Docas Investimentos, empresa de Tanure, assumiram as rédeas da batalha judicial que está sendo travada entre a FRB e a equipe de juízes que cuida do caso Varig no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.


Na quinta-feira, o pedido para que a Varig saia da recuperação judicial – ato que motivou o TJ a determinar o afastamento da FRB do controle da empresa – foi feito pelos escritórios de advocacia da Docas, Sérgio Mazzilo e Hélio Cavalcanti. O fato de esses advogados terem assinado o pedido de desistência em nome da Varig, sem ter procuração da empresa aérea para tal, chamou a atenção da Justiça do Rio. Segundo a juíza Márcia Cunha, que cuida do caso Varig, a FRB não pode nomear advogados em nome da Varig.


Mazillo, que também defende o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, foi visto publicamente ao lado de Tanure quando este apresentou seu plano para a Varig durante assembléia de credores em outubro.


Na quarta-feira, momentos antes de a Justiça determinar a suspensão da aquisição das ações da Fundação por Tanure, anunciada dois dias antes como fato consumado, a assessoria de comunicação da Varig já trabalhava para Tanure.


Em um press release divulgado para comunicar a reincorporação de seis aeronaves, paradas há meses por falta de dinheiro para manutenção, o nome de Tanure aparecia como responsável. ‘A reintegração das aeronaves já faz parte do projeto de reestruturação da companhia e foi realizada dentro do planejamento de Docas S.A., nova controladora do Grupo FRB-Par’, dizia o documento.


Procurada, a FRB informou que trabalha com a interpretação de que é um direito seu alienar suas ações, uma vez que não é ela quem está em recuperação judicial e, sim, a Varig. O advogado Sérgio Mazzilo foi procurado, mas até o fechamento desta edição não foi localizado.’



Carlos Franco


Campanha retoma o velho jingle ‘Estrela Brasileira’


‘Em 1960, a Varig tocou o coração dos brasileiros com um jingle de Natal, criado por Caetano Zamma, que viraria um dos ícones da empresa: ‘Estrela brasileira no céu azul/Iluminando de Norte a Sul/Mensagem de amor e paz/Nasceu Jesus, chegou o Natal/Papai Noel voando a jato pelo céu/Trazendo um Natal de felicidade/E um Ano Novo cheio de prosperidade…’. A música termina com o tradicional ‘Varig, Varig, Varig’, assinatura sonora da companhia aérea.


Na tentativa de passar a borracha na crise que afeta a empresa, sob administração judicial e num intricado processo de venda do controle, os executivos da Varig decidiram retomar esse jingle, veiculando-o desde o início da semana na esperança de um próspero 2006.


A agência de publicidade NBS, que criou o comercial, foi atrás de Jorge Ben Jor, que regravou o antigo sucesso de Zamma, numa produção simples, embora emocionante, na qual o cantor e compositor passeia por uma avião no hangar. A veiculação na mídia também é resultado do esforço da empresa, que tem buscado por meio de permutas fazer tocar os corações com esse jingle. A permuta é a troca de um serviço por outro, neste caso, passagens por espaço publicitário. Tudo dentro de um orçamento modesto, mas com o intuito de não deixar o ano passar em branco, especialmente porque a Varig, apesar das turbulências, garantiu o posto de transportada oficial da seleção brasileira que disputará a Copa 2006, na Alemanha. Uma rota que divide com a Lufthansa dentro do consórcio aéreo Star Aliance.


Só que os tempos do lançamento do jingle dos anos 60 e os de hoje são bem diferentes. Nos anos 60, a Varig reinava sozinha nos ares do Brasil e do País para o exterior. O próprio compositor Zamma voou nas suas asas em direção ao sucesso, ao participar em 1962 do famoso show brasileiro do Carnegie Hall, que internacionalizou a bossa nova. Além de ‘Estrela Brasileira’, ele é o autor de ‘Bossa Nova em Nova York’, uma das faixas gravadas ao vivo no famoso show. De volta ao passado, a Varig parece querer retomar a simpatia de brasileiros e brasileiras.


Agnaldo Brito


Credores decidirão o futuro da companhia


‘A transferência das ações com direito a voto da Fundação Ruben Berta (FRB) para o empresário Nelson Tanure – durante o processamento da Recuperação Judicial – não altera a situação central no caso da Varig: a Assembléia-Geral de Credores é e será a responsável pelo destino da companhia.


‘A mudança de controle no meio do processo de recuperação judicial apenas tumultua a situação, mas é o que chamamos de nada-jurídico, não tem qualquer eficácia para mudar as obrigações da empresa’, diz o advogado Lionel Zaclis, do escritório BKBG.


Segundo Zaclis, a Varig continua a ter de apresentar um plano de recuperação e passar pelo crivo da Assembléia-Geral de Credores e obter os votos necessários para aprovar o acordo de pagamento do imenso passivo, superior a R$ 9 bilhões. A nova Lei de Falências determina apenas que a assembléia seja consultada se houver alterações societárias que afetem os ativos da empresa, portanto, mexam com as garantias para quitar débitos.


Já houve casos deste tipo no uso da nova Lei de Falências. Na primeira assembléia de credores da Parmalat Alimentos, outra empresa que utiliza a Lei de Recuperação de Empresas (LRE), houve a autorização por parte dos credores para a venda da Batavo. ‘Neste caso, havia a necessidade de se obter a autorização dos credores já que havia mudanças em ativos da empresa’, explica.


Murilo da Silva Freire, advogado do escritório Leite, Tosto e Barros, concorda em parte com a avaliação. Diz que as obrigações da Varig vencerão nos próximos dias e sem um plano a Justiça terá de decretar a falência pelo não cumprimento das obrigações da recuperação judicial. Freire concorda com o fato de que a Varig mantém as obrigações da recuperação Judicial, mas considera que a transferência de controle da empresa deve, sim, ser avaliada pela assembléia de credores. ‘É um momento importante da empresa. Seja quem for o controlador ele terá que apresentar um plano. Os credores precisam opinar sobre quem deverá elaborar e costurar um acordo com credores’, diz.


O consenso entre os especialistas é de que uma vez dentro da recuperação judicial a empresa não poderá sair, salvo num único caso: também com a aprovação dos credores. Um advogado próximo do caso Varig, que preferiu não se identificar, resumiu a situação: ‘A Varig tem dois caminhos: ou se reabilita com um plano de recuperação aprovado, ou vai a óbito.’’



***


Como juiz da infância, Darlan fez barulho


‘Ele proibiu crianças em novelas de TV e shows de rock O desembargador Siro Darlan ganhou notoriedade no período em que era juiz da 1.ª Vara da Infância e da Juventude do Rio, cargo que ocupou até novembro de 2004. Durante os 14 anos em que atuou nessa área, Darlan esteve sempre sob os holofotes da mídia. Virou notícia por causa de medidas polêmicas, como proibir a participação de crianças numa novela das 8 da TV Globo e vetar a participação de modelos com menos de 18 anos em desfiles de moda.


Darlan também pediu a prisão do vocalista da banda de rock Queens of the Stone Age, que tirou a roupa num festival de música, tocando por 20 minutos apenas com uma guitarra vermelha na frente. Em outro show, em comemoração ao Dia do Rock, o então juiz proibiu a entrada de crianças e adolescentes. Ele ainda tentou processar uma churrascaria da Zona Sul do Rio que serviu espumante à modelo Daniela Sarahyba, então com menos de 18 anos.


Outdoors também estiveram sob a mira de Darlan. Ele mandou colocar estrelas cobrindo os seios de mulheres nuas em propagandas de um grupo de dança francês. E determinou a colocação de tarjas pretas em campanhas publicitárias da revista Playboy.


Siro Darlan nasceu em Cajazeiras, na Paraíba, e mudou-se para o Rio com 2 anos de idade. Antes de se tornar juiz, chegou a freqüentar uma escola preparatória para padres.’



Alberto Komatsu


Crise da Varig vira batalha jurídica


‘A crise da Varig virou uma batalha judicial. Em apenas 24 horas, três medidas judiciais deram diferentes rumos para a empresa. No fim da tarde de quinta-feira, a Fundação Ruben Berta (FRB) foi afastada do controle pelos juízes que acompanham o processo de falência. Pouco antes da meia-noite, o desembargador Siro Darlan reconduziu a FRB ao comando da companhia, em despacho só divulgado ontem.


Darlan amparou a decisão em recurso no qual os controladores pediam a suspensão do processo de recuperação judicial. Ontem à tarde, o Ministério Público do Rio encaminhou ao Tribunal de Justiça pedido de revogação da decisão do desembargador. O recurso deve ser julgado até segunda-feira.


Paralelamente a esse imbróglio judicial, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os credores públicos da Varig (Infraero, BR Distribuidora e Banco do Brasil) têm um plano alternativo para a reestruturação da companhia, garante uma fonte de uma das estatais. Nenhum detalhe desse projeto foi relatado. No entanto, ele já vem sendo elaborado há algum tempo. Tanto o banco quanto as empresas controladas pelo governo previam a confusão em torno da recuperação judicial da Varig desde que o empresário Nelson Tanure demonstrou interesse pelo controle da empresa. O BNDES nega essa informação.


‘Nós já sabíamos com quem estávamos lidando’, diz o representante de um credor estatal, que pediu para não ser identificado. ‘Você acha que o BNDES, o Banco do Brasil, a Infraero e a BR Distribuidora não teriam um plano alternativo?’, indagou. Segundo essa fonte, o plano virá à tona na assembléia de credores que votará o plano de recuperação da Varig, o que deve acontecer em até 15 dias, de acordo com a decisão de Siro Darlan.


A estratégia das estatais, conta a fonte, é vetar o plano de recuperação para poder apresentar a sua alternativa. A decisão de Darlan cancela a assembléia de credores da Varig que iria deliberar, na segunda-feira, sobre a transferência de controle da FRB-Par, holding que detém 87% do capital da Varig, para a Docas Investimentos, do empresário Nelson Tanure.


Essa negociação foi fechada na madrugada de segunda-feira por US$ 112 milhões, e envolve a venda de 25% das ações da FRB-Par e o usufruto, por 10 anos, de mais 42% da participação da controladora. O fundo americano Matlin Patterson, que já havia manifestado interesse em comprar a subsidiária VarigLog, ofereceu US$ 500 milhões pelo controle da Varig, mas essa proposta foi preterida porque, segundo pessoas que acompanham a negociação, Tanure teria oferecido bônus de US$ 10 milhões para a FRB.


O Matlin Patterson competia com a portuguesa TAP e com Tanure pela compra das subsidiárias VarigLog e VEM, ao oferecer até US$ 77 milhões pelas duas. Perdeu a disputa porque a Docas está disposta a pagar US$ 139 milhões pelas duas subsidiárias. A TAP, que pagou em novembro US$ 62 milhões pela VarigLog e VEM, irá decidir até segunda-feira se cobre a oferta de Tanure.


INTERVENÇÃO


O procurador de fundações do Rio Grande do Sul, Antônio Carlos de Avelar Bastos, afirmou ontem que não descarta a possibilidade de uma intervenção judicial na Fundação Ruben Berta. ‘Esse tumulto todo é muito preocupante e estamos estudando que medidas tomar’, disse ele. Bastos considerou ‘acertada’ a decisão inicial de afastamento da FRB. COLABOROU: M.B.’


GRAMPO NOS EUA
Paulo Sotero


Bush autorizou grampos secretos


‘Por ordem presidencial secreta, desde 2002 o governo dos Estados Unidos grampeia as comunicações telefônicas, por internet e outros meios, de cidadãos americanos com a desculpa de proteger o país contra possíveis novos atos terroristas. A revelação, feita ontem pelo jornal The New York Times, expôs mais uma investida do governo do presidente George W. Bush contra as leis que protegem as liberdades públicas nos Estados Unidos e que pode ter dado cobertura a atividades criminosas.


De imediato, a revelação deve complicar a prorrogação da Lei Patriótica – um conjunto de medidas aprovado a toque de caixa, sob o impacto dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, para dar mais instrumentos de investigação ao governo federal -, cujo debate empacou ontem no Congresso.


A informação veio à tona apenas um dia depois de o presidente Bush ter sido forçado pelo Congresso a abandonar esforços que, na prática, levariam à legalização da tortura como forma de obter informações de prisioneiros de guerra estrangeiros.


Segundo o New York Times, a publicação da reportagem foi adiada por mais de um ano atendendo a um apelo da administração por causa dos possíveis efeitos nocivos de sua divulgação para investigações que estavam em curso sobre potenciais ameaças terroristas.


Senadores republicanos manifestaram-se perturbados pela revelação do New York Times. ‘Não há nenhuma dúvida de que isso não é apropriado’, disse Arlen Specter, da Pensilvânia, que preside a Comissão de Justiça. Bush recusou-se a dar explicações.


Desde os anos 60 que não se registravam casos de espionagem não autorizada nos Estados Unidos contra cidadãos americanos. Abusos desse tipo cometidos durante a época da Guerra do Vietnã e do escândalo Watergate levaram o Congresso a criar um tribunal secreto para autorizar o grampo contra cidadãos americanos.


A Agência de Segurança Nacional, NSA, responsabilizada pela operação, a mais secreta organização de espionagem dos EUA, é especializada em grampo eletrônico de governos, embaixadas e grupos estrangeiros em todo o mundo (ler ao lado). Seus 30 mil funcionários operam uma rede global de satélites, antenas e transmissores a partir do Forte Meade, situado num subúrbio de Washington, no Estado de Maryland. Até alguns anos atrás, Washington nem sequer admitia a existência da NSA.


A secretária de Estado, Condoleezza Rice, defendeu ontem o governo dizendo que todas as ações tomadas sob a ordem secreta de Bush foram executadas ‘com um saudável respeito às liberdades civis que estão no centro da lei’. Kate Martin, a presidente do Centro de Estudos sobre Segurança Nacional, lembrou, no entanto, que a lei sobre coleta de informações de estrangeiros (FISA), que criou o tribunal especial para autorizar o grampo, proíbe o governo de realizar atividades de vigilância eletrônica em território americano sem a luz verde dos três juízes federais que compõem esse tribunal.


‘Essa é uma das revelações mais chocantes que vimos sobre a administração Bush’, afirmou Martin. ‘É a primeira vez que o presidente autoriza uma agência governamental a violar uma proibição criminal específica e grampear americanos.’ Segundo o Times, as operações conduzidas sob a ordem secreta de Bush levantaram suspeitas de inconstitucionalidade e criaram resistência dentro da própria NSA e foram temporariamente suspensas depois que congressistas levantaram objeções.


O tribunal secreto que administra o FISA aprovou 1.754 pedidos de autorização de grampo no ano passado, segundo o Departamento de Justiça. O Times informou que as primeiras operações de grampo conduzidas sob a ordem secreta de Bush teriam abrangido algumas centenas de pessoas. Atualmente, aproximadamente 500 pessoas teriam seus computadores ou telefones grampeados. A NSA faz vigilância eletrônica de entre 5 mil e 7 mil pessoas suspeitas de conexões com organizações terroristas, segundo fontes de inteligência citadas pelo Times.’


INTERNET
Graziella Valenti e Márcia Furlan


UOL estréia com alta na Bovespa


‘As ações do portal de internet Universo Online (UOL) estrearam ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) com alta de 16,6% em relação ao preço inicial, de R$ 18,00 por papel. A ação fechou o dia cotada a R$ 21,00. Segundo comentários do mercado, a demanda pelos papéis ficou entre 13 e 18 vezes mais do que a quantidade oferecida. Sem o lote adicional de ações de 15% permitido pela legislação (greenshoe), a operação já superou R$ 555 milhões, por pouco mais de 20% da empresa.


O presidente do UOL, Luís Frias, não fez comentários sobre o lançamento. Já o diretor-geral da companhia, Marcelo Epperlein, disse acreditar que o desempenho é prova de que há uma grande mudança no hábito de consumo de mídia da população e também no humor dos investidores. O UOL apóia boa parte da sua perspectiva de crescimento na expansão dos gastos de publicidade com a mídia online. Segundo Epperlein, o Brasil ainda oferece uma grande perspectiva de avanço nesta área, dado que o porcentual sobre o investimento publicitário total no País ainda é pequeno.


O diretor-geral do portal Terra, Fernando Madeira, disse que, nos últimos anos, vêm sendo registrados, de fato, avanços para a propaganda online. A receita publicitária passará de 15% do faturamento total do Terra, verificada em 2004, para 20% neste ano. A expectativa do executivo é que esta fatia possa alcançar 25% em 2006.


O diretor-financeiro e de relações com investidores da IdeiasNet, Rodin Spielmann, acredita que a melhora do humor do mercado com o setor também se deve à possibilidade concreta de análise dos casos de sucesso. A IdeiasNet foi a primeira companhia pura de internet a lançar ações no Brasil e viveu por inteiro o estouro da bolha. A ação saiu a R$ 14,70 em junho de 2000 e hoje é cotada a R$ 2,52 – após uma alta de 51% neste ano.


O presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, acredita que o lançamento de ações do UOL pode abrir caminho para o crescimento do setor de tecnologia no pregão. Para ele, o Brasil tem um grande potencial neste segmento.


Mas, para analistas, apesar do otimismo, não deve ocorrer no País um boom de empresas na bolsa, simplesmente por não existirem companhias suficientemente grandes para se aventurarem nesse mercado. As grandes, como Americanas, Submarino, Extra, Saraiva e Ponto Frio, ou já estão listadas ou fazem parte de grupos de capital aberto.’


O Estado de S. Paulo


Google negocia comprar 5% da AOL por US$ 1 bi


‘O Google negocia a compra de 5% do capital da America Online (AOL), por US$ 1 bilhão, de acordo com o site do jornal The Wall Street Journal. A Microsoft se retirou da disputa por uma aliança com a AOL, segundo a publicação – como já havia feito o Yahoo no mês passado -, e deixou o Google sozinho nas negociações.


O jornal indica que a aliança com o Google pode ser anunciada oficialmente na próxima semana, possivelmente após a reunião do Conselho de Administração da Time Warner, marcada para a próxima quarta-feira. Num primeiro momento houve especulações sobre a venda total da AOL, mas, mais tarde, a Time Warner informou que não pretendia se desfazer de sua filial, mas só encontrar um sócio apropriado para o crescente mercado da publicidade pela internet.


A internet é o meio onde o mercado publicitário mais cresce atualmente. No terceiro trimestre do ano, esse segmento chegou a registrar uma expansão de 34%, movimentando uma receita de US$ 3,1 bilhões, segundo dados da consultoria PricewaterhouseCoopers citados pelo jornal.


A AOL é a principal fonte de receitas para os links patrocinados do Google, pequenos anúncios de texto que acompanham resultados de busca e páginas de conteúdo. A Microsoft tentou, sem sucesso, fazer com que a AOL utilizasse seu sistema de buscas no lugar do Google. Segundo o Wall Street Journal, a AOL negociou com a Microsoft durante um ano e, em setembro, decidiu incluir o Google nas negociações. Pelo acordo em discussão, a AOL também venderia anúncios para os resultados de busca fornecidos nos sites do Google e de sua rede de parceiros.EFE’


MACHADO POR PIZA
Antonio Gonçalves Filho


Homem sério em dia de folga


‘O lançamento da biografia Machado de Assis, Um Gênio Brasileiro (Imprensa Oficial, 416 págs. R$ 60) na quarta, às 19h, na Casa das Rosas, deve provocar discussões apaixonadas no meio acadêmico sobre esse novo e ousado retrato do bruxo de Cosme Velho. Escrita por Daniel Piza, colunista e editor-executivo do Estado, a biografia, respeitosa, não deixa de apontar as contradições daquele que é considerado pelos críticos como o maior escritor brasileiro.


Trata-se de um retrato original do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, que testemunhou a derrocada da Monarquia e o nascimento da República. Vinculando textos machadianos a episódios de sua infância e juventude, Piza mostra como o maduro Machado conservou os traços do jovem de espírito crítico que não se deixou contaminar pelo ambiente, trabalhando incansavelmente para entender o país em que viveu. Abaixo, Piza fala sobre o escritor, cuja última biografia (de Raimundo Magalhães Jr.) foi publicada há 25 anos.


A média anual de estudos sobre Machado saltou de 18, em 1950, para 70 há dois anos, o que coloca o leitor diante de uma dúvida: ou muito ainda há para falar do escritor ou o que existe é pouco revelador. Você, que pesquisou sua obra durante todos estes anos, foi, de alguma forma, auxiliado por esses estudos?


Há muito ainda para falar, porque a obra de Machado é complexa, sutil, e diz muito a respeito da mentalidade brasileira. Em qualquer outro país ele seria tema de 700 estudos por ano, não de 70. Também faltam informações confiáveis sobre sua infância e adolescência. Ao mesmo tempo, sim, luzes foram lançadas nestes 25 anos que se passaram desde a biografia anterior, escrita por Raimundo Magalhães Jr. Sabemos um tanto mais sobre o Brasil da passagem da Monarquia para a República graças a historiadores como José Murilo de Carvalho. Gledson e Chalhoub, em especial, ajudam a mostrar como Machado teve um olhar crítico sobre esse tempo e lugar. A crítica, porém, continua a se dividir entre a abordagem sociológica e a psicológica. Por sua grandeza, Machado não se reduz a essa polarização.


A última biografia machadiana saiu em 1981. O que se descobriu, desde então, que foi incorporado a Machado de Assis, Um Gênio Brasileiro? O que você acha das biografias de Raimundo Magalhães, Lúcia Miguel Pereira e Luís Viana Filho?


Acredito que meu livro revele um Machado muito mais ligado à vida do 2º Reinado do que se costuma pensar. Como explicar, por exemplo, a transformação de sua literatura depois da doença que o obrigou a passar uma temporada de recuperação em Nova Friburgo? Não pode ser apenas pela experiência pessoal. Todo o mundo em que ele havia se formado estava em crise. Os anos 1870 foram de intenso debate político e estético no Brasil. Além disso, há conceitos de época que busquei para entender melhor suas reações. A melancolia, por exemplo, era vista como incapacidade de se elevar a Deus; a epilepsia, confundida com a insanidade. E como entender Quincas Borba se não se analisa a maneira peculiar – contemporizadora – como o positivismo foi adotado no Brasil? Todos esses temas, que no fundo abordam a velha questão filosófica corpo x alma, estão em sua obra. As outras biografias, importantes por sua pesquisa, põem maquiagem em Machado. Tratam, por exemplo, o fato de que ele recusou a extrema-unção como se fosse corriqueiro…


Há uma controvérsia quanto ao fato de Machado se considerar ou não mulato. O crítico José Veríssimo o define como um mulato ‘grego’ pelo seu ‘profundo senso se beleza e harmonia’. Já Joaquim Nabuco diz que ele odiaria a palavra, por não ser literária, mas pejorativa, e que Machado se considerava branco. Quem, afinal, está certo nessa discussão, uma vez que o escritor era neto de escravos e seu pai, negro?


Não há documento que mostre Machado se referindo a esse termo. É provável que o achasse pejorativo, sim. Mas isso não significa que não tenha escrito páginas contundentes sobre a mentalidade escravocrata, sobre o racismo nem sempre velado dos brasileiros. Ele escreveu, e com uma profundidade única – vide os contos O Caso da Vara e Pai contra Mãe. Também participou da campanha abolicionista, conduzida entre outros por seu amigo Joaquim Nabuco. Só não era um tribuno, um homem de subir ao púlpito e discursar. Mas era um humanista, um iluminista. Em seu atestado de óbito, por exemplo, consta ‘raça branca’; ele certamente teria preenchido como Einstein: ‘raça humana’.


As contradições de Machado, como você mesmo observa no livro, são grandes. Monarquista, posou de liberal e abolicionista. Moralista, foi censor de peças teatrais, mas criticou o conservadorismo da sociedade de sua época em obras como Dom Casmurro, apoiando mesmo a eleição das mulheres. Como você fez para chegar a um ponto de equilíbrio que evitasse um julgamento moral do biografado?


Primeiro, não escondi nem desculpei nada. Minha admiração por ele não me impede de ver seus defeitos e contradições, o que me parece que nem sempre se entende no Brasil. Segundo, desenhei as mudanças de seu pensamento, sem atribuir a ele nada que não tenha sido comprovado. Uma obra de arte não repete mecanicamente as virtudes do autor. Às vezes, a própria virtude dela nasce de um ‘defeito’ dele. O apego de Machado a certo romantismo e moralismo, por exemplo, o impediu de aderir ao naturalismo de Zola e do primeiro Eça. E o levou a tomar um caminho independente de qualquer escola.


Você afirma que Machado tinha uma capacidade singular para gozar a si mesmo por meio de seus personagens, citando particularmente o caso de Brás Cubas, que, aliás, assume como alter ego, uma vez que o escritor se coloca, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, como o narrador da história. Quais são os traços que mais aproximam autor e personagem?


Não há um paralelo biográfico. Ele ironiza as ilusões humanas e, assim, a si mesmo. Brás Cubas é um adeus ao romance tradicional, descritivo, centrado nos costumes. O narrador faz sua autópsia. Machado, de certo modo, também se despede das pretensões de explicar a natureza humana com um sistema moral perfeito, fechado, em que os contrários se conciliassem numa harmonia plena. Busca o meio-termo entre romantismo e realismo, mas sabe que a verdade é sempre esquiva.


Machado de Assis foi, segundo seu livro, um grande autor também por retratar o teatro social de sua época. Alguns críticos defendem que o Machado da primeira fase é muito diferente do Machado maduro porque, então, contava histórias de uma maneira ‘respeitosa’, comportando-se como um subalterno diante da elite, mudando esse comportamento na última fase. Você concorda com essa visão ou essa foi apenas uma ‘mudança existencial’?


Mais uma vez, os dois fatores pesaram. O Machado jovem, como ele mesmo apontou, já tem traços do Machado maduro. E este não pode ser catalogado como um ‘crítico da elite brasileira’. Na verdade, ele não perdoa ninguém. Tanto os ricos, os herdeiros mimados, como seus dependentes e os ‘emergentes’ em geral, como dizemos hoje, se deixam guiar por interesses e aparências. O alvo de Machado, como o dos satiristas que admirava – Luciano, Swift, Voltaire, Diderot -, é toda a humanidade. Ele ri e chora com ela o tempo todo. Na vida pessoal, foi crescentemente assimilado e exaltado por boa parte das tais ‘elites’.


Como um homem inteligente que era, Machado sabia ser impossível barrar o futuro, ou seja, o ideal republicano e o avanço da ciência. Você diz que, por não aderir à onda republicanista, ele ‘passou a dedicar sua obra a entender aquele período de ilusões românticas’. Esse autodistanciamento do escritor não seria uma forma de ficar em cima do muro e ainda assim usufruir o que as duas correntes do poder tinham a oferecer?


Ele não ficava em cima do muro. Sua posição é clara: defendia uma monarquia constitucional, não o arremedo absolutista que havia no Brasil; queria a abolição, mas não a República, porque julgava nossas oligarquias corruptas e incultas. Não soa atual? Como ele dizia, catava ‘o mínimo e o escondido’ porque é aí que ninguém mete o nariz. Acho que ele se dedicou a entender o que tinha ocorrido nos anos 1860 e 70 porque foi o período que testemunhou com mais intensidade. É disso que se fazem as grandes obras.


Araripe Júnior foi um dos primeiros críticos a apontar a proximidade de Machado com a literatura de Laurence Sterne. Sua biografia menciona a crítica, mas como você, pessoalmente, analisa esse diálogo do escritor brasileiro com Sterne e Feuillet?


Machado já se aproxima de Sterne no prefácio a Brás Cubas. Ele retirou de Tristam Shandy alguns recursos, como a metalinguagem, a auto-ironia, as lacunas narrativas. E os aplicou a histórias como as que lia, traduzia e adaptava para teatro quando jovem, como os folhetins românticos. Isso deu uma leveza, uma galhofa, que não existe da mesma forma em Sterne. Mas há muitas outras influências sobre Machado, como as que citei antes, além de Edgar Allan Poe, Xavier de Maistre e, claro, Shakespeare. Pelos olhos de hoje, pode-se dizer que em sua obra há ainda um parentesco – só que misturado à sátira iluminista – com o realismo impressionista de Henry James ou Chekhov, que ele não leu.


Uma crítica comum que se faz a Machado é a de ser um escritor colonizado, não só por suas leituras de autores europeus como pela preferência em escrever sobre temas políticos internacionais como a unificação italiana, quando poderia comentar o que se passava aqui ao lado, mais especificamente, em Canudos. Como explicar esse distanciamento?


Ele fala sobre Canudos numa crônica, mas en passant, primeiro deplorando o primitivismo do movimento, depois mostrando respeito pela dimensão da figura de Antônio Conselheiro. Mas ele escreveu sobre o Brasil em quase todos os parágrafos! Criticava muito a credulidade de seus contemporâneos. Dizia que o brasileiro tem ‘a bossa da ilegalidade’ e se queixava de seus exageros verbais e de sua excessiva informalidade; simultaneamente, ria do seu gosto por títulos e brasões, da gravidade fatalista com que reage às más notícias, etc. Machado foi o menos colonizado dos nossos escritores. Por aí você vê como ainda falta coisa para dizer sobre ele.


A criação da Academia Brasileira de Letras por Machado teria mesmo o objetivo de ser uma ‘república federativa das artes, livre de ideologias’ ou foi uma prova de que Machado tinha não só nostalgia das agremiações literárias que existiam durante o Império, mas de uma hierarquia capaz de garantir ao escritor um status superior ao dos republicanos?


Ele tinha nostalgia pelas agremiações literárias do 2º Reinado, sim, e também gostava de ser respeitado, de ser tratado como mestre pelas novas gerações. Era muito cioso de sua obra, como se soubesse que a posteridade o veria melhor. Mas não fez a Academia para dar chancela a esse status. Ele realmente acreditava em unir os escritores numa instituição protetora, tanto que ela era composta não só por membros de diversas gerações, como de diversas ideologias. Até Sílvio Romero, que o atacou ferozmente em livro, entrou lá. Machado não gostava de politizar a literatura e não podia saber que a Academia cometeria tantas vezes esse erro no futuro. Como homem, tinha os defeitos do seu tempo. Como autor, tinha as virtudes extemporâneas.


. Casa das Rosas Serviço


Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro , de Daniel Piza . Av. Paulista, 37, tel. 3289-1791. Quarta, às 19h’


TELEVISÃO
Cristina Padiglione


Multishow amplia cena nacional


‘Apoiado pelo crescimento em publicidade acumulado de 2003 para cá, o canal Multishow se gaba de anunciar que 64% de sua programação será nacional em 2006. Na linguagem do ‘porcentualês’, o Multishow cresceu, segundo a direção da emissora, 250% nos últimos dois anos. Outro item que infla o caixa do canal é o mercado paralelo de lançamento de programas em CDs e DVDs. Só em CDs já saíram 65 títulos.


Os planos para 2006 endossam as estratégias de 2005. O foco, o que em boa parte explica a engorda na publicidade, continua sendo a platéia jovem. Tanto que Daniele Suzuki, bem entrosada com essa tribo, passará justamente a comandar o programa Tribos. A vaga de Daniele na faixa Mandou Bem tem sido motivo para testes – entre os candidatos, não se descarta mais alguém da própria Globo.


O que não consta nos projetos do canal, até segunda ordem, é uma linha de produção de séries. Apenas uma nova safra daquele projeto iniciado por Julia Lemmertz e Alexandre Borges – o Mangueira – está nas boas intenções da casa.


Diretor do Multishow, Wilson Cunha lembra, assim como quem nada quer, que os canais pagos brasileiros não contam com esse cofrinho tutelado pela Ancine que tem abastecido produções nacionais para canais estrangeiros.


Explica-se: o governo brasileiro, via Ancine, abre mão de 3% de remessas que os canais internacionais deveriam pagar em impostos para usar essa verba em favor de produções nacionais. Foi esse fundo que permitiu a realização de programas como a série Mandrake, da HBO, e de Chico Buarque na DirecTV. A queixa dos canais pagos nacionais – e isso se resume à marca GloboSat, basicamente – é que eles investem em cultura e mão-de-obra local e não ganham afago nenhum da Ancine.’


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