Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O Estado de S. Paulo

BLOG & JORNALISMO
David Carr

Jornalistas 24 horas

‘Como muitos jornalistas do meio impresso moderno, tenho um blog. Para os que ainda não têm um blog, pensem num grande Labrador marrom: amigável, divertido, não muito inteligente, mas exigindo constantemente sua atenção. Ter um blog (o meu, que por acaso é sobre a corrida do Oscar, está em carpetbagger.blogs.nytimes.com) me torna acessível e próximo, amistoso e envolvido com os leitores. Talvez envolvido demais.

Há um comentarista habitual de meu blog e de outros no New York Times (NYT), ‘Mark Klein, M.D.’, um senhor idoso, polido, com muitas opiniões e tempo livre. Ele pode ser um pouco ranzinza, politicamente incorreto, beirando a provocação, mas sempre escreve como se fôssemos amigos. E talvez sejamos. Há dias ele enviou uma nota afirmando que viajaria para Israel e eu não deveria interpretar seu repentino silêncio como sinal de que perdera o interesse por mim. Como se me importasse.

Mas eu me importei. De certo modo, senti sua falta. Escrevi-lhe um recado e lhe telefonei, em Israel, para conversar sobre ele estar fora da rede (da minha em particular). ‘É bom ter notícias suas. Também senti sua falta’, respondeu-me, como se fosse a coisa mais natural do mundo. ‘Há uma intimidade na troca de elétrons – quase como um romance online – que significa que você é uma pessoa real para mim’, disse ele. ‘Já tínhamos um variado bate-papo.’

Os bloggers independentes podem rir à vontade da postura arrogante da grande mídia, mas eu e outros no NYT nunca estivemos tão em contato com cada capricho enfaticamente postado pelos leitores. Não só estou atento ao que as pessoas dizem, como me importo. Às vezes questiono se me importo a ponto de negligenciar outras coisas, como, oh, meu trabalho. Teclar no blog é sedutor de uma forma que um prazo de fechamento de jornal nunca será. Quando acabo de inserir notas, moderar comentários e fazer links, percebo que o tempo voou. Provavelmente eu deveria ter feito uns telefonemas para a coluna da semana que vem, mas, em vez disso, talvez eu escreva, ah, sobre blogs.

‘Vivemos a maior expansão da capacidade expressiva da história da raça humana’, diz Clay Shirky, professor-adjunto de Telecomunicações Interativas da Universidade de Nova York. ‘E não seria uma revolução se não houvesse perdedores. A velocidade de conversação é um lado positivo, mas parte da reflexão, recapitulação e expressão cuidadosas se perdeu.’ Dou uma olhada na seção de comentários de meu blog e ele continua: ‘Há um prazer obsessivo, em configurar e observar isso, uma constante medida de capital social.’

Sempre houve um meio de retorno no jornalismo – cartas ao editor, telefone e, mais recentemente, e-mails. Mas num blog o retorno é instantâneo. O lado bom de fazer jornal era que, em dado momento, a matéria estava pronta e o autor ia para casa. Agora, conectado em meu computador, tornei-me uma espécie de corretor negociando a cada segundo meu mais precioso produto: eu mesmo. Quanto gostam de mim agora? E quanto a… agora? Humm… Agora?

Josh Quittner, editor da Business 2.0, recentemente pediu a seus redatores que criassem blogs, e ele tem um também. Encorajou-os com (pequenos) bônus baseados no número de visitantes, depois que um de seus mais destacados repórteres, Om Malik, deixou a revista para cuidar de seu popularíssimo blog (Malik ainda escreve uma coluna na revista). ‘Não quero que isso aconteça de novo aqui’, explicou Quittner. ‘Vivemos um momento extraordinário’, disse ele, no meio de uma semana em que o falatório sobre o novo telefone da Apple impulsionava as visitas ao site. ‘É como em Pinóquio, quando eles estavam na barriga da baleia e famintos. Acabaram percebendo que deviam lançar uma linha de pesca e começar a puxar todo tipo de atum.’ Segundo ele, ‘um dos erros que cometemos no jornalismo foi achar que dar às pessoas as informações que elas querem e de que precisam é complacência’.

O desejo de se conectar é um impulso natural, mas pode levar a mau comportamento de parte dos redatores. Às vezes me sinto um tanto solitário em meu blog sobre o Oscar. A solução: ataco um favorito dos fãs, Borat, e centenas de comentaristas furiosos aparecem. Ei, eu tenho leitores.

O índice de interesse em sites também está mudando os jornais. No do NYT, a lista dos que recebem mais e-mails passou de mera curiosidade interna a algo tão relevante quanto conseguir espaço na primeira página. A lista pode ser maravilhosamente idiossincrática – dia 12, uma bobagem publicada há seis meses sobre o uso de adestramento de animais em maridos (O que Shamu me ensinou sobre um casamento feliz) ressurgiu ao lado da reflexão de Thomas Friedman sobre o plano do presidente de enviar mais tropas ao Iraque.

Mas em algum momento essas avaliações (que repórteres de jornal, ao contrário de seus colegas da TV, nunca tiveram de enfrentar) começarão a afetar o critério das notícias. ‘Pode-se deplorar a crassa tomada de decisões motivada por tais avaliações, mas é impossível evitar o fato de que as visitas a sites são cada vez mais moeda corrente’, diz Jim Warren, co-editor-executivo do Chicago Tribune.

Quando este for o caso, o que acontecerá com as outras qualidades, ‘reflexão, capacidade de recapitulação e expressão cuidadosas’, apontadas por Shirky?

‘O melhor da Web – ter muitas informações sobre como as pessoas a usam – é também o pior’, diz Jim Brady, editor-executivo do Washingtonpost.com. ‘Podemos enlouquecer com tanto material. A notícia criteriosa tem de ser determinante e a home page do site não pode virar concurso de popularidade.’

Meu referendo pessoal continua, embora sem o dr. Klein, por enquanto. Ele planeja, ao voltar, testar o terreno para uma campanha presidencial com a plataforma de mais direitos para os pais sem custódia dos filhos. Isso soa ao tipo de hobby que pode reduzir o tempo que ele gasta comentando meu blog. ‘Não, não acho que eu vá parar’, disse ele. ‘Acho que, se tivesse sucesso na disputa pela Casa Branca, continuaria a blogar e comentar.’

Não posso evitar um certo orgulho. Eu podia continuar, mas o resultado da premiação da Broadcast Film Critics acaba de chegar e preciso atualizar meu blog. Nada como o presente.

David Carr é colunista do jornal The New York Times’



VENEZUELA
Editorial

Chávez, o ditador

‘Há quem esteja, no Brasil, comparando a Lei Habilitante, com que a Assembléia Nacional venezuelana presenteou o coronel Hugo Chávez, com as medidas provisórias aqui em uso desde 1988. Tal comparação só se faz por ignorância ou má-fé. A edição de medidas provisórias está limitada, por definição constitucional, a temas de relevância e urgência que dizem respeito à governabilidade e o presidente da República não pode usá-las para ‘reconfigurar’ a Constituição. Além disso, as medidas provisórias são submetidas ao Congresso e perdem efeito se não forem apreciadas ou aprovadas. Trata-se de um instrumento compatível com uma democracia representativa, um Estado Democrático de Direito.

Já a Lei Habilitante é uma outorga de poderes absolutos feita pela Assembléia Nacional – por enquanto em primeiro turno – ao presidente da República. A Lei Habilitante, como foi aprovada, é um instrumento que transforma o coronel Hugo Chávez, de fato e de direito, num ditador. Nos momentos de grande perigo, o Senado Romano transferia temporariamente seus poderes para um ditador que ficava responsável pela superação da emergência. Na Venezuela, até que o presidente Hugo Chávez começou a englobar em suas mãos todos os poderes do Estado, a república e a democracia não estavam em perigo. Agora, estão em xeque-mate.

Os poderes que os membros da Assembléia – todos eles, sem exceção, partidários de Chávez – concederam ao presidente permitem-lhe mudar todos e cada um dos aspectos da vida política, econômica, social e administrativa da Venezuela. Nada fica fora do alcance discricionário do presidente da República. Nem a vida particular de cada cidadão.

A ele é permitido, sem dar satisfações a ninguém, ‘adaptar a legislação existente à construção de um novo modelo econômico e social’. Ele pode, também, ‘reinterpretar os direitos fundamentais e princípios econômicos segundo a nova concepção de Estado social de direitos e de justiça’.

Que novo Estado, que novo modelo são esses? Trata-se do ‘socialismo do século 21’, uma conseqüência natural do ‘bolivarianismo’. O leitor não se sinta ignorante. Esses rótulos são propositadamente vagos e confusos – não fazem sentido. Resultam de uma mixórdia ideológica feita para mistificar os venezuelanos, especialmente os mais pobres, e os basbaques que no exterior esperam o ressurgimento do Dom Sebastião do socialismo, mas que pode ser reduzida a algo simples de entendimento: quem manda na Venezuela é o coronel Chávez e ele fará do país o que quiser.

E o que ele quer, nesta etapa, é acabar com os vestígios que ainda restam da democracia representativa e jogar cal sobre o capitalismo e a economia de livre mercado.

Assim, foi ele investido do poder de ‘ditar normas com o objetivo de atualizar e transformar o ordenamento legal que regula as instituições do Estado’. E, para que não haja dúvidas sobre suas intenções, compromete-se a adequar a estrutura da administração para permitir o ‘exercício direto do Poder Popular’ e a ‘aprofundar o princípio da democracia participativa e protagônica’. Esse é o processo típico de construção das ditaduras e dos regimes totalitários. Primeiro, elimina-se a representação popular – aquela que permite a manifestação das oposições e dissidências – e adota-se alguma forma de ‘democracia direta’. Depois, como o ditador é a voz do povo e o intérprete de sua vontade, elimina-se também aquela forma de manifestação política, por supérflua.

Quanto ao capitalismo e à economia de mercado, na Venezuela, estão com os dias contados. O projeto chavista é ‘transformar o paradigma econômico capitalista atualmente hegemônico (…) outorgando ao sistema produtivo uma dimensão e um propósito de natureza coletiva, de maneira que seu desenvolvimento seja regido por uma visão social’. Ou seja, coletivismo à vista!

Com a Lei Habilitante, o coronel Chávez acumula poderes que fariam inveja a qualquer monarca absoluto do século 16 e a muitos ditadores de tempos mais recentes. Ele dispõe, agora, dos instrumentos para levar a Venezuela a uma longa e tenebrosa viagem pelo passado. Mas isso não lhe basta. Chávez quer inocular nos países vizinhos o germe do atraso e do autoritarismo. É um perigo a ser conjurado.’



JORNALISMO PÚBLICO
Gabriel Manzano Filho

Radiobrás lança manual e defende autonomia

‘Do alto de suas 11 empresas, em que trabalham 1.160 funcionários, a Radiobrás chega aos seus 31 anos de vida lançando um Manual de Jornalismo. São 250 páginas de conceitos e dicas práticas com os quais ela quer mostrar que ‘abriu mão do entretenimento (…) e passou a servir o cidadão brasileiro, não mais o governo ou quaisquer outros interesses’, como diz o texto de apresentação.

Em quatro grandes capítulos, o livro trata questões de jornalismo, de ética – onde critica todos os maus hábitos que sempre marcaram a imprensa oficial – e traz 398 verbetes com dicas de trabalho. A gráfica do Senado ajudou o projeto, imprimindo 2.000 exemplares em papel couchê, produzindo um livro chique, caro e pesado.

Chama a atenção, no manual, o empenho do presidente da empresa, o jornalista Eugênio Bucci, em separar duas coisas – a comunicação estatal, que é pura e simples divulgação de atos oficiais, missão específica do canal NBr, por exemplo, da tarefa de informar corretamente o cidadão, a que se dedicam outras duas emissoras de TV, seis de rádio e duas agências de notícias. Só a Agência Brasil produziu, em 2005, cerca de 32 mil reportagens.

Chama a atenção, também, a diferença que Bucci estabelece entre o que fez no cargo, desde 2003, e o estado em que estava a Radiobrás nos tempos do governo FHC. Ele reconhece que seu antecessor ‘conseguiu sanear as contas da instituição, além de criar a NBr e a Agência Brasil’, mas não se havia libertado ainda ‘do jugo do jargão oficialesco – que, no limite, é apenas um meio de desinformar a sociedade.’

Embora a comemoração de Bucci seja justa, pois o nível jornalístico do grupo Radiobrás tem sido aplaudido por toda parte, a frase não combina com os elogios que ele fez, em recente entrevista à revista Imprensa, ao seu antecessor Carlos Zarur, que ‘realizou um importante esforço de profissionalização da Radiobrás’ e que nas eleições de 2002 fez ‘uma boa cobertura, com uma clara preocupação de apartidarismo’. Zarur, que reconhece o trabalho de Bucci, lembra que a evolução da comunicação pública ‘é uma história construída aos poucos’, por muitas diretorias. ‘Eu tive meu momento, ele está tendo o dele e torço para que seu sucessor vá ainda mais longe’, afirmou.’



OESP / SUPLEMENTOS
O Estado de S. Paulo

Suplementos do ‘Estado’ estão em novo formato

‘A partir de hoje, o jornal apresenta a reforma gráfica aplicada a cinco de seus cadernos semanais, tornando seus conteúdos ainda mais atraentes

Hoje o Estado traz três boas novidades para seus leitores. Os suplementos Casa &, TV&Lazer e Feminino chegam aos leitores de cara nova. Eles passaram por uma reforma gráfica que faz parte da reformulação iniciada pelo jornal em outubro de 2004. A mudança dos cadernos do Estado em formato tablóide, que os deixou mais leves e bonitos, será estendida para o caderno Agrícola, na quarta-feira, e para o Estadinho, no sábado. Eles passam a ter a mesma identidade, ganhando padronização.

As reformas foram feitas pensado exatamente em criar uma semelhança entre os suplementos e em oferecer maior facilidade na leitura. ‘Há mais leveza na forma, aumentando a facilidade de leitura, com foco na primeira página e na beleza das fotos’, diz José Carlos Cafundó, editor-executivo de suplementos do Estado.

Essa beleza fica evidente nos produtos que o leitor recebe na edição de hoje. As capas dos três suplementos traduzem exatamente a intenção das mudanças feitas pelo jornal.

A foto do centro de São Paulo, feita a partir de um hotel na Avenida Cásper Líbero, de autoria do fotógrafo Cristiano Mascaro, na primeira página do Feminino, consegue unir a beleza ao clima, à primeira vista sisudo, dessa região em uma só imagem. Impossível não despertar a curiosidade do leitor pela reportagem ‘Musa de concreto’, uma homenagem aos 453 anos que a cidade completa na quinta-feira.

Casa& e TV&Lazer também trazem hoje capas esteticamente muito bem trabalhadas. Nelas, o leitor pode notar a diferença que fazem os espaços em branco, tornando a leitura mais fácil e agradável.

CORES

Outra característica são as cores. Cada um dos cinco suplementos tem um tom característico. Assim, no Casa& sobressaem as cores preta e vermelha, marcadas já no logotipo. No TV&Lazer, predominam o lilás e o azul. Já no Feminino, o tom que prevalece é o lilás.

Para o Agrícola, a cor escolhida é o verde, o que remete ao ambiente rural. Já para a garotada, o Estadinho tem as cores azul e vermelho. Tudo isso pensado de forma que se estabeleça uma relação entre os temas desses suplementos e os leitores. Cada cor remetendo a um aspecto particular dessas publicações.

O editor-executivo de Arte do Estado, Fabio Sales, explica que a reforma começou a ser trabalhada no final de outubro de 2006 e que a padronização desses cadernos dá nova vida a eles. ‘Com essa reforma conseguimos criar uma identidade, com a mesma linguagem e a mesma tipografia’, comenta.

O Estadinho é o suplemento que passou pelas maiores mudanças. As cores e a diagramação foram imaginadas para um leitor que, apesar de ainda pequeno, já tem contato com uma série de mídias, principalmente a internet. ‘Ele foi complemente reformulado, da capa até a última página’, diz Sales.

O editor explica que todas essas mudanças levaram em conta, além das características próprias de cada suplemento, principalmente o leitor. A reformulação passou pelo cuidado de não criar uma reprodução do resto do jornal, distinguindo as peculiaridades dos caderno diários com as dos semanais.

As mudanças gráficas também terão reflexos positivos para a área comercial dos suplementos. Eles permitem a inserção de anúncios em novos formatos. ‘A padronização nos dá a possibilidade de futuramente criar outros produtos com essas características’, completa Sales.’



MERCADO EDITORIAL / EUA
Geraldine Fabrikant e Laura M. Holson

Um curioso par quer comprar a Tribune

‘The New York Times – Eles formam um par improvável: Eli Broad, o bilionário de fala franca, cuja coleção de arte e o trabalho filantrópico para revitalizar a área central de Los Angeles o tornaram uma pessoa simpática junto à opinião pública, e Ronald W. Burkle, o magnata dos supermercados, responsável pela arrecadação de fundos para os democratas e amigo de Bill Clinton e que procura, geralmente sem sucesso, evitar qualquer tipo de publicidade.

Os dois homens decidirão se a sua improvável parceria deverá seguir adiante, tendo em vista uma compra da Tribune Company, empresa proprietária de duas dezenas de emissoras de televisão, do Chicago Cubs e de 11 jornais diários, incluindo The Chicago Tribune, o News Day e o The Los Angeles Times, que para Broad e Burkle é o mais importante.

Mas, um sinal de quão imprevisível anda o problemático setor jornalístico está no fato de que, dois dias antes das propostas serem apresentadas, a equipe liderada por Burkle e Broad ainda analisava dados da empresa para determinar se a oferta de compra seria feita. As ponderações da equipe realçam as dificuldades que a Tribune Company pode ter à frente para conseguir alguma oferta que julgue satisfatória.

Os dois interessados estão sendo aconselhados pela UBS Securities e por Frank Biondi, o ex-diretor executivo da Universal Studios e da Viacom. Advogados e contadores passaram o fim de semana examinando as informações financeiras disponibilizadas pela Tribune e tentando calcular como o financiamento funcionaria.

A venda da Tribune atraiu interesse especialmente de empresas de ‘private equity’ , que são aquelas que compram participação em outras empresas, caso do Texas Pacific Group, Providence Equity Partners e Thomas H. Lee. O magnata do setor de entretenimento, David Geffen, também mostrou-se interessado no The Times . Uma outra possível aliança pode envolver a família Chandler, maior acionista individual da Tribune, unindo forças com algum outro pretendente, talvez Broad e Burkle, ou possivelmente Goldman Sachs, que atua como conselheiro da família.

Qualquer comprador que pense na cisão de alguns ativos vai se defrontar com uma tarefa assustadora, de vender jornais numa época em que o futuro das empresas de mídia parece tão incerto. Em conseqüência, não se sabe ao certo quantas ou que tipos de propostas a Tribune Company receberá.

‘Você pode alegar que tentar vender hoje é como vender condomínios em Miami’, disse um investidor da Tribune que não quis ter seu nome revelado pois não deseja criticar a direção da empresa. ‘Ninguém quer apresentar uma proposta agora porque todos acham que o preço deverá cair na próxima semana’.

No The Times, vários jornalistas disseram em particular que gostariam de ter Geffen como comprador final, mas acham que uma aquisição por Broad e Burkle seria melhor do que por alguma dessas empresas compradoras de ativos de outras companhias e que poderia realizar mais cortes. Porém, no geral, repórteres e editores estão inquietos com relação a qualquer novo comprador, mesmo no caso de bilionários que afirmem desejar manter a alta qualidade do jornal. ‘Nenhum multimilionário vai assumir este lugar sem agir como um trator e com um grande projeto’, disse um jornalista do Times que pediu para ficar anônimo, pois não desejava ofender algum possível proprietário.

Quais são exatamente os projetos de Broad e Burkle – e até onde eles podem chegar no caso de grandes mudanças – é difícil saber. Nenhum deles quis comentar o assunto. Ambos manifestaram interesse em adquirir o The Times como um dever cívico. Mas algumas pessoas que conhecem os dois interessados se perguntam se eles conseguirão trabalhar juntos.

Para elas, Broad e Burkle têm muito pouco em comum. ‘Ambos são interessantes mas são de mundos diferentes’, disse Richard Riordan, ex-prefeito de Los Angeles, que viajou com os dois pela Itália e Grécia num iate alugado por Broad. Nenhum dos dois faz parte da patota tradicional dos estúdios de Hollywood. Quando indagados a respeito, vários executivos de estúdios disseram que não os conheciam ou não sabiam muito bem quem eram.

Nesses círculos Burkle, 54 anos, é mais conhecido pela amizade com Stephen Bing, produtor de cinema e pai do filho da atriz Elizabeth Hurley e do filho da ex-esposa de Kirk Kerkorian, Lisa. Burkle também é aliado político de Clinton, tendo permitido que ele usasse seu jato.

Segundo amigos, Burkle se esforça para ser uma pessoa comum. Evita ternos elegantes e prefere usar jeans e camisa Polo. Sua mansão em Beverly Hills já foi usada para campanhas políticas para arrecadação de fundos e outros eventos, incluindo festas para executivos do setor de entretenimento.

Broad, ao contrário, tem poucos amigos mais próximos, embora o prefeito Riordan diga que eles jantam e se falam quase que semanalmente. Ele é mais formal, usa ternos e gravata nas reuniões em sua fundação filantrópica e outros eventos. É franco e direto. Sua fortuna começou na Kaufman e Broad, hoje a KB Homes – com incorporações em subúrbios, e depois com a SunAmerica, financeira por ele criada e que hoje faz parte do American International Group. É um colecionador de artes e está engajado principalmente em empreitadas cívicas. É também membro do Museu de Arte do Condado de Los Angeles.

Com 73 anos, se concentrou no tipo de legado que deseja deixar, dizem os amigos. Ele tem algumas relações no mundo do entretenimento. No verão de 2005, Biondi e sua esposa, Carol, viajaram no iate com Broad e sua mulher, Edythe, visitando a Grécia e Telaviv, onde William Friedkin, que hoje é diretor de óperas, estava dirigindo ‘Sansão e Dalila’. Friedkin é casado com Sherry Lansin, ex-presidente da Paramount, de quem Broad também é amigo.

Mas eles não sabem ao certo o que a aquisição do The Los Angeles Times deverá significar para o jornal. Acham que seria benéfico para o jornal ter mais do que um único proprietário, como seria no caso de Geffen.

Mas não forneceram mais indícios sobre a sua estratégia.

Burkle recentemente teve uma altercação bastante divulgada na imprensa com um jornalista no The New York Post. Como não obteve nenhuma resposta às suas queixas dirigidas ao proprietário do Post, Rupert Murdoch, sobre fofocas publicadas na ‘Page Six’ do jornal, Burkle filmou em vídeo o repórter Jared Paul Stern, no que descreveu como sendo uma tentativa de extorquir dinheiro dele para deixar de publicar aquelas histórias. Stern foi demitido e está sob investigação federal, mas não foi condenado.

Em outros aspectos, Broad e Burkle têm algumas aptidões complementares, especialmente no caso dos empregados sindicalizados.

Embora a redação do The Times não esteja sindicalizada, os operadores das rotativas no início do mês votaram a favor de serem representados pelo Sindicato dos Caminhoneiros. Broad, ao administrar duas fundações educacionais, combateu publicamente o sindicato dos professores, no caso de remunerações por mérito e administração escolar. Burkle, por seu lado, tem uma forte reputação de manter boas relações com os sindicatos. Além disso, é diretor do Yahoo, o que significa que tem mais familiaridade com a Internet, numa era em que os jornais tentam desesperadamente migrar, de maneira lucrativa, o seu conteúdo para a rede.

Barry Munitz, professor e membro do conselho da Universidade do Estado da Califórnia – que também pertence a conselhos de administração de algumas das fundações de Broad -, e participou da viagem de iate em 2005, acredita que os dois homens podem trabalhar juntos. ‘Ron traz para a parceria suas habilidades na área tecnológica e Eli conta com uma rede financeira forte’, disse Munitz em entrevista por telefone. Mas esses atributos podem não bastar para eles apresentarem uma proposta.

O que preocupa bastante é o fato de que comprar a Tribune, e depois fazer uma divisão dos ativos, poderá significar um enorme ônus fiscal.

Um executivo que trabalha na proposta de compra disse que os advogados e contadores de ambos acreditam que em breve os parâmetros já estarão elaborados. Mas, existe a possibilidade de que eles não façam nenhuma oferta ou esperem para ver as outras propostas antes de tomar uma decisão.

‘Eles podem fazer seu lance no último minuto’, disse outro executivo envolvido nas conversações entre Broad e Burkle. ‘Mas a questão é a seguinte: as pessoas vão ter interesse em oferecer uma proposta?’



MEMÓRIA / BENTO PRADO JR.
Renato Janine Ribeiro

Hora de unir a obra de Bento Prado

‘Na adolescência tive uma professora estupenda, que me incutiu amor pelas coisas do conhecimento: dona Lia de Almeida Prado, que lecionava latim e português no Colégio Alberto Levy, em São Paulo. Quando prestei o vestibular de filosofia eu sabia que um irmão seu era professor destacado no departamento da USP, embora relativamente moço, mas demorei a conhecê-lo. Não cheguei a ser aluno de Bento Prado – nem de Giannotti, os dois cassados nossos de abril de 1969: eu entrava no segundo ano, eles não lecionavam no primeiro e, na verdade, pude ter apenas três aulas com Bento antes que a Voz do Brasil anunciasse a sua exclusão, arbitrária e criminosa, da universidade.

Assim, nunca fui próximo dele, que agora se extinguiu novo, aos 60 e poucos anos. Quando voltou à universidade, foi pela Federal de São Carlos, dirigida por um grande reitor, Saad Hossne, que se antecipou à USP na reintegração dos antigos cassados. Ficou em São Carlos, assinando seus textos de ‘Vila Pureza’. Mas seus textos não foram, não são, pelo menos por ora, muitos. Espero que a família e os mais chegados providenciem a edição do que ficou inédito.

Só que o inédito de Bento nem sempre é um texto por ele escrito. Ao contrário de Giannotti, que publicou e publica em dimensão comparável à fama de que desfruta, Bento editou relativamente pouco. Paulo Arantes, num artigo que já tem anos, comentava a freqüência com que Bento presenteava algum aluno com um artigo inédito, após uma longa conversa. Deve haver inéditos dessa ordem. Mas também há notas de aula, lembranças de conversas e, embora possa parecer um pouco arcaizante a sugestão de que para o acesso às idéias de Bento seja preciso passarmos pelos depoimentos, como os que Diógenes Laércio coletou sobre os grandes pensadores antigos, é fato que muito da intervenção de Bento foi oral.

Era um grande conversador, que com facilidade imaginava idéias. Freqüentava não só a literatura, mas também o cinema e até o romance policial. Com ele, os gêneros se misturavam. Retirava conceitos e filosofia de quase qualquer matéria. Num ambiente em que os conceitos se prendem muito aos autores, em que a filosofia se tornou refém da história da filosofia (é assim que eu e alguns colegas vemos os impasses da filosofia no Brasil), Bento Prado era exemplar, porque, conhecedor profundo dos pensadores passados, circulava em meio a eles e a outros criadores como se todos fossem vivos.

Sua própria produção publicada o atesta. Tive a honra de editar seu Bergson pela Edusp, há uns vinte anos. Dirigia a comissão de publicações da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e nos empenhamos em fazer que teses notáveis, ainda inéditas, viessem a lume. Acabamos convencendo a Editora da USP, que até a época só atuava em co-edição, isto é, não tomava a iniciativa de editar mas ia a reboque de editoras comerciais, a criar uma série de teses das áreas de Humanas, que na verdade durou pouco. Cada faculdade escolheu um livro e a FFLCH, por seu tamanho maior, teve direito a um quinhão mais amplo, onde por sinal também figurou Antonio Candido.

Digo isso porque Bergson foi um dos filósofos mais afeitos à literatura, às artes, que houve. Pensador algo esquecido ao longo do século 20, foi contudo alguém que, 100 anos atrás, ajudou a estabelecer ou reforçar os laços entre o filosofar e o criar artístico. Também é significativo que Bento, a par dessa tese de livre-docência defendida nos anos 60, dedicasse especial carinho a dois outros tipos de escritos.

O primeiro são os escritos em torno da literatura, que aparecem em Alguns Ensaios, que publicou nos anos 80, e são complementados em edição posterior, na qual surgem novos artigos, tendo como eixo a ligação da filosofia com a literatura – por exemplo, de Guimarães Rosa com Heidegger. O segundo são os ensaios que dialogam com questões candentes de nosso tempo. Aqui, destaco duas vertentes. Uma é a do senso comum. Trata-se de um debate lançado entre nós especialmente por seu amigo e colega Porchat, que ao se tornar cético passou a celebrar as qualidades do senso comum sobre as da pretensão filosófica. Como muitos sabem, o diálogo aqui é difícil, não pelas personalidades (eram amigos), mas pela dificuldade de alguém de tradição européia continental, isto é, alemã até meados do século 20 e francesa desde inícios do mesmo século, fazer-se entender de (ou entender) alguém de tradição anglo-saxônica.

Porchat, formado embora na escola francesa (de Goldschmidt), fez-se próximo da visão mais prática dos anglo-saxões (um exemplo notável dessa diferença de posições saiu neste jornal há duas décadas, quando Gérard Lebrun resenhou o livro de Olivier Todd – jornalista francês de simpatia inglesa – sobre a filosofia de seu quase-pai adotivo, nada menos do que Jean-Paul Sartre, a quem Todd respeitava como pessoa mas cujas idéias não lhe pareciam simplesmente fazer sentido). Bento tinha escuta. O livro de ambos é um dos mais empolgantes da filosofia brasileira nos anos 90, debatendo eles com alguns colegas sobre a visão filosófica e a do senso comum sobre o mundo.

Falando em escuta, outra vertente que empenhou Bento foi a da psicanálise. Não só porque seu departamento em S. Carlos a trabalha em relação com a filosofia, e pelo conhecimento que sua esposa, Lucia Prado, tem do assunto, mas talvez porque esse movimento de idéias tão decisivo do século 20 apontasse bem os limites do diálogo. Em suma, tivemos em Bento alguém da boa tradição socrática (do diálogo, da conversa, da intervenção tanto mais forte porque oral), mas também com a suspeita que Freud deita sobre o diálogo, ao criar formas de escuta mais carregadas de dúvida.

Um comentário final e inevitável é: como Bento se dava num mundo em que cada vez mais se preza a publicação, a produção? Feita a ressalva de que a filosofia praticamente nasce com um grande mestre hiper-oral, Sócrates, é preciso também lembrar que Bento foi assessor do CNPq (onde deixou a lembrança de um ‘homem único, extraordinário, de fineza rara, inteligência aguda e espantosa simplicidade’) e presidente da associação de pós-graduações em filosofia. Transitou no oral e no informal, mas também na instituição.

Mas creio sobretudo que há um grande erro em pensar que nosso tempo se divide entre o ‘publish or perish’ de exigências que não levam em conta a qualidade e uma criação inefável, imensurável, de quem nunca presta contas em público. Primeiro, publicar trabalhos ruins não é valorizado por nenhum grupo científico. Segundo, personalidades como Bento são raras e não servem para justificar a improdutividade de quem nada faz. Mas termino, com o risco de me repetir: é hora de coletar as memórias, aulas, presenças de Bento Prado. Isso não é repetir Diógenes Laércio. Afinal, temos livros tanto de Hegel quanto de Heidegger, escritos a partir de notas de alunos. Se não me engano, a certa altura um estudante presenteou Bento com um livro pronto, do próprio Bento, que reunia aulas dele. É disso que, agora, precisamos.

Renato Janine Ribeiro é professor de Ética e Filosofia Política na USP e diretor de Avaliação da Capes’



MEMÓRIA / PAULO FRANCIS
Antonio Gonçalves Filho

O polêmico Paulo Francis é reeditado e analisado por amigos

‘Às vésperas dos dez anos da morte do polêmico jornalista e colunista do Estado, Paulo Francis (1930-1997), a revista Bravo! de janeiro traz textos assinados por dois profissionais da área que conviveram intimamente com ele, sua viúva Sonia Nolasco e o ex-editor do Caderno 2, José Onofre. Anunciando a publicação de um romance inédito de Francis, Jogando Cantos Felizes, Sonia Nolasco adianta que se trata de um livro político sobre uma família brasileira rica. Os personagens centrais são o patriarca, ligado à indústria francesa, e o filho mais velho, que descobre seu potencial revolucionário em pleno maio parisiense de 1968.

Onofre fala de Francis como o inverso desse filho nada pródigo de seu romance, lembrando como o jornalista se distanciou da esquerda. Localiza até a data dessa mudança drástica de orientação política: 1994, com a publicação do livro de memórias Trinta Anos Esta Noite. Catorze anos antes, Francis lançara outro volume memorialista chamado O Afeto Que se Encerra, que, segundo Onofre, dá os primeiros sinais de sua nova visão política, reforçada mais tarde pelo colapso da União Soviética (1991) e a força crescente dos tigres asiáticos. O livro, que estava fora de catálogo, será relançado em fevereiro pela Editora Francis, que já colocou no mercado outros títulos do jornalista: Cabeça de Papel, Cabeça de Negro, Trinta Anos Esta Noite e as novelas de Filhas do Segundo Sexo.

Além de Francis, outro autor que tem a obra relançada é Manuel Bandeira (1886-1968). Comemorando os 120 anos de seu nascimento, a editora Cosac Naify programou a reedição de dez livros do poeta. O jornalista Renato Pompeu assina a matéria de capa da revista, lembrando que os primeiros livros de Bandeira foram bancados pelo autor, incluindo aí A Cinza das Horas e Carnaval.

Ainda na esteira das comemorações, os 80 anos de nascimento do compositor e inventor da bossa nova Antonio Carlos Jobim (1927-1994) são lembrados com uma lista de 11 álbuns fundamentais sobre sua obra, de Chega de Saudade (João Gilberto, 1959) ao trabalho do japonês Ryuichi Sakamoto com o violoncelista brasileiro Jacques Morelenbaum (Casa, 2002). Faltam, claro, muitos títulos indispensáveis na lista da Bravo!, em especial de músicos americanos (Michael Franks, Gary McFarland, John Pizzarelli) profundamente marcados pela bossa nova e por Jobim, fonte inesgotável para representantes de todas as gerações.

O último texto do jornalista cultural Federico Mengozzi, morto na terça-feira, ocupa seis páginas da revista e comenta as nove mostras simultâneas programadas para a Pinacoteca do Estado este mês. Mengozzi presta sua homenagem ao segundo museu mais antigo de São Paulo e um dos mais visitados (40 mil pessoas por mês), destacando nove obras fundamentais de seu acervo de 6 mil peças.

Na área de cinema, o crítico Ricardo Calil analisa o fenômeno Iñárritu, o cineasta mexicano que conquistou o público com dois filmes insólitos, Amores Brutos e 21 Gramas. A nova provocação do diretor Alejandro González Iñárritu chama-se Babel (Globo de Ouro de melhor filme), já em cartaz. Calil analisa a estrutura de seus filmes, que compara a trípticos da pintura, seus temas e a estética do mexicano, que abusa de filtros e monta os filmes sempre buscando dissonâncias visuais.’



TELEVISÃO
Leila Reis

O circo da cratera

‘Nunca, em tempo algum, o espectador viu tantas imagens aéreas pela TV. A ‘tragédia do metrô’ ou a ‘cratera de Pinheiros’ – como as emissoras batizaram o acidente nas obras da linha 4 do Metrô em São Paulo – ocupou pelo menos um terço de todos os noticiários, consumiu horas da programação e gerou um tráfego intenso de helicópteros sobre a região.

Não há como negar a gravidade do acidente que abriu um buraco de 80 metros de diâmetro no bairro de Pinheiros. E nem a necessidade de noticiar o drama e de cobrir o trabalho de resgate dos corpos das vítimas. O acidente mexeu com a vida da cidade, das famílias das vítimas e dos moradores dos arredores que perderam suas casas.

Mas o que se viu durante uma semana inteira foi mais do que interesse jornalístico. Houve uma exponencial carnavalização da tragédia. O volume de audiência que chegava aos medidores funcionou como estimulante para as emissoras esticarem as inúmeras entradas ao vivo, mesmo quando não havia informações novas a oferecer ao telespectador.

Como as imagens revelavam pouco, os apresentadores lançaram mão do mais puro alarmismo para animar a platéia. Na Record, Celso Zucatelli tentava ‘interpretar’ o pânico observando as imagens aéreas do local. ‘Olha lá os bombeiros correndo naquela rua, alguma coisa deve estar acontecendo.’

Na Bandeirantes, o apocalíptico José Luiz Datena dizia ‘O rio vai invadir o solo e a Marginal Pinheiros vai desaparecer’. Até Chico Pinheiro, que ancorou duas edições do SPTV do local decidiu arriscar interpretações ‘sociológicas’ sobre a curiosidade do paulistano acerca da cratera. ‘Da mesma maneira que o europeu teme o terrorismo, o paulistano teme a criminalidade e as catástrofes.’

Chico está errado. A curiosidade do cidadão de São Paulo foi despertada pela espetacularização que a TV fez da tragédia. A multidão que diminuía a velocidade dos carros para olhar o local ou visitava a cratera foi levada lá pela mídia. Todo mundo queria ver de perto o que a TV transformou em palco e berço do oportunismo.

Por isso soou falso Brito Júnior, na Record, recriminar a empresa que colocou promotoras de uma bebida energética no local. ‘Não vou dizer o nome da marca, mas é um absurdo se aproveitar da tragédia.’

A lém das moças, estiveram no local hordas de personagens em busca do holofote: promotores públicos, deputados, defensores públicos, psicólogos voluntários (!), populares, religiosos etc. Que, não se pode negar, ajudaram os repórteres a preencher o tempo em cena com protestos indignados e opiniões inúteis. Quando se cansava dessas ‘contribuições’, a reportagem se dedicava a mostrar a periferia da tragédia, como entrevistar bombeiros adestradores para informar ao público sobre o interessante trabalho de ensinar cães a procurar pessoas entre escombros.

O que se viu na TV nada mais foi do que a reedição do circo da mídia montado por Billy Wilder, em 1951, em A Montanha dos Sete Abutres (Ace in The Hole). No filme, para garantir boas manchetes para seu jornal, um repórter sem escrúpulos (Kirk Douglas) manipula todos e vai protelando o resgate de um trabalhador preso dentro de uma mina de carvão. A cobertura atrai para o local americanos de todos os cantos, parque de diversões, vendedores, algo muito parecido com o circo que se instalou nas bordas da cratera do metrô de Pinheiros.’




Taíssa Stivanin

Ela é feia, mas está na moda

‘Quando Betty, a Feia (Yo Soy Betty, la Fea) estreou na Rede TV!, ninguém admitia assistir à novela colombiana. Mas quase todo mundo sabia do que se tratava ou já tinha visto, ao menos uma vez, a cara da tal Betty. O folhetim, que aposta na feia que se torna bonita – o velho clichê do coitadinho que dá uma reviravolta e se vinga de todos que o maltrataram – , foi um sucesso e fez com que a Rede TV! alcançasse índices altíssimos no horário. Betty, a Feia começou com pouco mais de 4 pontos de média de audiência e terminou com mais de 10. Para dar uma idéia, a média de audiência do Pânico, um dos programas mais bem-sucedidos da emissora, é de 6 pontos atualmente.

Mesmo com o sucesso da Betty colombiana na América Latina, ninguém poderia imaginar que a feia conseguiria invadir o resto do mundo. E a conquista veio pelas mãos da atriz Salma Hayek. Depois de mostrar ao público a carreira e o trabalho da artista plástica mexicana Frida Kahlo no cinema, a atriz decidiu divulgar a Betty. Produziu a atração em formato de seriado nos Estados Unidos e colocou, em suas mãos e nas mãos da feia, estatuetas do Globo de Ouro, um dos mais importantes prêmios da indústria do entretenimento americano. A cerimônia de entrega do Globo de Ouro foi realizada na última segunda-feira.

Betty, a Feia ou Ugly Betty foi considerada a melhor série de comédia – desbancou até mesmo Desperate Housewives – e a protagonista America Ferrara recebeu o Globo de Ouro de melhor atriz. Em um discurso que emocionou atores veteranos e concorrentes como Teri Hatcher e Felicity Huffman, a jovem de 22 anos mal podia acreditar que sua feiúra na tela pudesse lhe render a cobiçada estatueta.

Nos Estados Unidos, Betty foi adaptada. Além de ser feiosa, a coitada ainda trabalha com moda. É Betty, a Feia em O Diabo Veste Prada – filme baseado no livro de Lauren Weisberger – e com vilãs quase tão ferozes como a Miranda de Meryl Streep, que também venceu o Globo de Ouro de melhor atriz, mas na categoria cinema.

Bettymania

Do jeito que a coisa vai, logo a maison Channel vai incluir óculos fundo de garrafa, coletes de lã bege e aparelhos ortodônticos em sua nova coleção. Betty, a Feia, que virou um ícone trash, é um sucesso na França, mesmo com gosto de chucrute. O remake de 365 episódios produzido na Alemanha, batizado de O Destino de Lisa e estreou recentemente no canal Telefrance 1, às 16h35, horário de grande audiência (lembrando que somente 37,8% dos franceses entre 55 e 65 anos trabalham). A Betty alemã ganhou destaque nas principais revistas especializadas do país. No ano que vem, o mesmo canal vai exibir a versão americana.

A Betty alemã é loira de olhos claros, evidentemente, e interpretada pela atriz Alexandra Neldel, que deve ter quase dois metros de altura. Ela não teve dificuldades em se adaptar ao falso aparelho para viver a personagem. Por ironia do destino, Alexandra era assistente de um dentista antes de virar atriz. Fora os detalhes culturais e pessoais, a Betty alemã é basicamente a mesma desastrada da versão original, humilhada pelos colegas de trabalho e que a certa altura da história vai dar uma reviravolta na vida.

Em terras germânicas, a série está no ar desde o ano passado e, em 2005, ganhou até mesmo o German Television Awards de melhor série. O último capítulo chegou a reunir na frente da TV cerca de 7 milhões de telespectadores, o que é considerado um recorde para os padrões europeus. Na Alemanha, a série já virou DVD, livro, jogo… Alexandra é uma celebridade.

Mundo afora

Pela Europa, outros canais de televisão já adquiriram os direitos e produziram seus remakes: Betty é Bea na Espanha, Lotte na Holanda e Maria na Grécia. Em outros continentes, Betty também marca seu território: em Israel ela é Esti, na Índia, Jasse, e, na Rússia, a feiosa virou Katya. No México, a protagonista é Lety e, a novela ganhou o nome de A Feia Mais Bela, em cartaz atualmente no SBT. Os direitos de produção da novela já foram vendidos a 94 países, o que inclui os vizinhos latinos. No Equador, uma sessão parlamentar chegou a ser adiada para que os deputados pudessem assistir ao último episódio.

A crítica européia considera a série O Destino de Lisa, ou Le Destin de Lisa, um produto quatro estrelas. A mídia francesa batizou o fenômeno de Bettymania e atribui à novela uma originalidade rara aos folhetins latinos: Betty foge do melodrama que narra a vida dura de uma heroína pobre, mas bonitinha, que acaba se envolvendo com o filho rico do patrão e se dando bem graças a um bom casamento.

Bem mais Simone de Beauvoir, Betty primeiro se destaca profissionalmente antes de pensar na operação plástica e no marido. Produtividade antes da vaidade. Super à francesa, já que a França jamais se esqueceu que Joana d’Arc cortou o cabelo antes de ir à luta.

O produtor colombiano Fernando Gaitan, 45 anos, pai de Betty, sabia onde estava pisando quando criou sua heroína às avessas. Sabe aquela idéia ingrata de que não existe mulher feia só mulher pobre? Foi pensando bem nisso que ele criou a série. Na opinião do produtor, em entrevista à revista francesa Télé 7 jours, qualquer mulher pode ficar bonita com uma boa produção. Esse conceito conquistou milhares de telespectadoras no mundo todo. Lentes de contato na gaveta já. Betty é super cool.

COLABOROU ETIENNE JACINTHO’

Etienne Jacintho

Belas e feras

‘Atrizes brasileiras já sofreram transformações

Algumas atrizes brasileiras já tiveram de se enfear para interpretar papéis em novelas. E a teledramaturgia gosta das grandes transformações físicas – e até morais, digamos assim – de suas personagens. O pobre que fica rico de repente e vice-versa é um clichê que causou mudanças no visual de atrizes como Regina Duarte, em Rainha da Sucata (1990). Mas esta nem foi uma mudança tão radical como a de Aninha, personagem de Mariana Ximenes em Chocolate com Pimenta (2003). Confira algumas ‘feias’ da teledramaturgia brasileira.

Eu uso óculos – Além de Mariana Ximenes, outras beldades colocaram óculos e tentaram ficar feias. Foi o caso de Cristiana Oliveira, em Quatro por Quatro (1995), e de Suzy Rêgo, em A Viagem (1994). Quem não se lembra da atriz de óculos e aparelho (a própria Betty, a Feia) para não provocar a enciumada Dinah (Christiane Torloni)? Quem ficou muito feia mesmo foi Maitê Proença em um dos episódios de A Vida Como Ela É. Ela estava irreconhecível e, em Torre de Babel (1998), também não exibiu toda a sua beleza.

As cheinhas – A atriz Cristina Mullins, em Vereda Tropical (1985), era feinha, gordinha e desprezada pelos homens. No final da trama, virou modelo. Atualmente no ar no remake de O Profeta, Fernanda Souza promete dar a mesma reviravolta. Seu papel, na versão original da novela, foi de Débora Duarte. Já Cláudia Raia precisou engordar alguns quilos para interpretar a ‘bailarina da coxa grossa’ em Rainha da Sucata e depois sofreu para voltar à antiga forma.

As masculinizadas – E a Ana Machadão? A personagem de Débora Bloch em Cambalacho (1986) era a mecânica tratada como um ‘cara’ pelos galãs Athos (Flávio Galvão), Porthos (Maurício Mattar) e Aramis (Paulo César Grande). Em Despedida de Solteiro (1992) foi a vez de Helena Ranaldi esconder sua sensualidade sob um macacão. Já em Kubanacan (2003), a escolhida foi Carolina Ferraz. Cláudia Raia viveu, em TV Pirata, Tonhão, no quadro As Presidiárias. E vale ainda citar Bruna Lombardi, que se travestiu de homem na minissérie Grande Sertão: Veredas (1985) para viver Diadorim.

As beatas – Perpétua (Joana Fomm), de Tieta (1990), é o símbolo máximo das beatas na teledramaturgia brasileira. Na mesma novela, entrou em cena uma fanática católica interpretada por Lília Cabral e que se revelou fogosa no final da trama. Marília Pêra também se escondeu no figurino de beata na minissérie O Primo Basílio (1988). Mais recentemente, Juliana Paes sofreu transformações constantes como Creuza, a beata assanhada de América (2005).’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Carta Capital

Veja

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