Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

O Estado de S. Paulo



CRISE POLÍTICA
Vera Rosa, Luciana Nunes Leal e Christiane Samarco

Crise desvaloriza passe de marqueteiro em 30%

‘O caldo do marketing político entornou de vez. Com a crise que desmascarou o uso do caixa 2, tradicionais doadores de campanhas eleitorais estão ressabiados, os magos da publicidade, fora do jogo, e os candidatos, atônitos. Resultado: o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PSDB do prefeito José Serra e do governador Geraldo Alckmin já se preparam para novos tempos de disputa, com menos dinheiro na praça.

Levantamento feito pelo Estado com publicitários acostumados a operar no ramo indica que, com toda essa turbulência, o custo do pacote de marketing nas eleições cairá cerca de 30%. Mesmo assim, os valores continuarão na estratosfera: especialistas calculam que uma campanha para presidente não sairá por menos de R$ 70 milhões.

Pressionados pelo escândalo, deputados e senadores assumiram o discurso do ajuste nas contas depois que a casa foi arrombada. E a Câmara procura a duras penas chegar a um acordo para votar esta semana medidas para disciplinar a confusão e coibir o abuso do poder econômico, com a tesourada compulsória no gasto de propaganda.

Se o projeto for aprovado, estão com os dias contados os showmícios e a distribuição de brindes, como camisetas, chaveiros e bonés. Ficam proibidos, ainda, as faixas e os outdoors. A proposta é que as doações a partidos e candidatos, assim como suas despesas, sejam divulgadas pela internet.

BURRICE

Seguidores da máxima do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares – para quem ‘transparência demais é burrice’ -, os parlamentares resistem, porém, a aprovar um texto que obrigue os candidatos a revelar online e instantaneamente os nomes dos doadores. No máximo, só depois da eleição. E olhe lá.

‘Ninguém vai esconder quem doou, mas não tem cabimento identificar a pessoa e deixá-la sujeita a pressões e retaliações ao longo da campanha’, justifica o deputado Moreira Franco (PMDB-RJ), relator do projeto. Outra polêmica: líderes dos partidos brigam para não estabelecer um teto único de gastos para campanhas diferentes – neste ano estão em disputa as cadeiras do presidente e de governadores, senadores e deputados federais e estaduais.

Depois de consultar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Moreira Franco decidiu ‘enxugar’ o projeto já aprovado pelo Senado, para que as novas regras possam valer nesta eleição, daqui a oito meses. Diante das limitações legais, a proposta que vai a voto no plenário da Câmara é bem mais tímida do que a do senador Jorge Bornhausen (SC), presidente do PFL, que cortava pela metade o período do odiado horário gratuito no rádio e na TV.

‘É uma coisa de emergência, do tipo Alcoólicos Anônimos, para parar de beber na marra’, compara o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). O próprio Bornhausen concorda. ‘A Câmara está se adaptando às circunstâncias do prazo’, observa. Questionado se o caixa 2 vai acabar depois disso, o senador responde com outra pergunta: ‘O Código Penal acaba com o homicídio?’ O importante, para ele, é ‘restringir a possibilidade de burlar, com penas mais duras e fiscalização’.

ECONOMIA BRUTAL

Moreira Franco vai além: diz que, se o custo das campanhas deste ano ficar próximo dos gastos de 2002, haverá uma economia brutal ‘porque todos gastaram bem mais do que está na prestação de contas’. Quatro anos depois, no entanto, os valores são outros, ainda que com a redução dos custos do marketing. Em 2002 Lula declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) despesas de R$ 39,3 milhões; Serra, por sua vez, revelou gastos de R$ 34,7 milhões.

Adversários em 2002, Lula e Serra podem se enfrentar novamente em outubro. ‘Será a mais acirrada campanha da República entre o PT e o PSDB’, prevê o consultor político Gaudêncio Torquato. ‘Mas o eleitor não quer ver mais maquetes mirabolantes nem grávidas vestidas de branco, saltitando num campo verdejante’, ressalva, referindo-se a uma cena marcante da propaganda de Lula, assinada por Duda Mendonça.

No diagnóstico de Torquato, a mistificação, os efeitos especiais e os sinais exteriores de riqueza serão expurgados do ar. Nesse cenário, os marqueteiros vão perder espaço para os estrategistas de campanha.

‘Os concorrentes terão de se mostrar como são, sem truques, com mais conteúdo e menos embalagem’, concorda o vereador José Aníbal, que comandou o PSDB na última eleição presidencial. ‘O marqueteiro inteligente, agora, será o que fizer o candidato se parecer o menos possível com um sabonete’, emenda o senador Virgílio.

Mesmo com praticamente todos os partidos descobertos pelo caixa 2, a troca de estocadas não tem trégua. ‘A eleição do presidente Lula mostrou que o candidato nunca deve ser o marqueteiro’, provoca o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP). Na outra ponta, seu colega Ricardo Berzoini (SP), presidente do PT, diz que o estilo dos políticos tradicionais está em crise. ‘Tapinhas nas costas e apertos de mão não devem merecer o voto’, afirma.

Na semana passada, uma questão mais pragmática do que esta rondou o Planalto. Ao conversar sobre a montagem dos palanques nos Estados, Lula, que tenta adiar a revelação da candidatura, não se conteve. De supetão, perguntou a um interlocutor petista: ‘Quem vai fazer a campanha do PT este ano?’ Ficou sem resposta.’

Vera Rosa

Lula espera crise esfriar para definir publicitário

‘A crise do marketing político deixou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dúvida sobre a escolha do publicitário que substituirá Duda Mendonça e comandará a propaganda de sua campanha à reeleição. Em conversas reservadas, Lula tem dito que vai aguardar o desfecho do que chama de ‘denuncismo’ para decidir se João Santana, hoje consultor do Planalto, será ou não o marqueteiro dessa temporada.

Ex-sócio de Duda, o mago da publicidade atingido em cheio pela crise, Santana entrou na confusão quando o Ministério Público descobriu que ele fez transações com doleiros em paraísos fiscais, entre 1999 e 2000, enviando US$ 528,8 mil para as Ilhas Virgens Britânicas – informação divulgada pelo Estado.

Lula não tem com Santana o mesmo relacionamento que mantinha com Duda, de quem ficou amigo. Mas, apesar dos problemas, ainda não descarta a possibilidade de puxar Santana para a campanha. Tudo depende das investigações.

Não fosse a crise, Lula escolheria Duda novamente. ‘Ele é o melhor’, chegou a dizer o presidente. Tudo foi por água abaixo, no entanto, quando o publicitário que trabalhou com o ex-prefeito Paulo Maluf admitiu ter recebido R$ 10,5 milhões do caixa 2 do PT, numa conta secreta no exterior.

CARA SETE

Duda começou a se aproximar de Lula no início de 2001. ‘Eu disse a ele que queria ser vendido pelas minhas idéias. Não queria ser um objeto’, contou o presidente. ‘Qualquer um poderia ser falsificado, menos eu.’

A adaptação de Lula ao marketing de Duda não foi uma coisa simples. No começo, o petista precisava gravar 15 vezes até acertar a expressão exigida. A fisionomia ideal para o programa de TV foi apelidada de ‘cara sete’. Motivo: um dia, depois de seis tentativas infrutíferas de filmagem, Lula relaxou na sétima vez. A partir daí, sempre que precisava de um sorriso, Duda apelava: ‘Lula, cara sete!’

No figurino light, surgiu ainda o ‘Lulinha Paz e Amor’, que evitava comprar briga com adversários. Ganhou a parada. ‘Hoje o PT me ama’, disse Duda ao Estado, em outubro de 2002. Na quinta-feira, porém, após novo depoimento à Polícia Federal, sua impressão era bem diferente.’



CHARGES POLÊMICAS
José de Souza Martins

O sagrado e os nós da secularização

‘A crescente repercussão da publicação de caricaturas de Maomé pelo jornal Jyllands-Posten, da Dinamarca, amplia conflitos onde são evitáveis. Doze desenhistas foram convidados a retratar o profeta, numa crítica aos grupos fundamentalistas islâmicos. A reação crescente e disseminada desses grupos ao que interpretam como um sacrilégio teve corporativa resposta de jornais da Europa e de outras regiões, em nome da liberdade de expressão. O direito a essa liberdade, com razão, atrai facilmente as nossas simpatias. Tal invocação, porém, pode ser questionada, já que o âmbito próprio da ocorrência é provavelmente outro.

A secularização do mundo, que dá sentido a essa liberdade e a outras, desde a Revolução Francesa ao menos, tem sido admitida como um processo inexorável e crescente, constitutivo mesmo da sociedade moderna. Não faz muito, nos meios intelectuais do mundo ocidental, ter uma crença era tido como uma espécie de defeito de caráter, alienação em relação à atualidade própria e inevitável de uma sociedade secularizada. As religiões, de modo geral, recuaram para o âmbito específico da religiosidade, praticadas como assunto privado. O âmbito do propriamente público e secular, das relações e concepções que asseguram a universalidade dos direitos ficou relativamente protegido como território imune aos direitos das particularidades.

Mas as coisas não eram bem assim. Quando mais se imaginava que a secularização era já um fato dominante e as religiões apenas resíduos de crenças que haviam perdido o sentido numa sociedade dominada pela razão, começaram a ocorrer crescentes manifestações de religiosidade em todas as partes, desde a intensa revitalização do Islã até o reavivamento cristão – católico e protestante. Em todos os casos, em aberta disputa com o poder político secularizado.

Aqui mesmo, o que é julgado equivocadamente como uma vitória política da esquerda, a ascensão política de Lula e do PT, não foi mais do que a primeira grande expressão latino-americana do advento político do catolicismo renovado por um sistema conceitual de esquerda e escassamente marxista. No México, a revolta zapatista nutre-se de concepções similares e o mesmo ocorreu na Nicarágua sandinista e na tragédia de El Salvador. Uma nova esquerda de base religiosa se difunde em aliança com setores residuais e órfãos do marxismo. Aliança em que a teoria perdeu a consistência que lhe dava sentido, reduzida às conveniências fundamentalistas da vulgarização.

O mundo está sendo alcançado por uma onda crescente de religiosidade política e por um cerco notável ao terreno em que o secularismo se considerava em posse definitiva. É o retorno da religião e de uma religiosidade que, mesmo quando supostamente no marco da esquerdização das crenças, são profundamente conservadoras, hierárquicas, corporativas e fundamentalistas. Contêm um núcleo denso e complexo de débitos a cobrar por séculos de espoliação identitária, desenraizamentos, expropriações territoriais, banimentos e exploração econômica, não raro cruel, como é o caso da escravidão.

A cobrança da fatura da história de formação e consolidação da sociedade moderna está diante de nossos olhos e nos atinge a todos. E atinge da pior maneira: como regressismo, como empenho em fazer a roda da história girar em direção ao passado, a uma suposta época de ouro de inteireza, liberdade, segurança e abundância. Esses grupos guardaram na memória e na experiência preciosos fragmentos de suas culturas de origem e com eles tentam reconstituir o vaso de alabastro que a história ocidental espatifou e à custa do qual a sociedade ocidental se constituiu. É o que lhes resta.

Nos cacos dessa história perdeu-se o sentido político da superação das contradições e adversidades e perdeu-se, portanto, o sentido político do historicamente possível que se inscreve nas entrelinhas do presente. Esse é o ponto mais grave das tensões crescentes, sobretudo porque há nelas a presença de componentes religiosos, mesmo aqui entre nós, que são aqueles próprios das religiões de conversão. São elas baseadas não raro nos pressupostos totalitários da verdade única e da crença sem espaço para a diferença e a diversidade das formas e variações do crer e do ser. Instaura-se a monotonia e a tirania do único.

No incidente da Dinamarca e na reação corporativa dos jornais europeus faltou a compreensão de que o que parecia um justo direito ao divertimento da sociedade fragmentária e secularizada, mais do que direito de expressão, podia ser interpretado pelas vítimas da ironia, e o foi, como um ato adicional numa história de desrespeito e espoliações. Uma invasão do último reduto da esperança para os que foram privados de toda espécie de esperança que não a religiosa, um ataque frontal ao que resta de identidade não só aos atingidos diretamente, mas a tantos e diversificados grupos sociais em tantos lugares.

Estamos em face da intolerância e nesse cenário não há inocentes. A intolerância não é apenas dos que têm religião. No Brasil temos tido preocupantes episódios tanto de intolerância à religião, como se deu em tentativas de usar símbolos religiosos em desfiles de carnaval, quanto de intolerância religiosa. Foi o caso que ficou conhecido como o ‘chute na santa’, no programa de televisão de um pastor pentecostal; ou o ataque de um evangélico com problemas mentais à imagem de Nossa Senhora Aparecida, no próprio santuário; ou mais recentemente o ataque de um crente à imagem substitutiva de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará. Tantos anos depois da abertura ao ecumenismo por iniciativa de João XXIII, os ressentimentos dos que eram historicamente definidos como acatólicos, demonizados sistematicamente pelos católicos, bem mostram a vitalidade de uma mágoa que se tornou antes de tudo cultura de ressentimento e vendeta. Mesmo na manifestação de indivíduos isolados, a repetição dos casos nos sugere um conjunto persistente de referências para explosões de intolerância.’

Tariq Ramadan

Questão de responsabilidade cívica

‘Talvez o mais importante pensador islâmico na Europa, o filósofo Tariq Ramadan não é homem de maniqueísmos fáceis. Ao comentar a controvérsia em torno da caricatura do profeta Maomé, publicada esta semana por dezenas de jornais europeus, Ramadan não foi conivente com nenhum dos lados: ‘Os muçulmanos precisam entender que rir da religião faz parte de uma cultura mais ampla que eles compartilham na Europa ‘. Já os europeus deveriam ter ‘sensibilidade em relação aos muçulmanos e outros povos que vivem no continente’ .

Colaborador do caderno Aliás, Ramadan é neto de Hassan Al-Banna, fundador da Irmandade Muçulmana no Cairo em 1928. Trata-se de uma organização fundamentalista, cujo objetivo é libertar os países muçulmanos do controle dos estrangeiros e infiéis, estabelecendo um Estado islâmico unificado, mesmo que à custa de assassinatos de líderes políticos. Mas, bem ao contrário do avô, Tariq Ramadan tem agido como um intelectual que acredita no entendimento pela conversa. Mesmo que o assunto seja polêmico, como o caso das charges de Maomé. Nesta entrevista concedida na quinta-feira, na Suíça , Ramadan falou ao repórter Nathan Gardels, da agência de notícias Global Viewpoint.

CARICATURA

Sobre as charges de Maomé, há três coisas que temos que ter em mente. Primeiro, é contra os princípios muçulmanos representar em imagens não apenas de Maomé, mas de todos os profetas do Islamismo. Essa é uma proibição clara. Segundo, no mundo muçulmano não estamos acostumados a zombar da religião, nossa ou dos outros. Isso foge ao nosso entendimento. Por esse motivo, essas caricaturas são vistas pelos muçulmanos comuns e não apenas pelos radicais como a violação de algo sagrado, uma provocação contra o Islamismo. Terceiro, os muçulmanos precisam entender que rir da religião faz parte de uma cultura mais ampla que eles compartilham na Europa, que remonta a Voltaire. Cinismo, ironia e até blasfêmia fazem parte dessa cultura. Quando vivemos em tal ambiente sendo muçulmanos, é importante ser capaz de assumir um distanciamento crítico e não reagir tão emocionalmente. Precisamos manter nossos princípios islâmicos, mas também precisamos ser suficientemente sensatos para não reagir com exagero a provocações.

CABO DE GUERRA

Para a maioria dos países muçulmanos reagir emocionalmente a essas charges (com boicotes) é alimentar os extremistas do outro lado, transformando isso numa prova de vontades. De um lado, o extremista argumenta que ‘veja, nós lhe dissemos, o Ocidente é contra o islamismo’ e de outro lado, eles dizem, ‘veja, os muçulmanos não podem ser integrados à Europa porque estão destruindo nossos valores não aceitando o que defendemos’. Esta forma de abrir um debate baseado em motivações emocionais é, na verdade, uma forma de fechar a porta para um discurso racional.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Do que precisamos agora de ambos os lados é a compreensão de que esta não é uma questão jurídica nem uma questão de direitos. A liberdade de expressão é um direito na Europa, protegido pela lei. Ninguém deve contestar isso. Ao mesmo tempo, deveria haver um entendimento que o caráter da sociedade européia mudou com a chegada de imigrantes de diversas culturas. Por causa disso, deveria haver uma sensibilidade em relação aos muçulmanos e outros povos que vivem na Eu ropa.

LIMITES

Não existem limites legais para a liberdade de expressão, mas há limites cívicos. Em qualquer sociedade, há um entendimento cívico de que a liberdade de expressão deve ser usada sensatamente de forma a não ferir sensibilidades, particularmente nas sociedades híbridas, multiculturais, que vemos no mundo hoje. É uma questão de responsabilidade cívica e sabedoria, não uma questão de legalidade ou direitos. Nesse contexto, creio que a publicação dessas charges foi imprudente porque é a forma errada de iniciar um debate sobre integração porque isso inflama emoções, e não causas jurídicas. É uma provocação inútil. Como você imagina que um muçulmano comum que vive na Europa e se opõe ao terrorismo reagirá ao ver o profeta Maomé retratado com uma bomba no seu turbante? Publicar tais caricaturas foi uma forma muito obtusa de tratar da questão de liberdade de expressão.

SABEDORIA E PRUDÊNCIA

Por que tantos jornais europeus se sentiram obrigados a publicar essas caricaturas? Porque agora é uma luta pelo poder. Quem terá a palavra final? Quem está certo? Quem vai prevalecer? Se foi uma estupidez publicar pela primeira vez essas caricaturas na Dinamarca, foi ainda mais estúpido fazer isso agora. O que nós queremos – polarizar o mundo ou construir pontes? Veja, vamos ter um debate verdadeiro sobre o futuro da nossa sociedade. Os muçulmanos precisam entender que existe liberdade de expressão na Europa e pronto. Por outro lado, é preciso compreender que questões sensíveis devem ser tratadas com sabedoria e prudência, não provocação. Não é porque você tem o direito legal de fazer algo que isso significa que tem que fazê-lo. É preciso compreender que outras pessoas o rodeiam. Será que eu ando por aí insultando as pessoas porque tenho liberdade para isso? Não. Isso se chama responsabilidade cívica.

HIPOCRISIA

Ao defender a publicação das caricaturas, o jornal alemão Die Welt publicou num editorial que ‘os protestos dos muçulmanos seriam levados mais a sério se eles fossem menos hipócritas’. Acho que o Die Welt tem razão ao dizer isso. Nós, muçulmanos, precisamos ter autocrítica. Ao mesmo tempo, a hipocrisia no mundo árabe não justifica o insulto aos muçulmanos em troca. O que guia as pessoas não deve ser as transgressões dos outros, mas seus próprios princípios.’



MÍDIA & RELIGIÃO
Adriana Dias Lopes

Televisão e internet a serviço da fé

‘‘Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura.’ É com essa frase do Evangelho de São Marcos que o bispo evangélico Rai Brant justifica a função da internet na sua igreja, a Cristo Vive. Independentemente da crença e da citação bíblica, a internet tem arrebanhado cada vez mais fiéis. São os chamados fiéis virtuais, aqueles que usam o computador e a televisão para se aproximar, reaproximar ou manter a fé em dia, sem ter de sair de casa.

Para as igrejas, as possibilidades abertas pelo mundo cibernético são uma bênção divina. Desde que os cultos evangélicos da igreja Cristo Vive começaram a ser transmitidos ao vivo pelo site há um ano, por exemplo, o número de crentes nos cultos cresceu 15%. ‘Cerca de 700 pessoas assistem às pregações do pastor da igreja. Pelo computador, conquistamos mais cem por culto’, diz Rai.

Esse santo caminho virtual tem sido aproveitado também pelos católicos. A Santa Missa, o programa mais antigo da TV Globo, que vai ao ar todo domingo, às 5h55, é líder em audiência no horário, atingindo a média de 5 pontos de Ibope, com share (total de TVs ligadas no horário) de 55%. A missa transmitida ao vivo do santuário da Rede Vida diariamente, às 19h20, tem uma das maiores audiências do canal. ‘A média é de 80 mil telespectadores’, diz João Monteiro de Barros Neto, diretor da rede. Um deles é a empresária Leda Maria Colete Ramos, de 56 anos. ‘O programa traz paz para minha casa’, diz.

Mais um exemplo: o site Pletz, que oferece consultas virtuais a rabinos de várias linhas – do liberal ao mais ortodoxo – e listas de discussões sobre espiritualidade, cultura e política no universo judaico, hoje conta com 12 mil pessoas cadastradas. ‘Comecei em 1997, com algumas notícias, agenda da comunidade e poucas dezenas de usuários. A procura foi grande e tive de me profissionalizar, tenho agora uma equipe de rabinos e assistentes para tirar dúvidas sobre qualquer assunto’, conta Gustavo Erlichman, o criador do site.

CONVENIÊNCIA

Não existe um perfil definido desse fiel virtual. O contato espiritual recebido pela TV ou pela internet pode cair como uma luva para aqueles que por algum motivo não conseguem sair de casa ou moram em lugares onde não há centros da sua religião. Mas ele também é ideal para quem tem vergonha ou não tem tempo para se aproximar ao vivo da sua igreja. ‘Não é fácil falar com um padre. A maioria tem horários restritos e em muitas igrejas tem até fila de espera’, conta Tony Piccolo, criador do site católico Amai-vos, que tem 10 mil acessos diários, sendo 80% entre 20 e 50 anos.

Piccolo se orgulha em dizer que seu site é praticamente um templo católico, já que oferece o roteiro padrão das igrejas. Entre eles, a liturgia diária e consultas online a padres. Mas nem a confissão nem a missa virtuais são válidas para a Igreja Católica.

‘Para os sacramentos (batismo, casamento, eucaristia e confissão, por exemplo) terem validade, o padre deve estar presente durante a celebração’, explica o padre Juarez Pedro de Castro, secretário-geral do Vicariato da Comunicação da arquidiocese de São Paulo. ‘Mas a devoção virtual não pode ser descartada. Ela é um ato de fé e é capaz de fazer com que uma pessoa esteja em comunhão com a Igreja.’

O assistente de rabinato da Congregação Israelita Paulista, Uri Lam, tem opinião parecida sobre os serviços online em sites de religião. ‘Nada substitui o contato ao vivo com o rabino. Mas as consultas virtuais e as listas de discussões são canais de atração eficientes para aquele judeu que está afastado da comunidade’, acredita. A maioria das perguntas enviadas online ao rabino é de gente que, de fato, não está familiarizada com a religião. ‘São dúvidas básicas, sobre a história da nossa religião ou o que é ou não permitido no judaísmo’, conta Lam.

CONSULTA ESPIRITUAL

As consultas espirituais são quase onipresentes nos sites religiosos. Mas o fiel virtual é abastecido também por outros serviços. Orações e velas online (o fiel registra a intenção, publicamente ou não, e determina o tempo em que a chama vai ficar acesa) estão em quase todos sites.

As crianças não ficaram de fora. O site Mundo Espírita exibe orações e trechos da obra de Allan Kardec ilustrados, em linguagem didática, especial para atrair crianças e adolescentes. No site judaico Chabad, crianças são seduzidas com dicas de brincadeiras temáticas, como o passo-a-passo para fazer Matsá (biscoito sem fermento, consumido na páscoa judaica – Pessach). No evangélico Jesus Voltará, há caça-palavras virtual para encontrar o nome dos discípulos de Jesus e games bíblicos.

Fé.com

Catolicismo: www.basilicaparecida.org.br (velas, artigos, terços, dicas, romaria); www.brasilcatolico.com.br (atendimento espiritual, velas, terços, pedidos de oração, história da religião, testemunhos, área para crianças, artigos e notícias); www.padremarcelo.com.br (atendimento espiritual, terços, pedidos de oração, história da religião, testemunhos, notícias)

Espiritismo: www.espirito.org.br (pedidos de oração, artigos e notícias); www.mundoespirita.com.br (história do espiritismo, área para criança, artigos e notícias, venda de artigos religiosos)

Evangélicos: www.cristovive.com.br (cultos, história da religião, testemunhos, romaria); www.jesusvoltara.com.br (pedidos de oração, testemunhos, venda de artigos religiosos)

Islamismo: www.islam.com.br (história da religião, artigos)

Judaísmo: www.pletz.com (atendimento espiritual, história da religião, listas de discussão); www.morasha.com.br (atendimento espiritual, história da religião, artigos, romaria); www.chabad.org.br (história da religião, espaço para crianças, artigos e notícias)’



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Internet levou advogado de volta para a sinagoga

‘O advogado Carlos Bekerman, de 28 anos, era um judeu não muito assíduo aos rituais da religião. À sinagoga, ia duas vezes por ano, no máximo. Da história de seus antepassados, não sabia quase nada, mesmo tendo estudado em colégio judaico.

Mas, em 2001, entrou meio que de brincadeira na lista de discussão do site Pletz e a atração foi imediata. ‘Eram conversas inteligentes e de solidariedade. Imagine você um grupo de 300 pessoas debatendo sobre política, história e modo de vida no judaísmo’, lembra.

O site oferece consultas virtuais, listas de discussões, artigos e eventos da comunidade e outras informações sobre a religião e cultura judaica. ‘Aquilo foi muito interessante e quando vi estava completamente envolvido.’ Hoje Bekerman passa três horas por dia no site.

‘As discussões foram fazendo com que eu me interessasse cada vez mais pelo povo judeu e pelo significado das orações. É uma religião muito rica.’

Os assuntos e a linguagem do site que atraíram o advogado acabaram provocando uma mudança em sua vida religiosa. Hoje, Bekerman vai uma vez por mês à sinagoga. ‘Tinha pouca fé. Hoje, tenho mais paz interior.’

Os rabinos elogiam a integração dos judeus por meio de sites como o Pletz, mas ressaltam que a internet não substitui a participação em comunidades judaicas reais.’



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Evangélica assiste ao culto até em lan house

‘As últimas férias na praia da engenheira química Silmara Santillo, de 45 anos, foram boas como poucas. Devota, sempre sofreu nas temporadas no Guarujá, onde não existe templo da sua igreja, a Cristo Vive. Dessa vez, no entanto, não teve de se afastar de seus cultos evangélicos, que passaram a ser transmitidos virtualmente, ao vivo, duas vezes por semana.

Nesses dias, ela freqüentou uma lan house durante o mês de janeiro, só para acompanhar os cultos. ‘Infelizmente, não dava para exteriorizar meus sentimentos, cantar e bater palmas com gente no Orkut ou no MSN em volta. Alguns olhavam a tela do meu computador e estranhavam. Acompanhava tudo com fone de ouvido. Cumpri meu dever.’

MISSA E TERÇO

A dona de casa Leda Maria Colete Ramos, de 56 anos, vai à missa três vezes por semana. Mesmo assim, é também uma das 80 mil pessoas que assistem à celebração transmitida do santuário da Rede Vida pela tevê.

A complementação em casa é fundamental para ela. ‘Consigo reunir a família toda, meu marido, meus filhos e meus netos para assistir à tevê, o que não acontece quando vou à missa na igreja’, diz. ‘É um momento muito especial, que traz uma enorme paz para casa.’ Nos dias em que vai dar uma força no comércio da família, Leda ainda aproveita para ligar a televisão na hora da oração do terço, também pela Rede Vida.’



TV DIGITAL
Renato Cruz

TV digital produz racha no governo

‘Quatro ministros terão de chegar a um acordo durante a semana para apresentar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, um relatório sobre qual é a melhor alternativa estrangeira para a televisão digital brasileira. Hélio Costa, à frente das Comunicações, tem defendido em todas as oportunidades o padrão japonês ISDB, o preferido de grandes emissoras de televisão, como a Rede Globo e o SBT. Os outros três – Dilma Rousseff (Casa Civil), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Antonio Palocci (Fazenda) – não têm se manifestado em público sobre o assunto, mas, de forma reservada mostram que o que pensam é bastante diferente da visão de Hélio Costa. Encontram-se sob análise, além do ISDB, o europeu DVB e o americano ATSC.

Na Casa Civil, a proposta européia foi considerada mais completa que a japonesa. A avaliação, até o momento, é que as ofertas feitas pelos dois grupos, no que diz respeito ao financiamento e à redução de royalties, são equivalentes, mas que os europeus se comprometeram mais com novos investimentos, abertura de seus padrões e participação de brasileiros na evolução da tecnologia.

O Ministério do Desenvolvimento espera que os americanos, que voltam a visitar o Brasil na terça-feira, melhorem sua oferta. O ministro Furlan analisa qual das opções ajudaria mais a aumentar as exportações de televisores e celulares do País. Sob esse ponto de vista, o padrão japonês é o menos atraente, pois só é usado no Japão. A Europa acenou com alíquota zero para televisores produzidos pelo Mercosul e os Estados Unidos não têm indústria local de televisores. A maioria dos aparelhos é produzida no México, que já optou pelo americano ATSC. Na visão dos americanos, se o Brasil adotasse o ATSC, este seria o padrão de todas as Américas.

A Fazenda vê com bons olhos a adoção do padrão europeu, incorporando resultados de trabalhos dos grupos de pesquisa do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). A medida seria um incentivo à inovação, integrando a comunidade brasileira de pesquisa ao desenvolvimento de tecnologias globais.

A TV digital trará imagens e som melhores que os atuais, a possibilidade de transmitir vários programas ao mesmo tempo num só canal e serviços interativos, como os da internet. Durante um período de transição, que deve durar 15 anos, cada emissora transmitirá dois sinais, um analógico e outro digital, para ninguém ser obrigado a investir em equipamento logo de saída. Quem quiser aproveitar as vantagens, terá de trocar o televisor ou comprar um conversor, caixinha que permite receber o sinal digital nas televisões analógicas. O mercado brasileiro de TV digital deve movimentar cerca de US$ 100 bilhões em 10 anos.

RELATÓRIOS

Apesar de a data de entrega do relatório ao presidente estar marcada para sexta-feira, Lula estará viajando. Ou seja, a decisão deve levar pelo menos alguns dias. Também será entregue, no mesmo dia, um relatório assinado pelo Centro de Pesquisas em Telecomunicações (CPqD), que pertenceu à Telebrás, consolidando o trabalho feito no ano passado pelos grupos brasileiros de pesquisa, no âmbito do SBTVD. Os pesquisadores trabalharam com padrões internacionais para desenvolver sistemas que fossem mais adequados à realidade brasileira. Oficialmente, o relatório do CPqD será entregue somente na sexta-feira, mas, de acordo com alguns pesquisadores, ele é mais favorável à tecnologia européia que a japonesa.

Apesar de o governo estar polarizado entre japoneses e europeus, o padrão americano foi descartado somente pelo Ministério das Comunicações. A tecnologia americana ainda não permite transmitir o sinal de televisão para celulares, uma exigência das emissoras brasileiras de TV. Eles prometem, porém, uma solução em meados deste ano. Fora das Comunicações, predomina a visão de que as diferenças tecnológicas são passageiras, e que questões como comércio exterior, atração de investimentos e incentivo à inovação são mais importantes no momento.

Hélio Costa é acionista de uma rádio em Barbacena (MG), sua cidade natal, e antes de ingressar na política, foi repórter do programa Fantástico e chefe da sucursal da Rede Globo nos EUA. Sua visão está alinhada à das grandes emissoras de televisão. Quando voltar de sua viagem à África, no dia 13, Lula terá em suas mãos uma decisão difícil: tratar de uma questão politicamente sensível como a televisão num ano eleitoral. Precisará de coragem, caso decida contrariar os interesses das grandes emissoras. COLABOROU: LU AIKO OTA’

Ethevaldo Siqueira

Por que Hélio Costa quer o padrão japonês

‘Por mais respeito e boa vontade que possamos ter com um ministro de Estado, nossa paciência tem limite. Exemplo perfeito dessa situação é o que acontece com o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Na terça-feira, ele declarou que o padrão japonês de TV digital é o melhor para o Brasil, e anunciou triunfante: ‘A bola está na marca do pênalti. Está tudo pronto e preparado para que o presidente Lula faça um gol de placa’.

Mas admitiu que o presidente poderia fazer um golzinho pífio, com a bola entrando bem devagar. Ou ainda pior: chutar a bola fora. No dia seguinte, retificou, dizendo que poria a bola a dois metros do gol, contrariando as regras, para que o presidente não pudesse errar. ‘Assim, não tem jeito de chutar fora.’ Eu não sabia que Lula era tão perna-de-pau.

Embora admitindo não ser responsável pela escolha do sistema brasileiro de televisão digital (SBTVD), Hélio Costa convida publicamente o presidente Lula a bater o martelo (ou o pênalti) em favor do padrão japonês. Esse é o auto-retrato do ministro Hélio Costa. Num ano de eleições, ele quer mostrar serviço, exibindo pelo menos duas realizações: a TV digital e o seu telefone ‘social’. Mas ainda falta muita coisa para o final dessa novela. Só houve até aqui um encontro dos representantes dos três padrões internacionais com o governo. A discussão no Congresso está apenas começando. As comissões competentes ainda fazem a avaliação de alternativas. O CPqD tem prazo até o dia 10 para enviar seu relatório sobre os desenvolvimentos brasileiros

INTERESSE PESSOAL

Mas o ministro tem pressa. Mesmo que deixe o ministério em março, quer garantir a inauguração da TV digital em 7 de setembro, quando a campanha sucessória estará no auge. Nessa corrida, atropela o processo e constrange autoridades e a própria oposição. Não percebe que a TV digital é hoje uma questão de Estado. E não de governo. Nem, muito menos, de pessoas.

Hélio Costa está, na verdade, defendendo seu interesse eleitoral, ao proclamar sua preferência pelo padrão japonês, o mesmo padrão tantas vezes defendido pela emissora em que trabalhou – e cujo apoio e simpatia sonha obter para sua candidatura ao governo de Minas.

Ninguém duvida da qualidade do padrão japonês de TV digital. Mas, se a vitória for antecipada pelo ministro, que vantagens poderá o Brasil pleitear nas negociações finais? É claro que a Globo e outras redes de TV têm o direito de defender ou fazer lobby por um ou outro padrão, por serem parte interessada na adoção da nova tecnologia. Mas o ministro não pode fazer lobby. Tem que ser totalmente neutro e isento. É um problema ético.

LA DONNA È MOBILE

Ao longo dos sete meses em que ocupa o cargo, Hélio Costa tem mudado de opinião ao sabor de suas conveniências. Discorre de forma doutoral sobre o que não entende. Esquece hoje o que disse ontem, como o apoio público que deu às pesquisas e desenvolvimentos brasileiros, já concluídos ou ainda em curso, por 22 consórcios.

Sem dominar a questão regulatória, ele faz as mais duras acusações à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ridiculariza até suas decisões mais corretas. Assume atitude populista diante de tarifas e preços de assinaturas de telefone fixo. Mal assessorado, chegou a interferir no processo de renovação dos contratos de concessão, tentando incluir cláusulas de último minuto. Não aceita o fato universal da convergência tecnológica. Estimula a controvérsia e acirra os ânimos entre a radiodifusão e as telecomunicações, em vez de harmonizar os dois setores.

O CAMINHO

O Brasil precisa definir sua estratégia de implantação da TV digital, com urgência. Mas sem açodamento ou atropelo. O único critério que deve prevalecer sobre todos os demais na escolha do sistema é o interesse do cidadão – como usuário e consumidor. Ou, por outras palavras, o interesse da sociedade.

Nessa perspectiva, o sistema precisa assegurar: 1) os menores preços possíveis aos produtos de TV digital, para atender à maioria da população; 2) imagem de alta definição; 3) mobilidade; 4) multiprogramação; 5) tecnologia de modulação que garanta sinal estável e robusto; 6) máxima compatibilidade com o resto do mundo.

Do ponto de vista industrial e tecnológico, o Brasil não pode adquirir uma caixa-preta. O sistema terá, obrigatoriamente, que ser complementado e aprimorado com a contribuição brasileira, incorporando, a qualquer tempo, desenvolvimentos essenciais, como o middleware (ponte entre o sistema e os aplicativos), terminal de acesso de baixo custo, caixas de conversão sempre mais modernas e mais baratas, novos padrões e ferramentas de software.

Sempre pensei, ingenuamente, que o cargo de ministro de Estado deveria ser ocupado por pessoas competentes, com um mínimo de familiaridade com os problemas de seu setor e, acima de tudo, com independência e ética. No caso do ministro das Comunicações, Hélio Costa, estava totalmente equivocado, a começar da primeira coluna em que lhe sugeri atender às 10 prioridades do setor, em julho de 2005. Seus objetivos e compromissos nada têm a ver com aquelas prioridades.’

O PRODÍGIO DE AMARANTE
Moacir Amâncio

O Judeu, um precursor do portunhol literário

‘Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739), é um dos mais intrigantes casos da literatura portuguesa. Nascido no Rio de Janeiro, numa família de cristãos novos que de acordo com as investigações praticavam a religião israelita mais ou menos em segredo, foi levado com os pais para Lisboa, pela inquisição, que acabaria por executá-lo em auto-de-fé. Estava com 34 anos. Vida muito curta, mas o suficiente para que deixasse para a posteridade peças joco-sérias (como chamou) do nível de As Guerras do Alecrim e da Manjerona e Esopaida. Não há dúvida de que nasceu no Brasil colônia, também não há dúvida de que era português como súdito e escritor. Também não resta dúvida de que era judeu. Viveu a pluridentidade e ela também está presente nesta obra que a diligência e a sensibilidade de Alberto Dines, junto com o português Victor Eleutério, entrega ao público pela primeira vez em edição bilíngüe – foi escrita em castelhano, como era comum no século 18 em Portugal.

Trata-se de El Prodígio de Amarante (O Prodígio de Amarante, Edusp, 273 págs., R$ 42). Nesta edição, Dines e Eleutério se encarregam de comprovar a autoria da peça que, devido às atribulações da vida de Antônio José, ao terror inquisitorial e aos preconceitos, permanecia em dúvida. O escritor brasileiro, ensaísta e biógrafo (na literatura brasileira, coloca-se na linhagem de Lúcia Miguel Pereira e Edgar Cavalheiro, praticantes do gênero), faz a abertura com um texto em que resume a tragédia do Judeu e apresenta elementos conclusivos para a definição da autoria da peça. Os elementos são completados pelo seu parceiro português, responsável pela tradução. Eleutério elabora uma análise comparativa de textos para demonstrar que o anônimo tinha nome, embora, como observa Dines, um nome sinônimo de joão-ninguém. A diferença está na alcunha, de início infamante.

Não é uma obra-prima – Dines e Eleutério assinalam – mas nem por isso deixa de ter importância. Há outros dados que justificam o empenho na pesquisa, abrindo caminho para futuros estudos no âmbito histórico, literário e lingüístico. Um dos mais interessantes é o aspecto da língua. Ao escrever em castelhano, Antônio José seguia um costume da época, que ele quebraria nas obras subseqüentes, ao eleger o português como idioma literário. Mas seu castelhano, como observa Dines, está mais perto do portunhol. O Judeu se coloca desse modo como um precursor do portunhol literário que veríamos surgir no século 20 – veja-se Mar Paraguayo, do paranaense Wilson Bueno. Outro aspecto enriquecedor é que o hibridismo lingüístico desta peça parece fazer parte da tradição familiar judaico-portuguesa. Dines observa que além de motivos práticos existe uma razão ‘relativa ao seu casamento com a cristã-nova Leonor Maria, de uma família da Covilhã, quase que abertamente judia’. A mãe dela foi executada em Valladolid: ‘Os cadernos de rezas judaicas desta família eram escritos igualmente em espanhol aportuguesado. Daí a facilidade com que a voz do Judeu português confunde-se com a do Judeu castelhano.’

Dines se ocupa do Judeu no monumental Vínculos de Fogo, mas Antônio José está longe de se esgotar como personagem e como autor. No ano passado tiveram início as comemorações do tricentenário de seu nascimento – vão terminar em maio. O evento está dando resultados. A Biblioteca Nacional publicará um pequeno livro, Antônio José da Silva, uma biografia em versos, organizado por Dines; a professora Renata Soares Junqueira, da Unesp-Araraquara, está organizando um volume de ensaios sobre o comediógrafo e a editora Certeza, da Espanha, publicará este ano duas de suas peças traduzidas por Jacobo Kaufman: D. Quixote e Esopaida.

Moacir Amâncio é professor de língua e literatura hebraica da USP e poeta, autor, entre outros, de Óbvio, poemas (Travessa dos Editores)’



TELEVISÃO
Keila Jimenez

Inspiração Reciclada

‘Imagine Juliana Paes de vestidinho curto, em cima de um telhado e parando a cidade, em cena eternizada por Sônia Braga em Gabriela. E Déborah Secco na pele de Juma Marruá em longos banhos no Pantanal. Esse é o ‘risco’ que a TV corre ao insistir em um remake. Em época de concorrência acirrada na teledramaturgia – Globo e Record apostando alto no setor, SBT se mantendo na ativa e Band ensaiando alguns passos -, as emissoras temem arriscar. Contar uma boa história pela segunda vez parece ser o caminho mais seguro na guerra de audiência. Será?

Depois de Cabocla, a Globo colocou Benedito Ruy Barbosa e sua prole para reeditar o sucesso Sinhá Moça (1986), que estreará em março. Sai Lucélia Santos, entra Débora Falabella no papel de filha de um coronel escravocrata que se apaixona por abolicionista. Empolgada com o remake bem-sucedido de A Escrava Isaura, a Record ensaia ousadia maior. Comprou os direitos de Gabriela, Cravo e Canela, o livro de Jorge Amado, para adaptá-lo no início de 2007, tal como a Globo fez em 1975.

Quer Juliana Paes, até aqui global, no papel que consolidou a ascensão de Sônia Braga e roubou o fôlego de muitos telespectadores na época. Os direitos de boa parte das obras de Jorge Amado pertencem a uma produtora americana que está fechando o acordo com a Record. Sem vacilar, a Globo correu para comprar os direitos de Pantanal, trama de Benedito Ruy Barbosa que assombrou sua audiência em 1990, quando foi ao ar na extinta TV Manchete. Pagou bem pelo folhetim, mas não sabe o que fazer com ele. Benedito sonha com um remake. A iniciativa da emissora cheira mais a reserva de mercado.

‘Uma história pode ser contada trocentas vezes, a questão é como se conta. Não vejo problemas em remakes – só vejo problemas quando as pessoas acreditam que, por isso, a novela está pronta. Remake não é museu, é reencarnação, e quando dá errado é um baita carma’, brinca Carlos Lombardi, que já foi sondado pela Globo sobre a possibilidade de reeditar Como Salvar o Meu Casamento, a primeira novela dele na extinta Tupi. ‘Propus fazer remakes para as 18 horas. Sugeri uma nova adaptação de A Sucessora, o romance, mas o Manoel Carlos pediu para eu não fazer, que seria o desejo dele refazê-la.’

Aguinaldo Silva vê com preocupação essa moda. ‘O público merece histórias inéditas, mesmo que no fundo elas se repitam. Autores muito bem pagos para criar estão apenas reescrevendo histórias antigas’, alfineta. ‘Isso é negativo e desgastante para o gênero. Uma novela só dá certo e torna-se inesquecível por conta de uma série de fatores que dificilmente se repetem em um remake.’

Se sobre a eficácia de repetir uma história eles não se entendem, em um ponto os autores chegam a um consenso: cada um com os seu problemas. Nenhum dramaturgo aceita a idéia de um colega – por mais talentoso que seja – refazer uma obra sua. Só quando estiverem sete palmos debaixo da terra.

‘Tenho medo disso. Enquanto eu viver ou puder, farei o possível para, eventualmente, eu mesmo reescrever minhas histórias’, fala Lauro César Muniz, em coro endossado por Aguinaldo Silva, Gilberto Braga e Manoel Carlos. ‘Eu não concordaria que qualquer outra pessoa fizesse uma remake de uma obra minha. Se Cassiano (Gabus Mendes), Durst (Walter George) Vietri (Geraldo), Ivani (Ribeiro) estivessem vivos, eu jamais me atreveria a escrever remakes de suas obras’, fala Manoel Carlos. ‘Minha novela é minha novela e o produtor tem o direito de fazer apenas uma versão dela: a que eu escrevi. Eu lutaria com todas as forças para que isso não acontecesse, apelaria até para o Supremo Tribunal Federal’, dispara Aguinaldo Silva.

Nem sempre é tão simples. Um remake exige aval do autor original ou de seus descendentes. O caminho mais curto é fazer uma nova adaptação de uma obra qualquer que deu origem a uma novela. Basta comprar os direitos do livro, da peça, ou do texto em questão. Foi assim que a Record driblou a Globo e fez um remake de A Escrava Isaura. Texto e cenas exatamente iguais – até a peruca da protagonista parecia ser a mesma – não impediram a Record de levar ao ar, com êxito, a história da escrava branca baseada no romance de Bernardo Guimarães.

Para quem está de olho nesse filão, um prato cheio é o acervo restaurado da novelista Janete Clair. São novelas e radionovelas que poderão ser readaptadas pela TV. Com exceção de 12 obras criadas pela autora para a Globo, que comprou os direitos em contrato assinado em 1996 com Dias Gomes, então viúvo de Janete, a emissora que estiver disposta a desembolsar uma boa grana poderá readaptar pérolas da autora. Entre elas, Véu de Noiva, exibida pela Globo na década de 60, mas que na verdade já é baseada em uma radionovela de Janete. Quem negocia essas obras pela família é o produtor Luque Daltrozo, que chegou a conversar com a Band sobre o assunto. A Record e uma TV argentina também mostraram interesse no material.

Fantasmas

Mas superar o fantasma do sucesso de uma produção original é um preço muito alto a ser pago por quem faz um remake. ‘Já pensei em reescrever Dancin’Days, mas tenho medo de comparações com a produção de 78, que deu tão certo’, fala Gilberto Braga, que faz parte do time de autores que nunca fez um remake.

Gilberto tem razão. Comparações são inevitáveis e cruéis. Foi fugindo disso que Cleo Pires não aceitou viver a protagonista de Cabocla em 2004 na Globo, personagem de sua mãe na versão original de 1979.

Se por um lado é muito mais fácil o autor reescrever sua própria história, pois ninguém conhece os erros e acertos dela melhor do que o próprio, é mais simples justificar a falha de uma trama quando ela ganha pai adotivo – o que não é raro. No caso de Selva de Pedra (1972), Irmãos Coragem (1970) e Pecado Capital (1975) os remakes e sua audiência provaram que não valia a pena ver de novo. A ausência da autora original, Janete Clair, parece ter sido decisiva no fracasso dessas releituras, em 1986, 1995 e 1998, respectivamente. Em Irmãos Coragem, o fiasco foi tanto que causou a troca de diretores: Luiz Fernando Carvalho cedeu o lugar para Reynaldo Boury. Depois disso, a Globo ficou receosa com reedições por um tempo, cogitou fazer uma nova versão de O Profeta, de Ivani Ribeiro, mas voltou atrás rapidinho.

Quem inveja quem

Mas há casos bem-sucedidos e em que o remake chega a comparar-se ao original em termos de sucesso. Foi assim com Mulheres de Areia (1973) e A Viagem (1976), ambas de Ivani Ribeiro. Coincidência ou não, a própria Ivani fez a releitura das duas obras, uma em 1993, e outra, em 1997, com muito êxito. Tanto é que a reprise do remake de A Viagem – nossa, quanta repetição – irá ao ar mais uma vez no Vale a Pena Ver de Novo da Globo, a partir do dia 13.

‘Eu acho que uma boa história pode ser contada dezenas de vezes, ainda que as pessoas possam gostar mais de uma versão do que de outra’, fala Manoel Carlos.

O Estado perguntou a cada autor que novela, cena ou personagem eles gostariam de reeditar ou criar. Manoel Carlos, por exemplo, diz que gostaria de ter escrito novelas como Nina (1977), de Walter George Durst, e Anjo Mau (1976), de Cassiano Gabus Mendes.

‘Eu gostaria de ter criado a Dona Armênia e suas filhinhas, do Silvio (de Abreu)’, fala Gilberto Braga, que tem a cena final de uma novela sua, Vale Tudo, ‘invejada’, no melhor sentido da palavra, pelo colega Lauro César Muniz. ‘Queria ter escrito a cena em que o personagem Reginaldo Faria, depois de dar vários golpes, foge do País em um avião e despede-se do alto, com uma ‘banana’, conta Muniz.

‘Queria ter criado o Mario Fofoca, do Cassiano Gabus Mendes e o Charlô, de Guerra do Sexos (Silvio de Abreu). Ajudei a escrever essas novelas, mas os personagens não são meus’, conta Carlos Lombardi, que sugeriu na Globo um remake de Os Inocentes, drama de Ivani Ribeiro. Na história principal, a saga de uma mocinha que vive para sacrificar os culpados pela morte de sua família. ‘Sei que muita gente ‘pulou’ pensando como eu iria transformar essa história em comédia?’, brinca Lombardi, o rei dos descamisados na TV. Isso sim que é inspiração reciclada.’



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O Estado de S. Paulo

Sábado, 4 fevereiro de 2006



MEMÓRIA / TALES ALVARENGA
O Estado de S. Paulo

Morre Tales Alvarenga, diretor editorial de ‘Veja’

‘O jornalista Tales Tarcísio de Alvarenga, desde 2004 diretor editorial das revistas Veja e Exame, da editora Abril, morreu ontem, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, após uma semana de internação. As causas da morte não foram esclarecidas, mas colegas de trabalho contaram que ele estava com problemas pulmonares e teria feito uma biópsia para identificar uma fibrose pulmonar. Ontem, deu entrada na UTI.

O corpo está sendo velado no Hospital Israelita Albert Einstein e será cremado na Vila Alpina, às 17 horas de hoje.

Mineiro de Silvianópolis, Alvarenga completaria 62 anos de idade em 2 de junho. Tinha 3 filhos.

PREFERÊNCIA POR LIVROS

Formado em Direito, Tales também estudou Filosofia. Em uma das raras entrevistas que concedeu – ao boletim interno dos funcionários da editora Abril, em maio de 2004 -, contou que gostava mais de literatura, filosofia e astronomia do que de jornais. ‘Mas me apaixonei pelo jornalismo quando comecei a trabalhar com ele. Especialmente pelo fato de poder conversar com gente de todos os tipos, do banqueiro ao artista.’

O primeiro emprego de Tales como jornalista foi em Belo Horizonte, na reportagem do Estado de Minas, a partir de 1968. Em seguida, trabalhou durante quatro anos no Jornal da Tarde, do Grupo Estado, como redator da editoria de Geral. Seu editor era Sandro Vaia, hoje diretor de redação do Estado.

Ingressou na redação de Veja como editor assistente das seções de Educação e Ciência, em 1976. Depois de 28 anos na redação da revista, onde trabalhou em todas as editorias, Tales assumiu a direção da publicação, em janeiro de 1998. Ao todo, trabalhou na revista durante 30 anos, onde passou a escrever uma coluna semanal desde 21 abril de 2004. A última coluna foi escrita e editada no hospital (leia trecho ao lado).

O momento mais grave da vida profissional de Tales, segundo ele, foi a noite em que Pedro Collor foi à redação de Veja e contou que o irmão, o então presidente Fernando Collor de Mello, era sócio de PC Farias. As quase duas dezenas de capas de Veja sobre o escândalo contribuíram para o impeachment do presidente, em 1992. ‘Reclamam por aí que o jornalista gosta de má notícia. A verdade é que ele está tentando enxergar a coisa pelo lado de dentro antes das outras pessoas’, disse.

Réu de centenas de processos movidos por reportagens da revista que dirigia, dizia nunca ter perdido nenhum.

Tales lia quatro a cinco jornais brasileiros por dia, com preferência por editoriais e artigos. Queixava-se das coberturas sem análise e recomendava aos jornalistas ler história e literatura: ‘Cá entre nós, empilhamento de fatos é das coisas mais sem graça que podem aborrecer nossas manhãs’.

‘Gosto muito mais de livro do que de jornal e revista. No dia em que deixar de ser jornalista, vou ler só as manchetes dos jornais.’

INTUIÇÃO

‘Tales era um jornalista brilhante, de grande intuição para tomar decisões’, lembra Carlos Maranhão, diretor de Redação da Veja São Paulo. ‘Ele podia ser, às vezes, difícil no trato, mas era muito generoso. Gostava da vida, de um bom vinho, de comer bem.’ No ano passado, Tales comprou um barco. ‘Era a paixão mais recente dele’, diz Maranhão.

Cláudia Vassallo, diretora de Redação de Exame, também comentou a perda. ‘Estamos atônitos. Foi tudo muito rápido. Na semana passada, estava falando com ele. Trabalhamos diretamente nos últimos dez meses, e foi ótimo. Ele era uma pessoa sensata, bem-humorada, gentil. Tinha grandes idéias, e ao mesmo tempo era muito objetivo e muito prático.’

O diretor secretário editorial e de relações institucionais da Editora Abril, Sidnei Basile, disse que morte de Tales foi ‘um golpe para todos’. ‘É uma grande perda para o jornalismo brasileiro, ele era um brilhante editor e um excelente colega.’ Basile convivia com Tales desde 2000, quando chegou à Abril.

‘Estou chocado. O Tales deixou uma marca na Veja, como diretor de redação, por sua liderança, sua cultura e sua capacidade de estimular o jornalismo investigativo de qualidade’, diz Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e atual sócio da Tendências Consultoria Integrada.

‘Pelas mãos dele passaram algumas das maiores reportagens da mídia brasileira. E ele tinha se tornado um grande colunista, com capacidade enorme de argumentação e defesa dos princípios da democracia, da economia de mercado e da seriedade na gestão pública. É uma pena que a fatalidade tenha levado uma pessoa ainda jovem no seu vigor, com uma capacidade enorme de continuar produzindo, e tenha nos deixado tão cedo’, diz Mailson.’



TANURE EM AÇÃO
O Estado de S. Paulo

Juiz do RJ arquiva ação contra jornalistas

‘O juiz Juarez Costa de Andrade, do 10.º Juizado Especial Criminal do Rio, arquivou ontem a ação penal promovida pelo empresário Nelson Tanure contra os jornalistas Aziz Filho, Fred Guedini e Murilo Fiúza de Melo e contra o líder metalúrgico Luiz Chaves. O juiz afirmou que Tanure está criando constrangimento aos processados.’



FIM DA AOL BRASIL
Carlos Franco e Renato Cruz

AOL encerra operações no País

‘Depois de uma longa agonia, a AOL Brasil encerra as suas operações no País em 17 de março. Foi essa a informação que um dos maiores provedores de internet do mundo, do Grupo Time Warner, passou a postar ontem aos seus assinantes, sem nenhum estardalhaço, bem diferente de quando chegou ao Brasil, em 1999. Naquela época, quando os negócios de internet atraíam pesados investimentos e uma ciranda financeira nas bolsas, a AOL prometia ser o maior provedor de internet do País e da América Latina, por meio da AOLA, como a empresa designou sua operação na região. Chegou a conquistar 50 mil assinantes em três semanas, distribuindo CDs e oferecendo a experimentação de serviços aos usuários.

O comunicado da quinta-feira à noite, no portal da empresa, e o aviso de ontem aos preocupados assinantes do serviço, soou distante das pretensões da empresa, que em seu auge comprou a Time Warner, que temia perder o bonde da história na distribuição de conteúdo. ‘A partir de 17 de março de 2006, não estarão disponíveis o acesso ao conteúdo do portal AOL Brasil nem os serviços oferecidos pela AOL Brasil. Todos os seus arquivos gravados no disco virtual, no blog, ou no álbum de fotos da AOL, serão apagados’, avisava, assumindo o compromisso de após essa data apenas a conta de e-mail continuar ativa, ainda assim apenas para os que assinarem o Terra, da Telefônica. Quem migrar para o Terra poderá usar o endereço eletrônico com final @aol.com até 31 de junho.

O acordo entre o Terra e a AOL foi anunciado em 22 de dezembro, mas só agora começa a ser concretizado, depois que a empresa pediu autorização à Justiça americana para vender seu principal ativo no Brasil e na América Latina: a carteira de clientes. Antes desse acordo, a AOLA, sediada em Fort Lauderdale, cidade próxima a Miami (Flórida, EUA), protocolou em 24 de junho um pedido de concordata a um tribunal federal do Estado de Delaware, no norte dos Estados Unidos, antecipando que a gigante estava para virar pó.

No pedido, a empresa, fundada em 1998, revelava que tinha ativos de US$ 28,5 milhões e US$ 182 milhões em dívidas. A maior fatia da dívida, de US$ 161,6 milhões, era com os controladores Time Warner e America Online. Após esse pedido de concordata e procurando uma solução para salvar o negócio, a empresa pediu autorização da Justiça para transferir essas operações à espanhola Telefônica, dona do Terra. Foi autorizado. Pelo acordo, o Terra pagará entre US$ 760 mil e US$ 1,9 milhão à AOL Latin America. O valor deve oscilar levando-se em conta o total de usuários que migrarem da AOL para o Terra.

A agonia daquele que seria o maior negócio de internet da América Latina, a AOLA, resultado de acordo com os grupos venezuelano Cisneros e brasileiro Banco Itaú, começou em março, com um aviso da própria AOLA aos investidores, por meio da SEC, a similar americana da brasileira Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que funciona como um ‘xerife’ do mercado de capitais. Naquele momento, a AOLA já indicava que nunca havia registrado lucro na operação e, sem conseguir dinheiro novo para sustentar o negócio, tinha como única saída a venda dos ativos.

Desde o pedido de concordata, com o fechamento de suas redações locais, que davam colorido ao conteúdo do portal, a operação brasileira passou a perder fôlego. E os acionistas a perder o estímulo de prosseguir no negócio. Em novembro, a Justiça americana aprovou o fim das ações de marketing entre a AOL Latina America e o Itaú. O banco havia feito grande esforço de captação de assinantes, com venda de assinaturas nas suas agências e uma política de descontos, na tentativa de salvar a operação.’



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Raça Negra canta no CD sem programa

‘Quando iniciou a operação no Brasil, a AOL queria distribuir 3 milhões de CDs com os quais o usuário instalaria o programa, abrindo as portas da internet e, depois de 30 ou 60 dias, pagar pelo serviço.

Só que o CD, que faz um upgrade do Explorer, da Microsoft, acabou causando confusão, com usuários temendo perder programas anteriores.

A AOL recuou e resolveu oferecer só o CD com o programa de acesso à internet, sem upgrade. Mas esbarrou em outro problema: a Microservice, a quem havia encomendado os CDs, acabou por distribuir centenas de cópias com música do Raça Negra em vez do programa de instalação.

Superado o problema, a AOL continuou a distribuir CDs, mas a base ficou estagnada e o negócio perdeu gás.’



TELEVISÃO
Keila Jimenez

TV pode ter classificação 10 anos

‘O público quer classificar a programação da TV para as crianças de 10 anos. Isso é o que aponta uma pesquisa sobre classificação indicativa na TV realizada pelo Ministério da Justiça. A pesquisa tem base em uma consulta pública realizada entre os dias 19 de setembro e 20 dezembro do ano passado em Brasília, Acre, Paraná, Pará, Rio Grande do Sul, Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.

A classificação de programação em vigor atualmente tem como idade-limite (a menor) 12 anos. Para filmes e DVDs já existe uma portaria que inclui a faixa dos 10 anos. Segundo pesquisa da Ministério, o público quer uma classificação específica para esse target: 95% dos participantes falaram sobre a importância dessa faixa.

A consulta pública foi dividida em nove perguntas sobre o que a população pensa a respeito de classificação indicativa na TV. Foram distribuídos 12.660 questionários a respeito do assunto. Segundo os resultados, 56,5% dos entrevistados consideram a classificação de programas um serviço de proteção a crianças e adolescentes e mais de 25% vêem esse trabalho como um instrumento de defesa dos direitos humanos.

Já quanto aos horários da classificação indicativa, há controvérsias entre os entrevistados. Mais de 35% deles disseram que não há necessidade de mudar o horário compreendido como livre para a programação, que é das 6 às 20 horas. Mas, 22% dos participantes da consulta pública acham que esse horário ‘livre’ poderia ser esticado até as 22 horas.

A questão dos fusos horários também foi alvo de consulta. Mais de 85% dos participantes acham que o Ministério da Justiça deve encontrar uma solução para a classificação onde há fusos horários diferentes.’



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