Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

JORNALISMO CIENTÍFICO
Herton Escobar

A ciência questiona seu sensacionalismo

“Um cientista coreano que foi o primeiro a produzir células-tronco embrionárias clonadas de pacientes. Um pica-pau considerado extinto que renasceu das cinzas em uma floresta alagada dos Estados Unidos. Um homem tetraplégico capaz de controlar um braço robótico apenas com o poder do cérebro.

Uma fraude completa, um bicho que ninguém nunca mais viu e um experimento de resultados limitados, obtidos com um único paciente. Três estudos publicados em grandes revistas científicas internacionais e que viraram notícia no mundo inteiro, mas deixaram muitos pesquisadores descontentes.

Críticas ao conteúdo e ao processo de revisão das principais revistas científicas do mundo ganharam fôlego recentemente com a publicação de alguns trabalhos controversos e de mérito científico duvidoso. O caso das células-tronco na Coréia do Sul (publicado pela Science e depois retratado, após investigação) é certamente o mais escandaloso de todos. Mas não o único.

Pesquisas nem sempre tão fantásticas e nem sempre tão relevantes são muitas vezes divulgadas com estardalhaço pelas revistas, ao mesmo tempo em que trabalhos aparentemente de melhor qualidade estariam sendo ignorados ou nem sequer publicados. No foco das atenções – e das críticas – estão a britânica Nature e a americana Science, os dois periódicos científicos de maior influência no mundo (veja texto e gráfico na página ao lado para entender como o sistema funciona).

Entre os críticos está o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que há quase dez anos dirige o Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos EUA, e que já publicou diversos trabalhos nas duas revistas. Segundo ele, as grandes publicações científicas estão seguindo o caminho dos grandes conglomerados de mídia, onde o entretenimento e os interesses de anunciantes têm prioridade sobre o conteúdo e a notícia – ou, nesse caso, a ciência.

‘Há uma crise muito grande na área de publicações científicas’, disse Nicolelis ao Estado. ‘Não há transparência e o sistema de revisão virou uma guerra. Ninguém mais entende qual é o critério dessas revistas para aceitar ou rejeitar trabalhos.’

CRITÉRIOS DUVIDOSOS

Ao ler um estudo recente sobre o controle cerebral de próteses – uma das áreas com a qual trabalha – publicado na capa da revista Nature, Nicolelis disse ter ficado ‘enojado’. ‘Quando um trabalho fraco como esse sai na capa da Nature, é a prova cabal de que a integridade das revistas está comprometida por interesses comerciais’, disse. ‘Minha impressão é de que elas entraram na onda de fazer publicidade delas mesmas. O que importa agora é sair nas manchetes.’

O trabalho em questão, assinado por cientistas de universidades renomadas como Harvard e Brown, relata o desenvolvimento de uma ‘interface cérebro-computador’: um programa que permitiu a um paciente tetraplégico mover um cursor digital e um braço mecânico por meio de comandos cerebrais. A tecnologia está sendo desenvolvida junto a uma empresa americana chamada Cyberkinetics.

Na avaliação de Nicolelis, o estudo apresenta resultados extremamente fracos e já demonstrados por outros grupos de pesquisa – inclusive o dele. ‘Não sei quem revisou esse estudo para ser publicado na Nature, mas certamente não foi nenhum pesquisador de ponta na área.’

INFLUÊNCIA COMERCIAL

Nas revistas médicas, como New England Journal of Medicine, Lancet e Journal of the American Medical Association, a principal preocupação é com relação a influência da indústria farmacêutica sobre dados científicos que são ou deixam de ser publicados.

‘A comercialização da medicina vem substituindo de maneira assustadora o rigor científico de trabalhos publicados por revistas de alto impacto’, diz o cientista Antonio Carlos Martins de Camargo, diretor do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantã, que pesquisa novas drogas a partir de moléculas naturais da biodiversidade. ‘Os trabalhos freqüentemente contêm resultados não reproduzíveis, deixam de citar trabalhos pioneiros, omitem dados conclusivos depositados em bancos de dados oficiais, tudo para manter a reputação do grupo ou algum interesse econômico que o favoreça.’

Ele cita o exemplo do Vioxx, antiinflamatório da Merck que teve de ser retirado do mercado após a constatação de que aumentava o risco de doenças cardiovasculares, inclusive enfarte e derrame. A apuração do caso, segundo Camargo, indica que evidências de risco foram omitidas na publicação dos ensaios clínicos. ‘Mesmo em estudos que comprovadamente tenham mostrado o risco do uso de certos medicamentos, publicações ‘encomendadas’ em revistas especializadas de alta reputação substituem o rigor científico’, critica o pesquisador.

O SUMIÇO DO PICA-PAU

Outro caso recente é o do pica-pau-bico-de-marfim (Campephilus principalis), uma ave americana considerada extinta há 60 anos e que teria sido redescoberta em 2004 numa reserva florestal do Estado de Arkansas. O estudo que relata a ‘ressurreição’ foi capa da Science de 3 de junho de 2005 e atraiu grande atenção da mídia internacional. As evidência apresentadas, porém, foram (e continuam sendo) duramente contestadas.

As únicas provas visuais da existência do pica-pau são imagens de um vídeo feito a longa distância e com baixíssima definição. ‘A imagem é tão ruim que tiveram de fazer um desenho ao lado para explicar o que estão tentando mostrar’, diz o ornitólogo André Nemésio, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). ‘Não há evidência nenhuma, há apenas uma hipótese. É Deus, só vê quem acredita.’

Para ele, a revista errou ao publicar um trabalho com evidências tão fracas. ‘Acho que foi uma decisão muito mais política do que científica’, diz. ‘Há muita gente grande envolvida e a pressão deve ter sido muito forte.’

Nemésio não está sozinho. Tanto que, em março, a Science publicou dois artigos de reavaliação do estudo: um com críticas de outros pesquisadores e outro, com a resposta dos autores, reafirmando a interpretação dos resultados. O estudo é liderado por cientistas das Universidades de Cornell e Arkansas.

Até hoje, apesar de muitos esforços, ninguém nunca mais avistou o pica-pau extinto. Ainda assim, os efeitos da publicação continuam a ser sentidos. No mês passado, um juiz federal barrou um projeto de irrigação de US$ 320 milhões por causa do risco de o hábitat do pica-pau ser afetado.

OPINIÕES

João Steiner

Diretor do Instituto de Estudos Avançados/ USP

‘Acho que existe um certo sensacionalismo, um pouco de forçação de barra. O número de pessoas que estão preocupadas com isso não é pequeno. É ruim para a ciência porque estão dando uma visibilidade falsa a um trabalho cujo valor não corresponde.’

Luiz Nunes de Oliveira

Físico e ex-pró-reitor de Pesquisa da USP

‘Não acho que seja uma questão de chamar a atenção da mídia, mas da comunidade científica. Essas são revistas que definem sua missão como publicar estudos de alto impacto, que produzam muitas citações. Se é algo que tenha potencial para gerar discussão, eles aceitam.’

José Roberto Drugowich

Diretor do CNPq

‘Essas revistas têm sua função, e é bom que elas chamem a atenção. Isso cria uma competição salutar para que os cientistas produzam coisas interessantes e não só ciência do dia-a-dia. É algo estimulante ao pensamento e à criatividade.Elas cumprem esse papel.’

Carlos Henrique de Brito Cruz

diretor científico da Fapesp

‘Acho que a decisão sobre o que vai na capa das revistas tem uma boa dose de subjetividade. O interesse da mídia deve entrar na conta, mas não vejo nada de muito impróprio nisso.’

Marcelo Nóbrega

Geneticista da Universidade de Chicago

‘As grandes revistas sempre veicularam artigos sensacionalistas e continuarão a fazê-lo. Elas dizem que têm inserção na sociedade leiga, e aí fica fácil ver porque há exageros. Tente vender uma lista telefônica ou uma revista de fofocas e veja qual sai primeiro.’”



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‘Publicamos trabalhos arriscados’, diz editora

“‘Publicamos trabalhos arriscados. Estamos em busca da mudança de paradigma, do novo método ou da resposta a alguma pergunta que venha desafiando a ciência há algum tempo. E isso é negócio arriscado’, disse ao Estado a editora-executiva da revista Science, Monica Bradford. ‘Quanto mais próximo você está da pesquisa de ponta, mais arriscado fica.’

Segundo ela, o apelo na mídia de uma pesquisa não deve ser usado como critério para decidir a publicação de um trabalho. ‘Mas é algo que não pode ser totalmente ignorado’, diz. ‘As primeiras perguntas são: A ciência do estudo está correta? Isso é de interesse dos cientistas?’.

A editora-executiva da Nature nos EUA, Linda Miller, também afirma rejeitar a influência do marketing na seleção de estudos para publicação. ‘Há uma falácia circulando por aí de que a Nature quer publicar trabalhos porque eles atraem atenção da mídia. É exatamente o oposto’, afirma Linda. ‘A Nature tenta encorajar a cobertura na mídia de certas áreas científicas que raramente vêem a luz do dia. Nós selecionamos e publicamos os melhores e os mais interessantes trabalhos de qualquer área, independentemente de isso ser de interesse da imprensa ou não.’ A Nature foi criada em 1869.

A linha editorial de ambas as revistas é abertamente orientada para a publicação de trabalhos de grande impacto e de interesse científico amplo, diferentemente de periódicos mais especializados, que publicam pesquisas mais técnicas e relacionadas a áreas específicas.

A concorrência para publicar uma pesquisa em suas páginas, portanto, é acirrada. Só a Science recebeu, em 2005, cerca de 12 mil trabalhos para análise, dos quais só 7% foram aceitos para publicação. Os estudos são primeiro triados por um editor e, em seguida, enviados para revisão por especialistas da área (peer review), que podem aceitar ou rejeitar o trabalho.

As revistas também competem entre si, e é comum ver pesquisas do mesmo assunto ou de grupos concorrentes publicadas na mesma semana. Por exemplo, no caso do genoma humano, a seqüência do projeto público foi publicado na Nature e a do projeto privado, na Science.

‘É ASSIM QUE FUNCIONA’

Com relação ao estudo do pica-pau-bico-de-marfim, Monica reconhece que há muita controvérsia sobre o trabalho, e diz que a revista deixou isso claro ao publicar as reavaliações dos resultados. ‘O trabalho foi revisado com muito cuidado e os autores forneceram o que pareciam ser evidências muito boas’, diz. ‘Pode ser que tenha sido um erro. É assim que a ciência funciona.’

A Science foi fundada em 1880 por Thomas Edison (o inventor da lâmpada) e é publicada semanalmente desde 1900 pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), uma entidade sem fins lucrativos, equivalente à Sociedade Brasileira para o Avanço da Ciência (SBPC). É o periódico científico de maior circulação paga do mundo, com estimativa de 1 milhão de leitores.

Desde 2004, onze estudos publicados na revista foram retratados. Entre eles, os dois trabalhos falsificados pelo sul-coreano Hwang Woo-Suk sobre clonagem de células-tronco.”



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Pesquisadores reclamam de preconceito das revistas

“A produção científica brasileira – medida pelo número de trabalhos publicados em revistas científicas – vem crescendo consistentemente ao longo dos últimos 30 anos. Mas a inserção da pesquisa nacional nos periódicos de maior impacto, como Nature e Science, ainda é pequena. Algo que, por um lado, reflete o estágio evolutivo geral da ciência brasileira – ainda longe das pesquisas de ponta feitas nos EUA e na Europa.

Muitos cientistas que tiveram artigos rejeitados, porém, reclamam de ‘preconceito’ ou ‘discriminação’ das grandes revistas contra trabalhos submetidos por autores de países em desenvolvimento. Associado a isso há uma sensação de que os trabalhos só recebem atenção quando acompanhados do nome de algum pesquisador ou instituição ‘estrangeira’. De fato, são raros os estudos publicados na Nature e Science com autores e instituições exclusivamente brasileiras ou que têm, pelo menos, cientistas brasileiros como autores principais.

‘Preconceito é uma palavra forte, mas certamente existe uma restrição. O filtro para nós é muito mais estreito’, diz o pesquisador do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Bosco Pesquero, que desenvolve projetos com animais transgênicos e há mais de um ano tenta publicar um estudo na revista Nature Medicine. ‘Querem que a gente demonstre algo por três metodologias diferentes, quando uma já seria suficiente.’

‘É o tipo de coisa que a gente não tem como provar; mas há um sentimento muito claro de que isso, de fato, ocorre’, diz o engenheiro agrônomo Luis Ignácio Prochnow, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). ‘A impressão é que, se o autor é americano, o tratamento é um. Se o autor é ‘de fora’, o tratamento é outro.’

O colega Marcio Lambais, também da Esalq, que em junho publicou um artigo na Science sobre biodiversidade de bactérias na mata atlântica (em colaboração com um americano), também sente o tratamento diferenciado. ‘Se fosse um trabalho só de autores brasileiros, não sei se teria entrado’, diz. ‘O problema maior é a desconfiança. A partir do momento que você estabelece uma relação de confiança com a revista, tudo bem.’

NETWORKING

Segundo o físico e ex-pró-reitor de Pesquisa da USP, Luiz Nunes de Oliveira, a política da ciência depende muito de conhecer e ser conhecido na comunidade. Para isso, diz, é preciso freqüentar congressos internacionais e apresentar trabalhos no exterior – o que pode ser mais difícil para cientistas de países com menos recursos. ‘Tem muita gente boa conhecida, assim como muita gente boa desconhecida’, diz. ‘Se você não conhece o autor, é difícil saber se ele fez o que está dizendo que fez.’

Ainda assim, Oliveira não acha que haja má fé por parte das revistas, e diz que eventuais dificuldades não devem ser usadas como desculpa para não publicar (ou tentar publicar) em revistas conceituadas. ‘Acho que faz parte das regras.’ Entre 2001 e 2005, segundo ele, dos quase 70 mil mil trabalhos publicados por brasileiros em revistas indexadas na base ISI (Institute for Scientific Information), só 65 foram na Nature e Science.

Neste ano, especificamente, dos mais de 8 mil trabalhos submetidos até agosto para publicação na Nature, apenas 50 tinham autores brasileiros, segundo a editora Linda Miller. A Alemanha, comparativamente, submeteu mais de 500 trabalhos e os EUA, mais de 3 mil. ‘Os editores só podem selecionar estudos que são submetidos’, diz.

A editora-executiva da Science, Monica Bradford, faz uma observação semelhante. ‘Para publicar os melhores trabalhos, temos de receber os melhores trabalhos para começo de conversa’, diz. ‘Talvez haja essa percepção incorreta de que os trabalhos não serão publicados e por isso muitos estudos não são submetidos. Se a ciência for boa, vamos dar uma olhada nela, não importa de onde venha.’

As duas revistas informaram não ter estatísticas mais precisas sobre trabalhos brasileiros submetidos e publicados.

CLUBE FECHADO

Para Antonio Carlos Martins de Camargo, do Instituto Butantã, não basta ser um bom cientista para publicar numa boa revista. Segundo ele, há um ‘círculo de influências’ que envolve os detentores dos recursos (governo, indústria e agências de fomento), os pesquisadores (que precisam dos recursos) e as revistas e seus revisores (que avaliam e publicam os trabalhos dos pesquisadores). Um círculo que, dificilmente, é penetrado por pessoas de fora dele.

‘Quando você olha o cientista brasileiro que publicou numa revista de alto impacto, vê que quase nunca foi sozinho; foi sempre com algum figurão que participa de um desses clubes’, afirma Camargo. ‘Poucos brasileiros com uma linha de pesquisa própria conseguem publicar na Nature e Science. Aí a coisa é fechada.’”



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Dificuldade pode ser resultado da má qualidade

“‘Muitos pesquisadores reclamam desse preconceito. Em grande parte, acho que as denegações (rejeições) acontecem porque a nossa ciência, no geral, continua mais fraca que a dos países desenvolvidos’, avalia o bioquímico Rogerio Meneghini, coordenador científico do programa SciELO, a principal base de periódicos científicos do Brasil. ‘O fato do grau de denegação ser superior para artigos brasileiros em relação aos norte-americanos e do oeste europeu é uma regra. Decidir até que ponto isso acontece por preconceito ou por falta de qualidade não é algo simples de responder.’

‘Muita gente se queixa disso, mas eu nunca senti’, diz o também bioquímico Hernan Chaimovich, diretor do Instituto de Química da USP. ‘Alguns clubes são abertos, outros são fechados. Mas se você não tenta, não entra em nenhum. Não podemos ser provincianos.’

Para o ornitólogo André Nemésio, é preciso fazer uma autocrítica: ‘Uma boa parcela dos pesquisadores no Brasil não tem conhecimento para escrever um bom trabalho.’ Isso envolve, segundo ele, não só a apresentação de dados, mas a capacidade de discuti-los e de escrever um bom texto em inglês, adequado ao formato das publicações científicas. ‘Acho que existe mais um pós-conceito do que um pré-conceito: as revistas devem receber tanta coisa ruim que isso acaba criando uma má vontade.’

Para o físico e diretor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) José Roberto Drugowich, é natural que uma pesquisa apresentada por cientistas de universidades menores – mesmo dentro dos EUA – seja avaliada com mais rigor do que um trabalho de Harvard, por exemplo.’Se você recebe um trabalho de uma instituição pouco conhecida, vai fazer uma revisão mais crítica. Não há como evitar isso.’

Apesar da pouca penetração na Nature e Science, lideranças apontam que a produção brasileira cresceu expressivamente dentro de publicações setoriais, também de grande prestígio. No Physical Review Letters, principal periódico na área de física, por exemplo, o número de trabalhos com autores brasileiros aumentou de 231 no período 1996-2000 para 338, no período 2001-2005.

No geral, levando-se em conta todas as publicações indexadas da base ISI (que reúne quase 9 mil revistas, consideradas as melhores do mundo), a produção científica brasileira aumentou 19% entre 2004 e 2005. Hoje, o País produz 1,8% da ciência mundial.

‘Nunca tive dificuldade para publicar um bom trabalho’, diz o físico e diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, João Steiner. ‘Pessoalmente, nunca tive essa sensação (de preconceito) e desconheço situações em que tenha acontecido. Nem por isso estou dizendo que não aconteça.’

Uma preocupação maior, segundo ele, é a formação de ‘alianças’ para influenciar citações – a referência bibliográfica de trabalhos que tiveram seus dados utilizados para uma pesquisa. ‘Acho que isso, sim, existe e tem conseqüências muito mais sérias do que uma eventual dificuldade de publicação’, diz. ‘O que vale para o cientista é o número de citações, mais do que o número de publicações.’”



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Publicar é requisito na ciência

“A qualidade das revistas científicas é de interesse direto dos pesquisadores porque é através delas – e só delas – que resultados científicos são validados. Elas são diferentes das revistas comuns compradas em banca: não publicam notícias, mas os trabalhos científicos propriamente ditos. Podem ser produzidas por empresas, com fins lucrativos, ou por sociedades científicas, sem fins lucrativos.

Todos os trabalhos publicados passam por um processo de revisão por pares, chamado peer review. Os revisores, assim como os editores, não refazem os trabalhos, mas avaliam as metodologias e a confiabilidade dos dados. Eles podem aceitar ou recusar o trabalho para publicação.

Qualquer estudo, portanto, só é reconhecido pela comunidade científica depois de passar pelo peer review e ser publicado em uma revista indexada.

‘Indexada’ significa que a revista está registrada em algum banco de dados, que serve como referência de sua própria qualidade. O mais importante é o Web of Science, do Institute for Scientific Information (ISI).

A importância da revista é medida pelo impacto científico dos trabalhos que publica – o que, por sua vez, é medido pelo número de vezes que aquela publicação é citada por outros trabalhos. A ‘Nature’ e ‘Science’ não são as revistas com maior fator de impacto, mas são as mais influentes entre as revistas de ciência gerais, com grande visibilidade também fora do meio acadêmico.”



ELEIÇÕES 2006
O Estado de S. Paulo

Candidato tucano pega carona no JN

“O candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, foi o repórter do seu programa eleitoral na TV exibido ontem, ao falar das péssimas condições da BR-316, no interior do Maranhão. Foi uma resposta ao desafio da Caravana do Jornal Nacional, da TV Globo – um ônibus que viaja pelo Brasil com equipe liderada por Pedro Bial – que mostrou na quinta-feira a realidade da estrada.

Alckmin enfiou o pé na lama e abordou caminhoneiros e motociclistas. ‘Tá ruim a BR aqui, né? ‘Vamos arrumar esta estrada aqui, viu?’

À beira da BR-316 e com um microfone de lapela, o tucano falou dos problemas. ‘Isso dificulta o emprego, o desenvolvimento e a segurança da população.’ E prometeu: ‘A primeira tarefa nossa vai ser recuperar a malha rodoviária do Brasil.’

BASTIDORES

A aventura começou na madrugada da sexta-feira. Alckmin tomou um avião em São Paulo e viajou com seu marqueteiro, Luiz Gonzalez, até São Luís e, de helicóptero, chegou à região. Andou a pé e até na garupa de moto por Maracatussé e Governador Nunes Freire e, buscou, sem sucesso, o ônibus da Globo.

O PT tentou neutralizar o tucano, ainda antes da exibição do seu programa, ao dizer que foi ‘demagógica’ a citação da estrada.”



Luiz Carlos Merten

Estatísticas

“Apenas 6% dos eleitores mudaram seu voto após o início da propaganda gratuita na TV. ‘Apenas?’ Você sabe o que significam 6 pontos porcentuais no universo dos eleitores brasileiros? É gente que não acaba mais e já houve o caso de se decidirem eleições por porcentuais inferiores a este. O número de telespectadores que também está migrando para a TV paga na hora do programa eleitoral não está no gibi. O problema é que o processo todo está muito morno. Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-prefeito José Serra, que concorre a governador, liderando as pesquisas, com possibilidade de vitória já no primeiro turno, só mesmo um fato novo para incrementar o interesse pela propaganda eleitoral – e para mudar o quadro de vitórias anunciadas.

É tempo de estatística, se bem que nas emissoras de TV elas nunca saem do ar. O pessoal da Globo anda rindo à toa – Cobras & Lagartos e Páginas da Vida estão ultrapassando a média dos 50 pontos de audiência. É sinal de que ambas bateram na veia do espectador. O curioso é que não poderiam ser mais distintas. A de João Emanuel Carneiro atrai por ser politicamente incorreta. É divertido ver o Foguinho de Lázaro Ramos ser tiranizado pela Ellen de Taís Araújo, até porque a dupla, casada na vida real, interpreta as tempestades com gosto. Saem Ellen e Foguinho, o Brasil real passa por alguns minutos no Jornal Nacional e entra o mestre da correção política, Manoel Carlos.

Talvez o verdadeiro eixo da análise deva ser essa esquizofrenia do telespectador, já que, com números muito próximos, senão iguais, o público que oscila entre incorreção e correção é rigorosamente o mesmo. A explicação pode estar no meio desses dois horários. A incorreção de Ellen e Foguinho é fictícia, mas a cara-de-pau dos governantes e candidatos no Jornal Nacional e na propaganda gratuita é real. Escaldado, o telespectador que se divertia com Ellen e Foguinho agora se enoja e se refugia no universo politicamente correto de Manoel Carlos, que, como autor, é moralista até o limite. Manoel Carlos não apenas dá aulas de integração social. Ele também celebra uma visão pequenina da vida, na qual as picuinhas do cotidiano dos seus personagens são as mesmas que afligem os espectadores. Quando eles agem ou falam, o público fica recompensado.

Nada do glamour de Gilberto Braga nem do excesso de Glória Perez, muito menos do escracho de Silvio de Abreu. Até a vilã de Manoel Carlos tem de passar por crises de consciência. Saltando alguns capítulos, você poderia até pensar que a Marta de Lília Cabral é do bem. Ela tem seus instantes de fragilidade, mas Manoel Carlos, que não é bobo, sabe que todo capítulo tem de ter seu exercício de maldade para agradar ao público. Quando Lília Cabral puxa o freio, a Carmem de Natália do Valle fica liberada para humilhar a Sandra de Danielle Winnitz e você nem sabe mais direito quem é a vilã da trama.

O Brasil fictício invadiu o real quando Eduardo Suplicy, na propaganda eleitoral, assimilou o formato do depoimento, com direito a tarja em cima e embaixo, utilizado em Páginas da Vida. Todo mundo copia todo mundo. Pode ser que seja tudo pura ficção. Manoel Carlos desconversa quando dizem que ele plagia Pedro Almodóvar, mas freirinha, aidético, hummm… Se você é cinéfilo já viu isso melhor em Tudo sobre Minha Mãe. A correção política faz com que tenha a downiana, a encantadora Joana Mocarzel, o bêbado, vai ter agora o gay que sai do armário. Como Helena, Regina Duarte fala como se tivesse uma trava na boca. É como se a personagem se segurasse o tempo todo, numa tranqüilidade forçada. Regina é boa nisso. Ela deve ter lido Guimarães Rosa – lembram-se de Augusto Matraga e seu bordão? ‘Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso.’ Helena esforça-se por ser assim. Só eleva a voz por uma boa causa, como quando discutiu com a ricaça que queria discriminar a menina pobre (e afro-brasileira) na praça. O que sacode o público é a vilã. Isso vale para Cobras & Lagartos. Ellen supriu a lacuna de Carolina Dieckmann e Henri Castelli. Quando alguém fica com raiva de Leona e Estevão não é porque sejam muito ruins, mas porque são muito chatos.”



ECOS DA GUERRA
O Estado de S. Paulo

Jornalista americano é libertado após 1 mês

“O jornalista americano Paul Salopek, de 44 anos, foi solto ontem de uma prisão sudanesa, em Darfur. Ganhador do Prêmio Pulitzer, estava preso há um mês, acusado de espionagem e de entrar no país sem visto. Além dele, foram soltos seu tradutor e o motorista. Salopek trabalhava para a National Geographic quando foi preso.”



NYT
/ HISTÓRIA
Caio Blinder

Na galeria da vergonha do N.Y. Times

“Em 1929, sete anos após começar a trabalhar como estenógrafo no New York Times (US$ 25 a semana), Herbert Matthews ganhou um jabá. Ele integrou um grupo de 18 jornalistas americanos que viajou por cinco meses pela Ásia com as despesas pagas pelo governo do Japão, interessado em justificar sua expansão continental.

Matthews, aos 29 anos, encantou-se com a hospitalidade dos anfitriões e escreveu com simpatia sobre a necessidade japonesa de consolidar seu domínio econômico e político na China e Coréia. Naquela viagem, um padrão de jornalismo estabeleceu-se e ficou consagrado no longo affaire de Matthews com Fidel Castro. Matthews se envolvia emocionalmente com o objeto e os sujeitos de suas reportagens, análises e editoriais. Como escreve Anthony DePalma nesta tão necessária biografia, The Man Who Invented Fidel (Public Affairs, 320 págs., R$ 83,81, só em inglês), Matthews ‘nunca percebeu que suas simpatias forjavam o que ele via como verdade e o tornavam vulnerável à manipulação’.

O ego, a arrogância e o carreirismo de Matthews não precisavam de jabás para serem comprados. Depois desta viagem na conta do império nipônico, sempre a serviço do New York Times, até a aposentadoria em 1967, Matthews poliu seu estilo. Em 1935, ele cobriu a invasão da Abissínia pelos fascistas italianos e acreditava que Mussolini estava trazendo civilização e progresso para os nativos africanos. No ano seguinte, Matthews trocou de guerra e de lado. Na Espanha, ele se enamorou da esquerda que combatia os franquistas.

Eram dias (e noites) de aventura, romance e idealismo para uma turma de repórteres e escritores que cobria a guerra civil, como Ernest Hemingway e Martha Gellhorn (mais tarde mulher de Hemingway e pela qual provavelmente Matthews se apaixonou em Madri, enquanto ela acreditava que o repórter do New York Times tenha sido o modelo para Robert Jordan, o herói em Por Quem os Sinos Dobram). Eram tempos engajados e, no trabalho jornalístico, Martha Gellhorn ridicularizava o que ela chamava de ‘objectivity shit’. Matthews concordava e em 1957 isso deu em ‘shit’ na Sierra Maestra.

Em 1957, Matthews era uma lenda do jornalismo e Fidel Castro, apenas um quixotesco rebelde dado como morto no mato. Mestre precoce da agitprop, Fidel viu ouro em um entrevista que, além de provar ao mundo que ele estava vivo, iria construir uma narrativa sobre sua causa. Matthews escreveu três artigos, pintando a revolução em marcha contra a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista como um ‘new deal’ para Cuba, uma visão radical, democrática e anticomunista. Era uma imagem que naquele momento convinha para Fidel, antecipando um romantismo revolucionário.

Depois de um encontro na clareira com o jornalista americano em 17 de fevereiro de 1957, Fidel voltou para sua escuridão e foi cuidar da execução sumária do camponês Eutímio Guerra, acusado de ser espião das tropas de Batista. Matthews voltou a Nova York para uma rápida apoteose por seu ‘furo’ jornalístico, seguida de uma longa controvérsia que o acompanhou até a morte em 1977.

O biógrafo Anthony DePalma é um veterano repórter do próprio New York Times. Está num terreno escorregadio e tenta se movimentar com aquela ‘objectivity shit’, que o jornal supostamente professa. DePalma faz o que pode para manter um distanciamento emocional, buscando todos os ângulos da história, bem ao estilo New York Times.

Obviamente, Herbert Matthews não inventou Fidel, como ele chegou inicialmente a apregoar. Che Guevara, que definiu o repórter como uma ‘testemunha cordial’ da revolução, declarou que a entrevista de 1957 valera mais do que uma vitória militar, mas não fora fator decisivo na vitória.

Muitos jornalistas foram enganados por Fidel, mas é chocante que Matthews tenha deixando sua marca pró-revolução literalmente até o fim no jornal que representa o establishment americano. No seu artigo de despedida em 1967, após 45 anos no New York Times, Matthews escreveu que Fidel Castro ‘tinha a mais fantástica carreira de qualquer líder em todo o curso da história independente da América Latina’.

Anthony DePalma conclui que na galeria da vergonha do New York Times ninguém se compara a Walter Duranty, correspondente do jornal em Moscou nos anos 30 e apologista de Stalin. Duranty ganhou até o Prêmio Pulitzer por seu trabalho, que o New York Times se recusou a devolver. DePalma escreve que Duranty era um tipo sórdido e que distorcia deliberadamente as notícias, enquanto Matthews genuinamente acreditava que estava reportando a verdade. Vá lá. Duranty foi pior, mas Matthews foi infame. Podemos garantir isso com toda aquela ‘objectivity shit’.”



MÍDIA & TECNOLOGIA
Ethevaldo Siqueira

Balanço tecnológico de 7 dias de minha vida

“Nos anos 1970, uma viagem de trabalho à Europa ou aos Estados Unidos era algo bem diferente de hoje. No exterior, eu só poderia manter contato com o Brasil por telefone e por telex. Em telecomunicações, tudo era lento, caro e difícil. Hoje, com internet, celular, computadores, redes sem fio e satélites, tudo muda de forma radical.

Para comparar o passado e o presente, registrei durante uma semana todos os meus contatos com a tecnologia digital, em viagem a Berlim, para a cobertura da IFA 2006, a feira de eletrônica da Europa. Confira, leitor:

Voei um total de 30 horas em modernos Boeings 777, aviões que utilizam uma centena de computadores de bordo, além de aparelhos eletrônicos de navegação e posicionamento global via satélite (GPS).

Por dormir pouco em viagem, preferi ler, repousar e ouvir minhas músicas prediletas, desta vez com fones de ouvido canceladores de ruído (accoustic noise cancelling headphones) da Bose, acoplados ao meu iPod, onde tenho armazenadas 4.150 músicas ou quase 250 horas de programação, em MP3, com boa qualidade, graças à amostragem de 96 quilobits/segundo (kbps) utilizada na gravação. É incrível: com a redução do ruído proporcionada pelos superfones, posso curtir a beleza da música de Vivaldi, Bach e Mozart como nunca havia feito nas minhas viagens aéreas anteriores.

Durante uma semana na Alemanha, fiz 115 ligações internacionais e recebi 56 outras, todas com meu celular GSM, como se fossem ligações locais de São Paulo. O roaming entre a TIM brasileira e a T-Mobile alemã está funcionando de modo impecável.

Em cinco dias, fiz 252 fotos digitais, com resolução de 8 megapixels, registrando tudo que achei interessante na IFA 2006, em Berlim, nas Portas de Brandenburgo ou no triste Memorial do Muro, na Potsdamer Platz.

Trabalhando na sala de imprensa e no hotel, conectei meu computador Mac Book Pro ao mundo via rede sem fio Wi-fi, acessando a internet por mais de 25 horas, inclusive com o tempo de consulta à Wikipedia, ao Google, ao Yahoo e aos sites de jornais.

Recebi 178 e-mails de conteúdo interessante (selecionados entre centenas de spans infernais) e respondi a 145 mensagens.

Ah, assisti na tela do notebook à vitória da seleção de Dunga sobre a Argentina, ao vivo, num canal de IPTV.

Durante quatro dias, participei de entrevistas com uma dúzia de especialistas, ouvindo-os sobre tendências da alta definição, TV tridimensional, tecidos eletrônicos, casa digital, impacto da iluminação Ambilight, home theaters de alta definição, e até a mesa computadorizada (Entertaible) de games da Philips.

Assisti a mais de duas horas de demonstrações dos novos Blu-ray e HD-DVD, os discos graváveis de vídeo de alta definição.

Vi uma demonstração sensacional da chamada TV de imersão total, da T-Systems (Deutsche Telekom), com tela de 3 por 5,3 metros, com trechos de partidas de futebol da Copa da Alemanha, num espetáculo tão realista que dá a impressão de que estamos no próprio estádio, com a visão total do campo.

NEW CONVERGENCE

Para entender melhor essas novas tendências e, em especial, a massa de inovações mostrada na IFA 2006, fui ouvir uma segunda apresentação do Rudy Provoost, CEO de eletrônica de consumo da Philips

‘A eletrônica de consumo, diz Provoost, está ingressando numa nova era, a que chamarei de Era da Nova Convergência. Diferentemente da velha convergência dos últimos anos – em que a grande alavanca na disputa da preferência dos consumidores era a tecnologia – na Nova Convergência o que conta são as experiências do usuário. Essas experiências emergem de novas formas de conteúdo e alcançam o consumidor tanto através das plataformas existentes quanto das emergentes – como TV, áudio, vídeo, jogos interativos ou serviços de informação. Mas, se olharmos com maior atenção, perceberemos a emergência de uma gama completa de aplicações que vai muito além do entretenimento’.

A Nova Convergência se refere à união de todos os tipos de conteúdos, inclusive os relativos ao estilo de vida, como bem-estar, saúde e cuidados pessoais. Um dos melhores exemplos do alcance desse novo tipo de convergência é o da tecnologia Ambilight da Philips – que cria novos ambientes de iluminação e de cores, muito mais agradáveis e repousantes. Essa tecnologia se aplica também a conteúdos da TV, do home theater, dos jogos do tipo Amb-X e da própria casa digital.

Nesse cenário da Nova Convergência, o usuário pode acessar a cuidados médico-sanitários em sua casa, otimizar seu ambiente de trabalho ou de lazer, navegar no centro de uma cidade totalmente desconhecida ou tornar sua casa mais segura com sistemas eletrônicos.

Provoost antevê aparelhos portáteis, ou mesmo vestíveis, em número crescente. Eles nos darão respostas (feedbacks) sobre as condições de saúde no dia-a-dia das pessoas. Aliás, um dos pontos altos dessa IFA 2006 foi a apresentação dos primeiros usos e aplicações dos Lumalives, tecidos eletrônicos cujos fios e fibras podem gerar luz e imagens, atuar como sensores, transmitir e receber informações.”



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Carta Maior

BBC

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