LEI DE IMPRENSA
Decisão sobre Lei de Imprensa pode ter impacto ampliado
‘A suspensão dos efeitos de 22 dispositivos da Lei de Imprensa gerou impacto nas ações em tramitação ainda desconhecido pelos próprios ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações protocoladas recentemente com base exclusivamente na Lei de Imprensa que ainda não foram analisadas serão arquivadas de imediato, caso o STF confirme o entendimento do ministro Carlos Ayres Britto. Na quinta-feira, Britto concedeu liminar em ação impetrada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que anula partes da lei sob o argumento de que a legislação, de 1967, não foi acolhida pela Constituição de 1988.
Como a lei, nesse caso, deixará de vigorar, os processos não terão base legal. Assim, quem acionou a Justiça e teve o processo arquivado terá de entrar com nova ação, esta com base nos Códigos Penal ou Civil ou com base numa nova Lei de Imprensa, se aprovada até lá pelo Congresso.
Além disso, a contagem do prazo de prescrição das ações em curso pode não ser interrompida, mesmo com os processos suspensos por essa liminar. A lei é omissa ao tratar do caso e o STF pode interpretar que a contagem do prazo prossegue.
‘O prazo continua enquanto o Supremo não decidir’, afirmou o advogado Erasto Villa-Verda, um dos autores da ação contra a Lei de Imprensa. Opinião contrária tem o ministro do STF Marco Aurélio Mello, mas ele admite não ter segurança de sua avaliação. ‘A prescrição não continua a correr. Mas não sei nesse caso, porque a lei não é explícita.’
Como a Lei de Imprensa é antiga, muitos juízes convertiam as alegações baseadas na Lei de Imprensa em artigos correspondentes do Código Civil. Essas ações continuarão a ser julgadas, mesmo tendo se baseado inicialmente na Lei de Imprensa. Outras ações que prosseguirão são as que se basearam na Lei de Imprensa e nos Códigos Penal e Civil. A parte referente à Lei de Imprensa será suspensa, não o restante.
‘As ações da Igreja Universal, por exemplo, não estão sendo julgadas com base na Lei de Imprensa, mas nas leis de juizados especiais e do Código Civil’, explicou o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, especialista em Lei de Imprensa. Por isso, adiantou, não haverá repercussão da decisão do ministro Carlos Britto nesse caso.’
Marcelo de Moraes
Primeira norma foi baixada em 1823
‘D. Pedro I criou, em 1823, a primeira lei de imprensa brasileira. Sua intenção era impedir que houvesse ataques contra o regime imperial, contra a religião católica ou que incentivassem rebeliões. Mas o decreto de Pedro I era muito mais brando do que as futuras leis de imprensa que entrariam em vigor no Brasil.
A primeira lei de imprensa do período republicano, surgida em 1923, criou a figura do direito de resposta. Misturava controle de conteúdo jornalístico com o de segurança de Estado; não permitia publicações jornalísticas anarquistas e punia a eventual publicação de segredos de Estado. Ao mesmo tempo, fixava punições para ataques considerados injuriosos à honra.
Em 1934, um decreto do presidente Getúlio Vargas mudou as regras. Com o Estado Novo, em 1937, Vargas endureceu drasticamente: a censura prévia chegou às redações, em nome de garantir da segurança nacional e punições severas foram adotadas. Com a queda de Vargas, em 1945, foi restabelecido o decreto brando de 1934. Ele só cairia em 1953, revogado pelo próprio Vargas. Somente em 1956 o Congresso aprovou um projeto indultando os jornalistas condenados por delito de imprensa pelas normas de 1934 e 1937.
A última lei de imprensa aprovada no País foi sancionada em 9 de fevereiro de 1967 pelo governo militar do general Castello Branco. Ela resistiria ao fim da ditadura. Prevê, entre outros pontos, pena de prisão para jornalistas por conta de conteúdo publicado, incluindo opinião, e estabelece indenizações por danos morais provocados por algum texto.
Um projeto de lei de imprensa tramita no Congresso desde 1991. Seu autor, o ex-senador Josaphat Marinho, morreu em 2002. Outro foi apresentado pelo ex-deputado José Fogaça (PPS), hoje prefeito de Porto Alegre, e ganhou substitutivo do ex-deputado Vilmar Rocha (PFL-GO).’
Clarissa Oliveira
Justiça derruba 2 ações da Universal contra jornal
‘Em meio à batalha judicial da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e de seus fiéis contra veículos da imprensa, a Justiça derrubou mais duas ações ajuizadas por seguidores da Iurd, uma no Acre e outra no Paraná. As novas decisões, favoráveis à Folha de S. Paulo, elevaram para sete o número vitórias obtidas até agora pelo jornal.
Os processos, entretanto, continuam se multiplicando pelo País. De acordo com o advogado encarregado da defesa do jornal, Orlando Molina, já foram ajuizadas 60 ações de indenização por danos morais, em vários Estados – às vezes em cidades isoladas, de difícil acesso. Há cerca de dez dias, eram 50.
Os fiéis da Iurd alegam que se sentiram ofendidos por reportagem de Elvira Lobato, na qual a jornalista narrou o crescimento da igreja e abordou o destino do ‘dízimo’. Outros dois jornais, Extra e A Tarde, também são alvo de processos similares.
Segundo Molina, o entendimento de juízes tem sido o de que os seguidores da Universal não poderiam propor as ações. ‘Todos têm concordado que os fiéis não têm legitimidade, porque a reportagem não diz respeito a eles’, afirmou o advogado.
As novas vitórias foram obtidas em Tarauacá (AC) e Cianorte (PR). No primeiro caso, a ação foi extinta sob o argumento de que o fiel ‘não foi ofendido de forma individualizada na sua esfera de direitos’. Na segunda ação, a decisão foi tomada sem que o jornal fosse notificado.
Associações de jornais e jornalistas, entidades representativas de juízes e advogados, além de outros setores, criticaram a atitude da Universal. A Iurd alega, porém, que houve ofensa e seus fiéis têm o direito de pedir reparação.
As ações que tiverem por base a Lei de Imprensa podem ser afetadas pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu parte da legislação. Molina espera para ver o impacto da medida: ‘Vamos aguardar a posição dos juízes.’’
Fausto Macedo
Lei de Segurança Nacional é outro anacronismo
‘Não é apenas a Lei de Imprensa que está em descompasso com a Constituição, alertam advogados e professores de direito constitucional. Eles destacam que o escândalo dos cartões corporativos revela outro exemplo da incompatibilidade entre a legislação inferior e a regra constitucional, que consagra o princípio da publicidade e da moralidade na administração pública e o direito à informação.
‘O conflito está na Lei de Segurança Nacional, que prevalece quando o assunto é a divulgação de dados como despesas de familiares do presidente da República’, ressalta o advogado Gustavo Henrique Ivahy Badaró. ‘Esse sempre foi um ponto muito sensível, intimidade versus publicidade.’ Ele destaca que decreto de 1983 é usado para justificar o sigilo. ‘Saber onde um filho do presidente compra ternos não me parece assunto de segurança nacional.’
A Lei de Segurança é pouco aplicada, mas está em vigor. ‘Continua predominando a visão da época dos militares’, diz Badaró. ‘A Constituição veio depois, assegurando o princípio da publicidade como regra para atos e contas públicas, mas ninguém revogou a Lei de Segurança, que restringe acesso às informações.’
Badaró disse que o País não normatizou ‘situações de incompatibilidade’ entre leis e a Carta. Destaca a imposição categórica da Constituição, artigo 5º, inciso 57: ‘Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.’ E observa: ‘No dia-a-dia forense são muitos os casos de pessoas que acabam presas para poder exercer o direito de recorrer.’
Claudio José Langroiva Pereira, professor de direito da PUC-SP, cita as leis posteriores à Constituição. ‘A Lei dos Crimes Hediondos proibiu progressão de regime na execução da pena. A Constituição garante o sistema progressivo’, afirmou.’
CORRESPONDENTE
‘Estado’ terá repórter na China
‘A partir de março, os leitores do ‘Estado’ passam a contar com notícias exclusivas da China, um dos países mais importantes nos cenários econômico, político, esportivo e social mundial e também um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. Para correspondente em Pequim, foi escolhida a repórter Claudia Trevisan, que já trabalhou na Sucursal de Brasília do ‘Estado’ e em outras redações, além de ter atuado como correspondente em Nova York, em Buenos Aires e na própria China.’
INTERNET
Como viveríamos sem ferramentas de busca?
‘A cada dia são mais de 4 bilhões de acessos em busca de informações no Google, Yahoo, Messenger, New York Times, Wall Street Journal, Economist, BusinessWeek ou enciclopédias, como a Britannica ou a Wikipedia em 224 línguas. Hoje tudo se busca na internet. O jornalista já não pode trabalhar um único dia sem o apoio da web. O investidor está ligado dia e noite ao seu smartphone, espiando a cada minuto seus e-mails e a cotação de suas ações. O garoto busca novos vídeos todos os dias no YouTube. O poeta garimpa uma rima para seu verso. O fiel surfa nos livros sagrados à procura de socorro. Mundo afora, a vida econômica das grandes corporações depende cada dia mais não apenas da busca de mais de 40 mil informações por segundo. E essas informações precisam ter sempre mais qualidade, mais confiabilidade e mais rapidez.
Só entendi a importância da busca corporativa em toda a sua real dimensão, depois de participar do Fast-Forward 2008, evento mundial de software realizado na semana passada em Orlando, na Flórida, e de ouvir, entre outros, palestrantes como Don Tapscott e os professores Andrew P. McAfee e David Weingberger, da Universidade de Harvard. Para eles, o homem, quanto mais progride, mais necessita de informação.
Organizado pela empresa norueguesa Fast, recém-adquirida pela Microsoft, o evento Fast-Forward 2008 demonstrou o interesse estratégico da empresa de Bill Gates na área de busca corporativa, uma semana depois de tentar adquirir o Yahoo, por US$ 44 bilhões.
Crescendo em ritmo acelerado, a busca corporativa se torna uma das necessidades essenciais na vida diária da maioria das empresas. Para comprová-lo basta perguntar a empresas como Petrobrás, Vale, UOL, Agência Estado, Reuters, CNN, Submarino, Brasil Telecom, Vivo, Buscapé e muitas outras, como utilizam hoje os motores de busca.
MUDANÇAS
Dispomos na internet de softwares de busca cada vez mais poderosos e inteligentes para encontrar a informação mais precisa e específica, em milhares de bancos de dados ou em nosso próprio desktop, no menor tempo possível. E, na verdade, o sucesso do cidadão e das corporações depende, cada vez mais, do resultado dessa busca.
‘As mudanças de paradigmas ocorridas nos últimos 10 anos criaram não apenas o conceito de Internet 2.0, mas também de Enterprise 2.0, nome que designa a nova empresa do século 21. Nem uma nem outra existem sem o uso intenso das ferramentas de busca’ – ensina Don Tapscott, o visionário canadense, presidente da New Paradigm.
Por todas essas razões, a busca corporativa se transforma num negócio gigantesco e multibilionário. No ritmo em que vai crescendo, se incluirmos todas as publicações periódicas do mundo, o número de buscas diárias na internet quebrará a barreira dos 10 bilhões antes de 2015. Esse número dobra a cada dois anos. Para essa expansão, contribuem também os blogs, que proliferam como cogumelos. Numa paródia da famosa frase de René Descartes, o filósofo francês, um cartaz do evento Fast-Forward proclamava: I blog, therefore I am (Eu blogo, logo eu existo).
A ETERNA BUSCA
Para alguns antropólogos, o homem moderno é um animal que busca informação. E, na verdade, o ser humano sempre dependeu de alguma forma de busca. O que mudou, desde a época das cavernas até hoje, foi o objeto procurado. Naqueles tempos distantes, o homem buscava alimento, caça, água, plantas curativas, abrigo. No final da Idade Média, passou a pesquisar cara a cara ou nos arquivos, compulsando livros e documentos, página a página. Mais recentemente, surgiram novas ferramentas de busca, como os arquivos públicos, os dicionários, as enciclopédias, os novos meios de comunicação. Ainda na metade século 20, quem se lembra da figura do rádio-escuta das antigas redações de jornais do interior?
Os motores de busca (search engines) são, na realidade, sistemas projetados para a localização instantânea de informação na Web, onde a informação pode ser apresentada sob a forma de páginas, imagens, textos ou números. Alguns desses motores coletam os dados disponíveis em grupos de notícias, bases de dados ou diretórios abertos. Diferentemente dos diretórios da Web, que são mantidos por editores, os motores de busca operam por meio de algoritmos ou por uma combinação de algoritmos e ações humanas.
O primeiro motor de busca de que se tem conhecimento foi o Archie, criado em 1990, por Alan Emtage, um estudante da Universidade McGill, de Montreal, no Canadá. No ano seguinte, surge o Gopher, criado por Mark McCahill, da Universidade de Minnesota, seguido de outros famosos: Lycos, Excite, Infoseek, Inktomi, Northern Light, Altavista e o Yahoo!
Existem hoje até motores de busca que identificam e classificam material pornográfico, pelo reconhecimento de imagens e de textos. Uma de suas aplicações mais interessantes e úteis é fornecer a pais e educadores um instrumento que impede o acesso de crianças e jovens a materiais inadequados, sejam eles pornográficos ou de violência excessiva.’
OSCAR
Toda ilusão do cinema em cinco figurinos
‘Quando a atriz Theda Bara interpretou a personagem-título de Salomé, em 1918, o figurino já começava a mostrar sua importância na linguagem do cinema com a Dança dos Sete Véus, uma rica metáfora visual para a psicologia feminina do filme. Trajes esplendorosos do famoso designer francês Paul Poiret para Sarah Bernhardt, nos anos 10, ou ainda, na década seguinte, as criações surrealistas de Erté e o luxo fetichista de Rudolph Valentino elevaram o crescente prestígio do figurino cinematográfico.
E quando …E O Vento Levou nos marcou com seu famoso vestido ‘improvisado’ a partir de uma cortina, a arte de vestir os atores já estava totalmente consagrada. Para se ter uma idéia de sua dimensão, para a versão de Maria Antonieta, de 1938, foram confeccionados 4 mil trajes e cada peruca de época pesava mais de nove quilos, sendo que a da rainha francesa era cravejada de diamantes.
Mas os tempos mudaram e a arte de se elaborar um traje passou a ser mais criativa e mais simbólica, com o uso de novos materiais, texturas provocadoras de variadas sensações epidérmicas, cores analisadas de acordo com o perfil da cena e da personagem e o estudo minucioso de cada detalhe recriado.
Edith Head, figurinista indicada para o Oscar 32 vezes e vencedora de oito prêmios em mais de 500 filmes, dizia que o que uma figurinista faz é uma mistura de mágica e camuflagem. ‘Criamos a ilusão de transformar os atores no que eles não são e pedimos ao público que acredite que a cada vez que eles vêem um intérprete na tela, ele se tornou uma pessoa diferente.’
Vamos aqui analisar em qual das ilusões acreditamos mais e acompanhar a escolha do melhor figurino de 2008, para o 80º Oscar.
Fausto Viana é figurinista, cenógrafo e prof. livre-docente de Cenografia e Indumentária da ECA-USP. Rosane Muniz é jornalista, atriz, autora do livro Vestindo os Nus – O Figurino em Cena e mestranda em Artes Cênicas (ECA-USP). Ambos assinam coluna sobre figurino na revista dObras e escrevem no blog www.vestindoacena.com
Dica
Visite a 16.ª Exposição Anual de Figurinos para Cinema na Galeria do Fashion Institute of Design & Merchandising, em Los Angeles. Você poderá conferir mais de 150 trajes em 25 filmes, que incluem todos os indicados para o Oscar deste ano, além de Maria Antonieta, vencedor de 2007, entre outros. Aproveite para ver o traje de Rodrigo Santoro em 300. A visita também agradará às crianças, pois estão lá os figurinos de Harry Potter e a Ordem da Fênix e de Encantada. A entrada é grátis. Se você não puder viajar, faça uma visita virtual em fashionmuseum.org.
Desejo e Reparação
Está ali tudo o que já se viu em filmes sobre as Guerras Mundiais: os trajes, a morte, as dores da perda… Não há novidade. Mas o mais interessante em Desejo e Reparação é o erro de esperar que tudo se conduza dentro dos padrões do já conhecido.
O figurino é um sutil jogo de tecidos melífluos, que compõem ao mesmo tempo as tramas da sensualidade e das mentiras causadas por uma protagonista que, ironicamente, veste o branco da pureza encoberto por suas artimanhas, no avental de enfermeira, confeccionado a partir de antigos lençóis poloneses e checos. Como o filme não retrata uma realidade, mas a memória de uma criança, o diretor não optou por uma recriação exata da moda da época, o que levou a figurinista a escolher tecidos modernos nas formas dos anos 30.
Os amantes protagonizam a mais tenra cena de amor: completamente vestidos, mas como se estivessem nus. Não há um único instante em que o casal se entrega por inteiro. Dela, só vemos os contornos na transparência causada pelo mergulho na fonte. Dele, uma gentil imagem na banheira, em que seu torso nada mais é do que o figurino que prenuncia sua desgraça. A força do vestido verde de Cecília Tallis (Keira Knightley) – composto a partir da mistura de três amostras (seda verde-lima, organza preta e verde e chiffon verde) em 90 metros de tecido branco tingido por um especialista londrino – hipnotiza na cena fatal, mas parece difícil que permaneça na história do figurino, como o cetim preto de Gilda ou o rosa com diamantes de Lorelei Lee.
As tramas têxteis do filme estão tão ardilosamente trabalhadas que até mesmo um batom manchando o guardanapo de linho denuncia o desejo e a manobra sexual. Reflexo de uma análise cuidadosa da figurinista e filósofa por formação acadêmica, Jacqueline Durran, que já havia sido indicada para o Oscar por Orgulho e Preconceito.
Elizabeth – A Era De Ouro
O trunfo do figurino de Elizabeth – A Era de Ouro é Cate Blanchett. Como no caso do vencedor deste Oscar em 2007, Maria Antonieta (que chocou a França misturando elementos como tênis All Star com sapatos históricos recriados por Manolo Blahnik), esta é uma indumentária de protagonista: tudo gira ao redor do que ela veste, contrariando tendências contemporâneas de valorização do todo. A riqueza dos trajes é mostrada em detalhes que só a câmera consegue captar e que os americanos e ingleses são especialistas em recriar.
Não há nenhum erro, evidente, em Elizabeth. O figurino revela Blanchett mudando os estados emocionais de sua rainha. Seu vestido na cor púrpura da realeza vai do mais simples, quando fragilizada, cresce em proporção ao enfrentar a guerra e chega à sua maior versão para encarar a corte e causar distanciamento. Mas o ápice da rainha é com o vestido amarelo com que finalmente supera seus medos e declara guerra à Espanha. Sua relação com a dama de honra Bess também é sinalizada pela semelhança das cores, que se tornam díspares com o ciúme e retornam à harmonia após a batalha.
Os trajes dos representantes da Igreja Católica, promotores de barbáries, são os mesmos desde o ano 1200. Em tons fortes de vermelho, complementam-se com o traje com que a rainha Mary Stuart é decapitada: um vestido sensualmente vermelho para uma vítima sacrificial.
Firma-se a opção da Rainha Virgem como uma representante etérea entre o humano e o divino, separada de seus súditos por uma parede de vidro. Essa idéia já vinha firmada desde a diferente criação de trajes e cores de Elizabeth (1998), que recebeu uma indicação de melhor figurino para Alexandra Byrne, figurinista que pesquisou desde o período elisabetano até estilistas contemporâneos como Vivienne Westwood e Balenciaga para criar esta nova versão. Mas – presságio agourento? – perdeu para Shakespeare Apaixonado na ocasião, este, sim, um figurino elaborado para o coletivo, como, por exemplo, em… Sweeney Todd.
Piaf – Um Hino ao amor
Com roupas compradas em lojas populares, jóias reformadas e pouca confecção de trajes, a figurinista Marit Allen, que morreu em novembro de 2007, aos 66 anos, consegue nos direcionar com maestria dos anos 20 aos 60 e provocar saudades até mesmo em quem ainda nem havia nascido. O filme desenvolve o conceito de caracterização no seu sentido mais puro e os figurinos de Piaf dão embasamento para que a revelação Marion Cotillard brilhe com uma das melhores interpretações femininas dos últimos tempos.
Assim como a luz e a maquiagem ajudam a atriz a nos mostrar a cantora dos 20 aos 47 anos – aparentando bem mais com a doença -, a rusticidade ou a elegância dos trajes deixa transluzir cada momento da personagem. Da sobriedade das lãs da sofrida menina abandonada à adolescência rebelde da Piaf do Pigalle, com sua inseparável touca de crochê surrada. O clássico vestido francês preto, estrategicamente criado em mangas curtas, para sua primeira grande apresentação. A força das peles e rendas da já estrela e o emocionante elogio de Marlene Dietrich…
Nesta primeira indicação para o Oscar, a figurinista de Brokeback Mountain e de O Amor nos Tempos do Cólera, em vez de impor um estilo, sugere e impulsiona a platéia a enxergar com os olhos da alma. Prova de que não é porque foi o vencedor do prêmio Bafta de melhor figurino que Piaf é o mais cotado para vencer esta mesma categoria no Oscar. Mas por causa do talento de Allen.
Across The Universe
O filme começa e você acha que ele é o azarão da noite. O que vemos é só uma moda casual dos anos 60, com muitos jovens iniciando suas histórias de amor. Mas os figurinos realistas começam a entrar no clima psicodélico da época, com a influência da moda oriental e não convencional dos hippies e hare krishna. E, mais uma vez, está tudo lá: os ternos e vestidos das senior proms norte-americanas, feitas no gym da escola, no melhor estilo Grease ou West Side Story; toda a ideologia e trajes beads, flowers, freedom, happiness, de Hair; todos os uniformes ingleses e americanos de tudo o que já se falou sobre Vietnã; referências a Cole Porter (Too Darn Hot), Chicago, Bring In ‘Da noise, Bring In ‘Da Funk; e até o grupo Stomp é referenciado. Não faltam ainda Jimi Hendrix e Janis Joplin personificados. O grupo Bread and Puppet nas passeatas e Yellow Submarine também. Muitos sonhadores gostariam de ter uma visão alucinógena de Salma Hayek como enfermeira em um bem cortado e sensual uniforme preto-e-branco.
Podia dar certo? Podia. E deu. Porque são justamente os Beatles que costuram a história toda. Todas as referências de figurino são muito claras em cada um dos musicais que serviram de inspiração para essa colcha de retalhos. Talvez seja essa familiaridade do espectador com tudo que foi previamente visto que vá dificultar a vida dos outros concorrentes na busca pela estatueta de melhor figurino.
Interessante saber que o francês Albert Wolsky trabalhava com turismo até decidir, exatamente em 1960, aos 30 anos, que queria criar figurinos. Sua primeira função foi como um ‘faz-tudo’ da impaciente, explosiva e respeitada figurinista Helene Pons, na versão original da montagem de Camelot, na Broadway. Esta é sua sexta indicação à estatueta, que já ganhou com os melhores figurinos de Bugsy (1991) e de All That Jazz (1979).
Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco Da Rua Fleet
É o contraste entre luz e sombra, o jogo entre claro e escuro que guiam o figurino de Colleen Atwood, parceira do diretor desde Edward Mãos de Tesoura. No universo de Tim Burton, que já deu mostras de que prefere o mundo dos mortos ao dos vivos em A Noiva Cadáver, a cor só entra para marcar a distância entre o passado perdido e o presente, mais irremediavelmente perdido ainda.
O vermelho, tom mais forte do filme, só vale para o sangue que escorre. E na roupa do Juiz Turpin, o que transforma a leitura de seu traje em um desafio: ele usa o vermelho dos apaixonados ou o vermelho de quem quer ver derramamento de sangue? Olhe suas calças amarelo-mostarda que a resposta virá: é a cor da loucura.
A leitura do universo de Burton é clara em todos os signos que emite. O barbeiro sanguinário usa uma casaca de couro envelhecida a cortes de laser, o que garante ranhuras como se afiadas por uma lâmina de barbear. Depp/Todd cria graça com seu coldre de navalha e o detalhe do metal do solado militar transposto para o alto da bota quando inicia sua guerra particular – o brilho pode ser visto quando aperta o pedal da cadeira. O toureiro/barbeiro Pirelli vem vestido em peles de raposa – sem saber que o sacrificado na arena será ele mesmo.
É do preto e do branco e das variações de listrados e texturas que sai o mundo interno das personagens, sem trajes que se sobressaiam, em uma unidade e nível técnico brutais. Inspirada livremente no médio período vitoriano, os trajes são sempre muito bem finalizados, deixando aparentes pouco mais que os dedos. Com a navalha em punho, Todd revela: ‘Meu braço está completo novamente’!
E Atwood, indicada pela sétima vez para o Oscar – dona de duas estatuetas por Memórias de Uma Gueixa e Chicago -, ainda ensina como vestir moças e senhoras como pássaros, com a delicadeza de um rouxinol ou de um melro.’
Ubiratan Brasil
Oscar promete não poupar Bush
‘Histórias manchadas de sangue, espionagem, traição, gravidez indesejada, mal de Alzheimer – os finalistas da 80ª cerimônia de entrega do Oscar que ocorre hoje à noite (transmissão a partir das 22h30, no Canal TNT) privilegiam o lado obscuro da alma humana. A vitória de Os Infiltrados como melhor filme no ano passado parece ter aberto uma trincheira que ainda continua escavada. ‘Este será o segundo ano consecutivo em que o ganhador da estatueta de melhor filme estará apontando uma arma, pronto para ferir’, comentou o especialista Tom O’Neil, em entrevista à agência France Presse.
A referência se encaixa bem em Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Joel e Ethan Coen. Baseado no romance de Cormac McCarthy, o filme reflete sobre a crise de valores que marca a atual sociedade americana a partir da história de uma violenta corrida atrás de uma mala recheada de dinheiro. O filme ainda coloca a dupla de irmãos em uma rara situação: a de indicada em quatro categorias que, se vencidas, a colocará em um panteão exclusivo.
Será a primeira dupla de irmãos, por exemplo, a vencer o Oscar de melhor direção e a segunda parceria a dividir o prêmio de melhor filme – a primeira foi Robert Wise e Jerome Robbins em 1961, por Amor, Sublime Amor. Eles concorrem também na categoria de roteiro adaptado e na de edição, esta sob o curioso pseudônimo de Roderick Jaynes. E quem subirá ao palco se esse nome for anunciado? Uma das possíveis surpresas reservadas.
Outra deverá ser a própria cerimônia, ameaçada dias atrás pela greve dos roteiristas, que deixou uma dívida avaliada em R$ 2,5 bilhões para a cidade de Los Angeles. O humorista Jon Stewart deverá comandar novamente a festa com a promessa de mais uma vez não poupar o presidente George W. Bush e a Guerra do Iraque, uma tentativa de garantir a atenção da platéia internacional (cerca de cem países acompanharão a cerimônia ao vivo). ‘Ele foi um apresentador espetacular em 2006’, comentou, à France Presse, Gil Gates, produtor da cerimônia. ‘Ele é inteligente, rápido, divertido. Que mais poderíamos esperar?’
Já os discursos de agradecimento continuam uma incógnita. Espera-se que não se repitam, por exemplo, momentos constrangedores como o protagonizado recentemente pela veterana atriz britânica Julie Christie que, ao festejar o prêmio recebido na cerimônia do sindicato dos atores, pediu desculpas caso se esquecesse de citar alguém. ‘É que ainda não saí do papel’, brincou ela, que interpreta uma mulher que sofre com o mal de Alzheimer em Longe Dela.
Julie Christie é favorita ao prêmio de melhor atriz assim como Daniel Day-Lewis, por Sangue Negro, entre os atores. O espanhol Javier Bardem poderá se consagrar como o primeiro ator de seu país a levar uma estatueta se confirmar seu favoritismo entre os coadjuvantes por seu trabalho em Onde os Fracos Não Têm Vez, no qual utiliza uma peruca que o assemelha a Moe Howard, dos Três Patetas.
Já entre as atrizes que disputam a categoria de coadjuvante, Cate Blanchett era a franca favorita, por sua bela caracterização de Bob Dylan em Não Estou Lá – ela concorre também como atriz principal por Elizabeth – A Era de Ouro. Mas, a veterana Ruby Dee vem ganhando posições nas bolsas de apostas pela sua participação como mãe de Denzel Washington em O Gângster. Se vencer, Ruby será a mais velha ganhadora de uma estatueta, aos 83 anos e quatro meses de vida.
Na categoria de documentários de longa-metragem, a Guerra do Iraque é o assunto predominante: dois dos cinco indicados tratam do tema (No End in Sight, de Charles Ferguson, centrado na invasão americana, e Taxi to the Dark Side, de Alex Gigney, que trata da morte de um taxista afegão de 22 anos, Dilawar, quando estava preso na base aérea de Bagram, em 2002). Polêmico profissional, Michael Moore está de volta com Sicko – SOS Saúde, em que retrata o diabólico sistema de saúde americano. ‘Anos atrás, quando venci por Tiros em Columbine, fui vaiado quando critiquei abertamente a política de George W. Bush’, disse Moore à France Presse. ‘Agora, a Academia selecionou dois filme antiguerra. Os tempos mudaram.’
Outra categoria que desperta atenção, a de melhor filme estrangeiro, é dominada, neste ano, por dramas históricos. Dois são ambientados na 2ª Guerra Mundial: The Counterfeiters, da Áustria, que leva um certo favoritismo; e Katyn, do veterano polonês Andrzej Wajda. O primeiro trata do dilema enfrentado pelos prisioneiros judeus, obrigados a trabalhar na fabricação de dinheiro falso para financiar o nazismo. Já o segundo mostra a matança de oficiais poloneses pelo Exército soviético. Filmes que ressaltam um debate moral e social.’
Luiz Zanin Oricchio
Ano interessante ou de injustiças? Com a palavra, os críticos
‘Um Oscar pelo menos interessante – é o que promete esta edição de 2008, se examinarmos os concorrentes que disputam a categoria principal, a de melhor filme. Há três com boas possibilidade de levar a estatueta – Onde os Fracos não Têm Vez, Sangue Negro e Desejo e Reparação. E duas zebras, Conduta de Risco e Juno.
Entre os cinco, o longa dos irmãos Coen, Onde os Fracos não Têm Vez, tem sido indicado como o favorito por entendidos do prêmio da Academia. Seria um belo vencedor, um puro sangue. A adaptação do romance de Cormac McCarthy – Onde os Velhos não Têm Vez – segue com rigor sua inspiração original. É seco como três desertos, duro, límpido. Talvez um pouco pessimista a mais para os padrões em geral mais amenos da Academia. Talvez de final inconclusivo, o que sempre desagrada a indústria. Mas, enfim, parece que existe a percepção de que, apesar das dificuldades, se está diante de um filme especial e que talvez seja conveniente premiá-lo em nome da credibilidade artística da Academia.
Mas, claro, essa estatueta pode ir também para Sangue Negro, drama de Paul Thomas Anderson sobre a cobiça baseado em outro grande escritor norte-americano, Upton Sinclair. Esse filme traz na cabeça do elenco o favorito para o prêmio de melhor ator, Daniel Day-Lewis, que de fato está magnífico como Daniel Plainview, o homem que enriquece através do petróleo e não vê limites para sua ambição. Escrita por um socialista dos anos 20, a história é a da destruição pessoal pela vontade de poder, o que inscreve a obra na galeria temática de filmes como Ouro e Maldição, O Tesouro de Sierra Madre e Cidadão Kane. Evidente que Sangue Negro não tem, nem de longe, a estatura dessas obras, mas é um filme de impacto e dignidade.
Há quem goste, e muito, de Desejo e Reparação, de Joe Wright, tirado do romance Atonement (Reparação), do britânico Ian McEwan. O curioso é que o Wright sequer foi indicado entre os cinco concorrentes a melhor diretor, o que pode limitar as possibilidades do filme. Em geral, mas nem sempre, os vencedores andam aos pares – melhor filme, melhor diretor. Há exceções e por isso não é impossível que este drama romântico, um tanto edulcorado em relação ao livro, acabe por vencer.
Quanto aos azarões, Conduta de Risco, drama político com George Clooney no papel principal, tem lá suas qualidades. Concorreu no Festival de Veneza do ano passado e não teve grande repercussão. Um filme ok, era o que se dizia, mas que não marcaria o evento com sua passagem e em breve seria esquecido. Clooney faz o papel de um advogado que é, ao mesmo tempo, um faz-tudo para a empresa onde trabalha. Quer dizer, encarrega-se do trabalho sujo quando isso se faz necessário. Até que toma consciência da sua situação, etc. Direção correta de Tony Gilroy, mas sem qualquer personalidade.
Juno é o ‘filme gracinha’ do ano, espécie de Pequena Miss Sunshine de 2008. Na história da adolescente grávida, que decide entregar seu bebê a um casal mais maduro, brilha o talento da atriz Elen Page. A direção de Jason Reitman é esperta, e o texto, descolado, tem origem curiosa. Foi escrito pela ex-stripper Diablo Cody, que deu início à vida literária descrevendo suas experiências num blog. Como está indicada na categoria de melhor roteiro original, pode ser a primeira blogger a ganhar um prêmio dessa importância.
Alguns candidatos são tidos como grandes favoritos. Além de Daniel Day-Lewis, fala-se em Javier Bardem pelo papel do matador Chigurh no filme dos Coen. Cate Blanchett é sempre bem cotada, embora seu filme, Elizabeth, seja fraco. Pode dar a veterana Julie Christie por Longe Dela. Uma boa alternativa seria a francesa Marion Cotillard, exuberante na caracterização de Edith Piaf.’
Luiz Carlos Merten
E o Oscar vai para…
‘E não é que o Oscar voltou a ser importante? Anos a fio, a Globo ignorou o prêmio da Academia de Hollywood, enquanto o SBT detinha os direitos de exibição da festa. Com o Oscar de volta à Globo (desde 2006), a emissora lembra, por meio de anúncios que veicula a toda hora, que se trata do maior prêmio do cinema. A Globo brinca conosco. Na emissora, o Oscar é secundário. A festa já terá começado em Hollywood, mas a Globo tem o Fantástico e o Big Brother para mostrar. Que espere o Oscar!
Como todo ano, os críticos fazem suas especulações. Quais seriam os vencedores? Cada ?especialista? tem sua lista de prontidão. Talvez seja melhor começar pelas ausências. Um prêmio que coloca entre seus finalistas para melhor filme e diretor (Tony Gilroy) uma obra como Conduta de Risco não merece ser levado a sério porque ele próprio não se leva a sério. Enquanto isso, os que seriam (são?), talvez, os maiores filmes do ano – Sweeney Todd, de Tim Burton, e Senhores do Crime, de David Cronenberg – concorrem, como prêmio mais importante, na categoria de melhor ator, Johnny Depp pelo primeiro, Viggo Mortensen pelo segundo. Era só o que faltava serem derrotados pelo Daniel Day-Lewis de Sangue Negro ou pelo George Clooney de Conduta de Risco.
O Oscar de 2008, para os melhores do cinema em 2007, poderá passar à história como o ano em que a academia se rendeu aos atores europeus. Vai ser um choque se Javier Bardem não empalmar sua estatueta de melhor ator coadjuvante por Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen. Embora seja uma vitória mais problemática, muita gente também lança suas fichas sobre o nome de Marion Cotillard, a Piaf, na categoria de melhor atriz. Teremos a vitória de dois europeus no Oscar? A de Javier Bardem parece barbada, mas sabem como é. Marion vai surpreender, e se surpreenderá, ela própria, se levar. O Oscar de melhor atriz deste ano parece talhado para Julie Christie, como a velha doente de Alzheimer de Longe Dela. Julie, vale lembrar, já recebeu o Oscar em 1965, por Darling, a Que Amou Demais, de John Schlesinger (no ano em que A Noviça Rebelde, de Robert Wise, ganhou os prêmios de melhor filme e direção).
Os críticos gostam de lembrar casos de injustiça tão clamorosa que lançam sempre uma sombra de suspeita sobre o Oscar. Pois Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, não perdeu para Forrest Gump, o Contador de Histórias, de Robert Zemeckis? E Peter O?Toole, no ano de Lawrence da Arábia, não perdeu para o Gregory Peck de O Sol É para Todos? A lendária Greta Garbo, no ano de A Dama das Camélias, não viu o Oscar ser entregue a Louise Rainer, o segundo consecutivo desta atriz obscura, por A Boa Terra? Há, este ano, um grande filme clássico (e romântico) entre os indicados, mas que injustiça – Desejo e Reparação sequer concorre ao Oscar de direção. Joe Wright ficou fora da disputa.
Apesar de toda a sua alegada potência como estudo de um personagem megalomaníaco, Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson, trata de petróleo e o poço, perdão, o drama é mais seco do que sugere a overdose de elogios à ambição do diretor. Se Conduta de Risco ganhar, Tony Gilroy entrará para a história como o homem que não merecia ter vencido. Onde os Fracos não Têm Vez tem aura de favorito, mas é preciso certa indulgência para ver neste western de crime e horror uma reflexão consistente sobre a origem do mal nos EUA. Aquele deserto do qual emerge o personagem de Javier Bardem é tão seco quanto o poço de Sangue Negro. Enfim, se Sweeney Todd e Senhores do Crime não concorrem, pouco importa quem vai ganhar. Pouco importa, em qualquer ano. Afinal, Cidadão Kane não ganhou. Cidadão Kane!’
Flávia Guerra
Retrato em branco e preto
‘É um sonho. Jamais pensei em ser indicada para o Oscar com um filme que é a minha própria história e a do país em que cresci’, declarou a iraniana radicada em Paris Marjane Satrapi ao Estado, após muita insistência para que a autora-diretora-personagem falasse de Persépolis, o longa-metragem que ela dirigiu com Vincent Paronnaud e concorre hoje ao Oscar de Melhor Longa de Animação.
Persépolis era o candidato francês ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas não entrou entre os cinco finalistas. Muito justamente, concorre nesta outra categoria nobre da maior premiação do cinema mundial. Não é o favorito. O fenômeno infantil Ratatouille deve mesmo pegar os votantes da academia pelo estômago e levar a estatueta. Mas Marjane, ainda que saia de mãos abanando do Kodak Theatre, em Los Angeles, conclui de forma vitoriosa uma das últimas fases de seu périplo animado.
Foi um longo caminho até que essa filha de uma família da elite esquerdista iraniana pudesse desfilar seu humor cáustico no tapete vermelho de Hollywood. A peregrinação cinematográfica de Marjane já passou por Cannes, Berlim (onde recebeu há 13 dias o prêmio Cinema pela Paz 2008, da Unicef) e por dezenas de festivais pelo mundo, incluindo a Mostra de São Paulo, na qual levou o prêmio do público. Ainda que seja uma produção francesa, um filme que fala da realidade islâmica ser escolhido como o representante da França na festa do Oscar pode ser interpretado como uma espécie de bandeira branca cultural diante das tensões entre imigrantes islâmicos e o governo daquele país.
Pois bem. Ponto para Marjane, que fez ela mesma sua revolução em nanquim. Mas convém lembrar que nem tudo foram glórias na trajetória desse filme e dessa diretora. Recentemente, Bangcoc decidiu cancelar, em cima da hora, a sessão de Persépolis que abriria seu festival anual de cinema. Motivo: o boicote do governo iraniano, que credita ao filme a propagação de uma imagem distorcida e denigre os valores do Irã – e do Islã.
Marjane nasceu em 1969, cresceu no Irã dos aiatolás, passou a adolescência ‘aprendendo’ a ser européia em Viena e hoje vive em Paris. Não foi a primeira vez que ela teve problemas com os governantes de seu país de origem. ‘Por que você não concede entrevistas aos veículos iranianos?’, perguntou um jornalista da rede árabe Al-Jazira, o principal canal de TV do Oriente Médio, em Cannes, quando Persépolis estreou mundialmente e recebeu o grande prêmio do júri. Ela, que é famosa por perder o amigo mas não perder a piada, disse: ‘Acontece é que sou perseguida. Minha família que ficou no Irã pode sofrer represálias, dependendo do que eu fale. Tenho de ser responsável quando se trata de um filme como este’. O repórter aceitou a explicação, mas, terminada a coletiva de imprensa, fez questão de apontar seu microfone para Marjane e discutir o filme em um serviço especial para o público muçulmano.
Você continua temendo represálias à sua família e evitando falar com a imprensa iraniana?, perguntou o Estado. ‘Sim e não. Sim, porque não voltei nunca mais. Nunca mais vi as belas paisagens do meus país. Mas é mentira que eu não fale com a imprensa. Simplesmente não quero falar com quem não me compreende e não entende que tenho profundo amor e respeito por meu país. Mas não concordo com a repressão e a perseguição, as torturas e as mortes que foram cometidas em nome de uma pretensa ordem, tanto política como religiosa. Tenho muita saudade, mas hoje meu lugar é na França. Por mim e pela minha família, que lá ficou.’
Mas, afinal, o que de tão ameaçador há nessa mulher e em sua obra? Uma animação belíssima em branco e preto, que consegue, nos traços arredondados, porém cortantes de Marjane, contar séculos de história e costumes de um dos povos mais ricos econômica e culturalmente do Oriente Médio?
O ato mais subversivo do mundo ainda é pensar com a própria cabeça. E em voz alta, dizia Coco Chanel (não por acaso uma das mulheres – e francesas – mais influentes e admiradas do mundo). Pois bem, é exatamente isso que Marjane tem a coragem de fazer – e publicar – quando se fala em Persépolis. O poder de seu pensamento e de seus traços em p&b é tamanho que antes de virar filme a vida de Marjane já havia virado um dos quadrinhos (ou graphic novells) mais cultuados do mundo. ‘Sou iraniana. E tenho orgulho de ser’, brada ela em uma das cenas mais dramáticas do filme. Mas não foi o que o atual governo iraniano entendeu. E já não havia entendido nos anos 70, quando a família de Marjane resolveu mandar sua única filha para a Áustria, onde ela estaria longe da vigilância severa dos bedéis do Islã.
Mas, afinal, quem é Marjane Satrapi? Quem é essa mulher bonita, de olhos felinos, que fala com as mãos, é extrovertida e sarcástica? Uma típica figura feminina que atrai e, ao mesmo tempo, espanta. Ela hoje é uma das mais influentes cartunistas, artistas e, claro, mulheres do cinema mundial. Enérgica e doce ao mesmo tempo. E usa toda essa energia, que por muito pouco não foi condenada a se esconder atrás do véu, para se revelar a própria metonímia de seu povo. Marjane era parte de um Irã que se indignava com o fato de uma garota poder ser presa por mascar chiclete e usar tênis All Star. É nesse cenário que começa sua história.
Na adolescência, Marjane Satrapi (que foi educada em colégio francês e leu todos os clássicos da cultura ocidental) queria o que toda garota de sua geração queria: andar na moda, ter um walkman, comprar discos, ir a festinhas com os amigos, beber, e, claro, namorar. Mas, em vez de arranjar, no máximo, uma briga com os pais por usar uma jaqueta que bradava ‘Punk is not dead’, seu visual punk (o máximo da modernidade nos anos 80), poderia levá-la literalmente para a cadeia. Ela devia usar roupas que jamais marcassem o quadril e o hijab (o véu sagrado que zela pelo recato das mulheres muçulmanas). No lugar de ouvir bandas como Iron Maiden, Abba ou James Brown, deveria prestar atenção aos cânticos dos muezins chamando os fiéis para rezar nas mesquitas. Namorado? Jamais. Se optasse por seguir a cartilha do aiatolá, estava fadada a encontrar um pretendente que a beijaria só depois de casada. Andar pelas ruas de mãos dadas e sentir o vento nos cabelos? Crime grave!
Era esse o cotidiano em que cresceu a cartunista. Um Irã pós- Revolução Islâmica, quando, em 1979, o regime ditatorial do aiatolá Khomeini tomou o país de assalto e a antiga Pérsia se tornou a República Islâmica do Irã. Grosseiramente, pode-se dizer que, na época, os iranianos saíram da frigideira para cair na panela. Em vez de melhorar, as condições de liberdade de expressão, que com o regime dos xás já não eram ideais, pioraram. O país passou a ter uma verdadeira polícia para zelar pelos bons costumes.
Marjane, em vez de se render ou de virar guerrilheira, criou Persépolis, sua graphic novell cheia de textura e bom humor. ‘Nunca pensei que queria ser cartunista. Simplesmente, queria contar minha história. Eu amo meu país. Lá tem gente boa e gente ruim, como em todos os países. Quando cheguei à Áustria, também sofri muito. Eu mentia, dizendo que era francesa, para ser aceita, para que os garotos não me evitassem. Quem ia sair com uma iraniana? Me sentia péssima. As outras garotas me ridicularizavam. Fiquei deprimida, passei dois meses com frio, perambulando pelas ruas de Viena, até que um dia acordei em um hospital’, conta ela, provando que seus quadrinhos são femininos, mas estão longe de serem gibi da Luluzinha. ‘Quando me curei, lembrei do que minha avó dizia. Jurei nunca mais mentir sobre minha origem. Tenho muito orgulho dela.’
Com seu traço e sua visão tão particular das raízes de um mundo cada vez mais dividido entre as culturas do Ocidente e do Oriente, Marjane não poupa ninguém, não deixa de falar de temas como guerra, tortura, injustiças, machismo, violência de toda espécie, imperialismo e, assunto tabu dos tabus no Oriente, comunismo. Ela endurece. Mas não perde a ternura. Nem descuida do cajal (este sim, secular item da nécessaire de toda mulher oriental que preze sua vaidade). Sua história começa com ela ainda garotinha e evolui, num flash back, para a História com H maiúsculo do que se tornou o Oriente nestas últimas décadas.
Marjane hoje está no topo do cinema e das discussões que cercam temas tão delicados como o respeito às diferenças e o abuso do absolutismo religioso. Mas se diz feliz com sua tarefa, ainda que involuntária. E mais ainda com seu filme. ‘Eu, que sou tão enérgica, teria feito um filme do Godard. Vincent é o parceiro ideal, que me ajudou a equilibrar tantas palavras e expressões. Ele, que é tão introvertido, já teria feito um filme do Scorsese, cheio de cenas de ação. Juntos, fizemos um terceiro filme.’ Os produtores de Persépolis concordam: ‘ Nunca podíamos imaginar que teríamos esta nominação ao Oscar, uma honra imensa para a nossa primeira produção. Estamos tão orgulhosos e felizes por Marjane e Vicent’, declararam ao Estado Marc Antoine Robert e Xavier Rigault. ‘Ela cumpriu sua missão.’
Nada mal para uma garota que aos 9 anos ouvia as histórias de seus tios comunistas presos e torturados na prisão, conversava com Deus e sonhava em ser profeta para melhorar o mundo. Em vez de sermões da montanha, hoje ela prega com palavras e nanquim.
SEM BEIJO
Sua sina era encontrar um pretendente que só a beijaria depois do casamento
SEM MEDO
Teve a coragem de falar de temas que levam a ameaças de morte por radicais islâmicos
SEM SOM
Em vez de Iron Maiden, Abba e ames Brown, tinha de ouvir o canto dos muezins’
TELEVISÃO
Ao pé do ouvido
‘Que graça teria se um vilão não tivesse um comparsa para armar todos os planos? Ou se a mocinha não tivesse para quem chorar as pitangas? É assim que, no lugar do pensamento em voz alta ou do monólogo com o espelho, entra em cena o ombro amigo, conhecido nos bastidores como ‘personagem orelha’.
Para o autor Gilberto Braga, é praticamente impossível fazer uma história sem atores que apóiem o elenco principal, mas ele rejeita o jargão. ‘Não suporto o termo orelha. É vulgar, depreciativo. No teatro clássico dizia-se ‘confidente’.’ Braga sempre verifica se todos os personagens têm com quem falar. ‘O ideal é que cada confidente tenha história própria, mas isso é difícil.’
Veterana no papel de ouvinte, Viviane Victorette está em sua terceira novela das 9 – todas como confidente. Agora, ela é Nadir, melhor amiga da Maria Paula (Marjorie Estiano) de Duas Caras. A amizade entre elas é tão grande que a personagem topou se mudar para o Rio atrás da amiga. ‘Quem sabe não arranjo um marido por lá?’, justificou a personagem.
Nadir ainda não tem história própria, mas o autor Aguinaldo Silva garante que em breve ela se envolverá com Bernardo (Nuno Leal Maia).
Em América (2005), Viviane era a Ju, que além de ouvir as lamúrias de Sol (Déborah Secco), dançava em cima do balcão de uma boate em Miami. Mas sua personagem de maior destaque foi Regininha, a melhor amiga de Mel (Débora Falabella), em O Clone (2001). Juntas, elas chegaram ao fundo do poço por causa das drogas. ‘Até hoje, muita gente só me chama de Regininha’, fala a atriz.
Viver à sombra dos protagonistas pode parecer frustrante. Mas a projeção que uma novela oferece é tão grande, que quem está na pele de um melhor amigo costuma agarrar a oportunidade. Para Viviane, esses papéis demandam dedicação, já que dali podem surgir convites para outros trabalhos. ‘Talvez alguns rejeitem o papel ou façam de má vontade, mas o público sente. Eu faço tudo com prazer, nem que seja dizer apenas ‘oi’ em cena .’
Luli Miller, que interpretou Gilda em Paraíso Tropical, é um dos casos de ouvinte que ganhou vida própria – tanto, que a amiga a esqueceu. Ela começou como confidente de Paula (Alessandra Negrini). Depois, ganhou casa, avó e um affair com Gustavo (Marco Ricca). ‘Adorei começar em uma novela das 9, como amiga da protagonista. Só tenho a agradecer’, diz ela. A primeira experiência a levou a uma participação na minissérie Queridos Amigos – Luli é Márcia, mulher de Pedro (Bruno Garcia). E se ela fosse convidada para ser confidente de novo? ‘Sim, claro!’
***
Orelhismo não pode ser gratuito
‘O uso de orelhas – ou confidentes, num termo politicamente correto – é imprescindível à estrutura de uma novela, reconhecem os autores. Mas a orelha precisa ter vida própria, ou seja, uma história que justifique a presença do ator em cena, opina Silvio de Abreu. ‘Acho uma falta de respeito com qualquer ator que ele tenha só essa função, de ficar escutando o que os protagonistas dizem’, observa.
Mestre em manejar os recursos do telefolhetim, Silvio criou a Luzineide de Torre de Babel (1998), marco do orelhismo. A personagem, vivida por Eliane Costa, passou a novela toda sem dizer uma palavra. Confidente de Bina (Cláudia Gimenez), era interrompida todas as vezes em que tentava abrir a boca – ‘Cala a boca, Luzineide!’, repetia Bina, para delírio da audiência. ‘O fato de Luzineide não falar era imprescindível para que no fim da novela, como aconteceu, ela revelasse todo o mistério, fazendo assim com que o público fosse surpreendido duplamente’, explica o autor.
Aguinaldo Silva é outro que rejeita a orelhice pela orelhice. ‘Se você não cria uma biografia para o personagem, ele não existe. E se ele não existe, não ganha força’, ensina ele, que tem em sua Duas Caras a divertida Lenir (Guida Vianna), amiga de Gioconda (Marília Pêra).
O autor conta que, quando criou Lenir, se preocupou em escolher uma atriz tão marcante quanto Marília. ‘Mas desde o começo, criei aquela implicância do Barreto (Stênio Garcia) com ela, a cara-de-pau dela estar ali filando a comida e outras vantagens’, explica. ‘Recebo muitas cartas questionando ‘mas ela vive do quê?’ Então, resolvi que, na verdade, ela é filha mais velha de militar e tem direito a pensão do governo. Por isso ela não casou. A função da personagem é contracenar com a Marília, mas ela tem uma história pessoal. Todo personagem tem de ter uma.’
Guida Viana dá a receita para ser uma confidente de futuro
‘Mesmo sem ter ainda uma história só dela, Lenir, a amiga perua-falida de Gioconda (Marília Pêra) não é uma orelha comum. Seus comentários são divertidos e garantem a comédia no núcleo dos Barreto.
Mais do que ouvir os devaneios de Gioconda, Guida afirma que sua personagem faz um pouco o papel de bobo da corte. ‘O bobo é engraçado, mas é quem fala as verdades para o rei. Além de intrometida, Lenir é muito irônica’, afirma.
Com 32 anos de carreira e mais de 40 peças no currículo, a atriz não se incomoda em ser apenas a amiga na novela. ‘Venho do teatro, que é a grande escola de contracenar. Tive muita sorte em fazer dupla com a Marília, que sabe a importância do diálogo. Minha função de ‘orelhão’ é dar a piada no tom certo, para que ela tire o máximo de proveito da cena.’
Professora de interpretação, Guida tem as dicas para que um ator seja um bom confidente e, quem sabe, ganhe a própria biografia. ‘Não dá para estudar só as suas falas. É preciso pesquisar toda a cena, para saber o que ela está pedindo. Deve-se escutar bastante o outro, para se encaixar. A orelha está acoplada a outro personagem , então ela tem de contracenar.’ Segundo ela, não é fácil ter um papel periférico, pois as falas são poucas e devem sair no tom certo.
‘E tem de se dedicar, né? Suspendi o teatro para ficar na novela por inteiro e estou sendo recompensada com um papel de humor. Além de ser meu primeiro personagem bem vestido’, diverte-se.’
Etienne Jacintho
Homem misterioso move trama do SBT
‘Um personagem misterioso que conversa apenas com Ermírio Fernandes, papel de Antônio Petrin, e ainda por telefone, é o elemento de mistério na novela A Revelação, de Íris Abravanel, que estréia mês que vem, no SBT.
Do topo de um edifício de luxo em alguma metrópole do mundo, como explica a sinopse da novela da mulher de Silvio Santos, o personagem oculto discute o futuro dos habitantes de Tirânia – cidade onde é ambientada a trama – com Ermírio e ainda manipula os rumos da história.
Já na série Ugly Betty – versão americana da novela colombiana Betty, a Feia -, quem fica no posto de confidente do desconhecido é Vanessa Williams, na pele de Wilhelmina, a única que trava conversas telefônicas com a personagem misteriosa. E, detalhe: a mulher oculta também fala ao telefone do alto de um prédio e manipula personagens da trama por meio de Wilhelmina.
Drops
A novela terá um elenco composto por pouco mais de 40 personagens.
A previsão é de que a trama fique no ar por 150 capítulos.
O cenário é a cidade fictícia de Tirânia.
Apesar de não ter um boi Bandido, A Revelação trará chapéu, cinturão, bota e espora.
Alguns detalhes da trama serão musicados à moda de viola. As canções serão tocadas por artistas sertanejos em participações especiais.’
Shaonny Takaiama
‘Eu não entendo nada de moda’
‘O tipo top model internacional não faz a cabeça de Mariana Weickert. A moça de Blumenau, ex-integrante do Saca-Rolha e agora repórter do GNT Fashion, recebeu o Estado de cara limpa, descalça, e mostrou não ter deslumbramento com o ‘mundinho’.
O Saca-Rolha foi sua escola na televisão?
Naquele segmento e formato foi. Antes, apresentei um programa de verão na MTV. Foi lá que nasci na televisão. Eram duas horas de programa ao vivo e em horário nobre, cada dia numa praia. Foi a primeira vez que tive um ponto eletrônico. Aí aconteceu o convite do Rogério Gallo para o Saca-Rolha e esse foi o grande tesão da minha vida.
Por quê?
Porque estar na televisão para mim é uma grande conseqüência. Não tenho essa vaidade de estar na TV por estar. Preciso acreditar no formato, gostar, ser instigada. Fazer um programa de games na MTV foi sensacional, mas não me instigava. Essa coisa do formato do Saca-Rolha ser informativo, despretensioso, mas ao mesmo tempo ter uma certa responsabilidade, gostei muito. Ali, o Marcelo Tas, o Lobão e o atrito de gerações tornavam tudo muito interessante.
Foi difícil para você mostrar que tem conteúdo?
Não tinha compromisso de mostrar conteúdo ou não. Eu tinha de expor as minhas dúvidas, me manifestar na hora que eu tinha que me manifestar. Se as pessoas consideraram que eu tinha conteúdo, que bom. Ou, quem achou que não, problema deles, sabe?
No começo você tinha receio de emitir opinião?
Esquecia que estava num programa, sempre fui falante. E sempre tive sede de aprender. No Saca-Rolha comecei a gostar de política. Como me envolvi mais com esse assunto, as minhas perguntas talvez fossem mais pertinentes. O Lobão era mais envolvido com música e filosofia, o Tas, mais com tecnologia. Cada um tinha as suas dúvidas e os seus interesses.
Agora que você voltou ao mundo da moda, se sente mais à vontade em frente às câmeras?
Esta não é uma seara que eu domino mais. Não entendo nada de moda, mas entendo muito do meio, do mundo da moda. Se me perguntarem se esse vestido está certo ou errado, vou dizer que a crítica de moda é a Lilian Pacce. O que gosto é comportamento, o que faço ali no GNT Fashion é quase antropológico.
Qual foi a matéria mais difícil que você fez no GNT Fashion?
Teve um dia que não foi difícil, mas engraçado. Tive que ir à 25 de Março, pouco antes do carnaval, com um salto deste tamanho. Chovia e eu tinha que montar uma fantasia completa por um valor X, que era muito baixo. Não encontrava nada e foi meio complicado. E tiveram outras situações engraçadíssimas, em que precisei achar as gírias do mundo da moda. Tive ataques de riso.
O que você mais gosta e odeia no mundo da moda?
O que mais odeio é a superficialidade. Gosto do que esse trabalho me proporcionou em viagens, mas também desgosto porque ele me tirou de perto da minha família.
Você toparia fazer parte do Saia-Justa?
Faria sim, gosto bastante, inclusive.
O Saca-Rolha era mais sério que o Saia-Justa?
Não. Se fosse falar de seriedade, talvez até o Saia-Justa se leve mais a sério do que o Saca-Rolha se levava.’
Mário Vianna
Dourados, rebeldes e, agora, deprês
‘A estréia de Queridos Amigos, de Maria Adelaide Amaral, foi um sopro de oxigênio nos organismos desesperados com a indigência cultural dos BBBs. Pena que, justamente por causa da Siliconelândia, a série vá ao ar muito tarde. Quem resistir ao sono, será recompensado. Queridos Amigos é um belo trabalho conjunto de roteiro, direção e elenco – onde brilham Denise Fraga, Débora Bloch e Bruno Garcia. Histórias em que um personagem reúne amigos e faz aflorar paixões adormecidas não são novidade. O cinema volta e meia tem um filme assim e mais de uma novela usou esse ponto de partida – sem falar no popular romance de Agatha Christie, O Caso dos Dez Negrinhos, que envolve o reencontro forçado de velhos camaradas.
Na série, o cenário é o Brasil dos anos 80. A ação começa em 89, pouco antes de o País pegar fogo com a campanha que opôs Lula e Collor (na qual, ironicamente, a Globo teve papel discutível). São 19 anos que nos separam da festa promovida por Léo (Dan Stulbach, exagerado na bondade do moço). Mas, em poucas cenas, espanta ver o quanto o Brasil se transformou desde aquela época. A geração que dançou coladinho nos anos dourados e fez a revolução nos anos rebeldes, chegou ao fim da década de 80 em estado de depressão. E não é porque a autora tem uma visão amarga da época. São suas criaturas que entraram na crise da meia idade com um travo na boca. Ninguém avisou, durante passeatas e temporadas no exílio, que eles iriam envelhecer. Os sonhos de mudar o mundo viraram fumaça. Nem mesmo no comportamento, eles conseguiram avançar: o adúltero Pingo (Joelson Medeiros) faz um espelho irônico ao igualmente adúltero Alberto (Juca de Oliveira). A geração que quis derrubar sistemas não varreu os próprios preconceitos. A reação do grupo ‘legal’ à presença do travesti é um bom exemplo. Não é por acaso que o gay Benny (Guilherme Weber, com espaço para mostrar na TV o bom ator que é no teatro) parece tão desagradável.
Se driblar o didatismo que permeia suas séries históricas, Maria Adelaide marcará um golaço, tocando em feridas incômodas, porém fundamentais para que nos entendamos como país. E a boa trilha sonora certamente terá espaço para a gravação de Elis Regina para Como Nossos Pais, de Belchior. Nada mais adequado – e doloroso.’
MAGAZINE LITTÉRAIRE
Novas luzes sobre a trajetória de Simone de Beauvoir
‘‘Castor’ era como Sartre chamava Simone de Beauvoir na intimidade e nas cartas. Castor de Guerre é a nova biografia de Simone, escrita no centenário do seu nascimento por Danièle Sallenave. O livro é destaque da Magazine Littéraire em sua edição de janeiro e Danièle, a entrevistada principal.
Ela destaca como, para as mulheres de sua geração, Simone foi figura central, referência permanente, em especial em razão de O Segundo Sexo, livro que deu régua e compasso ao feminismo moderno. Danièle lembra também da atividade da escritora durante momentos cruciais da história francesa, como a guerra da Argélia, e como foi fundamental em sua formação.
No entanto, a opção da biógrafa é ir dos textos à vida e não o contrário. ‘Estudar a obra para deduzir a mulher complexa e múltipla que ela foi, menos aparente do que aquela que ela desejou ser’, diz. Simone foi uma combatente de todas as horas por uma causa, a da liberdade. Mesmo que não tenha sido ‘sensível à História’, ou mais precisamente, aos acontecimentos políticos, pelo menos antes da Segunda Guerra Mundial.
‘É que, para ela, tudo tinha de passar pela palavra’, garante Danièle. A biógrafa deduz essa extrema vocação de escritor (o verbo é tudo) pela leitura dos Cahiers de Jeunesse, diário que Simone manteve de 1926 a 1930. ‘Viver, amar, estudar, nada deve ser deixado ao acaso. Tudo é objeto de um projeto e de um retorno sobre si mesma. Ela deseja ser esse ‘castor de guerra’ desde os 18 anos.’ Escreve muito e sobre tudo, em busca de si. Descobre a filosofia. ‘Seus engajamentos políticos, no sentido sartriano do termo, se dão no quadro de um engajamento mais geral, que engloba todos os aspectos da vida.’
Nessa busca totalizante pela autenticidade, dos relacionamentos pessoais à política, Simone teria sido, sempre segundo sua biógrafa, ‘ainda mais radical do que Sartre’.
Há um tópico, se não polêmico ao menos inusual, pois se considera que Simone deveria seu engajamento político a Sartre, de quem se torna companheira ainda muito jovem. Mas Danièle entende que o interesse pela política, e a conseqüente necessidade de intervenção no social, vem não por influência de Sartre mas, justamente, do seu rival, o amante americano de Simone, Nelson Algren. ‘Com Algren ela descobre a realidade dos bairros sórdidos de Chicago, algo diferente do tradicional modelo francês e burguês que compartilha com Sartre.’ Essa experiência teria sido decisiva, e aparece nos textos.
Simone busca uma certa transcendência na política, qualidade que não se encontra no dia-a-dia banal das lutas pelo poder. Ela acompanha Sartre nesse cotidiano de luta durante o tumultuado período da Guerra Fria porque, de alguma forma encontra aí alguma ressonância da sua visão radical da existência. ‘Há em O Segundo Sexo um capítulo no qual ela presta homenagem à paixão dos grandes místicos pelo Absoluto. Esse apetite de Absoluto será satisfeito, em Simone, pela idéia da Revolução, o sentimento de assistir à eclosão de um mundo novo’, diz Danièle.
Mas é em Memórias de Uma Moça Bem-Comportada que a biógrafa encontra sua maior fonte de inspiração. ‘É um livro literariamente magnífico. Eu o li aos 20 anos com o sentimento de que havia lá um verdadeiro modelo de liberdade.’’
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