Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

POLÍTICA
Eugênia Lopes

Celebridades de rádio e TV viram fenômeno eleitoral

‘Tratados como celebridades pelos ouvintes e espectadores, os radialistas, apresentadores de televisão e artistas que resolvem entrar na vida pública são as meninas-dos-olhos de partidos políticos. Assim como os evangélicos, eles se transformaram em fenômeno eleitoral e passaram a ser assediados pelas cúpulas partidárias, que estão de olho no caminhão de votos que trazem consigo. Afinal, tanto evangélicos quanto radialistas, apresentadores de TV e artistas têm uma tribuna permanente para fazer suas campanhas.

‘Fica muito difícil nós concorrermos com esses caras’, diz o deputado Carlito Merss (PT-SC), recém-eleito prefeito de Joinville. ‘É uma concorrência desigual todo o dia.’

‘Esse fenômeno é uma deformação sintomática do nosso sistema eleitoral. Isso acontece porque o único critério dos partidos é quem tem voto. E isso é um convite a esse tipo de candidato-celebridade’, afirma o deputado Custódio de Mattos (PSDB-MG), que foi eleito em outubro prefeito de Juiz de Fora. Em 2004, o tucano perdeu as eleições para Carlos Alberto Bejani (PTB), que é radialista. No meio deste ano, Bejani renunciou à Prefeitura de Juiz de Fora depois de ser preso.

O palanque eletrônico permanente dos radialistas e apresentadores de televisão tem causado mal-estar entre alguns políticos. Um dos mais incomodados é o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), que viu seu candidato à Prefeitura de Manaus, o atual prefeito Serafim Correa (PSB), ser derrotado pelo ex-governador Amazonino Mendes (PTB).

Para Virgílio, um dos motivos para a derrota de Serafim foi o fato de o vice de Amazonino ser o deputado Carlos Souza (PP), conhecido radialista na Amazônia. ‘É um absurdo os radialistas ficarem fazendo campanha diariamente, durante os quatro anos que estão no mandato’, diz Virgílio, que também reclama do poderio dos donos de repetidoras de televisão nos Estados.

O líder tucano quer aprovar uma legislação que proíba os radialistas e apresentadores de televisão de fazer programas no ano que antecede as eleições. ‘Eles têm de ficar um ano fora do ar’, defende Virgílio. ‘Não vejo motivos para criar uma regra específica para os comunicadores. Então, os líderes religiosos, os advogados e médicos que atendem gratuitamente também têm de se afastar de suas profissões um ano antes’, rebate o deputado Flávio Dino (PC do B-MA).

Titular por mais de 20 anos de um programa diário de rádio na Região Sul, o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) reconhece que a popularidade como radialista foi essencial para sua carreira política. Ele era tão conhecido que, em 1986, quando se candidatou pela primeira vez a deputado estadual pelo Rio Grande do Sul recebeu tantos votos em Santa Catarina que, na ocasião, seriam o suficiente para eleger três deputados estaduais catarinenses. Na época, a votação era em cédulas de papel, em que os eleitores escreviam o que queriam.

ASSISTENCIALISMO

Para Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), os programas com caráter assistencialista são os principais responsáveis pela eleição de radialistas e apresentadores de TV. Ele cita o caso da recém-eleita prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), que apresentava programa de televisão. Micarla é a mais velha das três filhas do senador Carlos Alberto de Sousa, morto há dez anos, que comandava programa de rádio no Rio Grande do Norte. ‘Com certeza essa eleição da Micarla tem um rescaldo do programa de seu pai, que tinha um caráter bem assistencialista’, diz Queiroz.

Em sua avaliação, a valorização das celebridades, normalmente, acontece em momentos de crise. Por isso, em 2006, a Câmara elegeu 13 comunicadores novatos, que exerceram mandato eletivo pela primeira vez, como o apresentador e costureiro Clodovil Hernandes (PR-SP) e músico Frank Aguiar (PTB-SP). ‘Era um momento de crise de popularidade do Congresso. Tinha tido a história do mensalão, dos sanguessugas e aí surge espaço para as celebridades.’

A popularidade dos radialistas, apresentadores de televisão e artistas sempre foi um filão para os partidos políticos. Marta Suplicy, candidata derrotada do PT à Prefeitura de São Paulo, tornou-se nacionalmente conhecida e entrou na vida pública depois de estrelar um programa de televisão dando conselhos sobre sexo. O ex-governador Antony Garotinho (PMDB) é outro que mantém até hoje programa de rádio no Rio de Janeiro.

Em época de eleição, a procura por campeões de voto fica mais evidente. Este ano, vários candidatos a prefeito buscaram aliar-se a comunicadores. Em alguns casos, a união deu certo. Em São Bernardo do Campo, o ex-ministro Luiz Marinho (PT) pôs o deputado e cantor Frank Aguiar (PTB) como vice e conseguiu se eleger. Em outros, a iniciativa não deu em nada: o deputado ACM Neto (DEM-BA) convenceu o radialista Raimundo Varela (PRB) a desistir de sua candidatura à Prefeitura de Salvador e a apoiá-lo. Em vão: ACM Neto saiu derrotado da disputa.’

 

 

HISTÓRIA
Sabrina Tavernise

Filme humaniza o herói da Turquia

‘Depois de quase um século sempre com uma fisionomia séria, Mustafá Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna, começou a sorrir. Ataturk – o herói de guerra que defendeu a Turquia durante a partilha do Império Otomano – é objeto do que talvez seja o mais duradouro culto à personalidade em todo o mundo.

O retrato de Ataturk está pendurado em praticamente todas as casas de chá, departamentos de governo e salas de aula do país . Insultar sua memória é crime de acordo com a lei turca. E todos os anos, em 10 de novembro, a Turquia observa um minuto de silêncio para lembrar sua morte, em 1938.

Mas essa versão oficial irrefutável pode estar se atenuando. Em outubro, foi lançado um documentário sobre Ataturk que procura mostrar o lado humano do herói. O que pode não significar muita coisa, mas num país onde a história oficial é mantida a sete chaves, o documentário Mustafá foi uma iniciativa corajosa.

HÁBITO DE BEBER

O filme, de nenhum modo tenta demolir o líder. Faz um retrato bastante simpático dele. Mas o simples fato de o diretor, Can Dundar, ter conseguido mostrar Ataturk parecendo menos uma estátua de bronze – e mais um homem que tinha o mau hábito de beber que às vezes chegava a incomodar – diz muito sobre até que ponto a Turquia chegou nos últimos dez anos.

‘Can Dundar abriu as portas de uma gaiola de marfim em que nos trancamos’, escreveu o jornalista Mehmet Ali Birand na sua coluna no jornal Posta.

Fundada em 1923, a Turquia moderna nos seus primeiros anos era monocromática, enquanto as autoridades tentavam acabar com as diferenças do país para forjar uma identidade nacional.

Mas com o aumento da riqueza e da democracia, também aumentaram as tentativas no sentido de uma reavaliação do passado e trazer à tona algumas dessas diferenças, étnicas e religiosas.

Intelectuais turcos, como Dundar, começaram a questionar a linha oficial, estabelecendo debates dolorosos sobre temas que há muito tempo pareciam encerrados.

Ataturk, cujo nome significa ‘pai dos turcos’, foi uma das mais importantes figuras do século 20, mas sua história não é muito conhecida no Ocidente, em parte por ser um personagem tão endeusado na Turquia que, contar sua história, é uma questão politicamente delicada.

Tentativas anteriores para contar a sua história em filme fracassaram. ‘A Turquia nunca quis que o seu fundador, que considera uma divindade, fosse retratado como uma pessoa com fraquezas humanas’, disse no ano passado um articulista do jornal Turkish Daily News.

Essa característica está no centro de muitos problemas do país.

A Turquia tem uma tremenda capacidade de negação, tanto do genocídio armênio no inicio do século 20 como da grande minoria curda, cuja existência o Estado só agora começou a reconhecer.

‘Ataturk é usado como um escudo por aqueles que vêm impedindo que se discuta as muitas deformidades da Turquia’, escreveu Ahmet Altan, um dos mais importantes intelectuais turcos. ‘Eles atribuem uma condição divina a Ataturk e escondem-se por trás dela.’

Can Dundar recorreu a uma enorme coleção de diários e cartas de Ataturk, encerradas em arquivos do Exército há décadas. O homem retratado no documentário é ainda mais radical nas suas crenças do que os demais turcos pensavam, disse o cineasta.’

 

 

TECNOLOGIA
John Markoff

Você pergunta, o celular responde

‘Progredindo no esforço – que já dura décadas – para conseguir que os computadores compreendam a fala humana, pesquisadores do Google acrescentaram uma sofisticada tecnologia de reconhecimento de voz ao software de pesquisa que a empresa desenvolveu para o iPhone, da Apple.

Os usuários do aplicativo gratuito, que a Apple deve disponibilizar a partir de sexta-feira por meio da sua loja eletrônica iTunes Store, podem trazer o telefone ao ouvido e fazer virtualmente qualquer pergunta, como por exemplo ‘Onde fica o café Starbucks mais próximo?’ ou ‘Qual é a altura do monte Everest?’ O som é convertido num arquivo digital e enviado aos servidores do Google, que tentam determinar as palavras ditas e transmiti-las ao mecanismo de busca do Google.

Os resultados da busca, que podem ser obtidos em questão de poucos segundos numa rede sem fios de alta velocidade, poderão ocasionalmente incluir informações locais, aproveitando-se de recursos do iPhone que permitem determinar a localização do usuário.

INTERAÇÃO

A capacidade de reconhecer praticamente qualquer frase dita por qualquer pessoa há muito é o objetivo supremo dos pesquisadores da inteligência artificial que procuram maneiras de tornar mais natural a interação entre homens e máquinas.

Os sistemas capazes desse grau de reconhecimento começaram recentemente a chegar aos produtos comerciais. Tanto o Yahoo como a Microsoft já oferecem serviços de voz para celulares.

O serviço Tellme da Microsoft é capaz de devolver informações em categorias específicas, como indicações de caminho, mapas e filmes. O serviço do Yahoo, oneSearch with Voice, é mais flexível, mas não apresenta a mesma precisão da ferramenta do Google.

O sistema do Google está longe de ser perfeito, e pode responder com resultados aparentemente incompreensíveis. Os executivos do Google se recusaram a estimar a freqüência com a qual o sistema acerta, mas disseram acreditar que esta era suficiente para tornar a ferramenta útil às pessoas que desejam evitar a digitação das perguntas no teclado exibido pela tela do iPhone, sensível ao toque.

O serviço pode ser usado para obter recomendações de restaurantes e indicações de trânsito, procurar contatos na agenda de endereços do iPhone ou simplesmente encerrar discussões de bar.

A pergunta ‘Qual a melhor pizzaria na região de Noe Valley?’ é respondida com uma lista de três restaurantes naquele bairro de San Francisco, cada um acompanhado de avaliações de usuários do Google e links para números de telefone para contato e instruções de como localizá-los.

VANTAGEM

Raj Reddy, pesquisador de inteligência artificial na Universidade Carnegie Mellon responsável por um trabalho pioneiro na área de reconhecimento vocal, disse que a vantagem do Google era a sua habilidade de armazenar e analisar imensas quantidades de dados. ‘Seja qual for a ferramenta que eles apresentem agora, ela se tornará cada vez mais precisa nos próximos três ou seis meses.’

‘É importante compreender que a capacidade de reconhecimento das máquinas jamais atingirá a perfeição’, acrescentou Reddy. ‘A pergunta é: até que ponto ela pode se aproximar da capacidade humana?’ Para o Google, essa tecnologia é fundamental na sua próxima investida publicitária.

Os executivos da empresa disseram que perguntas relacionadas à localização tornariam possível a cobrança de tarifas maiores sobre os anúncios publicados por estabelecimentos comerciais nas imediações, por exemplo. A venda desse tipo de espaço publicitário, porém, ainda não está disponível.

Assim como no caso de outros produtos do Google, o serviço é disponibilizado aos consumidores de forma gratuita, e a empresa planeja posteriormente adaptar a ferramenta para funcionar em outros modelos de celular, além do iPhone.

‘Estamos promovendo, por meio da localização e da voz, um aumento dramático no valor ao anunciante’, disse Vic Gundotra, ex-executivo da Microsoft e agora chefe da divisão de aplicativos para celular do Google.

A empresa está longe de ser a única trabalhando em busca de capacidades mais avançadas de reconhecimento de fala.

A chamada tecnologia de resposta à voz é atualmente empregada em larga escala nos sistemas telefônicos automatizados e em outros serviços e produtos oferecidos ao consumidor. Entretanto, esses sistemas freqüentemente enfrentam problemas diante das complexidades da linguagem livre, e em geral oferecem apenas uma gama limitada de respostas.

TRANSCRIÇÕES

Há muitas semanas, a Adobe acrescentou ao seu programa Creative Suite uma tecnologia de reconhecimento de fala desenvolvida pela britânica Autonomy. O recurso permite ao programa gerar, com alto grau de precisão, transcrições de gravações em áudio e vídeo.

Gundotra disse que o Google esteve às voltas com os problemas gêmeos da inserção e da obtenção de informação a partir de dispositivos manuais sem fio.’Nosso objetivo é resolver estes dois problemas com uma solução mundial’, disse ele.

Os pesquisadores do Google disseram que outra das suas vantagens em relação aos concorrentes era a quantidade de perguntas que os seus usuários teriam feito ao longo dos anos.

‘A quantidade de poder de processamento e a quantidade de dados foram coisas que mudaram durante esse tempo’, disse Mike Cohen, um pesquisador da fala que, antes de vir ao Google, era co-fundador da Nuance Communications.

As perguntas anteriores podem ser utilizadas na elaboração de um modelo estatístico capaz de representar a maneira mais freqüente com a qual as palavras são articuladas umas em relação às outras, disse Cohen. Esse é apenas um dos componentes do sistema de reconhecimento da fala, que também inclui um modelo de análise sonora e um mecanismo capaz de relacionar os componentes básicos da linguagem às palavras conhecidas.’

 

 

Ethevaldo Siqueira

Cloud computing, o sonho que vira realidade

‘É provável que o leitor já tenha ouvido a expressão cloud computing – que pode ser traduzida, ao pé da letra, por computação na nuvem. Nesse contexto, nuvem significa internet. Utilizar a rede mundial como recurso de computação era pouco mais do que um sonho, há 15 anos. Hoje é uma realidade. E mais: para muitos especialistas, o futuro da computação está na internet.

No começo dos anos 1990, quando a internet iniciava sua expansão mundial, dizia-se, com otimismo: ‘a rede é o computador’. Para alguns, parecia até mais lógico inverter os termos da frase: ‘o computador é a rede’. O tempo passou, a internet evoluiu e expandiu-se mundialmente: hoje está quebrando a barreira dos 2 bilhões de usuários. Dotada de supercomputadores, data centers e infra-estrutura de informática e telecomunicações em banda larga, a rede se transformou numa espécie de nuvem global que cobre todo o planeta e funciona como um guarda-chuva que envolve todos os recursos de computação – em especial, os da internet 2.0, de nova geração. Essa nuvem é um imenso armazém ou depósito de âmbito mundial de informações, dados, programas e ferramentas.

Assim, tudo que usamos rotineiramente pode ser guardado na web, com a vantagem de podermos acessar esse conteúdo a qualquer hora e de qualquer lugar, seja para fazer pesquisas, baixar softwares ou rodar aplicativos. Nela, há espaço para todo tipo de redundância, o que pode aumentar a segurança da informação. Nela, podemos utilizar todos os recursos de virtualização, para aumentar a eficiência e reduzir custos.

Diante das perspectivas de seu potencial, a computação na nuvem ainda está na infância. Mas, com a rapidez de sua evolução, talvez antes de 2015, ela deverá estar madura e preparada para a computação em escala mundial. Nesse novo tempo, poderemos dispor de meios seguros para buscar na nuvem todos os recursos de que precisamos, pagando apenas por sua utilização, desafogando nosso computador de 90% de recursos que quase não utilizamos.

VELHO SONHO

Como frisamos, a idéia de usar a internet como uma plataforma de computação tem mais de uma década. Um dos defensores da cloud computing desde o início da década de 1990 tem sido Vinton Cerf, o criador do protocolo IP, atual vice-presidente de evangelização do Google.

Hoje, as dúvidas são muito menores, embora ainda existam céticos quanto à segurança da computação na nuvem. Seus defensores, em contrapartida, apostam que ela trará incontáveis vantagens, seja pela redução dos custos com a compra e atualização dos equipamentos corporativos, seja pela libertação do usuário da dependência de um único recurso físico ou terminal, graças à oferta de numerosas alternativas virtuais na rede mundial.

Alguns consultores e fabricantes definem a computação na nuvem simplesmente como uma versão atualizada de um novo recurso de computação, sintetizado basicamente em servidores virtuais disponíveis na internet. Para eles, além do firewall, tudo que precisamos ou consumimos pode ser obtido na nuvem. Inclusive o outsourcing convencional.

É preciso reconhecer, no entanto, que a computação na nuvem ainda requer uma infinidade de ferramentas auxiliares para proteger seus usuários de abusos – a começar do mais simples deles que é o spam ou mensagem indesejável. Precisamos de muitos filtros e de uma infra-estrutura mais funcional.

A nuvem poderá difundir e ampliar os horizontes dos serviços de supercomputação, atualmente restritos a governos e grandes universidades. Poderá oferecer novas opções até mesmo para grandes e médias corporações.

Os primeiros grandes fornecedores de serviços de computação na nuvem já se movimentam nessa direção desde o ano passado. São empresas mundialmente conhecidas, como IBM, Google, Yahoo e Amazon, que buscam explorar o potencial da web mundial.

A IBM oferece serviços a bancos na China, com seu projeto Blue Cloud. A Yahoo apóia os serviços de pesquisa de software da Universidade Carnegie Mellon, com a ajuda de supercomputadores (com até 4 mil processadores em paralelo), que operam sua rede de internet. O Google presta serviços semelhantes às Universidades de Stanford, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e o Estado de Washington.

RISCOS

É claro que, por ser um mundo novo em tecnologia da informação, a computação na nuvem ainda não inspira confiança total. Um dos maiores temores dos usuários é a violação da privacidade. Pessoas e empresas acham que quanto mais difusas e espalhadas pelo mundo estiverem suas informações, mais vulnerável será sua privacidade diante da bisbilhotice de governos e organizações criminosas.

Segurança é outra área que ainda traz alguma preocupação, em especial, no caso do armazenamento e processamento de dados e informações sensíveis, de alto valor econômico ou político. Em resumo, as duas grandes vantagens que mais favorecem a computação na nuvem são: a) permitir o acesso a arquivos de qualquer lugar pela internet; b) aumentar a segurança dos backups de dados.’

 

 

LITERATURA
Antonio Gonçalves Filho

África com amor e raiva

‘A figura de uma mulher negra, de impenetráveis olhos azuis, dominou a quarta edição da Festa Literária de Porto de Galinhas (Fliporto), dedicada este ano à cultura africana e encerrada no último domingo no balneário pernambucano. Discreta, tentava circular sem ser notada, mas os jornalistas não lhe davam trégua. Afinal, trata-se da primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, Paulina Chiziane, nascida há 53 anos em Manjacaze, na província de Gaza, criada no subúrbio de Maputo e com um livro publicado aqui, em 2004, pela Companhia das Letras, Niketche – Uma História de Poligamia.

Ao lado do escritor Mia Couto, também entrevistado nesta edição do Cultura, Paulina representa o que há de melhor na literatura africana hoje. Ambos, de fato, se complementam e têm opiniões convergentes sobre a estagnação da cultura moçambicana por força de uma crise de identidade que levou africanos a virar agentes da sua colonização. Há, segundo Mia Couto, um certo racismo, ou uma certa hierarquia eurocêntrica que faz os escritores africanos serem colocados à sombra, impedindo que o resto do mundo saiba o que se passa no continente, assumido por seus intelectuais com um sentimento confuso de amor e raiva.

Tanto em Paulina Chiziane como em Mia Couto nota-se certo desânimo pelos rumos que tomou a história de Moçambique desde a declaração de sua independência, em 1975. O escritor considera que o país perdeu sua capacidade de resistência e que nem a língua nem a cultura portuguesa ajudaram a criar uma identidade para os moçambicanos, que se voltam cada vez mais , negros e brancos, para as tradições e os mitos arcaicos. A África não se questiona mais, ‘perdeu o sentido crítico de se avaliar’, diz Mia Couto, seguindo em coro por Paulina Chiziane, assustada com a retromania que empurra Moçambique de volta ao passado.

Ambos, Mia Couto e Paulina, tinham 20 anos quando Moçambique se tornou independente. Havia, então, a esperança de uma verdadeira revolução que livrasse o país do atraso e do tacão colonialista. Algo mudou, de fato, e hoje a democracia garante direitos fundamentais como a liberdade de culto – reprimida até pelos revolucionários liderados pelo socialista Samora Machel, que viam as religiões africanas como sinal de obscurantismo. De qualquer modo, nem Mia nem Paulina imaginam suas vidas fora de Moçambique. Estão presos ao país como abelhas numa colméia, condenados a agir não só como escritores – Mia desenvolve estudos de impacto ambiental e Paulina colabora com organizações não-governamentais em projetos de promoção social da mulher, além de ter trabalhado para a Cruz Vermelha durante a guerra civil.

‘Ainda há muito a fazer numa sociedade que reprime as mulheres’, diz Paulina, que acabou de lançar, pela editora Caminho, O Alegre Canto da Perdiz, justamente a história de uma mulher negra dividida entre dois mundos, o africano e europeu, por conta de uma paixão que lhe daria um filho mulato ‘para aliviar o negro de sua pele como quem alivia as roupas de luto’. Essa corrida ansiosa atrás do caucasiano é também explicada pela discriminação que a mulher negra sofre em sociedades patriarcais de Moçambique, mais concentradas na província da qual Paulina é oriunda. Lá, uma mulher, além de lavar e cozinhar, deve servir o marido de joelhos e largar tudo o que está fazendo quando este a chama.

‘Reconheço que meus temas não são fáceis, pois trago para a literatura assuntos incômodos, como as conseqüências da poligamia e a prática da feitiçaria na África.’ Como os africanos conseguem gerir essa dualidade, de cultivar mitos arcaicos e coexistir com o mundo laico, globalizado? ‘Esse é justamente o tema de meu livro O Sétimo Juramento, em que conto como os africanos, brancos e negros, em momentos de desgraça, recorrem não aos santos cristãos cultuados pelos padres portugueses, mas a entidades de cultos ancestrais pagãos.’ No livro, o protagonista, David, é um guerrilheiro que, após a declaração de independência, vira diretor de uma fábrica, recorrendo à magia negra para resolver seus problemas.

Nos livros de Paulina, nada é o que parece ser. Em Niketche, um oficial de polícia vive à margem da lei, mantendo relações com outras quatro mulheres além da sua, Rami, que, após 20 anos de casamento, descobre ser o marido polígamo. A escritora nega ter a narrativa uma proposta moralizante por pintar o policial, Tony, como pai ausente e marido negligente. Paulina diz que não é feminista. Apenas retratou o que vê em suas andanças por Moçambique: homens espancando mulheres e abandonando filhos à própria sorte. ‘Com a disseminação da doutrina islâmica, a poligamia cresceu no norte do país e trouxe em sua esteira conflitos com a cultura portuguesa, monogâmica, e as sociedades secretas de feitiçaria, já combatidas pelos revolucionários, que queimavam objetos de culto.’ E o que pedem essas pessoas aos orixás? ‘Coisas básicas, como pão, paz e chuva.’

Falar do futuro de crianças dessa nova raça de pais incógnitos, ‘que terão de fuçar a sua identidade nas raízes da História’, observa, não é uma tarefa fácil. ‘A guerra acabou, passou o momento épico da revolução e cresceu a criminalidade, o desemprego e a fome’ , diz, comentando a emergência de uma elite desinformada e irresponsável em Moçambique. É possível entender o desânimo de Paulina, que viu seu país destruído durante a guerra civil e acompanhou a tragédia cotidiana de seres tão magros ‘que não se distinguia entre eles homens e mulheres’. Ela sobreviveu para contar a história, escapando por pouco de voar pelos ares, como outra mulher com quem conversava, mutilada por uma mina terrestre. Por tudo isso, ela estranhou o clima de festa da Fliporto, que reuniu este ano 161 escritores. ‘Para mim, é uma coisa nova um ambiente em que se fala de cultura de forma tão agradável.’’

 

 

 

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