COPA DO MUNDO
A Copa particular de Dunga
‘Até os generais da ditadura estão falando. Lendas vivas do regime autoritário, personagens como Leônidas Pires Gonçalves e Newton Cruz andaram aceitando os holofotes e as perguntas incômodas do repórter Geneton Moraes Neto. Até eles, que teriam (e talvez ainda tenham) tudo a esconder, vieram jogar o jogo da verdade — ou das verdades, não importa. Esse jogo que o técnico da seleção brasileira se recusa a jogar.
Conseguir que essa bola rolasse solta no Brasil foi uma longa batalha, bem mais árdua que uma Copa do Mundo. No pelotão de resistência, a geração de Jô Soares emplacava bordões como ‘perguntar não ofende’ — e o jovem de hoje custará a crer o quanto isso era engraçado, num tempo em que fazer perguntas era um ato arriscado. Talvez com Dunga o bordão volte à moda.
Nas últimas Copas, vários técnicos da seleção se viram no paredão das perguntas incômodas. Zagallo conta que em 1994, quando era coordenador da equipe, quase teve uma crise de identidade: as pessoas o viam na rua e diziam ‘Romário’. Foram meses de clamor implacável pelo atacante, cujo nome virou bordão dos jornalistas nas entrevistas. Em nenhum momento Zagallo e Parreira (o técnico), que chegaram ao comando da seleção durante a ditadura, caíram na tentação de desclassificar a imprensa.
Romário acabou indo à Copa dos Estados Unidos e virando herói do tetra, mas voltaria a ser pesadelo oito anos depois. Dessa vez para Luiz Felipe Scolari, o rude Felipão, que aguentou o mesmo bordão por mais tempo ainda — sem jamais afrontar repórter algum por ouvir pela enésima vez a mesma pergunta.
Em sua simplicidade, Felipão seguia uma equação cristalina: o repórter pergunta, eu escalo, e cada um deve saber o que está fazendo.
A única pessoa que não poderia desconfiar da sua escolha era ele mesmo.
Fincou pé, não levou Romário para o Japão e trouxe o penta. Sabia que seu combate era contra as seleções adversárias, não contra a imprensa.
Ainda sob o regime militar, o técnico Telê Santana se irritava com o cerco asfixiante dos microfones, que mais de uma vez o atingiram no rosto — empurrados pela sofreguidão dos repórteres questionando a seleção de 1982.
A pergunta de plantão: por que Telê escalava um time sem pontas? Na TV, tinha até bordão do Zé da Galera, personagem de Jô: ‘Bota ponta, Telê!’ Naqueles tempos de liberdade vigiada, seria fácil para o técnico recorrer a um artifício de ‘segurança’ para manter a imprensa distante e controlada. Não só não fez isso, como jamais destratou um jornalista por insistir naquela pergunta — a que a própria história se encarregaria de responder: dali em diante os pontas desapareceriam de todos os times do mundo.
Telê tinha razão, mas nunca arrogou a si o monopólio dela. Entendia que o contraditório é um capítulo da verdade.
Parece simples, mas nem todo mundo entende. Dunga, por exemplo, prefere falar sozinho. O contraditório o ameaça, o ultraja. A seleção brasileira é seu primeiro emprego como técnico, mas suas reações dão a impressão de que os jornalistas invadiram sua casa para lhe dizer como educar seus filhos. Aquilo ali é problema dele, dá a entender.
A sucessão de grosserias contra repórteres, o show de delírios paranoicos (‘Você fez um monólogo para me irritar!’, bradou certa vez a um jornalista) e a evidente convicção de que a imprensa é um mal desnecessário não poderiam acabar bem. Dunga resolveu que vai ganhar a Copa apesar dos jornalistas.
Com um bom repertório de cotoveladas e carrinhos sem bola nos bastidores, o técnico da seleção montou sua retranca à prova desses seres inconvenientes.
Um quarto de século depois do fim da ditadura, voltamos ao jogo em que perguntar ofende. Geneton pode entrevistar quantos generais quiser, mas de Dunga e seus comandados não arrancará uma palavra. Pela primeira vez os humoristas não terão acesso direto aos ídolos da seleção. Do lado de lá do arame farpado, ninguém ouvirá falar de Ronaldinho Gaúcho, Neymar ou Ganso — nomes que o Brasil tanto repetiu só para irritar Dunga.
Na África do Sul, o técnico finalmente encontrou a paz. Só fala e ouve o que quer. O terreno está livre para suas parábolas sobre sexo e sorvete, ou para postulados como o do seu cabeça de área Felipe Mello, segundo o qual bola boa ‘é como mulher de malandro’, gosta de ser chutada. A estupidez sem eco não soa nem tão estúpida assim.
No tempo do regime militar, diziase que o milagre econômico e a conquista do tri no México legitimaram o autoritarismo. Se vier o milagre do hexa, que ele não sirva para colar o selo Dunga de qualidade nas teorias bastardas de controle da imprensa.
Mas não se pode comparar Dunga com os generais da ditadura. Eles não faziam caras e bocas em comercial de cerveja, gritando que ‘é a nossa hora!’ A hora era deles, e não precisavam gritar. Bastavam uns tapas em quem discordasse. Sem dúvida, uma tática mais ofensiva.
GUILHERME FIUZA é jornalista.’
FRANÇA
‘A crise financeira do jornal francês ‘Le Monde’ assumiu ontem contornos políticos com a informação, veiculada pela mídia local, de que o presidente Nicolas Sarkozy teria dito ao diretor do diário, Eric Fottorino, que se opunha à oferta de um trio de investidores ligados à esquerda. Segundo uma fonte do jornal, Sarkozy teria inclusive ameaçado retirar a ajuda federal prometida à gráfica do ‘Le Monde’.
Fottorino confirmou ontem ter se reunido com Sarkozy esta semana, mas não revelou o teor da conversa.
O jornal, com dívidas de C 100 milhões, anunciou semana passada que buscaria investidores para se recapitalizar. Inicialmente, o prazo para que depositar a pré-oferta terminaria ontem, mas foi prorrogado até segundafeira, quando o Conselho de Supervisão do jornal se reúne. O ‘Le Monde’, no entanto, não descarta receber outras ofertas posteriormente. Os jornalistas defendem aguardar até 21 de junho e a direção, dia 18.
O jornal informou ontem que foram depositadas duas préofertas.
Uma é do Grupo SFA PAR, controlado por Claude Perdriel — diretor-executivo da revista ‘Nouvel Observateur’ —, com sócios não divulgados.
A outra é do consórcio formado por Matthieu Pigasse, do banco Lazard, Pierre Bergé, exparceiro do estilista Yves SaintLaurent, e Xavier Niel, fundador do site Free. É justamente a esse grupo que Sarkozy se opõe.’
EUA
Obama adota linha dura a quem vaza notícia
‘Contratado em 2001 pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos para o órgão a acompanhar a revolução do email e do celular, Thomas A. Drake ficou convencido de que espiões do governo desperdiçavam centenas de milhões de dólares em programas fracassados, e ignoravam uma alternativa promissora.
Ele levou as suas preocupações a vários setores do mundo secreto: chefes, inspetor-geral da agência, inspetor do Departamento de Defesa, e comitês de inteligência do Congresso. Mas sentiu que sua mensagem não era compreendida. Então, entrou em contato com um repórter do ‘Baltimore Sun’.
Hoje, por conta dessa decisão, Drake, de 53 anos, um burocrata veterano da inteligência que colecionava computadores antigos, pode pegar anos de prisão por 10 acusações que incluem manipulação incorreta de informações confidenciais e obstrução da Justiça.
O indiciamento de Drake foi a última prova de que o governo Obama vem se mostrando mais agressivo do que o de (George W.) Bush na procura pela punição por vazamentos não autorizados à imprensa.
Transparência prometida é censurada Há um ano e cinco meses no cargo, o presidente Barack Obama já superou todos os líderes anteriores nesse tipo de processo. Seu governo tem tomado medidas que poderiam provocar duras críticas políticas ao seu antecessor, que muitas vezes brigava publicamente com a imprensa.’
ITÁLIA
‘Num ato de revolta contra o governo italiano, a imprensa do país protestou ontem contra a popularmente chamada Lei da Mordaça. A medida, proposta pelas autoridades, limita o uso das escutas nas investigações e pune, inclusive com prisão, os jornalistas que publicarem seu conteúdo.
Aprovada na quinta-feira pelo Senado, a lei é contestada não só pela maioria dos meios de comunicação, mas também por magistrados que dizem que ela vai prejudicar a luta contra a corrupção e o crime organizado.
O jornal esquerdista ‘La Repubblica’ publicou em sua capa uma página em branco, com apenas um pequeno Postit amarelo onde se lê: ‘Lei da Mordaça nega aos cidadãos o direito informação.’ O ‘La Stampa’ deixou em branco a coluna de Massimo Gramellini, assim como o espaço humorístico na terceira página de Riccardo Barenghi, com a justificativa de que é preciso ‘acostumar-se às leis sobre as e s c u t a s ‘ . O ca n a l a c a b o SkyTg24 colocou em um dos ângulos da tela uma tarja preta em sinal de luto: ‘Contra a Lei Mordaça das interceptações.’ Segundo o projeto, apoiado pelo partido do premier Silvio Berlusconi e pela Liga do Norte, as escutas só poderão ser efetuadas caso sejam detectados ‘graves indícios de delito’ e durante um período máximo de 75 horas, prorrogáveis por três períodos.
Além disso, o uso de microfones ambientais, que não poderão ser instalados em lugares privados, ficará limitado a 72 horas. As transcrições das escutas não poderão ser publicadas na imprensa enquanto não estiver concluída a investigação preliminar.
Para que seja definitivamente aprovada, a lei terá que ser novamente discutida na Câmara e assinada pelo presidente da República. Em entrevista ao jornal ‘El País’, o deputado Antonio Di Pietro, do partido da oposição, afirmou que a nova lei significa ‘a morte da liberdade’.
— É algo que não poderia ter passado nem com Mussolini — afirmou o deputado, acrescentando que a nova lei vai ter efeitos profundos no sistema de Justiça, na luta antimáfia e na liberdade de imprensa’
PRIVACIDADE
‘Com o pretexto de modernização tecnológica das estruturas de segurança pública, o governo federal planeja criar 32 centrais com informações sobre pessoas com problemas com a polícia, a Justiça e com o trânsito, entre outras esferas da administração. As centrais, abrigadas na Rede Infoseg da Secretaria Nacional de Segurança Pública, receberão dados sobre passaportes, viagens de brasileiros ao exterior e desaparecidos.
Uma das centrais terá uma coleção de DNAs, digitais e fotos de criminosos.
O projeto de expansão da rede vinha sendo implementado gradativamente nos últimos anos, mas ganhou força depois que o Brasil conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Hoje, a Rede Infoseg já dispõe de nove centrais de informação.
As outras estão sendo montadas ao custo médio de R$ 13 milhões ao ano.
O governo evita publicidade porque o sistema é simples, mas de potencial explosivo. As centrais armazenam informações que, se tornadas públicas, poderiam deixar muita gente em situação constrangedora.
Um delas, batizada de Sistema Nacional de Integração de Informações de Inquérito, prevê o armazenamento dos dados mais importantes dos inquéritos abertos pela Polícia Federal e pelas polícias civis. Os donos das senhas terão condições de saber se determinada pessoa responde a inquérito, se foi indiciada ou mesmo se sofreu alguma condenação judicial. Outra central, chamada de Boletim de Ocorrência Inforrede, será ainda mais abrangente.
A rede centralizará informações de todos os boletins de ocorrência policiais do país. Poderão ser encontrados nomes de pessoas vinculadas a casos banais ou a situações mais complicadas, como roubo ou assassinato.
Uma das centrais em funcionamento, o Infopen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias), tem detalhes das fichas criminais de metade da população carcerária do país.
Rede vai registrar até cicatriz de Beira-Mar Um dos criminosos de ficha mais extensa é o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Com um toque na tecla de um computador, é possível ver desde o número de processos em que Beira-Mar foi condenado até a foto ampliada da cicatriz deixada por um tiro que ele levou no ombro direito.
Outra central deverá conter o registro de viagens de brasileiros ao exterior. A polícia poderá saber se alguém viaja com frequência a paraísos fiscais ou regiões de produção de drogas.
A rede amplia a visibilidade e a capacidade de controle do Estado sobre os indivíduos, sobretudo envolvidos em crimes.
Mas, segundo o coordenador do Infoseg, Reinaldo Las Casas, as centrais de informação não são um Big Brother, figura criada pelo inglês George Orwell no livro ‘1984’, que monitorava todos os cidadãos de um país.
— Só estamos sistematizando e tornando acessível informações sob controle de algum órgão público. Quem acessar o sistema com interesse pessoal pode ser identificado e responsabilizado criminalmente. É uma estratégia de Estado, e não de governo.
O Infoseg existe desde 1995 — afirma Las Casas.’
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