Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O muro caiu

Esquerda ou direita, socialismo ou neoliberalismo, democracia ou ditadura… Parecem antagonismos clássicos de um passado distante. Talvez esse seja o discurso daqueles que preferem monopolizar-se como únicos seres com capacidade de racionar sobre a vida política no mundo atual. Como disse um sábio dinossauro, a questão que é o cerne neste século para a humanidade é derrubar o muro entre os que têm mais e os que têm menos. Independente de qualquer tendência ou pragmatismo, você amando ou odiando pobres, a simples observação das últimas e cada vez menos agitações sociais convergem neste sentido.

Os estados de bem-estar construídos na Europa no período pós-guerra foram uma forma estratégica do velho continente arrasado de conter a demanda social criada pela destruição material de seu continente. Sendo cenário principal pela segunda vez de uma guerra mundial, os europeus tinham vários temores. Em uma mistura de medo de fantasmas do passado com inimigos do presente, e já pensando no inimigo do futuro, as potências do velho mundo se viam numa sinuca de bico terrível.

O mundo no momento estava polarizado. União Soviética ou Estados Unidos? Inimigos que destruíram indiretamente o seu inimigo maior, a Europa, mas que conseguiram habilmente posar de salvadores deste mesmo. Ambos tinham claro que com a destruição estrutural e generalizada do velho continente ele passaria a ser um mercado consumidor fértil. Após literalmente partirem o mundo em dois ideologicamente, com a divisão de zonas de influência, construíram um muro físico.

Divisão trouxe a união

A Europa temia o nazismo… Reformulando: Inglaterra e França não queriam uma Alemanha forte e firmaram aliança com o Império do Norte, com o discurso básico de que seria natural este apoio devido à aliança e apoio na guerra. Assim surge a argumentação para aceitarem os empréstimos do plano Marshall, visto como um dos primeiros elementos da integração europeia, já que anulou barreiras comerciais e criou instituições para coordenar a economia em nível continental. Uma consequência intencionada foi a adoção sistemática de técnicas administrativas norte-americanas.

Não só Estados Unidos buscaram beneficiar-se nos acordos pós-guerra. O Plano Monnet foi um plano de reconstrução da França proposto pelo funcionário público Jean Monnet após o final da Segunda Guerra Mundial. No plano, era proposto que a França obtivesse controle sobre o carvão e aço das zonas alemãs do Vale do Ruhr e Sarre para poder usar esses recursos e levar a França ao índice 150%, quando comparado com a produção industrial do pré-guerra. O plano foi adotado por Charles de Gaulle no início de 1946.

Este aprofundamento da doutrina Truman, conhecido oficialmente como Programa de Recuperação Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. Mas não haviam santos, tão pouco heróis. Os americanos tinham um objetivo claro, garantir espaço e consumidores para sua economia e indústrias em expansão.

O plano de reconstrução foi desenvolvido em um encontro dos Estados europeus participantes em julho de 1947. A União Soviética e os países da Europa Oriental foram convidados, mas Josef Stalin viu o plano como uma ameaça e não permitiu a participação de nenhum país sob o controle soviético. As divergências crescentes culminam com a divisão pela construção física do Muro de Berlim e a intensificação do controle da fronteira interna alemã que demarcava a fronteira entre a Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental. Ambas as fronteiras passaram a simbolizar a chamada ‘cortina de ferro’ entre a Europa Ocidental e o Bloco de Leste.

O feitiço virou contra o feiticeiro

O Plano Marshall, pode-se dizer, foi o pai acidental da União Europeia. Enquanto instituição, ela passou a dispor de personalidade jurídica após o início da vigência do Tratado de Lisboa. Possui competências próprias partilhadas com todos os Estados-membros. Trata-se de uma organização que combina o nível supranacional e o nível institucional num campo geográfico restrito com o papel político próprio sobre os seus Estados-membros.

Hoje, a União Europeia capitaliza-se, apesar da forte crise, devido às intrínsecas ligações históricas e econômicas com seu antigo e único aliado, os EUA. O euro se descolou do dólar a muito e hoje tem quase o dobro de seu valor. O seu fiel da balança é o poder avassalador de compra, com o peso em contra de tornar seus produtos caros para muitos mercados. Este fator, amenizado por suas reservas cambiais gigantescas.

Embora sustentem um sistema inchado devido às políticas históricas da sociedade de bem-estar, nem mesmos os protestos recentes em países como Grécia e França desestabilizam o bloco como um todo. Seus atuais líderes (França, Inglaterra e Alemanha) usam seu poder e beneficiam-se dos países do bloco, estes menos industrializados que as superpotências. Ainda se utilizam de uma política anexadora para os países que estão ainda à margem da zona do euro.

Oficialmente, segundo o seu portal oficial, ‘a União Europeia foi criada com o objetivo de por termo às frequentes guerras sangrentas entre países vizinhos, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1950, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço começa a unir econômica e politicamente os países europeus, tendo em vista assegurar uma paz duradoura. Os seis países fundadores são a Alemanha, a Bélgica, a França, a Itália, o Luxemburgo e os Países Baixos. Ainda em 1957, o Tratado de Roma institui a Comunidade Econômica Europeia (CEE) ou `Mercado Comum´’.

O próprio sítio da comunidade europeia é já claramente centralizador de poder. Apesar de contar com 23 idiomas, muitos artigos são disponíveis em inglês, francês e alemão apenas. Mas enquanto tentam alguns centralizar, necessitam pensar nos inimigos.

Se, de um lado, a China é voraz competidora por seus preços baixos e moeda de valor ridículo perante as moedas fortes do mundo, seu PIB já chega a assustadores níveis para um mundo em crise. De outro lado, o aliado americano tenta baixar sua moeda para gerar competitividade, principalmente em produtos industrializados de ponta, assim rivalizando com a União Europeia que baseia sua economia no mesmo nicho.

Dever cívico ou diversão?

Por algum motivo fiz uma co-relação com o debate presidencial que foi transmitido entre 21h17 e 23h11 de domingo (18/10) – a emissora marcou média de oito pontos de audiência na semana passada, o dobro. Com a queda no Ibope da emissora, que costuma disputar o terceiro lugar com o SBT quando transmite o Pânico na TV, as concorrentes cresceram em audiência.

Na liderança ficou a Rede Globo, com Fantástico, que marcou 24 pontos. O Domingo Espetacular, da Record, alcançou 14 pontos no Ibope, enquanto Sílvio Santos segurou com tranquilidade o terceiro posto para o SBT neste domingo com média de 11 pontos. Seis dias antes, a Bandeirantes realizou o primeiro debate do segundo turno e ficou com a mesma média de quatro pontos na segunda-feira (11/10).

Acho que em ambos casos a bipolaridade hoje não dá muitos frutos. O mundo não tem mais o muro físico. Devemos pulverizar nosso olhar multifocal, mas sem perder o foco, embora esteja de acordo que a disputa do primeiro turno estava mais animadinha. Vivemos uma grande inversão. No primeiro turno, parecia que tínhamos dois candidatos e agora, que temos dois de fato, parece que temos três. Como a União Europeia, Marina, de terceira via passou a fator factualmente ativo da disputa. E o muro? O muro caiu, virou vice da situação, assim ficando mais difícil ver quem é quem nesse mundo multifacetado.

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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC