Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Pelé da crônica esportiva

A última vez que nos vimos foi pouco antes de o traiçoeiro mal o atingir, num Bem, Amigos em que o convidado especial era Nílton Santos, o Espírito Santo no altar da Santíssima Trindade de seu coração apaixonadamente botafoguense – os outros dois, Heleno de Freitas e Garrincha, embora esticasse um olhar cúmplice para Didi, o Folha Seca.


Nessa noite, no restaurante do Lellis, entre tantas rememorações, cometi a indelicadeza involuntária de perguntar à Enciclopédia do Futebol sobre Stanley Matthews, aquele velhinho genial que lhe dera um baile memorável em pleno estádio de Wembley, numa excursão brasileira longínqua.


O mestre Armando Nogueira interveio, com a elegância de sempre:


– As amargas, não, Helena…


Alusão clara ao livro de memórias de Álvaro Moreyra, o Alvinho, pai do inesquecível cronista esportivo Sandro Moreyra, em que o autor, de cara, abriu mão dos episódios amargos por ele vividos ou testemunhados.


Assim era Armando, enfim, o homem, o cronista e o poeta que sempre preferiu explorar o lado lúdico da vida aos sombrios descaminhos da alma humana.


Nuvem branca


Mestre de todos nós – o Pelé dos cronistas esportivos brasileiros, já que em seus textos conjugava elegância ímpar, rigor extremo disfarçado de coloquial simplicidade, e uma cadência tisnada de discreta malícia que muitos interpretavam apenas como fina ironia.


Por isso, seus admiradores mais letrados o aproximavam de Machado de Assis, o que, cá entre nós, lhe causava certo incômodo. Não por desprezar o Bruxo, que muito o influenciou, claro, como a todos nós. Mas, porque outros autores lhe falaram ao coração, como Chesterton, por exemplo.


E, como um Saint Exupéry caboclo, deliciava-se em buscar nas nuvens, a bordo de seu ultraleve, inspiração para a sua poética, em prosa ou verso, pois o mestre batia nas duas com igual categoria.


Podia passar o dia aqui falando de suas proezas jornalísticas, como a de ter sido testemunha ocular do Crime da Rua Toneleros, estopim para o suicídio de Getúlio Vargas, ou a foto histórica que tirou por instinto ao flagrar o técnico Zezé Moreyra desferindo um golpe de chuteiras na cabeça do ministro dos Esportes e treinador da mágica Seleção Húngara de 1954, Gustav Sebes, ou mesmo de seu engenho em construir o jornalismo da Globo que revolucionou o telejornalismo brasileiro.


Assim como relatar nossos sempre amáveis encontros, embora tão esparsos ao longo dos últimos quarenta anos.


Mas, prefiro abreviar esse último aceno ao mestre, bem ao seu estilo, sem o mesmo talento. Pois, lá vai Armando, no seu aviãozinho invisível, garimpar uma nuvem branca, com listras pretas, sua morada eterna, de onde ficará nos espiando com aquele sorriso contido na alma e nos textos imortais.

******

Jornalista