Em 10 de setembro de 1808, o mar ameaçava derrubar o muro do amplo e elegante terraço do Passeio Público do Rio de Janeiro, de onde se desfrutava uma das mais belas vistas da Baía da Guanabara. Quem caminhasse pouco mais de cem metros pelas alamedas do jardim e cruzasse o portão do parque saía em frente ao número 44 da Rua do Passeio onde, sem alarde, ocorria um fato histórico. No pavimento térreo da então residência do Conde da Barca nascia a imprensa no Brasil. Dos prelos da recém-instalada Impressão Régia, saía um pequeno jornal de quatro páginas, que media apenas 24x18cm, a Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822).
Os moradores do Rio de Janeiro ainda sentiam o impacto do desembarque da família real portuguesa, ocorrido seis meses antes. De colônia, o Brasil passara a sede do novo reino e a Gazeta do Rio de Janeiro tinha uma função estratégica para a consolidação do projeto de poder ao fazer a ponte entre a Coroa e os súditos. Era um jornal antiquado e ligado à Coroa portuguesa, mas que representava um grande avanço. Um único funcionário era encarregado de selecionar o que seria publicado e imprimir as notícias com o tom que interessava à monarquia luso-brasileira. Nos quatro primeiros anos de circulação, um discreto frade português ocupou o importante cargo de redator da gazeta: Frei Tibúrcio José da Rocha.
Durante mais de 150 anos, por falta de fontes documentais, a trajetória do primeiro jornalista a exercer o ofício no Brasil permaneceu ignorada. Mesmo as mais conceituadas obras sobre a história da imprensa brasileira dedicam poucas linhas à biografia do frade. Documentos descobertos recentemente permitem traçar um esboço do perfil de Frei Tibúrcio. Um processo [arquivos nacionais da Torre do Tombo. Processo PT-TT-TSO/IL/28/16435] do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, de 1807, arquivado na Torre do Tombo, em Portugal, revela dados inéditos da vida do religioso.
Aulas na Universidade de Coimbra
No início do século 19, a Inquisição em Portugal já não atuava com tanta intensidade quanto nos séculos anteriores, quando exterminou e silenciou milhares de cidadãos. Seu fim seria decretado num prazo de 14 anos, mas ainda zelava pela hegemonia da visão de mundo católica. O processo mostra que Frei Tibúrcio nasceu no Porto, em 1778. A linhagem do frade era abastada e influente e seus antepassados ocuparam funções importantes na estrutura da Inquisição.
O religioso era filho do negociante André Xavier da Rocha, abade de São Pedro de Miragaya e comissário do Santo Ofício já falecido em 1807, e de Perpétua Rocha Margarida de Jesus. Bacharel formado em Cânones, o abade era descendente de um familiar do Santo Ofício. Para tornar-se familiar, uma espécie de representante civil da Inquisição que colaborava na vigilância e captura de hereges, era necessário pertencer aos altos segmentos da burguesia e da aristocracia portuguesa. Ao passar pelo severo processo de seleção, a família do frade tivera que comprovar que tinha o sangue limpo, sem laços com judeus, mouros, negros, mulatos ou índios.
Até a adolescência, Frei Tibúrcio foi educado na religião católica "pia e cuidadosamente" por seus pais. Aos 16 anos, ingressou na Terceira Ordem de São Francisco no Colégio do Espírito Santo, em Évora. Fez o noviciado e no ano seguinte estudou Grego e Geometria. Em seguida, entrou para o Colégio de São Pedro da Universidade de Coimbra para estudar três anos de Filosofia Racional e Moral, conforme o programa de estudos da Igreja.
Conforme o processo mostra, no primeiro ano o frade freqüentou as aulas dentro de seu colégio, sem contato externo, mantendo a "pureza da doutrina católica com que tinha sido educado". Mas Frei Tibúrcio quis aprofundar seus conhecimentos em Filosofia com o estudo da História Natural e pediu permissão para freqüentar aulas na Academia Pública da Universidade de Coimbra. A História Natural não constava no programa de estudos das escolas; era ministrada apenas na Universidade.
"Compreender o adultério"
Marquês de Pombal, o poderoso primeiro-ministro do reino, tentava modernizar Portugal. Algumas das medidas do "déspota esclarecido" conciliavam os princípios do Iluminismo com o poder do Absolutismo. Desde 1772, quando entraram em vigor os novos Estatutos da Universidade, elaborados dentro das perspectivas das reformas pombalinas, Coimbra começava a inspirar-se nas idéias da Ilustração. As reformas criaram o curso de Filosofia, especialmente dedicado ao ensino das Ciências Naturais e Físico-Químicas, incluindo a História Natural. Os estudantes que desejavam cursar a Faculdade de Teologia deveriam antes completar o curso de Filosofia.
Frei Tibúrcio não estava sozinho na aventura. Dois outros frades da mesma Ordem também solicitaram permissão para estudar em Coimbra: Eleutério José da Rocha [arquivos nacionais da Torre do Tombo. Processo PT-TT-TSO/IL/28/13634], irmão do futuro gazeteiro, e João Constantino Matos [arquivos nacionais da Torre do Tombo. Processo PT-TT-TSO/IL/28/7120]. O grupo foi autorizado a deixar o Convento de Jesus diariamente para ir à Universidade, mas deveria manter rigorosa disciplina. Teria que respeitar o horário de "sair e se recolher ao colégio" e não poderia transitar pelas ruas desnecessariamente.
Mas as orientações da Igreja não evitaram que o grupo fosse contaminado com idéias heréticas. O convívio com colegas de classe seculares abalou as convicções dos jovens frades. Antes e depois das aulas, os religiosos escutavam "diversas conversações, as quais, por desgraça da parte dos seculares, versavam quase sempre sobre libertinagem dos costumes e censura acre dos preceitos da religião e da Igreja". Atacavam a autoridade da Igreja sobre os mandamentos de não consumir carne em determinados dias e confessar-se anualmente. O frade alegou que o grupo de religiosos desejava apenas "compreender o adultério, e não a fornicação simples e todo o mais exercício de prazeres libidinosos".
Braço direito do príncipe regente
Frei Tibúrcio disse ao inquisidor que no início ouvia as conversas com "horror e paixão", mas depois, "desgraçadamente, se foi familiarizando com a mesma impiedade". Os frades passaram a questionar os mistérios da fé. Frei Tibúrcio confessou que chegou a utilizar "as razões e fundamentos" com que os hereges atacavam os dogmas da religião. A razão natural tornava incompreensível a existência de um Deus em três pessoas distintas e a encarnação de Jesus Cristo. O celibato, observado à luz da ciência, opunha-se ao direito natural e à constituição física dos homens, "só observável por doentes ou velhos".
O frade procurou voluntariamente o tribunal para confessar suas culpas. Declarava estar "humildemente arrependido" de seus pecados. Queria aliviar sua consciência e pedir misericórdia por suas "proposições heréticas". O réu que se apresentava ao tribunal espontaneamente recebia penas mais brandas. Após a confissão, os dois irmãos foram absolvidos pela Santa Inquisição. A pena aplicada contra o "ateísmo" de João Constantino, crime mais grave que dos colegas, foi um auto-de-fé privado. Foi sentenciado a cumprir penas espirituais e o pagar as custas do processo. Escapou da excomunhão e foi poupado das humilhações e castigos de um auto da fé público.
No ano seguinte, em 1808, Frei Tibúrcio chegou ao Brasil. Pela proximidade das datas, supõe-se que o frade tenha deixado Portugal junto com a família real. Em um documento conservado pela Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, datado de 1829 [arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Arquivos de Patrimônio], o frade informa que viera ao Brasil "mandado pelos seus superiores na qualidade de capelão da Artilharia". Ainda não se sabe por que caminhos o frade passou a integrar a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, mas este documento mostra que o ingresso ocorreu ainda em Portugal. Aos trinta anos, assumiu a função de redator do primeiro jornal impresso no Brasil.
A Gazeta do Rio de Janeiro seguia os moldes da Gazeta de Lisboa. Era propriedade dos oficiais da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, um privilégio concedido por D. João VI a um grupo de funcionários da pasta. Não era assumidamente oficial, mas publicava todos os decretos, avisos, alvarás e outros atos da administração. O governo somente responderia pelos papéis que mandasse imprimir em seu nome. Era uma mostra da ambigüidade entre o público e o privado recorrente no regime absolutista. Dom Rodrigo de Souza Coutinho, futuro conde de Linhares, era o ministro responsável pela secretaria. Conselheiro real e braço-direito do príncipe regente D. João VI, supervisionava o jornal.
O desentendimento do ministro
É difícil detectar traços de Frei Tibúrcio nas páginas da Gazeta do Rio de Janeiro. A principal função do gazeteiro era coletar em periódicos internacionais, sobretudo europeus, artigos e informações que a Coroa tinha interesse em divulgar. O redator traduzia e resumia os textos. Nos primeiros anos, noticiava as invasões napoleônicas com grande destaque. Também descrevia festas e cerimônias reais e publicava documentos ligados à administração do reino. Na Gazeta do Rio de Janeiro havia pouco espaço para comentários. Estritamente noticiosa, não tinha o caráter literário e opinativo de jornais publicados na Europa na primeira metade do século 19.
Voltamos a encontrar pistas de Frei Tibúrcio no livro A corte de D. João VI no Rio de Janeiro [EDMUNDO, Luiz. A Corte de D. João no Rio de Janeiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: ed. Conquista, 1957], do jornalista e cronista Luís Edmundo. O escritor afirma que o gazeteiro acompanhou a morte do conde de Linhares, em janeiro de 1812. Luís Edmundo narra uma discussão entre o ministro e o príncipe regente quatro dias antes do falecimento de D. Rodrigo. O motivo do desentendimento foi o rumo da Companhia do Alto D´Ouro, um assunto polêmico naquele período. Ao final do encontro, D. João VI, exaltado, teria desferido algumas bengaladas contra o rosto do ministro.
Logo após o episódio, D. Rodrigo foi acometido por uma violenta febre tropical e faleceu três dias depois. Luís Edmundo afirma que, no leito de morte, D. Rodrigo relatara a discussão a Frei Tibúrcio. Após narrar o episódio com um diálogo fantasioso, o cronista revela sua fonte: "Mello Moraes, pai, é, de todos os historiadores, o que dele [o desentendimento] cuidou melhor e mais detalhadamente no-lo relata. Mello Moraes conheceu pessoalmente Frei Tibúrcio, que, à hora da morte, ouviu D. Rodrigo de Souza Coutinho (…)."
"Era para dar a absolvição"
O atestado de óbito de D. Rodrigo [FUNCHAL, Marquês do. O Conde de Linhares. 2ª edição, fac-símile. Brasília: Ed. Thesaurus, 2008] informa que o ministro não recebeu os sacramentos "por a moléstia não dar lugar". Mas uma carta particular [SILVA, Andrée Mansuy Diniz. Portrait d´un homme d´état, D. Rodrigo de Souza Coutinho, comte de Linhares, 1755-1812, II : L´homme d´État, 1796-1812. Paris: Ed. Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2006] escrita pela mulher do conde, dona Gabriela, dias após a morte, confirma a presença do frade na casa do ministro nos momentos que antecederam o falecimento. "Se ele recebeu a absolvição em sua última hora, eu lhe devo às instâncias e mesmo às ordens que eu dava a F. Tibúrcio (oficial da Secretaria), que viera se informar da saúde de meu marido", diz um trecho da carta.
Morador da mesma Rua do Sabão onde residia D. Rodrigo, Frei Tibúrcio foi impedido pela esposa do ministro de deixar a casa de D. Rodrigo após a visita. Na carta, dona Gabriela conta que se sentia abandonada pelos médicos que atendiam o conde e que esperava o marido recobrar os sentidos para receber os sacramentos: "Eu me virei então para F. Tibúrcio: `Você não me deixará, eu não aceito que você parta sem que a cura chegue, já que eu não posso reter o médico, que eu tenha um médico de alma´."
Mas o frade esquivava-se e alegava que "seria muito penoso de cumprir tal ministério". Pela carta de dona Gabriela, percebe-se que a relação entre o ministro e o gazeteiro não era meramente profissional. Em um trecho, a condessa conta que "tomou um tom fechado" e ordenou: "Você o deve de qualquer maneira, teu estado, essa mesma amizade e eu não consentirei que você parta daqui antes de a cura chegar." Dona Gabriela lamenta que logo depois, "a gente veio chamá-lo [Frei Tibúrcio]: infelizmente! Era para dar a ele a absolvição; ele faleceu…"
"Febricitante e em uso de remédios"
Com a morte de D. Rodrigo, a estrutura de trabalho na Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra sofreu profundas mudanças. O novo ministro da Secretaria, o conde das Galveias, passou a fiscalizar atentamente o que seria publicado no jornal da Coroa. Em uma troca de cartas entre o frade, o conde e outros oficiais da secretaria nos primeiros meses de 1812 fica claro o descontentamento de Frei Tibúrcio com a nova burocracia do órgão. A correspondência foi publicada na Chorographia historica, chronographica, genealogica, nobiliaria e política do Império do Brasil [MORAES, Alexandre José Mello. Corographia historica, chronographica, genealogica, nobiliaria, e política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Typographia Americana de José Soares de Pinho, 1859], de Alexandre Mello Moraes.
As cartas revelam falta de acordo entre o frade e o ministro sobre a revisão da Gazeta. Frei Tibúrcio afirma que enquanto D. Rodrigo supervisionava o jornal, tinha acesso direto ao príncipe regente D. João VI. "O costume que está S.A. Real é de receber da minha mão estes papéis, e sempre lhes tenho levado, há três anos", disse Frei Tibúrcio a respeito das traduções. O frade pediu ao ministro para não o privar "desta graça". Explicou que fora orientado a fazer as traduções extensas e que não ocultasse ao soberano "cousa alguma de bom ou de mau". O conde estava decidido a intermediar o processo, mas Frei Tibúrcio deixou de apresentar a gazeta ao superior. Alegava que algumas edições eram constituídas de traduções do inglês aprovadas pelo próprio conde e de matérias extraídas de gazetas portuguesas, já provadas pela Regência de Portugal.
Dias após o início da divergência, Frei Tibúrcio adoeceu. "Não posso fazer a gazeta de modo algum (por ora) atendendo a que me acho gravemente doente e do que apresentarei mil certidões se as exigirem e não acreditarem em minha palavra de honra", explicou o frade a um oficial da Secretaria. O conde das Galveias ordenou que o gazeteiro procurasse um substituto, mas o frade negou-se a cumprir a ordem: "Declaro por tudo quanto há de mais sagrado que não posso, que estou febricitante e em uso de remédios." O frade alegou também que não conhecia "pessoa alguma hábil para esse fim".
"Motivos de consciência"
Em outro ponto, ressaltou que a Gazeta pertencia a todos os oficiais da Secretaria: "Não sei também o motivo por que me toque o procurar este homem: a Gazeta é de todos os oficiais, eu recebo tanto dela como qualquer outro, e fazia porque mandava o sr. conde de Linhares." O redator reclamava também de não ter sido nomeado para a Secretaria como gazeteiro. "Eu fui feito oficial pelo bom prazer do príncipe regente nosso senhor e porque mais de dois anos lhe fiz as traduções, sem o mais leve interesse", disse.
Diante do impasse, o frade deixou a redação da Gazeta. Frei Tibúrcio permaneceu na mesma Secretaria por pelo menos mais 18 anos, mas não se sabe exatamente que cargos ocupou neste período. Continuou discretamente, à sombra do poder, exercendo funções burocráticas. Após desligar-se da redação do periódico, não deixou nenhuma marca expressiva no mundo das letras.
Em 1830, o frade que ainda jovem questionou os mistérios da fé se desligou formalmente do serviço religioso após um longo processo [arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Arquivos de Patrimônio]. Três anos após assumir a redação da Gazeta, já havia tentado a secularização [arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Arquivos de Patrimônio] "por motivos sólidos de consciência", segundo um documento arquivado na Cúria Metropolitana. Nesta época, o príncipe regente D. João VI concedeu ao gazeteiro uma mercê para que constituísse patrimônio e pudesse deixar o ofício religioso, mas, segundo o frade, o processo não foi bem sucedido por "inconvenientes que lhe impediram ultimar este negócio".
Em 1829, voltou a solicitar o desligamento e explicou à Sé Apostólica as razões, como mostra o documento [arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Arquivos de Patrimônio. Caixa NNNN] arquivado na Cúria Metropolitana. Desta vez, além dos "motivos de consciência", que agora se mostravam "mais fortes", o frade franciscano preocupava-se com o futuro. Alegava que desde a sua chegada ao Rio de Janeiro, mais de vinte anos antes, morava em casas particulares porque não havia conventos de sua ordem no Brasil.
Cavaleiro da Ordem de Cristo
Com mais de 50 anos, uma idade avançada, para o século 19, e já acostumado ao clima brasileiro, não queria ser obrigado a voltar a Portugal para viver em conventos da sua ordem. Temia arriscar sua saúde com a travessia. Terminou a carta com uma crítica à Ordem dos Franciscanos. Dizia que a ordem "não dá o necessário nem na saúde nem na moléstia" e por isto temia "abandonar o produto dos lugares que ocupa o qual lhe precisa para sua subsistência".
Ao obter a secularização, Frei Tibúrcio pôde, em 1830, solicitar [Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. C-0834,013] ao imperador Pedro I o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo. Reconstituição da antiga Ordem do Templo, era destinada a recompensar serviços relevantes prestados à pátria. Seus cavaleiros tiveram papel destacado nos descobrimentos portugueses e na colonização dos novos territórios. Por isso, era cercada por uma aura de poder e misticismo. Para tornar-se integrante desta Ordem honorífica, era preciso ser aprovado em um rigoroso processo seletivo. Além de desfrutar do prestígio que o título conferia, os agraciados recebiam uma soma de dinheiro que representava um futuro estável.
Com a transferência da Corte para o Brasil, o título virou moeda de troca, foi concedido em larga escala e seu prestígio caiu em declínio. Na carta dirigida ao imperador, Frei Tibúrcio afirma que os todos os demais oficiais da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra eram Cavaleiros da Ordem. Assim como no momento em que deixou a redação da Gazeta do Rio de Janeiro, percebe-se que ao comparar sua situação com a dos outros integrantes da Secretaria sente-se preterido.
Na fase pós-independência, sobretudo depois de 1824, o número concessões de Ordens honoríficas diminuiu sensivelmente. No período em que Frei Tibúrcio conseguiu a secularização e solicitou a Ordem de Cristo, o império vivia um conturbado momento político. Após a abdicação de Pedro I, em abril de 1831, a distribuição de condecorações ficou praticamente paralisada. Somente 16 títulos foram concedidos naquele ano. Até o momento não foi possível comprovar se Frei Tibúrcio teve a sorte de figurar entre os novos cavaleiros.
Um ilustre desconhecido
Frei Tibúrcio foi produto de um tempo em que religião e política se confundiam. O retrato de um período ambigüidades e contradições. Um filho de comissário do Santo Ofício que duvidou dos mistérios da fé ao conhecer a vida fora dos portões do convento; um padre remunerado pela Coroa; um capelão da Armada que atravessou o Atlântico e foi convertido em redator de jornal; um gazeteiro de um jornal privado, mas que representa os interesses da Coroa; um frade que ao longo da vida lutou para deixar o serviço religioso; um funcionário público que conviveu com a alta nobreza mas não conseguiu assegurar uma velhice tranqüila.
Ainda restam muitas interrogações sobre a trajetória do primeiro jornalista a atuar no Brasil. Sem o brilho intelectual de Hipólito da Costa – o patrono dos jornalistas brasileiros, que publicou o Correio Braziliense em Londres no mesmo período em que a Gazeta do Rio de Janeiro circulou –, Frei Tibúrcio é uma figura que começa a ser revelada. O gazeteiro foi homenageado em duas localidades no Brasil: em São Paulo batiza uma Rua do Jardim Santa Genebra, em Campinas; em 1962, deu nome a uma estrada em Vargem Pequena, Zona Oeste do Rio de Janeiro, através de um decreto municipal. Nos arquivos da Prefeitura da cidade onde morou grande parte de sua vida, consta apenas que "foi o primeiro redator de jornais do Brasil". Um ilustre desconhecido.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ