Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo



GUERRA DAS CHARGES
Martin Burcharth

Crise revela a Dinamarca xenófoba

‘THE NEW YORK TIMES – Parece haver alguma surpresa no fato de o povo dinamarquês e seu governo estarem apoiando o jornal Jyllands-Posten e sua decisão de publicar as charges sobre o profeta Maomé em setembro. Afinal, os dinamarqueses não costumam ser particularmente tolerantes e respeitosos com os outros?

Não totalmente. A reputação da Dinamarca como nação com uma longa tradição de tolerância – solidificada pelo resgate de judeus dinamarqueses que iam ser deportados para campos de concentração nazistas em 1943 e pela grande quantidade de ajuda humanitária que o país hoje proporciona ao exterior – é uma espécie de mito.

O que muitos estrangeiros não conseguiram perceber é que nós dinamarqueses fomos ficando cada vez mais xenófobos ao longo dos anos. A meu ver, a publicação das charges teve pouco a ver com um debate sobre autocensura e liberdade de expressão. Ela deve ser vista antes no contexto de um clima de hostilidade generalizada para com tudo que seja muçulmano na Dinamarca.

Há mais de 200 mil muçulmanos na Dinamarca, um país com uma população de 5,4 milhões de habitantes. Algumas décadas atrás, a Dinamarca não abrigava nenhum muçulmano. Não surpreende, pois, que o Islã passasse a ser visto por muitos como uma ameaça à cultura dinamarquesa.

Durante 20 anos, os muçulmanos não tiveram permissão de erguer mesquitas em Copenhague. E mais, não havia também cemitérios muçulmanos na Dinamarca, fazendo com que os corpos de muçulmanos aqui falecidos tivessem de ser levados de avião para seus países de origem para um sepultamento apropriado.

Recentemente, o ministro de Assuntos Culturais, Brian Mikkelsen, do Partido Popular Conservador, pediu a acadêmicos, artistas e escritores para criarem um cânone dinamarquês de arte, música, literatura e cinema. O propósito ostensivo era preservar nossos clássicos domésticos. Mas antes da divulgação do cânone, no mês passado, Mikkelsen revelou qual teria sido o real objetivo do exercício: criar uma última linha de defesa contra a influência do Islã na Dinamarca.

‘Na Dinamarca, temos assistido ao surgimento de uma sociedade paralela em que minorias praticam os próprios valores medievais e suas opiniões antidemocráticas’, disse ele a colegas conservadores numa conferência no último verão. ‘Esta é a nova frente em nossa guerra cultural.’

Se uma maioria de dinamarqueses realmente não acreditasse nessa ameaça islâmica, isso pareceria um pretexto bizarro. Mas ela acredita. Quando a bandeira dinamarquesa foi queimada nas ruas de países árabes, a reação por aqui foi de ultraje e apelos para um apoio mais firme ao Jyllands-Posten. O governo de centro-direita melhorou sua posição nas sondagens, assim como o Partido Popular Dinamarquês, contrário aos imigrantes, sem o qual o governo não teria maioria no Parlamento.

Agora, a opinião geral, expressa na imprensa e entre a maioria dos dinamarqueses, é que os líderes muçulmanos que lideraram os protestos na Dinamarca deveriam ter sua condição de cidadãos reavaliada porque traíram os dinamarqueses ao não manter a controvérsia dentro do país.

Mas a história real é que eles e seus seguidores ficaram sem opções. Eles tentaram fazer o Jyllans-Posten admitir sua ofensa. Tentaram angariar apoio do governo e da oposição. Pediram a um promotor local que movesse uma ação judicial nos termos da lei de blasfêmia do país. E pediram a embaixadores de países muçulmanos na Dinamarca para se reunirem com o primeiro-ministro Anders Fogh Rasmussen.

Foram rejeitados em todas as iniciativas, embora um promotor público esteja revendo atualmente o caso. Mas, na verdade, que opção lhes restava?

Este não é o único exemplo do novo pensamento mágico da Dinamarca. Depois das queimas de bandeiras, a mídia dinamarquesa começou a se referir à cruz branca contra um fundo vermelho da bandeira como um símbolo cristão. Isso é um contra-senso pois viemos a desassociar cada vez mais a bandeira da religião. A Dinamarca é um dos países mais seculares da Europa. Só 3% dos dinamarqueses freqüentam a igreja uma vez por semana.

Ainda assim, a mídia estava certa. Até certo ponto. Reza a lenda que a bandeira caiu do céu durante uma batalha entre os dinamarqueses e os estonianos há quase 800 anos. Foi um sinal de Deus, e conduziu os dinamarqueses à vitória. Agora, essa bandeira se tornou em todo mundo um símbolo do desprezo da Dinamarca por outra religião mundial.

*Martin Burcharth é correspondente americano do jornal dinamarquês ‘Information ‘’

Gerald Traufetter

Ayaan Hirsi Ali: ‘Todos têm medo de criticar o Islã’

‘DER SPIEGEL – Ayaan Hirsi Ali, a política holandesa obrigada a se esconder depois do assassinato do cineasta Theo van Gogh, reage ao escândalo dinamarquês das charges argumentando que, se a Europa não enfrentar os extremistas, a cultura da autocensura na crítica ao Islã que se espalhou pela Holanda se alastrará pela Europa. Ayaan é uma das mais ácidas combatentes do uso político do islamismo. Ela nasceu na Somália, onde experimentou a opressão à qual as mulheres muçulmanas são submetidas desde a infância. Quando seu pai tentou forçá-la a aceitar um casamento arranjado, Ayaan fugiu para a Holanda, onde chegou em 1992. Na Europa, renunciou ao Islã. Hoje, aos 36 anos, é membro do Parlamento holandês, para o qual foi eleita pelo partido neoliberal VVD e de onde faz discursos inflamados contra o islamismo. Recentemente, lançou o livro I Accuse (Eu Acuso) e está trabalhando na seqüencia de Submisssion, o filme dirigido por Theo van Gogh que causou a revolta dos muçulmanos e o subseqüente assassinato do cineasta.

A senhora chamou o profeta Maomé de tirano e pervertido. Theo van Gogh, o diretor de seu filme ‘Submission’, que critica o islamismo, foi assassinado por islâmicos radicais. A senhora está sob proteção policial. Consegue entender como se sentem os cartunistas dinamarqueses neste momento?

As charges devem ser mostrados em toda parte. Eles provavelmente estão atônitos. De um lado, uma voz em suas cabeças os encoraja a não vender sua liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, devem estar experimentando a sensação chocante de como é perder a liberdade pessoal. Não se deve esquecer que eles pertencem à geração do pós-guerra e tudo que vivenciaram foi paz e prosperidade. E, agora, de repente, eles precisam novamente lutar pelos próprios direitos humanos.

Por que os protestos ganharam tamanha proporção?

Não existe liberdade de expressão nos países árabes onde acontecem as manifestações e a indignação pública. O motivo para tantas pessoas terem fugido desses locais para a Europa foi precisamente o de elas terem criticado a religião, o establishment político e a sociedade. Os regimes islâmicos totalitários vivem uma crise profunda. A globalização os expôs a mudanças consideráveis, e eles também temem as forças reformistas que estão se desenvolvendo entre os que emigraram para o Ocidente. Eles usam gestos ameaçadores contra o Ocidente, e o sucesso que obtêm com suas ameaças, como forma de intimidar essas pessoas.

Foi errado se desculpar pelas charges?

Mais uma vez, o Ocidente usou o princípio de oferecer primeiro uma face, depois a outra. Aliás, isso já virou uma tradição. Em 1980, a rede de televisão britânica privada ITV exibiu um documentário sobre o apedrejamento de uma princesa saudita que alegadamente havia cometido adultério. O governo de Riad interveio e o governo britânico se desculpou. Vimos a mesma resposta servil em 1987, quando o comediante holandês Rudi Carrell ridicularizou o líder revolucionário iraniano aiatolá (Ruhollah) Khomeini numa peça cômica (apresentada na televisão alemã). Em 2000, uma peça sobre a mulher mais jovem do profeta Maomé, chamada Aisha, foi cancelada antes de estrear em Roterdã. Depois, houve o assassinato de Van Gogh e agora as charges. Estamos constantemente nos desculpando, e nem percebemos quantas ofensas estamos aceitando. Enquanto isso, o outro lado não cede uma polegada.

Qual seria uma resposta apropriada da Europa?

Deve haver solidariedade. As charges devem ser mostradas em toda parte. Afinal, os árabes não podem boicotar os produtos de todos os países. Eles dependem demais das importações. E as companhias escandinavas deviam ser compensadas por seus prejuízos. A liberdade de expressão deve valer ao menos isso para nós.

Mas os muçulmanos, como qualquer comunidade religiosa, não deveriam poder se proteger também contra calúnias e insultos?

É precisamente este o reflexo do que eu estava falando: oferecer a outra face. Não passa um dia, na Europa e em outros lugares, sem que imãs radicais preguem o ódio em suas mesquitas. Eles chamam judeus e cristãos de inferiores e nós dizemos que eles estão apenas exercendo sua liberdade de expressão. Quando os europeus perceberão que os muçulmanos não concedem o mesmo direito a seus críticos? Depois que o Ocidente se prostrar, eles ficarão mais do que contentes de dizer que Alá dobrou os infiéis.

O que acha que resultará da tempestade de protestos contra as charges?

Poderemos ver o mesmo que aconteceu na Holanda, onde escritores, jornalistas e artistas se sentem intimidados desde o assassinato de Van Gogh. Todos têm medo de criticar o Islã. Um fato significativo é que Submission ainda não foi exibido nos cinemas.

Muitos criticaram o filme por ser demasiado radical e demasiado ofensivo.

A crítica de Van Gogh era legítima. Mas quando alguém é morto por sua visão do mundo, o que ele fez de errado já não é a questão. É aí que temos de defender nossos direitos fundamentais. Senão estaremos apenas reforçando o matador e admitindo que ele tinha uma boa razão para matar essa pessoa.

A senhora também tem sido criticada por suas críticas vigorosas ao Islã.

Por estranho que pareça, meus críticos nunca especificam até onde eu posso ir. Como se pode enfrentar problemas quando não se tem nem a permissão de defini-los claramente? Como o fato de que mulheres muçulmanas são mantidas trancadas dentro de casa, são violentadas e casadas contra sua vontade – e isso num país em que nossos intelectuais mais do que passivos estão tão orgulhosos de sua liberdade!

O debate sobre falar holandês nas ruas e os programas de integração para jovens marroquinos potencialmente violentos, essas coisas também são frutos de suas provocações?

As críticas ácidas finalmente provocaram um debate aberto de nosso relacionamento com imigrantes muçulmanos. Ficamos mais conscientes de certas coisas. Por exemplo, agora estamos classificando os assassinatos por honra segundo os países de origem das vítimas. E, finalmente, estamos voltando nossa atenção para as moças que são enviadas contra a sua vontade do Marrocos para a Holanda como noivas, e adotando uma legislação que dificulta esta prática.

A senhora está trabalhando numa seqüência de ‘Submission’. Continuará amarrada à sua abordagem inflexível?

Sim, claro. Queremos continuar o debate sobre a pretensão de incondicionalidade do Alcorão, sobre a infalibilidade do profeta e moralidade sexual. Na primeira parte, retratamos uma mulher que fala com seu Deus, queixando-se de que, mesmo tendo cumprido as regras e se submetido, ela continuou sendo abusada por seu tio. A segunda parte trata do dilema em que a fé muçulmana envolve quatro homens diferentes. Um odeia judeus, o segundo é gay, o terceiro é um bon vivant que quer ser um bom muçulmano, mas desesperadamente sucumbe às tentações da vida, e o quarto é um mártir. Todos se sentem abandonados pelo seu Deus e decidem parar de adorá-lo.

Os acontecimentos recentes dificultarão a produção do filme?

As condições não poderiam ser mais duras. Somos obrigados a produzir o filme em completo anonimato. Todos os envolvidos no filme, de atores a técnicos, serão irreconhecíveis. Mas estamos determinados a completar o projeto. O diretor não gostava realmente de Van Gogh, mas acredita que, pelo bem da liberdade de expressão, filmar a seqüência é fundamental. Estou otimista de que poderemos lançar o filme este ano.

A alegação de incondicionalidade do Alcorão, que a senhora critica em ‘Submission’, é o obstáculo principal para reformar o Islã?

A doutrina que afirma que a fé é inalterável porque o Alcorão foi ditado por Deus precisa ser substituída. Os muçulmanos devem perceber que foram seres humanos que escreveram as escrituras sagradas. Afinal, a maioria dos cristãos não acredita no inferno, nos anjos ou na terra ter sido criada em seis dias. Eles agora vêem essas coisas como histórias simbólicas, mas continuam fiéis a sua crença. TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK’



INCLUSÃO DIGITAL
Renato Cruz

Inclusão digital se transforma em renda na periferia

‘‘Até os 15 anos, tinha certeza de que ia fazer Medicina’, afirmou Daiane Santos Nascimento, de 19 anos, gerente de Produtos da Web Social. ‘Era um sonho de menina.’ Hoje, ela cursa o primeiro ano de Administração, com habilitação em Gestão de Negócios. O contato com a informática, por meio de um programa de inclusão digital, a fez rever seus planos. Ela tem computador em casa, reciclado, que comprou em dez prestações, e montou um blog. A Web Social, cooperativa de desenvolvimento de sites, foi uma forma de transformar o conhecimento adquirido no projeto social em renda.

Além dela, outros quatro jovens participam da cooperativa. Todos participaram do programa Garagem Digital, parceria da Fundação Abrinq e da HP Brasil, no Centro de Profissionalização de Adolescentes Padre José Bello dos Santos (CPA), em São Mateus, Zona Leste de São Paulo. Os cursos oferecidos pelo CPA têm mais candidatos que vagas. ‘Um fator determinante de seleção é a análise socioeconômica’, explicou Maria Ester Duarte, coordenadora da Central da Juventude do CPA. ‘A renda familiar per capita máxima é de R$ 120. São jovens no risco social. O distrito de São Mateus é o terceiro mais violento da cidade.’

Desde que foi criada, em 2004, a Web Social já desenvolveu seis projetos, como o da organização não-governamental Amigos da Raquete. Atualmente, trabalha em dois. Num deles, para a Fundação Telefônica, o grupo desenvolve um site e ainda capacita outros 20 jovens, com idade entre 15 e 18 anos, para produzir conteúdo para a internet.

Os integrantes da Web Social ainda não conseguem se sustentar do trabalho da cooperativa. ‘Não é todo mês que a gente tem um site para fazer’, afirmou Leandro da Silva Melo, de 20 anos, que participa da cooperativa e, em casa, usa o micro da irmã. Ele quer fazer faculdade de Web Design. ‘Um dos nossos objetivos, neste ano, é fazer a Web Social crescer, ganhar sustentabilidade’, disse William Evangelista da Silva, de 19 anos, web master da cooperativa. Ele não tem computador em casa. Quando precisa fazer o trabalho, usa os computadores do CPA ou de um dos colegas. Para completar a renda, William trabalha esporadicamente como garçom.

O computador de Daiane foi comprado da Cooperjovem, outra cooperativa de informática surgida no CPA. Ela tem 20 integrantes. Alguns deles passaram pelo Garagem Digital ou por outros cursos de informática oferecidos pelo centro. ‘Começamos no ano passado, com uma doação muito grande de máquinas da Reuters’, afirmou Admilson Souza Cotrim, de 19 anos, presidente da Cooperjovem.

A agência de notícias doou 250 computadores usados para o CPA, além de outros equipamentos, como antenas. Eles foram reciclados – ou seja, as peças ruins foram descartadas e as boas integradas em novas máquinas. Oitenta foram vendidas para a comunidade, a preços a partir de R$ 300 e em até 10 vezes, e 52 foram doadas para entidades sociais. ‘As pessoas assinavam promissória’, afirmou Rodolfo Avelino, professor no CPA e coordenador do projeto. ‘Não tivemos nenhum problema de inadimplência.’

Dos 20 cooperados, 13 dedicam tempo integral à Cooperjovem. Em média, conseguem tirar um salário mínimo por mês. ‘Houve mês em que a retirada chegou a R$ 600’, disse Avelino. Apesar de ter começado com reciclagem de computadores, a principal atividade hoje é a prestação de serviços, como suporte, treinamento e instalação de redes de computadores.

‘Não vamos ter postos de trabalho para todo mundo’, afirmou Flariston Francisco, coordenador geral do CPA. ‘Incentivar o empreendedorismo é uma necessidade. Nossa expectativa é influenciar políticas públicas.’’



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No Morro do Macaco, computador é alternativa

‘Mesmo que esteja bem preparado, o jovem enfrenta um preconceito forte ao entregar, numa entrevista de emprego, um currículo com o endereço Rua Armando de Albuquerque, Morro do Macaco, Vila Isabel, Rio de Janeiro. ‘Têm saído muitas notícias sobre a Rocinha’, afirmou Leandro Farias, de 26 anos, diretor-presidente da Dinamicoop, cooperativa de prestação de serviços em informática, artes gráficas e consultoria. ‘A gente vive a mesma coisa que essa comunidade vive. A tecnologia é fundamental para modificar essa realidade.’

A Dinamicoop, que começou com 26 associados, conta hoje com 53. Eles foram alunos das escolas da ONG Comitê para a Democratização da Informática (CDI). ‘A cooperativa foi uma forma de combater o preconceito e de realizar o sonho de se tornar dono da própria força de trabalho’, disse Leandro. Cerca de 30 mil pessoas vivem no Morro do Macaco. Segundo uma pesquisa de 2001, financiada pela Comunidade Européia, 59,1% da população economicamente ativa não tem nenhuma renda.

‘Eu era um garotão muito quieto, que não abria a boca’, afirmou Leandro. Muitos acreditam que o computador incentiva a introversão, mas no caso dele foi diferente. Foi o caminho para se tornar um líder comunitário. ‘Também foi de onde consegui minha primeira renda.’ Na seleção para um estágio, quando tinha 16 anos, Leandro era o único dos cinco candidatos com treinamento em informática. Ficou com a vaga.

Em São Paulo, o Projeto Clicar, que funciona na Estação Ciência da Universidade de São Paulo (USP), no bairro da Lapa, também incentiva a formação de uma cooperativa para a criação de sites. ‘Planejo me profissionalizar’, afirmou Antônio Edson de Souza Jr., de 17 anos, que recebeu treinamento em informática no Clicar. ‘Já ganhei uma ‘merrequinha’, quando fiz a manutenção de um micro da minha prima.’ O Projeto Clicar tem patrocínio da Petrobrás. Em 10 anos, atendeu a mais de 3 mil jovens com idades de 6 a 17 anos.’



TV DIGITAL
Ethevaldo Siqueira

Televisão no celular é a próxima revolução

‘A tecnologia está mudando radicalmente nosso jeito de ver TV. E vai continuar mudando. Mobilidade e interatividade são as maiores alavancas desse processo. Essa é a visão de Mark Selby, vice-presidente de Mídia, Música e Multimídia da Nokia, um especialista em TV móvel, em entrevista ao Estado, durante o 3GSM 2006, o megaevento internacional de telefonia celular, realizado na semana passada aqui em Barcelona.

Para Selby, o celular e a internet estão moldando um novo mundo de multimídia móvel. Isso não significa que as formas tradicionais de ver TV – com as pessoas sentadas em suas poltronas no conforto de sua casa – vão desaparecer. Mas, por que apenas ver TV em casa?

O diretor da Nokia diz que surgiram nos últimos anos muitas outras opções, como os aparelhos de DVD portáteis, laptops e, principalmente, os celulares: ‘Hoje existem televisores e telinhas de todos os tamanhos, por todos os lados. Por que apenas assistir à TV em casa, nos maiores televisores?’

Os tempos estão, realmente, mudando. Podemos ver nossos programas preferidos a qualquer hora e em qualquer lugar, sejam eles filmes, novelas, partidas de futebol, jogos olímpicas ou telejornais. Por que não curtir todos esses tipos de programas no táxi, no hotel, no avião, no aeroporto, no trem, no ônibus, na praia ou no campo?

A tecnologia celular e a TV digital permitem tudo isso. E a maior prova disso tivemos aqui em Barcelona, durante uma semana, com a realização do 3GSM 2006, num dos mais bonitos centros de exposições e de congressos da Europa. O evento, que reuniu mais de 50 mil pessoas, demonstrou que o processo de convergência se impõe de forma incontrolável, alavancada pelas redes de acesso de banda larga e pelas tecnologias de compressão e de transmissão de alta velocidade.

Até aqui, a maioria esmagadora dos celulares só se comunica pelas bandas de freqüência oficialmente licenciadas, como 800 ou 900 megahertz (MHz), ou 1,8 ou 1,9 gigahertz (GHz). A partir dos anos 1990, contudo, surgiram formas novas de acesso, a começar pela rede Bluetooth, de curta distância, que opera em 2,4 GHz, permitindo a interligação de celulares a acessórios, sem fio, ou a aparelhos eletrônicos domésticos.

Mais recentemente, vieram as redes Wi-Fi com alcance de até 150 ou 200 metros, permitindo o acesso de celulares e de computadores à web, em velocidades muito mais elevadas. No Brasil, a maioria dos aeroportos e shopping centers já conta com seus pontos de acesso (hotspots) para usuários de laptops.

Outro salto ocorreu com as redes de acesso chamadas WiMax, que passam a oferecer conexões de alta velocidade num raio de até 5 quilômetros e, juntamente com o protocolo da internet (IP), começam a revolucionar as comunicações – tanto para a internet, o celular, a telefonia fixa de longa distância ou a TVIP.

O mais novo de todos os avanços são as redes de acesso por downloading (recebimento) e uploading (envio) de pacotes (IP). Com perdão do leitor pela sopa de letrinhas, a rede de alta velocidade por download de pacotes é conhecida pela sigla HSDPA (do inglês High Speed Download Packetized Access) e a por upload de pacotes, pela sigla HSUPA (de High Speed Upload Packetized Access). Para a Nokia, ambas as redes podem ser chamadas de HSPA (High Speed Packetized Access), englobando tanto o downloading quanto o uploading.

A próxima integração é a do celular com todas as demais redes de acesso. De um lado, a integração entre telefonia fixa e telefonia móvel. De outro, a integração do celular com as redes Wi-Fi, WiMax e, finalmente, com as transmissões abertas de TV digital.

E como fica a briga entre as empresas de telecomunicações e as de radiodifusão? Se agirem com bom senso e inteligência, sob a mediação competente de autoridades reguladoras, tudo por ser resolvido, com negociação, cooperação recíproca e, acreditem, com parcerias. Afinal, as operadoras de telecomunicações não têm vocação nem querem entrar na produção de conteúdo, mas, essencialmente, no seu transporte. E, no caso de serviços de valor adicionado, tudo pode ser feito com a associação das competências de todas as partes envolvidas.

Apesar do barulho e dos confrontos iniciais, o mundo está resolvendo bem essa questão. Mark Selby tem outra explicação para o conflito que ocorre em outros países: ‘Não sei se no Brasil acontece a mesma coisa, mas na Europa e, em especial, na Inglaterra, são os executivos mais velhos das emissoras de televisão que resistem à mudança. Eles têm medo da tecnologia e se comportam como avestruzes que metem a cabeça na areia e buscam proteção na lei ou na regulamentação’.

Além da revolução na TV, os microprocessadores mais avançados, como o OMAP 3, da Texas Instruments, transformarão os telefones móveis num futuro próximo em verdadeiros computadores, tornando obsoletos os próprios laptops. Na verdade, isso poderá acontecer na medida em que os telefones celulares adquiram maior poder de processamento, sejam dotados de telas flexíveis e teclados dobráveis. Que pensaria Alexandre Graham Bell, o inventor do telefone, diante de um aparelho desses?’



JK NA GLOBO
Celso Lafer

JK e a minissérie

‘A minissérie JK vem tendo grande sucesso, que muito se deve à qualidade do roteiro de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira; ao esmero das gravações da TV Globo; ao talento dos atores que dão vida a um enredo que combina, com engenho televisivo, História e criação. A base que instiga o interesse do público, porém, é o próprio JK.

A propensão para a memória política não é forte no Brasil. Daí a pergunta que a minissérie suscita: o que explica, decorridos tantos anos de sua presidência e do seu falecimento, em 1976, a continuidade de JK no imaginário brasileiro?

Juscelino foi uma cativante personalidade, e excepcionais foram as realizações do seu qüinqüênio de governo (31/1/1956 a 31/1/1961), que associou o desenvolvimento à democracia. No entanto, estreitas foram as margens de sua vitória eleitoral e consideráveis as dificuldades que enfrentou para tomar posse. Sua gestão presidencial foi contestada por uma aguerrida oposição política e seus críticos o responsabilizaram por um agravamento da inflação e do endividamento externo. Jânio se elegeu como um anti-JK e, na seqüência, as radicalizações do período Goulart desembocaram no regime militar de 1964. Este, receoso do potencial político-eleitoral de JK, promoveu sua cassação, forçou seu exílio e o humilhou com perseguições.

Quando defendi a minha tese de doutoramento nos EUA, na Universidade de Cornell, em 1970, sobre o seu Programa de Metas, ele era um proscrito político. Na carta em que me enviou em 10/2/1972 (que é o ‘prefácio’ à edição brasileira da minha tese, publicada em 2002 pela Editora FGV), dizia JK que o meu trabalho ‘foi a primeira experiência honesta de escrever alguma coisa sobre o governo de um ex-presidente que mal deixou o poder se viu envolvido num temporal que não mais permitiu que a sua obra fosse examinada com isenção’.

Na minha tese tratei da obra de JK, analisando o porquê e como imprimiu um inovador sentido de direção à sociedade brasileira por meio do Programa de Metas, que foi o fulcro irradiador da sua gestão. O programa, respondendo ao alargamento das bases populares da democracia, planejou e logrou aumentar o nível de vida, o crescimento do emprego e a expansão das possibilidades de consumo. Na identificação das metas foram levados em conta os projetos elaborados no segundo governo Vargas pela Comissão Mista Brasil-EUA, articulados, no entanto, numa racionalidade superior, atenta à interdependência dinâmica da economia. JK confiou a execução das metas a uma ‘administração paralela’, dentro da própria máquina governamental, que foi operacionalmente bem-sucedida, pois controlou a concessão dos incentivos e estímulos que nas esferas pública e privada ensejaram a orientação do investimento sem desconsiderar o mercado.

JK viabilizou seu projeto de país somando talento executivo, capacidade de mobilizar e motivar equipes, convicção democrática e competência política para ter e manter a maioria no Congresso. Agregou às metas de energia, transportes e industrialização a construção de Brasília, que induziu à interiorização econômica do Brasil e, com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), enfrentou os problemas das disparidades regionais, que dificultam o equilíbrio federativo.

JK foi, assim, um homem de Estado bem-sucedido. Fez ‘o País tomar conhecimento de suas próprias forças e utilizá-las para realizar seu desenvolvimento econômico’, na sua justa auto-avaliação em Por Que Construí Brasília (1976), no qual também fez a crítica dos populismos inconseqüentes. Era, porém, controvertido aos olhos de seus adversários políticos. O consenso nacional em torno da sua atuação começou a se formar com seu enterro em Brasília: um protesto contra o regime militar que carregava no seu bojo o reconhecimento da importância de JK na configuração dos rumos do País no século 20.

Tancredo Neves, homenageando a sua memória, disse que uma das dimensões do líder é a capacidade de ‘argamassar as virtudes e defeitos de seu povo (…) para rasgar nos horizontes’ a perspectiva de seu futuro. Foi o que fez JK graças às dualidades que caracterizavam sua personalidade e que explicam, no meu entender, a persistência da sua presença no imaginário político brasileiro.

JK foi, ao mesmo tempo, moderno e tradicional. Abriu espaço para a arquitetura de Niemeyer. Foi o primeiro presidente a administrar o País com o avião e a se comunicar com a sociedade pela TV. Não deixou, no entanto, de ser tradicional. É o que mostram as etapas de sua carreira política que, se teve ousadias, não se caracterizou pela postura de rupturas, como Jânio ou Collor. Era, paradoxalmente, um visionário realista. O visionário o impulsionou a transformar o País. O realista a ele indicou os limites da mudança. Foi assim que criativamente se valeu do existente para trazer o novo. Era um homem de ação que gostava de fazer coisas. Por isso não se circunscrevia ao expediente e foi, também paradoxalmente, um bem-sucedido planejador que conviveu bem com sua intuição de improvisador.

Foi um homem atento ao mundo, que nunca esqueceu suas origens de menino pobre em Diamantina. Daí seu nacionalismo destituído de xenofobia. Valeu-se com tranqüilidade do capital estrangeiro para promover o desenvolvimento do País, pois não tinha medo do diferente e do mundo e confiava no País. Não hesitou, no entanto, em romper com o FMI quando sentiu que isso era necessário para levar adiante seu projeto de governo e a inauguração de Brasília.

Tinha, simultaneamente, a ‘gravitas’ do estadista, inclusive nos desafios e provações, e a alegria de um homem com transparente gosto pela vida. Foi uma personalidade generosa, sem ressentimentos e ódios. Teve a capacidade de conciliar, sob o signo da democracia e da legalidade, o ‘velho’ e o ‘novo’ numa direção positiva, reformista e bossa-nova. Por isso, merecidamente permanece, com sua confiança e energia, no imaginário político brasileiro.

Celso Lafer, professor-titular da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC’



TELEVISÃO
Leila Reis

Nada é o que parece

‘Fernanda e Glória: Bia Falcão é um trunfoF ernanda Montenegro esteve pouco mais de dois meses na novela Belíssima interpretando a vilã Bia Falcão, mas foi o suficiente para ser eleita a melhor atriz de 2005. Por isso ela subirá ao palco do Teatro Municipal de São Paulo dia 4 de abril para receber o troféu da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA).

Eliminar uma personagem tão forte como Bia e afastar do vídeo uma atriz tão marcante como Fernanda era uma temeridade, pois poderia enfraquecer a trama e afugentar o público. Não foi o que ocorreu, a novela das 9 vem ganhando a audiência desde que Bia Falcão foi dada como morta (depois de uma explosão criminosa de seu carro). No final de janeiro, ela atingiu a média semanal de 46 pontos no Ibope (Grande São Paulo e Rio de Janeiro).

Isso porque Silvio de Abreu tem sido muito hábil em manter forte a presença de Bia na trama depois de seu desaparecimento. Mesmo ausente, ela continua a manipular os personagens como marionetes de seu teatrinho malévolo e assim aparecer nas falas de quase todo o elenco de Belíssima.

Sintoma inequívoco de que a novela ‘pegou’ são os benefícios secundários que ela rende. Revistas especializadas em TV (Minha Novela e Tititi, por exemplo), que dependem diretamente do sucesso das novelas que estampam em suas capas, comemoram a duplicação das vendas na gestão de Belíssima.

Mas não é só a boa inserção de Bia que tem agregado mais telespectadores à principal história em capítulos da Globo. Fora a excelência do elenco principal e da boa direção, o maior mérito de Belíssima é a costura da trama pelos roteiristas.

Em princípio, nada é o que parece. A matriarca Katina (Irene Ravache), Murat (Lima Duarte), Ornela (Vera Holtz), Nicos (Tony Ramos) ou têm um passado ou uma faceta obscura a esconder. Outros – como André (Marcello Anthony), Alberto (Alexandre Borges) e Karen (Mônica Torres) -, um plano a mascarar. E todo o resto muita verdade a descobrir. Especialmente Júlia, que tem feito Glória Pires pagar todos os pecados que cometeu como Maria de Fátima, em Vale Tudo, de Gilberto Braga (1988).

Esse claro/escuro presente no caráter da maioria dos personagens é que propicia cenas de impacto, como o flagrante dado por Gigi (Pedro Paulo Rangel) no casal adúltero formado por marido e filha de Júlia (Glória Pires). A perversão (da garota) e a ambição (do homem) dão um toque rodrigueano à trama, apimentando a curiosidade. Mas a proximidade do desmascaramento da perfídia excita a audiência que, a esta altura, está sedenta de vingança.

T oda semana algo de importante se revela na trama: paternidades ilegítimas, flagrantes armados, deslealdade entre sócias, cordeiro veste pele do lobo etc. O que leva o telespectador a ficar mais interessado no desdobramento da história do que em quem vai para o paredão do Big Brother.

Está certo que, como em toda novela, nem tudo são flores em Belíssima. Nem toda a expertise de Silvio de Abreu conseguiu driblar a chatice dos personagens Mônica (Camila Pitanga) e Cemil (Leopoldo Pacheco). O problema não é de interpretação, pois os dois já mostraram bons serviços em outras novelas. É difícil convencer o telespectador da sinceridade do amor tão incondicional de Mônica por um filho que não é dela (as cenas em que contracena com Toninho são puro tédio). Difícil também engolir que exista qualquer química entre ela e Cemil, o namorado insosso.

Mas essa escorregada, no entanto, não compromete o melhor folhetim montado por Silvio de Abreu em sua carreira.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

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Época