Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo


STONES & U2 NO BRASIL
Popices


Daniel Piza


‘Um amigo acha que o pop começou na primeira vez em que Frank Sinatra, por
exemplo, fez uma pausa para respirar e as moças da platéia suspiraram. Seus
olhos azuis e sua voz única faziam que filas dobrassem quarteirões e jovens de
ambos os sexos tivessem ataques histéricos. Mas ainda no século 19 as
prima-donas inspiravam paixões no público, como as sopranos a quem Machado de
Assis dedicava poemas românticos. Acho mais provável que o pop tenha começado
quando Elvis ‘the Pelvis’ Presley fez a primeira aparição no programa de TV de
Ed Sullivan e, mesmo sendo filmado apenas da cintura para cima, seu rebolado
provocou furor nas fãs e fúria nos pais. Faz exatos 50 anos. O rock, mistura de
batida e balada, e a TV, com suas imagens internacionais em tempo real, são dois
ingredientes fundamentais do que se chama pop. Não por acaso, nesta semana só se
fala em dois shows, o dos Rolling Stones em Copacabana e o do U2 no Morumbi,
transmitidos ao vivo pela Globo.


As prima-donas se vestiam como prima-donas deveriam se vestir. Sinatra se
vestia como todo mundo. Ninguém se veste como Elvis, David Bowie, Mick Jagger. E
quase todos querem ser Elvis, Bowie, Jagger. Muitos talvez quisessem ser Sinatra
para namorar Ava Gardner ou Grace Kelly. Mas quase todos querem ser famosos como
Bono, incondicionalmente adorados como Bono. Muito mais espaço foi dedicado à
barriga enxuta de Jagger do que à pele-pergaminho de seu rosto. Ele é um coroa,
mas é sexy, cheio de energia, e uma faixa dizia: ‘Faça um filho em mim.’ Bono,
cujos óculos são copiados em toda parte, pinçou meninas ao palco para trocas de
cafunés e olhares. Ali em cima, pode parecer humano.


Michael Jackson e Madonna foram os dois maiores ícones do pop anos 80, quando
a rebeldia do rock passou a fazer parte da mesma estratégia de consumo. Contra
os ídolos autodestrutivos da contracultura, adotaram a linha mutante. A cada
disco assumiram uma personalidade diferente. A tal ponto que, na sucessão de
máscaras, perderam a identidade. Jackson perdeu até o rosto. Tudo que havia de
autêntico e talentoso até Beat It foi desaparecendo como a melanina de sua pele
e o osso de seu nariz. Madonna ainda soube se reinventar. Mas as baladas
suburbanas deram lugar para uma música que só serve como pano de fundo rítmico
para sua dança-ginástica, Jane Fonda da era ‘clubber’. David Bowie, a mais
perfeita tradução do pop, também é camaleão: podia ser robô ou dançarino,
andrógino ou sedutor; podia ser o mais frio e o mais quente dos astros. Mas sabe
que seu tempo passou, ainda que continue fazendo boas músicas, como Lou Reed ou
Bob Dylan. Dylan é muito inteligente para fingir que ainda é jovem.


Muitos desses ídolos não seriam reparados dentro de um ônibus. Se Bono fosse
um balconista de bar em Dublin, não haveria filas para tomar de sua Guinness. A
fama faz lindos os que não são mais que charmosos. Me lembro de uma tira de
quadrinhos de Angeli em que o personagem Walter Ego acorda, se olha no espelho e
se acha feio. ‘Feio como quem?’, pergunta. ‘Feio… como o Mick Jagger!’ Até
para ser feio é preciso ser especialmente feio.


A TV, no entanto, não consegue transmitir bem os grandes shows. Rolling
Stones e U2 são muito bons de palco. Apesar da bagunça e do mau cheiro, o
espetáculo de Copacabana ficou na história. O U2 não é tão importante para a
história do pop quanto Rolling Stones, mas faz um som tremendo ao vivo, como se
comprovou no Morumbi. The Edge é um guitarrista extraordinário, e não é verdade
que o sucesso da banda venha da atuação politicamente correta – ingênua, para
dizer a verdade – de seu líder, ainda que não se possa isolar do sucesso o
‘engajamento’ de suas letras. Mas a simpatia diabólica de Mick, Keith e
companhia não permite comparações. Os Beatles fizeram número maior de grandes
canções, de grandes transas entre letra e música, principalmente em Sargent
Pepper’s. Os Rolling Stones fizeram coisas que eles não fizeram.


Pop é ‘POP!’, explosão de pipoca ou chiclete, arte feita como produto
assumidamente comercial, almejando grande escala. A pop art nasceu em Londres,
mas é fruto da americanização do mundo, da invasão de coisas de plástico,
fast-food, refrigerante, comunicação instantânea. Mas Vivaldi pode ser usado
como pop num comercial de sabonete. E nem sempre o pop vira popular. Atualmente,
por sinal, essas duas coisas andam longe. Radiohead é pop, brilhantemente pop,
mas não é popular, não é um nome que qualquer um no boteco reconhece.


Uma carreira pop pode se sustentar em meia dúzia de hits. A maioria das
bandas de sucesso não fez nem isso. Raras transcendem a condição de modismo,
raríssimas a de moda. Instantâneo como é, o pop logo se esquece. Mas em alguns
casos o entretenimento de ontem se torna a cultura de hoje. Os Rolling Stones
vivem basicamente dos hits dos anos 60, o U2 dos hits dos anos 80. Mas são mais
que traduções de uma época e passam de geração em geração, como os Beatles
passariam se estivessem todos vivos – tanto que, sozinho, Paul McCartney
continua a aglutinar multidões. A morte precoce dá uma aura imbatível a alguns
ídolos pop, como James Dean, John Lennon ou, em ponto menor, Kurt Cobain. Mesmo
assim, o que sustenta a durabilidade de uma fama é a qualidade do que se fez, o
que se trouxe de novo e certeiro.


Já li muitos analistas comparando esses espetáculos ou ‘megashows’ com
manifestações nazistas, de obediência coletiva. Bobagem. Assim como os do
futebol, esses espetáculos trazem uma sensação de coletividade – afinal, está
todo mundo lá admirando ou ao menos comentando a mesma coisa – que é fato raro
na vida moderna. Ao mesmo tempo, o pop-rock também nos lembra do que há de
primitivo em nós, de que não somos apenas bonecos sociais, obrigados a nos
comportar como se não tivéssemos instintos e desejos. O problema maior é que ele
mesmo se torna exemplo disso que normalmente critica. A idolatria é uma doença
juvenil que atinge todas as idades e – como os críticos que levam o pop a sério
demais e exaltam uma banda nova por mês, sem notar a contradição – impede que a
pessoa tenha discernimento sobre o que motiva seu gosto. Conheço mais pessoas
que gostam de Beethoven e Shakespeare (ou de Cole Porter e Fernando Pessoa) e
sabem curtir um Tim Maia ou Jorge Ben – os reis do pop brasileiro – do que o
contrário. Rock escraviza o indivíduo, não a massa, embora Jagger e Bono tenham
sido tratados como messias em passagem por aqui.


Ah, o carnaval também virou pop, fenômeno televisual. Mas os desfiles das
escolas de samba parecem mil vezes mais marciais e reprimidos do que os shows
dos Stones e U2. É a burocracia da folia.


ERRATA


Felizmente meu livro Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro (Imprensa
Oficial) chegou à segunda edição. Nela foram corrigidos alguns lapsos
lamentáveis que cometi entre as 400 páginas. Defini mal, por exemplo, o entrudo,
o carnaval de origem portuguesa, que não era apenas em salões, mas também em
ruas; escrevi que José Bonifácio, tema de ensaio meu em Questão de Gosto, era
português (embora Portugal o tenha querido para si); e em duas vezes deixei
escapar João Dias, em vez de José (como aparece nas outras), o personagem de Dom
Casmurro. Agora, tomar esses erros – que não são de ignorância nem de má-fé, mas
de desatenção – como argumento para desqualificar o livro todo, sem mencionar a
contextualização histórica e as interpretações inéditas, é exemplo cabal da
‘inteligência brasileira’, do despeito academicista contra quem poupa os
leitores de notas de rodapé e aridez verbal. Quanto ao jornalismo casca-grossa
da seção ‘cultural’ da Veja, qual a novidade?


Thomas Bernhard é um escritor de verdade, como sabe quem leu Extinção ou O
Sobrinho de Wittgenstein, para não citar os que creio que ainda não foram
traduzidos como Old Masters e Lime Works. Em Origem (Companhia das Letras,
tradução de Sérgio Tellaroli) estão reunidos seus cinco relatos autobiográficos,
organizados de forma cronológica. Bernhard é um crítico ácido do nacionalismo e
da religião e da maneira como se educam os filhos para adorar personalidades –
como ‘Hitler, Jesus ou seja lá quem for’… Apesar de tanta acidez, lança pontes
de contato afetivo inestimáveis. Gostei muito de saber que ele passou a infância
fazendo desenhos e lendo atlas, como eu. E que ‘existem aqueles que deixam os
outros em paz e aqueles que perturbam e irritam, categoria à qual
pertenço’.’


Ivan Carvalho Finotti


Os Vips que não foram


‘Eles não ganham presentinhos dos patrocinadores nem ficam nas áreas
especiais com bebida à vontade. Eles não saem na Caras nem concedem entrevistas
para o Amaury Junior. Eles não dão autógrafos para os fãs do Big Brother nem são
reconhecidos quando andam nas ruas. Eles são Os Vips!


Já os vips atuais, os que aparecem na TV, as celebridades, os famosos, esses
são, dão, concedem, saem, bebem, ganham e ficam nas áreas especiais dos shows do
U2 e dos Rolling Stones. E ainda protagonizam cenas dignas de notas de colunas
sociais. Por exemplo: os seguranças da hot area do Pão de Açúcar no show do U2
barraram a atriz Cleo Pires e a herdeira do grupo de supermercados Lucília Diniz
por não ostentarem convites, revelou o colunista César Giobbi, do Estadão. A
colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, informou que, no show dos Stones
em Copacabana, havia um camarote A com champanhe para os supervips e uma área B
com cerveja para os simplesmente vips. E um terceiro espaço hipervip para
Luciana Gimenez e os amigos da banda.


Mas e os verdadeiros Vips? Eles se contentaram em assistir a tudo de casa.
Esses Vips são aqueles da Jovem Guarda, a dupla que aparecia ao lado de Roberto
Carlos no programa da Record entre 1965 e 1968, apresentava o Na Linha de Frente
da Excelsior em 1966 e emplacou sucessos como Emoção (1965), A Volta (1966) e É
Preciso Saber Viver (1968). Tudo música inédita do rei Roberto, escrita
especialmente para os irmãos Ronald Vip Antonucci e Marcio Vip Antonucci. Isso
mesmo, os dois são tão vips que incorporaram o Vip ao sobrenome.


E olha que nome é coisa séria para esses dois. Antes de formarem a dupla, os
manos cantavam separados. E caprichavam nas alcunhas em inglês, moda entre os
cantores da época para dar um verniz de artista internacional. O mais velho era
Ronald Red, e não porque fosse ruivo, mas porque só usava essa cor em cima do
palco. ‘Ah, bicho, tipo Elvis, só que a roupa era vermelha, né? Um escândalo.
Naquela época, homem não usava vermelho, ainda mais com lantejoula’, lembra
Ronald Vip, hoje com 64 anos e trabalhando como empresário no meio musical. O
mais novo atendia por Jett Williams, mas logo ficou desgostoso com a escolha:
‘Você sabe como é o Brasil, né? Escolhi Jett pelo personagem de James Dean em
Assim Caminha a Humanidade. Mas logo estavam escrevendo Jet Williams, com um ‘t’
só. Traduzindo, eu era o Jato Guilherme…’, suspira Marcio Vip, 60 anos,
atualmente diretor de criação musical da Rede Record.


E havia ainda os grupos, como The Rebels, The Jet Blacks, The Jordans ou The
Thunderbirds. Claro que, apesar do nome, eram totalmente paulistanos,
respectivamente do Cambuci, da Mooca, do Brás e do Tremembé. Assim como os The
Vips eram de Santana (posteriormente trocaram o ‘The’ pelo ‘Os’, já que todo
mundo anunciava os caras assim: ‘Com vocês, a dupla Os The Vips’…). A estréia
foi em 1964 no LP de um programa da Record chamado Reino da Juventude. A canção
era Tonight e a letra em inglês, repleta de erros, havia sido escrita por Ronald
depois de freqüentar algumas aulas no curso Yázigi de seu bairro. Já o nome da
dupla foi escolhido por causa do filme The Vips (1963), com Richard Burton e
Elizabeth Taylor, aqui traduzido como Alta Sociedade. Isso porque o termo vip
não era lá muito conhecido, quer dizer, não era essa carne de vaca que é hoje,
que todo mundo entende e, pior, todo mundo é (só no camarote B dos Stones, havia
4 mil deles).


Em 1964, era bem chique ser vip, very important person, ou people, se for
mais de um deles. E quem estava espalhando essa novidade por aí era o Ibrahim
Sued. Jornalista de leitura obrigatória no jet set brasileiro, Sued publicava a
‘Reportagem Social de Ibrahim Sued’ em O Globo desde 1954, e assim seria até sua
morte, em 1995. Inventava expressões, como ‘olha que cavalo não desce escada’, e
passou a utilizar a palavra vip para designar as pessoas muito importantes que
citava na coluna do jornal e em seu programa de TV noturno.


‘Quando fomos registrar o nome Os Vips, descobrimos que o Sued já tinha feito
isso para diversos ramos de negócios, mas não para a música’, diz Marcio. A
dupla, então, aproveitou e registrou ainda tudo o que Ibrahim tinha deixado
passar. Assim nasceram, na esteira do sucesso musical, o motel Vip’s e a rede de
lavanderias Vip’s, ambos no Rio de Janeiro. ‘Naquela época, não existia isso de
pedir dinheiro. Os caras queriam usar nosso nome pro motel e pras lavanderias, a
gente entendia que era divulgação para a dupla e permitia.’


Quando Ronald e Marcio começaram a aparecer no programa Jovem Guarda nas
tardes de domingo, experimentaram o gostinho inesquecível da idolatria. Suas
músicas tocavam em todas as rádios e eles não podiam colocar o pé fora de casa
que já eram perseguidos por um mulherio alucinado. Não é exagero, conforme a
revista Melodias registrou em uma de suas edições de 1966, com circunflexos e
tudo: ‘Duas camisas novas em fôlha foram rasgadas em tiras pelas fãs do Vips,
que pretendiam ter lembranças de seus ídolos. A coisa aconteceu quando os irmãos
Marcio e Ronald entravam nos estúdios do canal 9, em São Paulo, para o ensaio de
Excelsior A Go-Go, nôvo musical para a juventude. Enquanto Marcio ria às
bandeiras despregadas, Ronald forçava passagem, quase asfixiado. ‘Foi um assalto
organizado’, comentou. ‘Primeiro vieram duas conversando comigo e Marcio, como
quem não quer nada. Depois chegamos a um grupo e todas avançaram sôbre nós’. A
reportagem era apropriadamente intitulada ‘Fãs atacaram Vips de emboscada:
camisas em trapos’, e trazia ainda um belo e poético subtítulo: ‘O preço da
popularidade é a eterna vigilância’.


Nessa época heróica, Os Vips estavam estourados com a canção A Volta e a
Revista do Rádio divulgava periodicamente as dez músicas de maior sucesso no Rio
e em São Paulo. Ora, veja se não é o caso de recortar a lista daquela semana,
mandar enquadrar e pendurar para sempre na parede da casa da família: em 10º
lugar, Michelle, dos Beatles. Em 9º, Agnaldo Timóteo com Mamãe. Em 6º, Roberto
Carlos e seu hino Quero Que Vá Tudo pro Inferno. Em 4º, Yesterday, de você sabe
quem. Em 3º, uau!, Satisfaction, dos Rolling Stones. E, em primeiro lugar, a
mais pedida nas lojas de discos, nas rádios e nas boates: A Volta, com Os Vips.


Como se vê, Os Vips podem se gabar de uma vez ter sobrepujado os Beatles, mas
a verdade é que os ingleses eram o máximo em 1966. Os próprios Vips gravaram uma
série de versões, como Menina Linda (I Should Have Known Better), Coisas Que
Acontecem (Things We Said Today), Obrigado Garota (Thank You Girl), Michelle e
Submarino Amarelo. Mas não gravaram Stones. ‘Os Stones não eram aquilo que são
hoje. Eram underground mesmo, coisa da turma mais barra-pesada. Os Beatles
estouravam oito músicas por LP, os Stones, uma só. E tem mais: se os Beatles
tivessem feito esse show em Copacabana, teriam ido 5 milhões de pessoas, não 1
milhão’, avaliam os irmãos. Para eles, o show dos Stones no Rio não foi aquilo
tudo. ‘Vip era não estar lá naquela área vip’, sublinham os Vips. ‘Só tinha
bicão. E o mico do ano foi ver os vips atravessando a avenida rodeados de
segurança e tomando laranja na cabeça.’ Os Vips acreditam ainda que o show do U2
foi melhor. ‘Mais quente, com repertório mais conhecido do seu público. E o Bono
é uma figura muito forte.’


Voltando aos 60, o que acontece é que 1968 foi o ano que terminou. O Jovem
Guarda foi cancelado pela Record, a Tropicália passou a ocupar seu espaço entre
a juventude, Roberto Carlos deu uma guinada na carreira em direção ao romantismo
e Os Vips viram seu Simca Chambord despencar pela ladeira. Não foi fácil para
eles. Conta Marcio: ‘Em 1969, fui ao Maracanã e, quando entrei no estádio, a
torcida rugiu. Pensei ‘nossa, ainda estamos no auge.’ Que nada! Era o Botafogo
entrando em campo! Olha como fica a nossa cabeça…’ Recuperado do
mal-entendido, Marcio acabou se mudando para o Rio para trabalhar na Som Livre,
enquanto Ronald permaneceu em Santana para montar negócios com o dinheiro ganho
pela dupla.


O primeiro empreendimento foi o Vip’s Burguer, de 1968, em Santana mesmo, que
fez um sucesso danado por causa dos molhos feitos pela mãe dos dois. ‘A maionese
que ela batia no liquidificador não existia em lugar nenhum! Nosso
cheese-tártaro foi um estouro: em vez de queijo prato, usávamos provolone’,
segreda Ronald. Outro carro-chefe da casa foi um esdrúxulo drinque inventado
pelo cantor: duas bolas de sorvete de coco com uma dose de licor de menta,
batido como frapê. Ganhou o nome de Gueri-Gueri e quadruplicou a saída de
sorvete da fruta tropical. Vez ou outra, um cliente podia ter a honra de ver seu
sanduíche sendo preparado por Ronald Vip em pessoa, que fazia as vezes de
chapeiro quando este faltava. Um êxito só atrapalhado pelo início das obras da
estação Santana do metrô, inaugurada em 1975, bem em frente à lanchonete.


O Vip’s Burguer virou rede, com uma filial aberta na Alameda Jaú, nos
Jardins, e outra em Atibaia. Em 1969, foi a vez do Vip’s Buffet, que
providenciava comes e bebes para casórios e funcionava na Avenida Nove de Julho.
O bufê foi passado para a frente dois anos depois, as lanchonetes foram sendo
vendidas durante a década e Os Vips pareciam fadados ao esquecimento quando a
era da nostalgia começou a dar as caras. Em 1990, um retorno da Jovem Guarda
lotou o Asa Branca no Rio de Janeiro. Um show da dupla gravado ao vivo no mesmo
ano vendeu 300 mil discos. E, em 1995, um CD quíntuplo com 29 artistas,
capitaneados pelos Vips, para comemorar os 30 anos do movimento, vendeu
assombrosos 3 milhões de cópias, segundo cálculos dos irmãos.


E hoje, enquanto levam seus empregos, os Vips continuam na ativa, fazendo
shows esporádicos, como o realizado no dia 4 deste mês na capital, quando 1.800
pessoas comemoraram no clube Monte Líbano os 70 anos do Sindicato das Empresas
de Transportes de Carga do Estado de São Paulo. Ou os que vão acontecer no mês
que vem, dia 16 em Cascavel (PR) e dia 25 em Jaú (SP). Para estes, Os Vips estão
até pensando em convidar especialmente Bono e Mick Jagger. E, como não são
rancorosos, talvez ofereçam uns ingressos bem próximos ao palco. Próximos mesmo:
bem ali, na área vip.’




GUERRA DAS CHARGES
O Estado de S. Paulo


Mortos pela violência na Nigéria sobem a 151


‘A violência entre cristãos e muçulmanos causou a morte ontem de quatro
pessoas em três cidades da Nigéria, ampliando para 151 o número de vítimas do
embate sectária no país desencadeada pelas caricaturas do profeta Maomé. Jovens
cristãos atacaram muçulmanos na cidade de Enugu (sudeste), matando um taxista.
Em Katangora, norte, muçulmanos mataram três cristão e queimaram três igrejas.
Lojas e igrejas também foram incendiadas em Potiskum, noroeste do
país.’




FIM DOS TELEGRAMAS
Sam Roberts


EUA enviam o último telegrama


‘‘Sra. Sandoval’, disse Homer Macauley, ‘Seu filho está morto. Talvez seja um
engano. Talvez não seja o seu filho. Talvez seja uma outra pessoa. O telegrama
diz que foi Juan Domingo. Mas talvez o telegrama esteja errado.’ No início do
século 19, o telegrama era a forma mais imediata de distribuir notícias e enviar
mensagens. Quer fosse um daqueles terríveis ‘lamento informar’ do Departamento
de Guerra que o personagem Homer de William Saroyan entregou em A Comédia
Humana, pedidos de ‘envio de dinheiro’ ou congratulações pelo aniversário, a
entrega em mãos desses envelopes amarelos sempre pareceu importante. Nesse mesmo
espírito, o evangelista Billy Graham cita: ‘Sou apenas um mensageiro da Western
Union, entregando um telegrama de Deus na porta da humanidade.’


Em 1929, a Western Union e seu exército de mensageiros uniformizados enviaram
mais de 200 milhões de telegramas. Mas, no ano passado, esse número tinha caído
para 21 mil. Dobrando-se ao poder do e-mail e outras tecnologias, a empresa
expediu seu último telegrama há algumas semanas. Em países ricos, as poucas
empresas que permanecem no ramo têm seus dias contados.


A seguir, uma amostra de várias missivas famosas, infames e apócrifas
compiladas de várias fontes, entre elas Telegram, livro de Linda Rosenkrantz.
Acredita-se que o inventor do telégrafo, Samuel Morse, enviou seu primeiro
telegrama oficial do Capitólio em Washington para Baltimore em 1844: ‘O que Deus
fez.’


Na manhã de 15 de abril de 1912, acredita-se que o Titanic tenha enviado sua
última mensagem sem fio: ‘SOS, SOS, Titanic. Estamos afundando rapidamente.
Passageiros estão sendo postos em barcos.’ O telegrama logo foi absorvido pela
cultura popular americana, surgindo em momentos cruciais de peças de teatro e
filmes. Em 1933, a Western Union lançou o telegrama cantado que se converteu na
fonte de uma famosa piada: Uma mulher, encontrando um mensageiro da Western
Union na sua porta, exclama: ‘Maravilha, sempre quis um telegrama cantado’.
‘Não, é apenas um telegrama comum’, responde o mensageiro. Diante da insistência
da mulher, o mensagem finalmente canta: ‘Lá, lá, lá-iá. Sua irmã Rose
morreu.’


Os escritores, é claro, dizem as coisas mais inteligentes. O humorista Robert
Benchley ao chegar a Veneza pela primeira vez, enviou um telegrama para Harold
Ross, diretor de redação do The New York Times: ‘Ruas alagadas. Por favor, envie
instruções.’ Mark Twain, como a maioria dos escritores, achava mais fácil
escrever um texto mais longo do que curto. Ele recebeu o seguinte telegrama do
seu editor: ‘Preciso conto 2 páginas dois dias.’ Twain respondeu: ‘Não posso
fazer 2 páginas dois dias. Posso fazer 30 páginas dois dias. Preciso 30 dias
para fazer 2 páginas.’


Uma famosa história de telegrama é aparentemente um mito. Em 1897, William
Randolph Hearst enviou Frederick Remington para ilustrar as atrocidades
espanholas em Cuba, mas Remington não encontrou nenhuma. ‘Tudo está calmo. Não
há problemas aqui. Não haverá guerra.’ Ao que Hearst supostamente teria
respondido: ‘Você fornece as ilustrações, e eu fornecerei a guerra.’


Um telegrama mais extenso foi enviado em 1950 ao então presidente Harry
Truman pelo senador Joseph McCarthy: ‘Tenho em meu poder os nomes de 57
comunistas que estão atualmente no Departamento de Estado.’ O presidente
rascunhou uma resposta: ‘Tenho certeza de que o povo de Wisconsin lamenta muito
estar representado por uma pessoa que tem tão pouco senso de responsabilidade
como você.’ John F. Kennedy brincava sempre que havia recebido um telegrama de
seu pai: ‘Não compre nenhum voto além do necessário. Detestaria ter de pagar por
uma derrota arrasadora.’Telegramas também serviram para corrigir erros. Quando
Mark Twain soube que seu obituário havia sido publicado, enviou um telegrama de
Londres em 1897. ‘Notícias da minha morte são grandemente exageradas.’


Em 1884, um reunião de biólogos irrompeu em vivas quando um telegrama lhes
informou que um grande mistério havia sido resolvido: os ornitorrincos punham
ovos. A notícia foi dada em latim. ‘Monotremes oviparous, ovum meroblastic.’
Edward Teller enviou um telegrama a colegas de Los Alamos sobre a detonação da
bomba de hidrogênio: ‘É um menino.’


Tanto Mark Twain como Arthur Conan Doyle teriam enviado telegramas parecidos
para uma dezenas de homens importantes e todos eles fizeram as malas e deixaram
a cidade imediatamente. ‘Fuja imediatamente. Foi tudo descoberto.’ O telegrama
mais curto da história é atribuído ao escritos inglês Oscar Wilde. ‘?’, enviou
ao seu editor, para perguntar sobre as vendas de um de seus livros. Na resposta,
o editor igualou o recorde: ‘!’, indicando a grande vendagem.TRADUÇÃO DE MARIA
DE LOURDES BOTELHO TRADUÇÃO DE MARIA DE LOURDES BOTELHO’


Renato Cruz


No Brasil dos sem e-mail, o serviço cresce a cada ano


‘No ano passado, foram enviados 11,8 milhões de telegramas no Brasil, segundo
os Correios. Um aumento de 10% sobre o ano anterior. No Brasil, onde somente 24%
da população usa a internet, o serviço continua a crescer. Nos Estados Unidos,
onde só não acessa a rede mundial quem não quer, o correio eletrônico acabou
matando o telégrafo. ‘O telegrama foi a internet da época’, afirmou Marcos César
Alves Silva, chefe do Departamento de Produtos de Comunicação dos Correios. ‘Era
a maneira mais rápida e eficaz de se comunicar.’


O telégrafo chegou ao Brasil em 1852, vinte anos depois de sua invenção. A
primeira linha foi inaugurada pelo imperador Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, e
ligava o Paço Imperial de São Cristóvão ao Quartel General do Exército. A linha
tinha tinha 4,3 quilômetros. Em 1865, durante a Guerra do Paraguai, a rede
chegou a Porto Alegre. A instalação de um cabo submarino entre Brasil e
Portugal, em 1874, permitiu a comunicação internacional. No começo do século 20,
o marechal Cândido Rondon instalou mais de 6 mil quilômetros de linhas
telegráficas pelo interior do País.


‘O Brasil foi pioneiro no envio de telegramas pela internet, em 1998’,
afirmou Silva, dos Correios. Em 2005, a estatal teve receita operacional de R$
59,7 milhões com os telegramas, de um total de R$ 8,674 bilhões. A previsão
deste ano para os telegramas está entre R$ 75 milhões e R$ 80 milhões. Um dos
livros que contam a história do telégrafo é A Internet Vitoriana, de Tom
Standage.’


Gabriel Manzano Filho


A próxima vítima, nossas maltraçadas linhas?


‘Nem providenciaram ainda o caixão para sepultar a era dos telegramas e já
apareceu gente a nos dizer que a próxima vítima de nossas modernidades será a
escrita. Não esta, digitada em teclado e lida no piloto automático. Esta tem
vida longa. A nova vítima é sua tataravó, a escrita a mão – aquela que os
sumérios inventaram há 5 mil anos e à qual recorremos cada vez menos, com pressa
e com preguiça, para um breve ‘Volto já’ ou ‘Almoçarei fora, tchau’.


Quem percebeu o perigo, há algumas semanas, foi o jornalista Stuart Jeffries,
do The Guardian. Assustado com a avassaladora rapidez com que o mundo nos
transforma em senhas e números, ele desfia um lamento atrás de outro contra a
marcha vitoriosa da impessoalidade. Você pode pagar os impostos em dia, diz ele,
mas se não tiver na mão seus oito cartões magnéticos ou não se lembrar das suas
dez senhas, não é ninguém. Não recebe mensagens, não paga contas, não fala com
os amigos.


A invasão é real. O mundo caminha para 1 bilhão de computadores em 2007. Cada
vez mais crianças brincam na internet e jovens conversam no messenger. Assim
como a cunha dos sumérios, a pena de Camões e a Parker 51 de Getúlio, também a
esferográfica caminha para o anonimato. O teclado venceu. Levante a mão alguém
que, nos últimos 20 dias – ou 20 meses? – recebeu uma carta, daquelas com selo e
endereço escrito a mão, e correu os olhos por uma caligrafia
incerta.’




O MELHOR DE CHOMSKY
Rosane Pavam


O poder americano, por Chomsky Maldito


‘Ler este livro é, mais do que entender os mecanismos de poder, compreender
Noam Chomsky. Aqui sabemos por que o renomado lingüista se ateve ao estudo da
dominação americana. E entendemos por que, passados os anos 60, este senhor
nascido em 1928 ainda milita por causas populares. A razão é que, para ele,
aquela década se viu interrompida em seu caminho de transformações, não pelos
próprios erros, mas pela supremacia desse império que ele deseja, antes de
explodir, reformar.


Chomsky se encontra em algumas das teses do liberalismo clássico de Adam
Smith. Isto explica em parte por que o elogiam os pesos-pesados da imprensa
americana, como o jornal The New York Times, apesar de este veículo, como os
demais daquele país, ser contestado no livro pelo próprio Chomsky. O ponto mais
fundo de identificação deste pensador não está, contudo, em Smith, mas em
Bakunin e no anarco-sindicalismo americano dos anos 20. Para ele, tanto Smith
quanto Bakunin teriam rejeitado a lógica capitalista atual e pregado uma
liberdade de atuação que os moldes atuais de concentração corporativa não
permitem. Chomsky está cansado de ver o Estado americano inflar os gastos
públicos em favor de uma indústria tecnológica de guerra, enriquecendo-se mas
tornando o ar irrespirável à liberdade. Quem irá condená-lo por isso,
especialmente nestes dias?


Para Entender o Poder – O Melhor de Noam Chomsky traz as palestras de sua
militância pelos Estados Unidos nos anos 80 e 90. Não há espaço aqui para ele
analisar as causas do terror recente (isto foi feito em 11 de Setembro). Mas sua
investigação da história é importante para a compreensão dos primórdios. Por
décadas, Chomsky vem pesquisando nos próprios arquivos do governo americano os
dados aterradores que apresenta. Numa competente edição de perguntas e
respostas, feita pelos defensores públicos da cidade de Nova York., Peter R.
Mitchell e John Schoefiel, conhecemos sua principal qualidade, a clareza de
expor.


O intelectual usufrui da liberdade de expressão que, reconhece, somente os
Estados Unidos podem, à época das conferências, lhe dar. Para lançar suas
sementes reformistas, ele lembra que o país nem sempre confinou as reflexões a
salões universitários como aqueles. Nos anos 20, diz, tais discussões poderiam
ser feitas em sindicatos e salões paroquiais, porque eram populares. Depois da
queda da bolsa em 1929, a saída para o modelo capitalista foi esquentar a
produção das grandes empresas e deixar de investir em gastos sociais, que até se
provariam mais lucrativos, mas seriam pouco eficazes no sentido de estreitar a
ação econômica. Se não nos educamos, não pensamos. E, se não pensamos, somos
escravos pagos pelos grandes conglomerados, deixando o poder àqueles poucos de
eleição.


Chomsky afirma que Marx foi antes um teórico do capitalismo que um filósofo
socialista – analisou o que via, mas não compreendeu o que viria, daí porque se
dizer marxista, a seu ver, é falar erroneamente. Não se pode, ele diz, aderir a
um homem sem considerar que, por grandioso que seja, seu pensamento provou
equívocos com o tempo. E se Chomsky não é marxista, o que ele é? Ele deseja
retomar a história a um ponto anterior. Quer saber como estaria a civilização
agora se Lenin e Trotsky, em lugar de frear o socialismo à espera da revolução
alemã e das ‘condições históricas favoráveis’ à Rússia, tivessem tratado seus
comandados com liberdade. A história seria outra? Talvez sim.


E então ele chega ao ponto em que seu livro realmente faísca, aquele em que
desfila as denúncias das atrocidades da América em relação a seus súditos. Um
Estado pratica o terror como extensão dos negócios quando seus negócios
constituem o domínio. Para isso, segundo essa lógica, conta com a colaboração de
outros Estados-satélites terroristas.


Ao contrário da sangrenta União Soviética, os EUA, em sua história, teriam
metido o bico muito além das nações fronteiriças. Mais: ele crê que a guerra
fria foi ‘esquentada’ pelos americanos. Os soviéticos nunca teriam reunido o
poderio nuclear alardeado por John Kennedy. Se tivessem, depois da invasão da
baía dos Porcos, não permitiriam sem revide que a chamada Doutrina Mongoose dos
americanos explodisse, por exemplo, quatrocentos trabalhadores dentro de uma
fábrica cubana numa simples ação de sabotagem.


Chomsky diz que, desde Ronald Reagan, os EUA invadiram países indefesos –
como Granada – apenas para exibir poder. Mataram-se milhares nestes lugares, mas
matou-se rapidamente, para que a opinião pública se satisfizesse com um
estabelecimento rápido das intenções americanas. Quando as coisas chegam a ficar
como, atualmente, no Iraque, e antes dele, no Vietnã… a população tem tempo de
contar seus mortos. É melhor fomentar o extermínio à distância, como em Timor
Leste ou no Camboja, e eximir-se da autoria, como fez o presidente dos direitos
humanos Jimmy Carter, responsável direto, diz Chomsky, pela morte de 600 mil no
Timor, sem que a imprensa americana desse crédito ao fato.


As denúncias são duras, como aquela que mostra o desmantelamento da
resistência européia e a refacção das estruturas fascistas, pelos próprios
americanos, depois da Segunda Guerra Mundial. Foi na Itália e especialmente na
Grécia que o extermínio dos resistentes se promoveu, e a crença de Chomsky para
isso é simples: o fascismo se adequava aos interesses econômicos dos Estados
Unidos e Inglaterra mais do que o comunismo soviético.


Em duas ocasiões, Chomsky cita o Brasil, e o credita à órbita colonial
americana. Por esta razão, embora estivessem em condições de paridade econômica
com a Rússia dos anos 10, os brasileiros não se teriam desenvolvido como os
russos até os anos 90, pelo menos não os 80 por cento da população que vivem
como na África Central. Também somos o país em cujo nordeste os cérebros
perderam 40 por cento de sua capacidade, dada a desnutrição… Chomsky não se
detém no poder brasileiro de organizar o pensamento e a arte. Ele quer ser
contundente, não sutil. E então nos vemos diante de um livro importante, porém
sombrio, em que seu autor nos dá um mapa aéreo do poder sem descer aos vales.
Vistos por ele, somos pequenos e indefesos, embora não o sejamos,
obrigatoriamente, o tempo todo. Rosane Pavam é jornalista, autora de Ugo
Giorgetti: O Sonho Intacto’




TELEVISÃO
Cristina Padiglione


Roda Viva documenta em livro a transformação do debate nacional


‘Dezenove anos depois de sua estréia, o Roda Viva, legendário programa de
entrevistas da TV Cultura, não derrama metade da bílis que espumava em seus
primeiros anos de vida. Não que os entrevistadores de hoje sejam mais bonzinhos
que os de ontem – ou não é só isso. Os entrevistados também estão mais mansos. A
temperatura baixou, da ação à reação, da réplica à tréplica. Há um componente
essencial nessa mutação: o contexto político – e sociocultural – do País. Parece
uma obviedade dizer isso, mas uma seleção de 60 entrevistas – agora publicadas
em três livros, extraídas de toda a história do programa – evidencia como foi
brutal a transformação de humores sofrida no debate nacional em duas décadas.


Dar de cara com um Roda Viva em papel já é uma experiência singular. Mesmo se
gravado, um programa visto pela TV sempre terá suas palavras meio que jogadas ao
vento. Elas passam. O papel fica. Atual mediador do programa, Paulo Markun
dividiu as entrevistas em três categorias: poder, internacional e cultura – são
20 personalidades em cada tema. Todas em ordem cronológica. Sem isso, não
haveria o prazer de identificar os meios e os motivos que vão transformando o
debate nacional.


Observa-se que a polidez dos interrogadores depende muito de quem está no
centro da roda, é verdade, mas a data da entrevista é dado essencial para
entender o tom inquisitório. Um ideal combatido no passado pode ser quase
aplaudido no futuro, e vice-versa.


No volume Poder, lá estão dois expoentes de uma mesma questão, a reforma
agrária. Em 1986, Ronaldo Caiado, da União Democrática Ruralista (UDR), enfrenta
uma bancada disposta a encostá-lo na parede. Mais de dez anos depois, em 1997, a
ponta oposta aos ideais de Caiado, na figura de João Pedro Stédile, do Movimento
Sem-Terra (MST), é submetida a um interrogatório não menos áspero. A diferença é
que em 97 já há uma certa escolha no uso das palavras, o vocabulário é mais
polido, mesmo que diante de algum cinismo – tanto do lado de quem pergunta como
do lado de quem responde.


É claramente mais agressivo o humor dos interrogadores nos anos que se seguem
à abertura política, especialmente entre o elenco que compõe o volume denominado
Poder. Já diante de um Ayrton Senna, o deslumbramento da bancada é inevitável.


O Roda Viva já bateu nas mil entrevistas, mas apenas 200 foram transcritas
até agora. Foram dessas que Markun selecionou as 60 presentes em O Melhor do
Roda Viva (Editora Conex, R$ 55 cada volume). Nenhum nome se repete – Lula e
Fernando Henrique já estiveram no programa uma dezena de vezes, mas só uma foi
para o livro. A de Lula é de novembro de 1995, quando começam a surgir
concessões no seu discurso. A de FHC expressa o fim de seu mandato, em dezembro
de 2002.


Na transcrição para o papel, a edição de Markun preserva a temperatura da
conversa. A maior exaltação da história do Roda Viva, no entanto, não consta de
sua seleção. Foi a entrevista que Orestes Quércia deu ao programa em 1994,
quando trocou xingamentos com o repórter do Estado Rui Xavier. Markun argumenta
que o debate ficou de fora porque, além do bate-boca em questão, a entrevista
não trazia conteúdo que merecesse ser documentado.


Entre as leituras que mais valem essas páginas estão Luiz Carlos Prestes,
Mário Covas, João Saldanha, Oliviero Toscani (o fotógrafo das campanhas da
Benetton trava um debate delicioso com publicitários), Fidel Castro, Pedro
Almodóvar, José Saramago, Darcy Ribeiro, Tom Jobim, Plínio Marcos, Armando
Falcão, Fernando Gabeira e Alain Touraine.


Mais que um passeio pela história recente do País e pelo contexto mundial, a
coletânea é um convite à reflexão por meio de cabeças atuantes do período. E um
bom exercício de aprendizado na arte da argumentação.’




TELEVISÃO / EUA
Laura Rich


‘Nosso público não pára de crescer. Somos o futuro’


‘THE NEW YORK TIMES – Tradução de Alexandre Moschella


Os 41 milhões de hispânicos dos Estados Unidos representam uma parte
significativa dos telespectadores americanos. E as companhias de mídia começam a
perceber isso. No dia 8, a maior rede de televisão em língua espanhola,
Univision, anunciou que estudava uma venda, atraindo o potencial interesse de
companhias – entre elas Viacom e News Corporation – num acordo que, segundo
analistas, poderia ser de US$ 13 bilhões. É muito mais que os US$ 2,7 bilhões
que a General Electric pagou pela segunda maior rede em espanhol, Telemundo, em
2001. Desde a compra, a Telemundo se aproximou da Univision, com 24% da
audiência hispânica em janeiro, contra 16% um ano antes. A Telemundo desenvolveu
uma unidade de produções originais para responder à vantagem da Univision na
distribuição, com o domínio de 62 mercados televisivos. Recentemente, Don
Browne, presidente da Telemundo, falou sobre a venda da Univision e o foco do
mercado geral da mídia numa audiência mais jovem e minoritária.


Você ficou surpreso com a decisão da Univision de estudar uma venda?


De modo algum. Eles vinham dando indicações de que poderiam estar à venda.
Para mim, foi uma afirmação do que esperávamos. E creio que é uma questão de
tempo para eles. Não estamos tão concentrados no que eles fazem, estamos
concentrados no que fazemos.


A Warner Brothers e a CBS decidiram concentrar suas duas redes, WB e UPN, num
mercado mais jovem, minoritário. O que isso significa para o cenário geral da
televisão?


Isso reafirma, mais uma vez, que estamos envolvidos com uma audiência muito
dinâmica, que cresce e evolui e é atraente para todos. Todo mundo tenta
descobrir como chegar à audiência de língua espanhola. Mas não é tanto a língua
espanhola. É muito mais a cultura: como dar relevância a nosso produto para
atrair essa audiência? Os anunciantes ainda não estão pagando mais por essa
audiência. Mas esta é a graça de nosso negócio. É como um gigante que acorda.
Creio que os anunciantes começam a perceber que o gigante é a população
hispânica dos EUA. E creio que, à medida que eles tiverem um senso do poder
desse bloco de consumidores, veremos aqueles dólares do mercado geral entrando
agressivamente no nosso mundo, no nosso mercado.


O fato de os anunciantes verem essa audiência como um mercado de poder
aquisitivo mais baixo não seria parte do problema?


Não se trata necessariamente de baixa renda, mas de falta de consciência de
como vender para este público. Quando a GE e a NBC compraram a Telemundo,
mandaram uma mensagem significativa de que este é um mercado realmente
importante. O fato de a Univision estar à venda e os compradores mencionados
serem atores importantes é o tipo de notícia que estimula o anunciante do
mercado geral a direcionar seus dólares para nosso mercado.


A Univision não seguiu o caminho de vocês de aumentar a produção original das
populares telenovelas do horário nobre. Mas espera-se que a companhia conquiste
um preço mais alto. O que você acha disso?


Acho que o investimento na Telemundo feito pela GE e pela NBC há quatro anos
foi brilhante. A Univision já atingiu seu máximo. Eles não têm para onde ir, no
sentido de que possuem seu fornecedor, possuem o conteúdo tradicional que
produzem. Nossa audiência está ficando mais jovem e diversificada e cresce mais
rápido que a deles. Só temos a ganhar. Eles já atingiram seu máximo. Nós apenas
começamos a crescer. Somos o futuro e acredito que o modelo de negócio deles é
tradicional e não serve para o futuro.’




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