Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

TV DIGITAL
Ethevaldo Siqueira

Hélio Costa agora se volta contra a imprensa

‘A demora na decisão sobre o padrão de TV digital está deixando o ministro das Comunicações, Hélio Costa, com os nervos à flor da pele. Irritado, ele faz duros ataques, a um só tempo, aos jornais, às operadoras de telecomunicações, à indústria (em especial à Nokia) e aos representantes do padrão europeu. Para o ministro, as empresas de telefonia ‘estão comprando consciências’ na imprensa.

Até há poucos dias, como ele dizia, ‘a bola estava na marca do pênalti’, à espera de que o presidente Lula fizesse o gol. Mas o chute foi adiado porque outros ministros decidiram aprofundar as negociações com os participantes da licitação internacional. Com o passar dos dias, cresce o nervosismo do ministro.

Sua grande esperança era que a decisão sobre a TV digital já tivesse sido tomada desde o começo do mês, bem antes de 31 de março, data limite para a sua eventual desincompatibilização. Agora, considerando que suas chances eleitorais são mínimas para disputar o governo de Minas Gerais, ele tem que usar o plano B, que é permanecer no ministério, para ‘passar à história como o ministro da TV digital’.

A irritação crescente com o insucesso de seus planos leva o ministro a fazer declarações absurdas contra a imprensa, como ocorreu em Belo Horizonte, na terça-feira, quando acusou jornais e revistas de fazerem o lobby das concessionárias de telecomunicações. Para ele, ‘essas empresas (de telefonia) começam a comprar consciências’. O que surpreende nessa acusação risível é ter vindo justamente de quem não tem tido nenhuma neutralidade na escolha da nova tecnologia e se comportar como verdadeiro lobista na defesa de emissoras de TV e do padrão japonês.

E, como tenho dito, ninguém duvida da qualidade do ISDB, o padrão japonês. Mas até seus representantes estão preocupados com os problemas causados pela falta de isenção de Costa, que age como advogado trapalhão. A propósito, ouvi na semana passada de um dos interessados diretos na escolha do padrão japonês o seguinte desabafo: ‘O pior é que nós não temos nada a ver com a atitude do ministro. Sua defesa do ISDB é tão apaixonada que acaba nos prejudicando. Ele poderia ser um pouco mais discreto’.

Como brasileiro, fico perplexo porque não esperava que um ministro das Comunicações pudesse chegar a esse ponto. Sua atitude mais recente foi partir para o discurso xenófobo, condenando a privatização da telefonia e o fato de algumas operadoras de telecomunicações serem controladas por capital estrangeiro.

Desafiando a realidade, Hélio Costa diz que a privatização das telecomunicações resultou em ‘monopólios regionais’. Eu supunha que o ministro soubesse que a Telebrás, sim, é que era um monopólio de âmbito nacional e oferecia à população apenas 13 telefones por 100 habitantes (ante 72, hoje), com planos de expansão que custavam mais de R$ 1.100. E, como ministro, soubesse que hoje há, no mínimo, 19 opções de operadoras de longa distância para o usuário. Ou que, no celular, na maioria dos Estados, competem quatro operadoras. E, mesmo ressaltando os conhecidos e reais problemas de atendimento das concessionárias de telefonia, ele deveria reconhecer que a privatização permitiu ao Brasil elevar em 420% o número de telefones, de 1998 até hoje, passando de 25 milhões para 130 milhões acessos fixos e móveis. Dá para levar a sério?

‘NOKIA, VÁ EMBORA’

Ao falar num seminário sobre TV digital, promovido na terça-feira pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, Hélio Costa pediu à Nokia, maior fabricante de celulares do mundo, que saia do Brasil, confundindo a declaração da empresa, na semana anterior, quando disse que não tinha planos de fabricar um celular para receber imagens de TV digital com a tecnologia japonesa. Erguendo seu celular, o ministro disse: ‘Este aparelho, lamentavelmente, é Nokia. Saibam que 97% dele é importado. Se a Nokia não quer, que vá embora, por favor. Tem várias empresas querendo’.

O que mais irrita Hélio Costa é a independência de jornais e revistas, de pesquisadores, da indústria e de entidades como o CPqD, que não se curvam diante de sua pressão e parcialidade. Mas, em lugar de refutar as críticas, ele prefere desqualificar seus críticos.

Quando tomou posse como ministro, em julho do ano passado, eu e muitas pessoas no setor de comunicações depositávamos alguma esperança em seu trabalho, com base (ingenuamente) em sua experiência como deputado e em sua vivência internacional. Depois de ouvir especialistas, sugeri nesta coluna que ele desse atenção especial a dez prioridades brasileiras no setor. Posteriormente, em diálogo pessoal, defendi a urgência de uma lei geral capaz de harmonizar as relações entre a radiodifusão e as telecomunicações.

Perdi meu tempo e meu latim. Hélio Costa jamais se interessou pelas prioridades das comunicações nem por grandes realizações. Já sabia que a escolha de políticos despreparados para assumir pastas especializadas como o Ministério das Comunicações sempre dá esses resultados.

O mais difícil, no entanto, é explicar como alguém pode permanecer no cargo depois de tantos equívocos e abusos.’



BIOGRAFIA DE FHC
Celso Lafer

Ação, experiência e narração em FHC

‘Hannah Arendt atribuía grande importância à narrativa e à experiência como meio de alcançar a compreensão das coisas. Todo evento, afirmava, ao ser lembrado é pensado, e é inerente à articulação de uma narrativa a busca de um significado a ser compartilhado na intersubjetividade da condição humana. Para Hannah Arendt, as teorias políticas, por mais abstratas que pareçam, usualmente têm subjacentes a instigação de situações e incidentes que, devidamente captados, contêm no seu núcleo o que se tem a dizer.

É visível o alcance explicativo da experiência narrada na exposição do visconde de Mauá aos seus credores, reveladora do desafio do empreendedorismo no Brasil do século 19; de Minha Vida, de Trotski, para o entendimento da formação de um revolucionário; das Memórias, de De Gaulle, na compreensão do que forja um estadista; ou da Autobiografia, de Bobbio, na percepção de como os eventos do século 20 marcaram a trajetória de um intelectual militante.

Estas considerações me ocorrem ao tratar de The Accidental President of Brazil – a memoir, de Fernando Henrique Cardoso, que acaba de ser publicado nos Estados Unidos. O livro é o relato de sua vida na perspectiva organizadora das experiências que levaram um grande intelectual a uma bem-sucedida carreira política, que culminou com dois densos mandatos presidenciais.

O livro de FHC flui naturalmente, avivado com muitos ‘causos’ – de Sartre em Araraquara a Albert Hirschman incursionando pelo interior de Goiás; do chá com a rainha-mãe da Inglaterra ao impacto do encontro com Nelson Mandela. Possui a sedutora boa prosa de quem sabe e gosta de contar uma ‘estória’, intercalando-a com as reflexões do scholar e instigando-a com a sagacidade do político, como se pode ler nos relatos de seu relacionamento com Lula ou de suas conversas com Kohl, Jiang e Clinton.

A narrativa de FHC tem como entorno definidor o Brasil. O enredo é tecido, como ocorre na memorialística, pela estabilidade do eu que conta e retrospectivamente pondera o que foram as experiências de suas passagens.

O relato parte do menino que recupera a experiência política da sua família: o bisavô governador da Província de Goiás, no Império; o avô militar positivista e republicano; o pai, militar nacionalista que viveu a Era Vargas e foi deputado federal pelo PTB. Ao menino inserido na sua família se sucede o jovem de muitos interesses e logo o intelectual crítico, professor de sucesso na USP, voltado como sociólogo para a investigação de campo do nosso país. Segue-se, em 1964, em função da ‘caça às bruxas’ do regime militar, o exílio do homem de pensamento de esquerda. O exílio trouxe agruras, mas também oportunidades intelectuais e institucionais no trato e na lida com o mundo. O retorno, a aposentadoria compulsória da universidade, o peso da vida na vigência do autoritarismo impulsionam o intelectual militante a criar, com engenho, um espaço de pensamento crítico, o Cebrap, que foi levando FHC a uma relevante atuação oposicionista no debate das idéias.

O desdobramento destas etapas é a travessia. Esta é dada pela gradual, mas efetiva transformação do intelectual – que nunca deixou de ser um intelectual – num ator político de crescente competência e importância (prócer partidário, senador, ministro) que enfrentou derrotas (por exemplo, a da eleição da Prefeitura de São Paulo) e com elas aprendeu e que se tornou presidente da República pela força do voto popular. No percurso se mesclam e convergem o talento e os acasos. A isto alude o título do livro, que dá o devido destaque às circunstâncias que levaram FHC ao Ministério da Fazenda e ao Plano Real.

Quais as experiências decisivas deste relato, reveladoras do núcleo daquilo que FHC deseja transmitir e compartilhar? Na esteira da sugestão arendtiana, diria que são quatro. A primeira é fruto da análise de dom Pedro II e de sua queda, com a proclamação da República, da qual seu avô participou. Daí extrai a lição de que nem o preparo e a seriedade, ao modo de dom Pedro II, nem o voluntarismo do inconformismo jacobino da geração do seu avô são suficientes para lidar com os problemas do Brasil. A segunda provém da experiência do acadêmico que estudou em profundidade a escravidão e sua pesada herança na vida do País em termos de raça, desigualdade e pobreza. Daí a consciência das mudanças necessárias para desatar os nós que impedem o efetivo desenvolvimento do Brasil e do seu povo. A terceira experiência é a do exílio. Este ensejou a reflexão sobre a inserção do Brasil na América Latina e no mundo, com seus riscos e oportunidades para os caminhos do futuro. A quarta resulta dos anos de chumbo do autoritarismo. O arbítrio aprofundou as convicções democráticas de FHC e consolidou sua postura em prol dos direitos humanos.

Este é o substrato explicativo da atuação do presidente que na condução dos assuntos foi muito bem servido pela sua personalidade e pelo domínio das artes da política. O que singulariza, no entanto, a gestão de FHC é a sua substantiva condição de intelectual. Foi o que o habilitou a entender a complexidade das questões da agenda brasileira, a perceber tendências e a definir rumos. Do sociólogo, como ele explica, reteve o método: buscar a informação relevante e compreender, sem dogmatismos ideológicos, todos os pontos de vista. Daí, em conexão com as experiências decisivas acima mencionadas, a sua democrática postura como chefe de Estado, procurando entender e discutir antes de decidir.

Governar, dizia Mendès-France, é escolher. Para o homem público FHC, a escolha não é a opção entre o bem ou o mal, mas entre o preferível e o detestável. O detestável, para FHC, é manter o Brasil com suas injustiças como o eterno país do futuro. Por isso, com convicção e competência na sua trajetória promoveu mudanças que estão levando o nosso país a se tornar um país para o hoje, e não para o amanhã. O relato de FHC, com suas experiências e ideais, é um livro de amor ao Brasil.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso’



ERRAMOS DO NYT
Paulo Sotero

‘NYT’ admite erro sobre foto de Abu Ghraib

‘O diário The New York Times retratou-se ontem por uma reportagem publicada no sábado atrasado, na qual apresentou Ali Shalai Qaissi como o prisioneiro encapuzado fotografado em cima de um caixote, com fios ligados aos dedos das duas mãos, que se tornou o símbolo da tortura perpetrada por soldados americanos no presídio iraquiano de Abu Ghraib.

Em extenso artigo de primeira página, o jornal informou que Qaissi, um ex-membro do Partido Baath, de Saddam Hussein, que esteve preso em Abu Ghraib entre outubro de 2003 e março de 2004, reconheceu não ser o homem da imagem.

O Times admitiu que ‘não checou adequadamente a insistência de Qaissi de que era o homem na foto’ e reconheceu que ‘deveria ter sido mais persistente na busca de comentários dos militares’, depois que o Pentágono declinou negar ou confirmar se Qaissi era o encapuzado.’



TELEVISÃO
Leila Reis

A luz faz a diferença

‘Protagonista da Record é mix de dois personagensE sta semana provavelmente deve ser a mais agitada do ano na TV. Fora a estréia de duas novelas na mesma noite – Sinhá Moça, de Benedito Ruy Barbosa, na Globo, e Cidadão Brasileiro, de Lauro César Muniz, na Record – vários paradigmas foram quebrados. O primeiro foi exibir capítulos inteiros sem intervalo, como na segunda-feira, inclusive na Globo que, pelo montante de compromissos comerciais, tem pouca margem de manobra em sua programação.

Como o SBT nos bons tempos, a Record revirou sua grade e, ao contrário da bula escrita na Globo desde os anos 70, colou uma novela na outra e jogou o Jornal da Record para mais tarde. Isso quer dizer que destemidamente botou Cidadão Brasileiro para brigar com Jornal Nacional e com um bom pedaço de Belíssima.

A valentia foi recompensada. Na segunda, a novela Prova de Amor marcou 20 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo) e até improvisou uma participação especial do autor Lauro César Muniz e sua mulher, a atriz Bárbara Bruno, no capítulo. E Cidadão Brasileiro começou com 15 pontos de média, baixando para 13 na terça e na quarta. Essas audiências são absolutamente muito boas para os padrões da Record. Não é à toa que o clima nos bastidores da emissora do bispo é de euforia.

Prova de Amor vem fazendo sua carreira em cima da cartilha da Globo, com temática (e ambientação aos pés do Pão de Açúcar), atores, técnicos e diretores oriundos das fileiras da líder. Em outra vertente, é o mesmo caminho de Cidadão Brasileiro. Ela é feita da costura que Lauro César Muniz tirou de tramas suas que marcaram época na Globo – O Casarão e Escalada. Como Sinhá Moça, o texto não é inédito e se trata de uma novela de época.

Coincidência ou por querer, uma das protagonistas de Cidadão Brasileiro é Lucélia Santos que, em 1986, estava no lugar ocupado hoje por Débora Falabella como a sinhá moça, arrebatando o País com sua luta contra a escravidão e pelo amor do abolicionista Rodolfo.

A ‘novela das 8’ da Record tem uma boa história. Gabriel Braga Nunes interpreta Antonio Maciel, personagem central que conduz a trama de 1955 a 2006. No nome, esse personagem mistura os dois protagonistas das novelas escritas por Muniz há pelo menos 30 anos: João Maciel, de O Casarão, e Antonio Dias, de Escalada. Vendedor de agrotóxicos, Antonio sofre um golpe da trambiqueira Fausta (Lucélia Santos) no primeiro capítulo: ela lhe rouba uma boa quantia de dinheiro que deveria ser entregue a seu patrão. Fausta, ou Faustina, vai cruzar o caminho dele 20 anos depois.

H á no elenco gente muito experiente que já integrou o primeiro escalão da Globo. Cecil Thiré, Afrânio Peixoto, Luiza Thomé, Tuca Andrada e Paloma Duarte, por exemplo. As locações externas são boas, bem cuidadas, e a composição da época – cenários e figurinos – está até bem feitinha.

A trilha sonora tem qualidade, mas pouca coerência. Por exemplo, Ponteio, de Edu Lobo e Capinam, é uma bela canção, mas seria composta pelo menos 10 anos depois da época em que se passa a novela. É claro que existem defeitos. A maquiagem pesada das mulheres – em especial a de Paloma e de Lucélia – remete à estética over das novelas mexicanas.

Como se nutriu nas fileiras da Globo para montar seu casting, equipe técnica e levando em consideração que hoje não há grandes dificuldades para adquirir aparatos tecnológicos moderníssimos, é meio decepcionante a qualidade da imagem vista no vídeo. A iluminação ainda é um problema grave fora da Globo. A luz distorce e enfeia cenas que parecem ter exigido grande esforço para serem preparadas.

Fica mais chocante quando se compara com Sinhá Moça. Evidência de que a Globo não se acomoda sobre seus louros, a imagem da novela das 6 tem sido tratada com softwares sofisticadíssimos, que lhe dão a qualidade de cinema. E essa é uma grande diferença.’



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Gugu Liberato renova contrato com o SBT

‘O apresentador de TV Gugu Liberato renovou ontem o contrato com o SBT após uma longa conversa com o empresário Silvio Santos. Gugu estava insatisfeito com os projetos da emissora e chegou a demonstrar interesse em se transferir para a Record. Ele tinha agendado uma reunião com os dirigentes da Record na segunda-feira, mas preferiu ficar no canal de Silvio Santos. Nem o apresentador nem o SBT revelaram os valores da renovação. A emissora se limitou a dizer que a proposta era ‘irrecusável’.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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