Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Ethevaldo Siqueira

As comunicações rumo à convergência total

‘Para nós, usuários, o que interessa é o resultado prático, as soluções e benefícios que o avanço tecnológico pode trazer. Não temos, necessariamente, que conhecer siglas, jargão ou como funcionam os novos serviços e equipamentos. Mas é sempre melhor entender os conceitos básicos da tecnologia que está mudando nossa vida.

Quer ver um bom exemplo dessa situação, leitor? Num horizonte de três a cinco anos, eu e você poderemos estar começando a utilizar um sucessor do celular, que poderá conectar-se com qualquer outro serviço ou equipamento, em qualquer lugar, a qualquer hora. Na expressão de visionários, a convergência de tecnologias será tão intensa que o usuário poderá dispor de qualquer serviço, a qualquer momento, em qualquer lugar, sobre qualquer rede, utilizando qualquer aparelho ou dispositivo. Ou, na expressão inglesa: any service, over any network, to any device.

Um seminário de dois dias, promovido pela Telcordia Technologies na semana passada, mostrou, aqui em Miami, entre outras grandes tendências das telecomunicações, essa possibilidade de convergência total de serviços, tecnologias, redes, protocolos, aplicações e dispositivos, que, aliás, já tem nome: Subsistema de Multimídia com protocolo IP (já conhecido pela sigla IMS, do inglês, IP Multimedia Subsystems).

A Telcordia Technologies proclama ser uma das primeiras empresas do mundo a desenvolver um portfólio ou conjunto de produtos e serviços voltados para a convergência total do tipo IMS. ‘Estamos diante da convergência de redes, serviços, aplicações e dispositivos. É um fato da vida cotidiana. Não se trata de saber se tudo isso será realidade, mas, sim, de saber quando e como’, afirma Dan Carrol, CEO da Telcordia.

O IMS, para os especialistas aqui reunidos, é a mais promissora tendência das comunicações. E o mundo começa a vencer o maior desafio à sua implantação: torná-la factível, eficiente, vantajosa e competitiva em termos de custo e benefícios.

Convergência deixou de ser apenas uma palavra da moda, charmosa, para se tornar realidade cotidiana, especialmente depois que a internet se tornou uma rede mundial disponível para quase dois bilhões de pessoas. Uma das conseqüências diretas da expansão mundial dessa rede foi o domínio de fato de seu protocolo em todo o planeta, ou seja, do protocolo da internet conhecido pela sigla IP (do inglês, internet protocol).

Não é, portanto, exagero dizer que o mundo vive a revolução IP. É essa tecnologia IP que vai unificando as comunicações, no IMS, numa verdadeira revolução, possibilitando a convergência de todas as formas de comunicação, fixas, móveis, por fio, sem fio, de voz, de dados, de imagens.

OS DESAFIOS

Não são poucos os desafios para tornar o IMS realidade plena e cotidiana, como, por exemplo, a internet ou a telefonia celular. Entre tantos aspectos a serem resolvidos está a fixação de padrões mundiais, que assegurem a interoperabilidade mundial. Para surpresa de muita gente, a maioria desses padrões já foram fixados e aceitos pela comunidade internacional. Falta consenso ainda em alguns pontos na área de redes – como celular, Wi-Fi, Wi-Max.

Outra questão fundamental é o impacto do IMS sobre os modelos de negócios e as questões regulatórias. O mundo terá de evoluir rapidamente para novos conceitos de licença, autorização e concessão de serviços. Chegaremos mais depressa do que se imaginava até há pouco ao conceito de licença única, em que uma operadora passa a prestar não apenas serviços de telefonia fixa ou móvel, longa distância ou banda larga, mas também de distribuidora de conteúdos – voz, dados, imagens, serviços de valor adicionado etc. -, inclusive de radiodifusão (rádio e TV).

OS RISCOS

Muito antes da chegada do IMS, as grandes operadoras de telecomunicações já vivem a ameaça de redução de receitas e da competição cada dia mais agressiva das menores empresas que entram no mercado, graças a tecnologias como Voz sobre IP (VoIP), Wi-Fi ou Wi-Max, ou mesmo de operadoras de TV a cabo.

Para minimizar esses riscos, o mundo conta hoje com grandes consultorias, altamente especializadas – como a McKinsey, o Gartner Group, a Accenture e a Telcordia, para citar apenas quatro exemplos -, capazes de ver os desafios com antecedência maior, preparar diagnósticos realistas e propor soluções que permitam a transição de ambientes, sem os choques que podem ser fatais para concessionárias incapazes de reagir em tempo à mudança de paradigmas, decorrente da evolução tecnológica, da privatização, da competição, da globalização e da mudança de critérios regulatórios.

Entre seus clientes, a Telcordia tem empresas como British Telecom (BT), Telefonica da Espanha, China Mobile, as inglesas Cable & Wireless e Vodafone, a indiana Tata, a Swisscom, a Telemar do Brasil, a Disney Mobile e a Azteca Mobile.

Nascida do desmembramento da AT&T e dos Laboratórios Bell, em 1984, com o nome de BellCore, a Telcordia mudou de nome nos anos 1990 e, mais recentemente, aliou-se à Accenture e a NorBelle, entre outras.’



INTERNET

Verlyn Klinkenborg

Os blogs, como descritos em 1918

‘Freqüentemente, recebo no computador uma lista dos novos livros acrescentados ao catálogo de obras online da Biblioteca da Universidade da Pensilvânia. Para mim essa é a versão de longa distância do tipo de pesca que fiz a maior parte da minha vida, vagando através das bibliotecas, fazendo descobertas acidentais nas prateleiras ao longo do caminho.

Porém, há um paradoxo aqui. Essa é uma biblioteca de alta tecnologia repleta de livros antigos. É verdade que, por causa das restrições impostas pelos direitos autorais, é raro encontrar uma publicação cuja data seja anterior a meados da década de 1920. Não conheço nenhum lugar no qual você possa sentir tão claramente a diferença entre as águas protegidas pelo direito autoral e o mar aberto do domínio público.

Na maioria das vezes, apenas dou uma passada de olhos nos títulos. Mas um dia desses me deparei com The Free Press (‘A Imprensa Livre’), de Hilaire Belloc, publicado em 1918. Belloc, que morreu em 1953, está bem representado online. O Projeto Gutenberg já publicou dez de seus livros, o que parece muito até você considerar quantos livros ele publicou em sua vida – quase 150.

Belloc era versátil, firme em suas opiniões e não poupava esforços. Certa vez, assim resumiu sua filosofia sobre o ato de escrever: ‘A arte toda consiste em escrever e escrever e escrever e depois oferecer para venda, exatamente como manteiga’.

The Free Press é um longo ensaio que examina a história do que Belloc chama de imprensa oficial na Inglaterra e o surgimento de imprensa livre rival, na forma de pequenos jornais, freqüentemente de vida curta.

A imprensa oficial, afirma Belloc, é centralizada e Capitalista (ele sempre escreveu Capitalista com inicial maiúscula) e seus proprietários são ‘o verdadeiro poder governante no mecanismo político do Estado, superior ao das autoridades estatais, nomeando e demitindo ministros, impondo políticas e, em geral, usurpando a soberania – tudo isso de maneira secreta e sem responsabilidade’. O resultado ‘é que a massa dos ingleses parou de ter ou até mesmo de esperar informações sobre a maneira como são governados’.

É uma delicada tarefa histórica transplantar o argumento de Belloc da época dele para a nossa. Talvez nada distancie tanto seu ensaio como a pressuposição de que os principais jornais moldavam o poder político da nação – que os políticos governavam com o consentimento tácito dos donos de jornais.

Nenhum jornal ou rede de TV da nossa era pode ocupar o lugar do conjunto dominante de jornais de lorde Northcliffe (1865- 1922, jornalista britânico nascido na Irlanda, o mais espetacular jornalista e editor de jornais da imprensa britânica. Fundou o Daily Mail em 1896 e o Daily Mirror em 1903), incluindo o The Times de Londres, que incorporava a idéia de Belloc de imprensa oficial. O equilíbrio de poder mudou e muitos dos ideais implícitos da imprensa livre ou independente, como Belloc a descreve, foram absorvidos por jornais modernos. Também não faltam jornais pequenos, opinativos e independentes que ele defendeu.

Mas ainda vale a pena ler The Free Press, pois descreve, com algumas importantes adaptações, a relação em evolução entre blogueiros políticos e a mídia da corrente central do pensamento nacional. A imprensa livre descrita por Belloc era uma horda de pequenos jornais altamente opinativos, às vezes propagandísticos, que surgiram em reação à ‘imprensa oficial do Capitalismo’. Segundo Belloc, o que caracterizou a imprensa livre foi um ‘particularismo discrepante’.

Como ele diz, ‘a imprensa livre lhe dá a verdade, mas somente em seções desarticuladas, porque é discrepante e é particularista (para ‘particularismo’, Belloc oferece ‘excentricidade’ como sinônimo). Para chegar à verdade lendo os órgãos da imprensa livre, você precisa ‘juntar tudo e anular uma declaração exagerada comparando-a com outra’.

Mas o que ele quer provar é que você pode chegar à verdade.

Há parágrafos inteiros no ensaio de Belloc nos quais se você substituir imprensa livre por blogs ficará surpreso com as semelhanças. Ele observa que os jornais da imprensa livre raramente se pagam e que muitas vezes tropeçam na ‘informação imperfeita’, simplesmente porque não é de interesse dos políticos falar com eles.

Eles tendem a pregar para os convertidos. E são limitados pela visão do seu fundador. ‘É difícil’, escreve Belloc, ‘ver de que forma alguns dos jornais que mencionei vão sobreviver muito tempo à perda de seu atual editor’.

A intenção de Belloc não é trazer à luz as limitações dos blogueiros – perdoe-me, da imprensa livre. É mostrar como, por mais imperfeitos que sejam, eles podem contribuir enormemente para nossa capacidade de conhecer o que está acontecendo. Qualquer pessoa que passa muito tempo lendo blogs políticos detectará uma nota familiar – numa prosa muito melhor – entre as certezas de Belloc. Em resumo, ele escreve como um blogueiro do seu tempo.

*Jornalista do ‘New York Times’’



FUTEBOL NA ACADEMIA
Luiz Zanin Oricchio

Futebol também seduz o mundo intelectual

‘José Lins do Rego dizia que o intelectual brasileiro não sabe nem bater um escanteio. Em ano de Copa do Mundo, a revista Entrelivros tenta mostrar que não é bem assim. Hoje, os escritores se interessam pelo mundo da bola, escrevem sobre o jogo e fazem dele fonte de inspiração de suas narrativas. Na verdade, apesar do proverbial desprezo dos intelectuais pelas coisas que vêm do povo, desde muito cedo se escreveu sobre futebol no Brasil. No artigo central da revista – Visões do Jogo – Túlio Velho Barreto relembra esses momentos.

Recorda, por exemplo, que o sucesso da seleção brasileira no Mundial da França, em 1938, motivou o antropólogo Gilberto Freyre, já então autor do clássico Casa Grande & Senzala, a escrever sobre o estilo brasileiro de jogar. O artigo, publicado no Diário de Pernambuco, no dia 17 de junho, um dia depois da derrota da seleção para a Itália, tornou-se peça literária famosa. Nela, Freyre tenta detectar a especificidade do jogo brasileiro, que viria da dança, da capoeira, da música – enfim, dos elementos afro-brasileiros presentes na composição étnica do país.

Esse jogo de 1938, que o Brasil perdeu para a Itália num pênalti duvidoso de Domingos em Piola, marcou época. Tanto, que o ditador Getúlio Vargas anotou em seu diário o espanto diante da tristeza da população, ‘como se se tratasse de uma desgraça nacional’. A observação de Getúlio foi útil para que, a partir de então, ele passasse a usar a popularidade do futebol para finalidades políticas.

Mas, como recorda Túlio Velho Barreto, nem sempre o futebol foi unanimidade entre escritores. Lima Barreto via nele indesejada importação, que só acirrava rivalidades inúteis, como a existente entre cariocas e paulistas. Graciliano Ramos também achava que a importação do futebol era artificial e apostava que a ‘moda’ não iria pegar entre nós. Já Olavo Bilac e Monteiro Lobato elogiavam o esporte e viam nele uma possibilidade de melhorar o estado físico do povo brasileiro.

Ficcionistas incluíram o jogo da bola em suas narrativas, como fez Antonio de Alcântara Machado em um dos relatos de Brás, Bexiga e Barra Funda, e agora fazem autores como Moacyr Scliar, João Ubaldo Ribeiro, Clara Arreguy e André Sant’Anna. Um poeta como Carlos Drummond de Andrade fez o elogio de Pelé e outro de igual porte, João Cabral de Melo Neto, imortalizou Ademir da Guia em poema que leva o nome do camisa 10 do Palmeiras no título. Já Vinícius de Moraes preferiu fazer a ode dos dribles de Mané Garrincha, o que foi opção de bom gosto.

A ensaística do futebol nacional, que começa talvez com o artigo fundador de Gilberto Freyre, conta com um clássico como O Negro no Futebol Brasileiro, de Mário Filho. Livro, aliás, prefaciado pelo próprio Freyre quando lançado em 1948. Outros intelectuais e acadêmicos escreveram sobre a função social do futebol no Brasil, como foram os casos de Anatol Rosenfeld e Roberto DaMatta. Autores como Thomaz Mazzoni e Joel Rufino dos Santos interpretaram a história do futebol brasileiro, em obras hoje esgotadas. O interesse acadêmico pelo jogo renovou-se, a ponto de a Universidade Federal do Rio de Janeiro ter criado em 1990 o Núcleo de Sociologia do Futebol, sob coordenação do professor Maurício Murad.

Enfim, muito se escreveu sobre o futebol e muito há ainda por se escrever, pois esse esporte é fonte quase inesgotável de idéias narrativas. E, o que é uma vantagem, parece suficientemente ambíguo para que cada qual veja nele o que bem lhe interessa. No conjunto de frases colocado no final do dossiê da Entrelivros, há algumas saborosas. Nelson Rodrigues, o maior dos cronistas esportivos, celebra o paroxismo: ‘O futebol é anterior ao sexo’. De maneira sutil, Gilberto Amado comenta a baixa autoestima do brasileiro: ‘A única objeção que se pode fazer ao football é não ser original brasileiro. Mas é de elementar observação que, se fosse nacional, o futebol não teria por aqui nenhum prestígio’. E usando o futebol para puxar a brasa para a sua sardinha, o liberal Mario Vargas Llosa teoriza: ‘O futebol é o ideal de uma sociedade perfeita: poucas regras, claras, simples, que garantem a liberdade e a igualdade dentro do campo, com a garantia do espaço para a competência individual’.’



TELEVISÃO
Leila Reis

Brasil se gosta mais

‘Kubrusly pincela ‘Fantástico’ com boas históriasA quele Brasil que fica bem longe das megalópoles do Sudeste começa a dar as caras na TV de maneira consistente. A sensação é a de que, de uns tempos para cá, este país começa a olhar para si – e não estamos falando das areias claras de Ipanema nem da moderna agitação de São Paulo – com mais carinho, tentando se entender, se gostando mais.

Nada a ver com aquelas aparições ambientadas em solos gretados pela seca, inundados pelas enchentes, no lugar garantido às tragédias nos telejornais. É uma abordagem amigável, com um olhar mais cúmplice, generoso. Essa tendência já vem sendo pincelada no Fantástico com as divertidas andanças de Maurício Kubrusly e Regina Casé por esse mundão a dentro.

O ritmo dessas incursões é mais frenético, o tempo é outro, diferente daquele dos documentários que, por questão de vocação e estilo, só têm tido vez nas emissoras educativas. E a TV Cultura tem cumprido bem a função de oferecer um tipo de programa mais denso, um mergulho mais calmo em assuntos poucos disponíveis na rede comercial. Oferece hoje perto de 10 horas de documentários por semana.

Dentro da programação, o mais significativo é a série Doc TV, projeto iniciado há oito meses, que envolve realizadores dos 27 Estados da Federação, com os quais a Cultura estabelece parceria que envolve treinamento e supervisão com gente do ramo como Geraldo Sarno, Jorge Bodanzky, Joel Pizzini, Maurice Capovilla e Eduardo Coutinho.

Com a participação de ‘nativos’, os documentários ganham um novo sotaque. Perdem aquele caráter recorrente, em que o resultado é impressão do olhar estrangeiro sobre o exotismo de terras e povos distantes. Essa aliança dá a sensação de que alguém que nos abre a porta e nos leva para mostrar a casa por dentro. Um exemplo: o programa que fecha a noite de hoje na Cultura (23 h), Uma Princesa Negra na Terra do Marabaixo.

Dirigido por Maria das Dores Araújo Prego, o programa pega a trajetória de uma personagem local, nascida na comunidade Ressaca da Pedreira, como pretexto para mostrar as raízes africanas e os costumes de cidadãos do Amapá, da fabricação da gengibirra (bebida à base de cachaça e gengibre) às festas do marabaixo, à base de batuque de tambores (caixa de marabaixo) e muita dança.

O documentário não tem a fluência de cinema, mas é um recorte interessante pois, além de mostrar um certo tipo de manifestação tradicional da cultura popular, mostra a filosofia e o jeito de tocar a vida de uma parcela da população que dificilmente seriam conhecidos pelo espectador em outro recanto da programação.

A qualidade que mais agrega valor à série Doc TV é a diversidade. Em seu acervo há uma gama de assuntos díspares, que vai da refeição que sustenta a população no interior da Amazônia ao drama de mulheres cariocas que têm maridos, filhos e pais presos. Do perfil de personagens históricos a denúncias ecológicas.

Em outra linha, na do Brasil que dá certo, está a série 100% Brasil, produzida pela TVE, que a Cultura exibe nas manhãs de sábado. Dirigido por Belisário França (ex-Brasil Legal) e Bebeto Arantes, o programa faz um passeio pelos projetos verde-amarelo bem- sucedidos: da pesquisa do biodiesel ao Projeto Tamar, do trabalho social de Carlinhos Brown na periferia de Salvador aos avanços da medicina na pesquisa da célula-tronco.

100% Brasil dá uma injeção de otimismo na auto-estima do telespectador a cada edição – fluente e bem conduzida pela repórter Tracy Segal -, trazendo para o vídeo uma casta de cidadãos que usa a esperteza e a inteligência a favor do bem-estar público.’

O Estado de S. Paulo

‘Sei do meu conteúdo. Pena quem não sabe’

Simples seria dizer que Eliana é uma menina de sorte. Bonita e comunicativa desde criança, para ela foi fácil entrar na TV. Mas, vamos parar para pensar só um pouco. Quantas meninas como Eliana passaram pela TV? E quantas ainda estão? Três. Mas, dessas três, quantas têm futuro na TV? Eis o mérito de Eliana.

A menina de sorte que começou com o grupo Patotinhas, que dançou lambada no Banana Split, hoje rouba audiência daquele que a descobriu. Quando Silvio Santos a convidou no ar para ser a nova apresentadora do SBT mal sabia que, anos depois, seria ela quem iria roubar pontos da sua audiência.

Silvio hoje bem sabe que há três meses Eliana mantém aos domingos a vice-liderança para a Record com o seu Tudo é Possível. Tanto que o patrão mudou a grade – mais uma vez – e há três semanas partiu para o embate direto para ver se consegue vencer aquela que um dia foi sua pupila. 3 x 0 para a novata.

Faz bem Eliana em dizer que uma menina de sorte não fica 16 anos no ar, faz bem você em deixar o preconceito de lado, as entrevistas que leu e as fotos que viu nas revistas de celebridades. De ingênua e bobinha, Eliana não tem nada.

Você acha que a fase das apresentadoras loiras de programas infantis acabou?

Não sei. Sei que as crianças mudaram. As crianças de 16 anos atrás tinham outra educação, outro acesso. Hoje é uma loucura, criança de 3 anos mexe no computador! Acho que não poderia permanecer cantando a famosa música escolar, a música dos dedinhos… Essa consciência eu sempre tive. Acho que em tudo na vida você tem que evoluir. Eu já estava com o público adolescente, mas mudei também por que a proposta (de um programa adulto) casou muito com minha questão pessoal. Estava casando, queria desacelerar um pouco depois de ficar 16 anos no ar por 2, 3 horas por dia. Para mim foi uma oportunidade de respirar, trabalhar com mais tranqüilidade.

Você sempre foi politicamente correta. Isso fazia parte do pacote que você tinha de cumprir para ter uma boa imagem?

Não, não era nenhuma máscara. Sei que há pessoas que precisam disso, que gostam de coisas que não condizem com o trabalho. Mas eu não. Comecei a trabalhar com 12 anos e sempre fui disciplinada, não que eu não me divertisse. Eu me divertia e muito, saía e muito, mas sabia aonde ir e com quem ir. Não por medo de ser flagrada porque não bebo, não fumo e sempre namorei. Não acho absurdo quem namora bastante, isso não é demérito para um grande profissional. Mas, olha, acho que é bacana ser politicamente correta (risos)! É claro que não sou nenhuma santa, mas porra louca nunca fui mesmo.

O que mais te impressionou quando entrou para a TV?

Foi o Silvio Santos. Imagina, ele era o ídolo de casa, todo domingo almoçávamos macarronada assistindo ao Silvio. Foi quando o conheci que pensei: ‘Pôxa, estou mesmo na TV’. Estava nas Patotinhas e depois conheci o Gugu (Liberato) que precisava de uma menina para o Banana Split. Mas fiquei só oito meses porque voltei a fazer o programa do Silvio Santos e ele, no ar, começou a perguntar se o público gostava de mim. Depois me fez o convite: ‘Você gostaria de ser apresentadora?’ (imita a voz). Foi um momento ímpar da minha vida.

E como é sua relação com o Silvio Santos?

Sempre foi muito boa. Mesmo porque sempre fui dedicada. Me mostra o que tenho que fazer, de que maneira, a que horas preciso chegar que vou e faço. Todas as conquistas que tive foram minhas. Não tinha ninguém por trás, não tinha família rica, pelo contrário, sempre ajudei minha família. Morávamos no Jardim Paulista, mas só porque meu pai era zelador de um prédio. Estudei em colégio estadual e depois fiz faculdade privada (de psicologia, que não concluiu) porque já podia pagar.

Morar ao lado de crianças ricas foi opressor?

Foi uma experiência ótima porque sabia exatamente onde era meu lugar. Brincava nos apartamentos de quatro dormitórios e voltava para meu apartamentinho de um dormitório. Brincava com as bonecas da época, mas voltava para minha casa e tinha os meus brinquedinhos que não eram tão novos, já estavam meio capenguinhas. Mas foi bárbaro para eu entender, valorizar ainda mais o que eu tenho hoje. Não sou nada mimada.

As crianças hoje são bem mais consumistas. Como lida com isso sabendo que tem criança que quer brinquedo da Eliana e não pode comprar?

Tenho mais de 160 itens que variam de calçados, brinquedos, livros, CDs, jogos, roupa, material escolar… Lido com isso tendo principalmente vários produtos com vários preços. Tenho uma boneca que custa R$ 100 e também uma que custa R$ 15. Hoje ampliei esse horizonte de licenciamento porque recebemos propostas para lançar produtos para mulheres. Estou lançando hidratante antiestrias e xampu.

Um novo universo, sem fim…

Olha, tudo que eu lanço tem de ter uma verdade dentro de mim. Por que não lancei um creme antiestrias antes? Porque era uma coisa que não tinha a ver, meu público era infantil. Hoje é outro. Acho que quando você faz uma coisa séria você quer mesmo que não tenha fim. Eu não tenho empresário por trás de mim, sou eu. Muitos profissionais não têm escritório para trabalhar, para criar, eu tenho. Não estou brincando com o que faço. Quero permanecer como apresentadora por muitos e muitos anos e sei que essa nova fase me dá um futuro muito mais promissor.

Você não acha que capa de revista de celebridades desgasta a imagem do artista?

Se a pessoa está disposta a falar, tem veículo que queira ouvir e público que queira ler. Qual é o problema? Acho que a minha privacidade sempre foi respeitada no limite que eu coloquei. Não me arrependo de nada. O que me incomoda são as mentiras, ponto.

Fim de namoro, começo de namoro, é notícia?

Cada veículo com sua finalidade. Hoje falando com você sei com que público estou falando, são outros interesses. Tem aquela história que falam: ‘Ah, o artista só fala com esse tipo de veículo (de celebridades) porque ali ele nunca vai ser colocado em uma situação difícil.’ Isso nunca existiu na minha vida, nunca fugi da raia. ‘Ai, não vou dar entrevista senão vou falar besteira.’ Nunca. Não sou contra fazer nenhum tipo de revista que eu possa mostrar minha beleza, minha casa ou a minha felicidade ao lado do meu marido… Sou contra fazer só isso. Aí acho que as pessoas deixam de conhecer quem você realmente é.

E tenta balancear como?

Por exemplo, quando me casei. Depois de tanto tempo as pessoas assistindo a sua vida, porque é um reality show, as pessoas queriam participar do meu casamento, a própria emissora queria estar no casamento. E isso não foi permitido. Não era uma festa de badalação, havia poucas celebridades mesmo porque tenho poucos amigos ‘celebrities’. Era um casamento, não um evento. Acho que dou uma abertura limitada, controlada. Não é aquele oba-oba: ‘Vem, gente, vamos lá todo mundo, come aí, bebe aí.’ Nunca.

Como sobreviver em um reality show?

Normal porque convivo com isso há muitos anos. Mas sei viver sem isso. Aliás, se tem uma coisa que mais sei é saber desde pequena qual é o meu lugar real. Faço até uma analogia com minha infância. É a mesma coisa que acontece quando estou na frente das câmeras e quando estou em casa. Aqui eu não me coloco como ‘a apresentadora que vai abrir as portas da sua casa para sua família’. Não. E se um dia tiver que interromper minha profissão vou estar fazendo outra coisa muito feliz. Acho que é necessário trabalhar, não exatamente nesse ramo que faço.

Não te espantaria não causar o mesmo impacto que causa em lugares públicos?

Eu vou à feira, ao cinema… não vivo em uma redoma. A minha carreira faz parte da minha vida, não é minha vida. Nos oito meses que fiquei fora do ar estava trabalhando muito no meu programa, produzindo, criando… Quando as pessoas falavam que eu não ia voltar para a TV ficava pensando: ‘Será que só existo se estiver sob os holofotes?’ Não! Tem uma profissional aqui que vai muito além da imagem, tem uma profissional aqui que rala, que vê fitas e mais fitas para achar um programa bacana. E as pessoas não viam a profissional, só viam a imagem. E, se a imagem não estava no ar, ahhhhh, ela não está fazendo nada. Mas estava trabalhando como nunca trabalhei, fato que hoje está dando resultado.

Mas não acha que revistas de celebridades exploram justamente essa imagem, esse engodo?

Faz parte da publicação. Mas quem me conhece de fato, profissional da área, sabe que sou muito mais que uma pessoa bonita que teve sorte na vida. Isso não te faz ficar 16 anos à frente de um programa. E passei por vários desafios. Passei 7 anos em uma emissora e fui para outra quando essa nova emissora não é o que é hoje. Sabia que lá poderia crescer e cresci. Nada na vida é por acaso. Assim como não é por acaso que os meus produtos fazem sucesso, não é porque eu tenho um marketing muito bom. Não é. É por muito trabalho. Não tenho problema algum em falar com um jornal aqui e amanhã sair em uma capa de revista para mostrar minha beleza. Sei do meu conteúdo, pena quem não sabe.

É, aquela imagem ingênua na capa da revista…

Ingênua? Não. Bobinha? Nem pensar. Boa sim, boazinha nem pensar. Às vezes as pessoas acham que a gente é boba, mas comigo não é assim. Sou do bem, mas sei dos limites de cada um. A ingenuidade passou longe.’



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