ELEIÇÕES 2006
Editorial
A pior de todas as campanhas
“O debate de quinta-feira na Rede Globo foi o fecho apropriado para a mais esquálida campanha presidencial que se viu na história do Brasil democrático. Desde a disputa centrada nas candidaturas Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes, em 1945, até a mais recente, de 2002, com Luiz Inácio Lula e José Serra como os principais protagonistas, nunca uma temporada eleitoral se caracterizou por tamanha pobreza de idéias e pela inexistência de qualquer coisa parecida com um confronto substantivo de propostas para o País. Mesmo as três últimas eleições indiretas da ditadura militar tiveram mais vida inteligente do que esta: graças ao ‘anticandidato’ Ulysses Guimarães em 1973, ao militar dissidente Euler Bentes Monteiro em 1977 e ao oposicionista afinal vitorioso Tancredo Neves em 1985, elas pelo menos serviram para fazer avançar a causa da democracia com justiça social.
Agora, dois fatores se combinaram para produzir o torpor que foram esses intermináveis meses de anticampanha, culminando com o melancólico espetáculo de anteontem, que, como não podia deixar de ser, se resumiu numa sucessão de rajadas contra o alvo ausente, o presidente Lula. Um dos fatores da dormência é de natureza estrutural: o sistema de propaganda eleitoral e as regras dos debates na televisão. O outro, a conduta de Lula, antes e durante o processo. É certo que, na era da videopolítica, conforme a expressão do pensador italiano Giovanni Sartori, a telegenia dos candidatos, o maior ou menor appeal de sua figura e de sua personalidade – uma coisa e outra construídas pelos marqueteiros -, tem um peso desmedido nas decisões do eleitorado. E, apesar da relativa convergência das posições políticas, no mundo que já não se divide em torno de grandes e conflitantes concepções sobre a organização da economia e o funcionamento da sociedade, nos países amadurecidos o eleitor é capaz de identificar programas próprios nas diversas correntes partidárias.
No Brasil, o horário eleitoral, no atual formato, é um breve contra o pensamento. A mise-en-scène dos candidatos, gasta como os sambas-enredo de carnavais passados, mais a presença poluidora de uma chusma de nanicos, alguns dos quais autênticos tipos teratológicos, praticamente acabam com qualquer chance de levar o eleitor a usar a cabeça. A sua tentação, satisfeita a curiosidade inicial, é aproveitar o tempo de outras formas. Pior ainda quando a lei obriga as emissoras a acolher nos seus debates os candidatos de papel machê – a turma do 1% de intenções de voto -, a menos que consigam induzi-los a abrir mão do seu direito em troca de espaço no noticiário eleitoral. Não raro eles vão apenas para servir de escada a algum candidato competitivo ou de estilingue contra o favorito. O ruído que eles fazem e a fragmentação do programa tiram dele o que em outras circunstâncias pudesse ter de efetivamente informativo para o eleitor chegar a uma conclusão com conhecimento de causa. Este ano, não bastasse isso, entrou em cena o fator Lula.
Este ano, modo de dizer. A campanha da reeleição, ocupando crescentemente os espaços da mídia, começou no primeiro dia do primeiro mandato. Com essa onipresença, mais o seu carisma – sem esquecer os seus êxitos em tolher a inflação e administrar o Bolsa-Família, que só merecem elogios -, o presidente reverteu a queda de sua popularidade e da aprovação ao seu governo em fins do ano passado, sob o impacto do mensalão. Lula chegou ao início da campanha com tamanha vantagem em relação aos adversários que a estes só restou concentrar-se no seu calcanhar-de-aquiles, a profusão de escândalos do qual não consegue se desvencilhar. Nem por isso ele se conteve no uso da máquina de fazer bondades. Depois de aumentar o salário mínimo em nível que sabe ser desastroso para as contas públicas, pôs-se a agradar setores econômicos seletos. Ainda há pouco, mandou baixar a taxa de juros (TJLP) cobrada nos empréstimos do BNDES.
Quinta-feira, enfim, ele completou o desserviço de manter limitada a pão e água a dieta de idéias para o voto de amanhã. A sua ausência no debate da Globo não apenas deu aos presentes o pretexto para atacá-lo, qualquer que fosse o tema da hora, como ensinou aos brasileiros mais simples que não há nada de mal quando um governante, confiando no seu prestígio junto a eles, se permite dar as costas ao mais significativo dos eventos de uma campanha eleitoral para o fortalecimento da democracia.
Escândalo do abafa-dossiê
Não bastasse o tremendo estrago causado à imagem do governo Lula pelo escândalo do dossiê, que envolve, inclusive com mandados de prisão já decretados, pessoas estreitamente ligadas ao presidente da República, como o seu segurança e o seu churrasqueiro predileto, surge agora um subproduto da desastrada ‘Operação Tabajara’ – a grotesca tentativa de um bando de petistas de comprar um dossiê que supostamente comprometeria o candidato a governador de São Paulo José Serra, com a tramóia dos sanguessugas. Para dizer sem subterfúgios, trata-se agora de uma clara tentativa de abafa, por parte do Ministério da Justiça e da força que lhe é subordinada, a Polícia Federal (PF), quem sabe para que a dinheirama encontrada com os intermediários da negociação do dossiê – R$ 1,75 milhão em dólares e reais – não pudesse causar impacto eleitoral.
O Banco Central (BC) é a instituição que possui o registro de todas as operações de compra e venda de dólares, feitas pelas instituições financeiras em operação no País, assim como detém a identificação de todos os envolvidos em transações desse gênero. Era de crer, portanto, que na investigação da procedência daquela grande soma de dinheiro em espécie a Polícia Federal tivesse feito, logo de início, uma consulta formal ao BC. Mas qual foi a surpresa – e a compreensível indignação – dos senadores Tasso Jereissati e Heráclito Fortes quando, ao visitarem anteontem o presidente do BC, Henrique Meirelles, dele ficaram sabendo que até então nem a Polícia Federal nem o Ministério da Justiça haviam solicitado àquela instituição informações que identificassem as pessoas que sacaram ou transportaram o dinheiro apreendido.
Entende-se o desabafo contundente do senador Jereissati: ‘Isso é escândalo, um absurdo. O ministro da Justiça tem que responder a isso. Do contrário, está sendo cúmplice de um crime.’ Disse mais o presidente do partido dos tucanos: ‘Acuso o Ministério da Justiça e a PF de estarem escondendo o que sabem.’ Apesar de o BC ter todas as condições de rastrear o caminho do dinheiro, Meirelles disse a Jereissati que ‘todas as investigações estão sendo conduzidas apenas pela PF, sem nenhuma articulação com o Banco Central’ – o qual, em razão das normas do sigilo bancário, só pode realizar levantamentos e fornecer informações quando oficialmente instado a fazê-lo. Não há, então, como deixar de dar razão ao senador cearense, quando considera estranhíssimo que a PF ainda não tenha pedido ao BC ajuda para solucionar o caso – e que a PF ‘já sabe’, sendo de alguma forma constrangida a não informar.
Não melhorou em nada a imagem da Polícia Federal a ‘defesa’ que fez seu diretor-geral, Paulo Lacerda, ao afirmar que ‘buscar informações no BC é irrelevante’, pelo fato de a PF já ter obtido as informações necessárias, graças ao acordo de cooperação com os EUA. Só depois dessas idas e vindas é que a PF oficiou ao BC pedindo informações. Ora, será que o órgão incumbido de fiscalizar e controlar o fluxo das operações financeiras do País não teria, de início, informação alguma a prestar sobre o caso? Por sua vez, o ministro Márcio Thomaz Bastos não deu resposta àquelas indagações, preferindo resvalar para a saída fácil da ironia, ao dizer: ‘É querer demais da natureza humana que presidentes de partidos, na véspera das eleições que lhes são desfavoráveis, não tentem gerar fatos.’
Ora, um ministro da Justiça, sob cujo comando está a força federal que desenvolve importante investigação criminal, não deveria, pelo menos publicamente – e sob pena de clara suspeição -, referir-se abertamente a favoritismos eleitorais, posto que ele está a serviço de uma Pasta Ministerial de Estado e não de uma candidatura à reeleição de um governante. E, a propósito de ‘gerar fatos’, há de convir: quem gerou o fato do dossiêgate?
Passadas duas semanas sem a descoberta da origem do dinheiro, mas sabendo-se que foi Hamilton Lacerda – ex-assessor de comunicações do candidato petista a governador de São Paulo, Aloizio Mercadante – quem transportou aquela grande quantidade de cédulas de dólares e reais para os intermediários presos da desastrada ‘Operação Tabajara’, tem -se apenas que saber, desse cidadão, onde ele pegou a dinheirama. Será tarefa tão difícil, essa?”
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PT tenta vetar foto do dinheiro do dossiê e quer impugnar Alckmin
“A dois dias das eleições e 14 dias após sua apreensão, apareceu a imagem do dinheiro que petistas pretendiam dar à família Vedoin em troca de material contra tucanos. Às 13h30 de ontem, o Portal do Estadão divulgou as fotos das pilhas de reais e dólares que totalizam R$ 1,75 milhão, mostrada depois pela mídia de todo o País.
A imagem alarmou a cúpula do PT, que tentou barrar sua divulgação recorrendo ao Tribunal Superior Eleitoral. Para o ministro José Delgado, do TSE, o segredo de Justiça do inquérito sobre o dossiê Vedoin não se aplica necessariamente à foto. E o pedido do PT foi negado.
Na tentativa de neutralizar eventuais efeitos negativos para a campanha do presidente Lula, o ministro Tarso Genro procurou afastar o escândalo do Planalto. ‘Essa questão é uma questão de São Paulo’, sustentou, apesar de haver oito petistas diretamente envolvidos na compra e divulgação do dossiê – dos quais três têm relações pessoais com o presidente Lula e seis trabalhavam no comitê da reeleição. Hoje, o PT vai entrar com pedido de impugnação da candidatura Geraldo Alckmin, alegando que utiliza a mídia para explorar o dossiê contra Lula.
Hamilton Lacerda, ex-coordenador da campanha de Aloizio Mercadante, negou em depoimento que tenha sido portador de parte do dinheiro. Ele disse que a mala com que foi flagrado pelo circuito interno de um hotel tinha material de campanha, roupas e laptop. Para investigadores da PF, a versão de Lacerda não se sustenta.”
Fausto Macedo e Paulo Baraldi
Imagem mostra R$ 1,75 milhão apreendido pela PF
“A 48 horas das eleições, na manhã de ontem, a Polícia Federal em São Paulo abriu um segredo que o governo Lula mantinha guardado a sete chaves – as imagens da montanha de dinheiro que o PT levantou para comprar o dossiê anti-José Serra, do PSDB.
São 23 fotografias arquivadas em um CD. Elas mostram as pilhas de cédulas que somam R$ 1,75 milhão, divididos em dólares (US$ 248,8 mil) e em reais (R$ 1,16 milhão). Maços de reais novinhos em folha e seriados, o que indica que a quantia pode ter saído de uma mesma fonte. São 26 maços de dólares. O delegado Geraldo José de Araújo, superintendente da PF paulista, confirmou a autenticidade das fotos.
O dinheiro foi apreendido pela PF na madrugada de 15 de setembro, em poder de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, protagonistas da trama que pretendia jogar Serra na lama dos sanguessugas. Naquele dia, sexta-feira, um policial da Delegacia de Crimes Financeiros (Delefin) usou uma máquina digital para fazer fotos da dinheirama que aflige o Palácio do Planalto. Horas depois, porém, a máquina e as fotos desapareceram.
Tudo foi enviado a Brasília, não ficou nada em São Paulo. O governo cercou de mistério o dinheiro, sob alegação de que a divulgação das imagens não seria um procedimento adequado, e fez de tudo para impedir seu vazamento. A medida contraria a conduta da PF em casos similares.
O que o Planalto não esperava é que fonte graduada da própria PF, subordinada ao Ministério da Justiça, fosse distribuir o documento, pondo fim ao segredo do governo e do PT. A operação vazamento começou a ser montada na quinta-feira, quando a PF decidiu fazer uma perícia nas notas. O trabalho foi executado na sala de conferência da Protege S/A Proteção e Transporte de Valores, em São Paulo. A empresa mantém em custódia o dinheiro do dossiê que, formalmente, está depositado no Banco Central e na Caixa Econômica Federal.
A perícia foi comandada pelo delegado Edmilson Bruno, da Delegacia de Combate a Crimes Fazendários. O delegado, cinco peritos da PF e dois inspetores do BC registraram os números de série, fizeram a contagem e bateram as fotos.
O material deveria ter sido entregue ontem ao procurador da República Mário Lúcio Avelar e ao delegado Diógenes Curado Filho, da PF em Mato Grosso, responsáveis pela investigação. Mas um fato surpreendente mudou toda a história: o delegado Bruno anunciou, no início da tarde, que o CD original desapareceu de seu gabinete, no 7º andar da sede da PF, no bairro da Lapa. Logo, as fotos estavam na imprensa.”
Anne Warth e Paulo Baraldi
Vazamento deixa delegados da PF em situação difícil
“O delegado Edmílson Bruno disse que ‘vai registrar ocorrência de furto’. Ele negou ter vazado o CD com as imagens dos dólares e dos reais do PT. ‘Tenho consciência tranqüila, não vazei o CD. Querem prejudicar a minha carreira, 10 anos de PF. O CD sumiu do meu arquivo.’
Geraldo Araújo, chefe da PF em São Paulo, mandou abrir inquérito para apurar violação de sigilo funcional e transgressão disciplinar. ‘Infelizmente, vazou, é grave’, disse Araújo. Ele afirmou que a PF ‘preza a isenção’. O inquérito vai verificar se houve motivação política no vazamento.
‘Não temo nada, sei de minha conduta como policial’, afirmou Bruno. Perguntado sobre como o CD sumiu na PF, disse: ‘Não faço a segurança do prédio.’”
Mariângela Gallucci
TSE rejeita recurso petista contra divulgação de fotos pelo ‘Estado’
“O ministro José Delgado, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), rejeitou ontem um pedido do presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, para proibir a divulgação de fotos da pilha do R$ 1,75 milhão apreendida há duas semanas com petistas ligados à operação de compra do dossiê Vedoin. As imagens foram veiculadas no Portal do Estadão.
No pedido protocolado no TSE, o advogado de Berzoini, Álvaro Brandão Henriques Maimoni, alegou que as fotos não podiam ser divulgadas, porque a investigação tramita em segredo de Justiça. Delgado discordou, afirmando que está em sigilo apenas a investigação aberta no TSE para apurar se petistas, incluindo o próprio Berzoini e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tiveram participação no episódio. Quanto às outras investigações, frisou o ministro, não haveria sigilo a ser preservado.
‘Não há comprovação de que o segredo de Justiça concedido pelo relator do procedimento acima indicado tenha se expandido a qualquer outro feito judicial ou de natureza investigatória em curso na Polícia Federal’, justificou Delgado.
No pedido, o advogado Maimoni citou reportagens divulgadas ontem pelo Portal do Estadão. Na primeira, havia a informação de que enquanto Hamilton Lacerda, ex-assessor do candidato a governador Aloizio Mercadante (PT), prestava depoimento pela manhã, uma fonte entregou as fotos à reportagem. A outra dizia que, por ordem do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a PF não havia divulgado as fotos.
‘Pelo conteúdo da matéria acima, verifica-se o seu intento de prejudicar, às vésperas das eleições, as candidaturas a presidente da República e a governador do Estado de São Paulo do Partido dos Trabalhadores, do qual sou presidente nacional’, alegou Berzoini. Por esses motivos, pediu que fosse determinada ‘a imediata suspensão da divulgação’ da fotos pelas empresas do Grupo Estado: Estado, Jornal da Tarde, Portal do Estadão, Rádio Eldorado, Agência Estado e Listas OESP.
BASTOS
O Ministério da Justiça divulgou nota defendendo Bastos. ‘A Assessoria de Comunicação Social do Ministério informa que a decisão sobre procedimentos usados e forma de divulgação de operações do Departamento de Polícia Federal cabe à corporação. Portanto, está incorreta a informação de que teria havido qualquer influência do Ministério da Justiça no processo de divulgação das ações relacionadas à Operação Sanguessuga. A orientação do ministro Márcio Thomaz Bastos para a PF é geral, vale para qualquer operação: atuação impessoal, sem perseguir e sem proteger. Solicitamos que sejam corrigidas as informações equivocadas da matéria sobre divulgação de fotos.’
O coordenador da campanha de Lula à reeleição, Marco Aurélio Garcia, comparou o vazamento das imagens a um episódio da eleição de 1989 – a tentativa de associar o seqüestro do empresário Abílio Diniz ao PT. De acordo com ele, trata-se de uma ‘armação’ com o objetivo de interferir no processo eleitoral. ‘O que está em jogo aqui é mais que um ato criminal, a violação do segredo de Justiça. É uma tentativa de influenciar o processo eleitoral e reverter uma tendência irresistível de o presidente Lula ter sua reeleição no dia 1º.’
IMPUGNAÇÃO
A assessoria jurídica da coligação de Lula vai protocolar hoje no TSE uma ação para tentar impugnar a candidatura do candidato à Presidência Geraldo Alckmin (PSDB). Um dos argumentos é que a campanha tucana estaria utilizando indevidamente os veículos de comunicação, com a finalidade de prejudicar Lula no episódio do dossiê Vedoin.COLABORARAM Clarissa Oliveira E Elizabeth Lopes”
O Estado de S. Paulo
ANJ critica cerco à mídia
“O vice-presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Júlio César Ferreira de Mesquita, protestou ontem contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que condenou o jornal Folha de S. Paulo a publicar um direito de resposta do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um artigo do jornalista Clóvis Rossi. ‘O TSE fez um julgamento parcial, porque não considerou o recurso da parte reclamada’, disse ele.
Mesquita afirmou que houve cerceamento de defesa, já que o recurso apresentado pelo jornal paulista não foi considerado pelos juízes, apesar de apresentado a tempo ao TSE. ‘Houve um julgamento sem ouvir uma das partes’, criticou Mesquita. Para ele, o caso mostra ‘indícios de que o Judiciário está se deixando influenciar pelo Poder Executivo’.
Ele mencionou outras possíveis interferências do Executivo, estranhando a demora da Polícia Federal em identificar a origem do dinheiro do dossiê Vedoin. E observou: ‘Esse turbilhão que a sociedade brasileira está vivendo é impressionante.’
O TSE deu direito de resposta a Lula sobre o artigo Como se faz uma quadrilha, de Rossi. Ainda está em julgamento outro pedido de direito de resposta impetrado pela campanha de Lula contra um segundo artigo de Rossi e um terceiro, contra a Rádio CBN, por divulgar uma entrevista com Geraldo Alckmin.”
Marcelo de Moraes
Governo deu várias trombadas com a liberdade de imprensa
“Durante o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não faltaram trombadas do governo e do PT com a liberdade de imprensa. A tentativa fracassada de ontem da campanha nacional do PT de recorrer à Justiça Eleitoral contra o Grupo Estado, pedindo a proibição da divulgação das fotos do dinheiro apreendido pela Polícia Federal, que serviria para pagar o dossiê Vedoin, foi apenas o episódio mais recente nos problemas com a mídia.
Em 11 de maio de 2004, o Ministério da Justiça decidiu expulsar o jornalista americano Larry Rohter, correspondente do New York Times, após a publicação de um artigo, dois dias antes, com o título de ‘Ato de bebericar do líder brasileiro se torna preocupação nacional’. O próprio Lula ficou irritadíssimo com a reportagem, que o ministério classificou como ‘leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República’. A péssima repercussão da decisão fez com que ela fosse cancelada três dias depois.
Em agosto do mesmo ano, outra polêmica: o Ministério da Cultura apresentou a proposta que criava Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). A proposta abria brechas claras para controle de conteúdo da mídia e acabou sendo engavetada, após novo mal-estar com a opinião pública.
O presidente Lula voltou a causar polêmica com o envio ao Congresso de uma proposta que criava o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), para regular a atividade jornalística. Na época, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azedo, considerou o processo conduzido pelo governo como ‘altamente nocivo, anti-democrático e inconstitucional’. Sem apoio político, o projeto também foi posto de lado.
Na reta final das eleições, a campanha do PT também apresentou recurso à Justiça pedindo direito de resposta contra a Folha de São Paulo e contra a rádio CBN. No caso da CBN, reclamou de declaração dada pelo candidato tucano Geraldo Alckmin, criticando Lula e afirmando que ‘um ladrão de carros rouba porque sabe que não será pego pela polícia’. Em relação à Folha, a campanha de Lula pediu direito de resposta a texto que considerou ofensivo: ‘Como se faz uma quadrilha’, da autoria de Clóvis Rossi, foi publicado no dia 22.”
Ariosto Teixeira
Entre risco da ausência e desastre
“A Rede Globo não poupou o presidente Lula pela ausência no debate de ontem à noite. A irritação foi maior porque, ao longo da semana, a segurança do Palácio do Planalto tomou todas as providências de praxe para o comparecimento do presidente.
Ainda na quinta-feira à tarde, a direção da emissora recebeu uma lista de pessoas que acompanhariam Lula. Por isso, foi uma surpresa o comunicado de que ele não compareceria, encaminhado pouco antes do início do programa. A decisão de Lula virou a manchete do Jornal Nacional e se seguiu de detalhada matéria sobre o esforço de dezenas de pessoas para organizar o debate.
O mediador do debate e âncora do JN, William Bonner, lamentou a ausência e disse serem infundados os temores do presidente de se tornar alvo de grosserias porque as regras asseguravam que se daria em tom civilizado. A edição do debate transformou quase em vinheta a imagem da cadeira vazia com o nome de Lula e as regras, previamente acertadas, permitiram perguntas ao faltoso.
Geraldo Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam Buarque protagonizaram debate duro com Lula, mas não chegaram à virulência ou a ataques gratuitos, como ele temia. Lula escolheu entre o risco da ausência e o de comparecer e protagonizar um desastre. As pesquisas a serem conhecidas hoje e amanhã dirão se houve impacto eleitoral.”
Dora Kramer
As aparências não enganam
“Lula nunca pensou em ir ao debate, fez só um jogo de cena e agora simula ‘acerto’
A situação moral do presidente da República é tão ruim que, sob a ótica exclusiva do interesse eleitoral dele, pode realmente ter feito um bem a si não indo ao debate da TV Globo. Por isso mesmo, em momento algum ele pensou seriamente em ir ao debate.
Simulou indecisão, manipulou a informação – como de resto manipula imagens, imaginários e simbolismos em geral – e, como a assessoria espalhou que a decisão de não ir foi de caráter pessoal, posa como autor do ‘acerto’.
Uma maquiagem como tantas outras, agora visando a fortalecer o mito do intuitivo, cuja intuição o põe sempre no caminho certo. Desta vez não tinha escolha. Não foi, não porque escolheu não ir, mas porque não tinha outra saída.
Entre o risco da grande perda e o cálculo do menor dano, ficou com a segunda hipótese.
Desrespeito ao eleitor à parte – este aspecto de sua relação com a sociedade Luiz Inácio da Silva já resolveu quando reclamava do ‘povinho’ em suas derrotas do passado, e reafirmou recentemente, ao informar que só iria a debates ‘quando interessasse’ -, nada do que dissesse poderia contar pontos a seu favor.
Este é o seu ponto fraco no momento: acossado pelas evidências, vai perdendo a capacidade de convencer e a possibilidade de freqüentar qualquer ambiente onde seja questionado.
Era óbvio que o assunto corrupção dominaria o debate. Por isso, a alegação da proteção da figura institucional do presidente de uma avalanche de grosserias soou a todos, e o mediador William Bonner deixou bem claro isso, como mero pretexto para se ausentar e ainda tentar reduzir o prejuízo fazendo-se de vítima.
O constrangimento de ouvir em rede nacional perguntas como a de Cristovam Buarque sobre a possibilidade de renúncia caso fique comprovada a intenção de uso eleitoral do dossiê Vedoin em favor de sua candidatura seria muito maior que a repercussão negativa da ausência.
Isso sem contar a ira santa da senadora Heloísa Helena e a frieza penetrante do anestesista Geraldo Alckmin.
Afeito a ignorar a realidade, o presidente Lula apenas se manteve fiel ao seu estilo ao preferir buscar reforço afetivo, aval político e reverência eleitoral no comício em São Bernardo do Campo, no lugar de se confrontar com algumas verdades que julga dissolver por obra e graça de populismo e, eventualmente, votos.
Antes que se diga que votos são tudo numa democracia, convêm lembrar que é por intermédio deles que o governante chega ao poder, mas, uma vez lá, deve obediência a outros preceitos democráticos, tais como respeito à lei e às instituições, apreço às liberdades e aceitação do contraditório.
Há vários exemplos de mandatários eleitos cuja manipulação dos instrumentos de poder solapa os preceitos da obediência à alteridade e da convivência natural com a pluralidade, sendo Hugo Chávez o mais bem-sucedido (por enquanto) e próximo de nós.
Mal na foto
A publicação das fotos do dinheiro do dossiê, a despeito da proibição imposta pelo governo, é caso típico da emenda que torna desastroso o soneto. Ao tentar proteger a candidatura Lula, o ministro da Justiça acabou desguarnecendo ainda mais o governo.
Confirmam-se as previsões de que essa tentativa de esconder o impossível de ser ocultado mais cedo ou mais tarde explodiria no colo do governo, exatamente como a bomba do dossiê.
Se não tivesse censurado as fotografias para evitar o uso das imagens no horário eleitoral, manteria a prerrogativa de fazer o discurso ‘republicano’ e poderia exibir, como fez em outras ocasiões, o gesto como ‘prova’ do distanciamento do presidente da trama.
Isso foi perdido no momento em que o ministro Márcio Thomaz Bastos deu entrevistas alegando razões eleitorais.
Mas ainda há espaço para as coisas piorarem. A depender das ações para ‘apurar o vazamento’ das fotos, o governo ampliará sua já fornida folha corrida de complicações político-policiais.
A Polícia Federal anunciou abertura de inquérito para descobrir como o Estado de S. Paulo obteve as fotografias. A última vez que a PF abriu inquérito para ‘apurar’ uma situação desfavorável ao governo foi no caso Francenildo Costa, o caseiro, e, a partir desse empenho em inverter o ônus da suspeita desenrolou-se o fio da meada da quebra do sigilo bancário para desmoralizar a testemunha.
O ministro Tarso Genro vê ação do PSDB na divulgação das fotos. Pode até ser, mas aí os tucanos teriam sido algo lentos, ineptos mesmo, pois, para eles, ideal seria ter as fotos para mostrar no programa eleitoral. O argumento, evidente, não se agüenta nas próprias pernas.
Custo PMDB
A confusão é tanta, a sucessão de anomalias é tamanha, que é preciso reler com atenção jornais atrasados para notar que o PMDB já pôs a funcionar seu eficiente guichê de negociações programáticas: o candidato ao Senado por Minas, Newton Cardoso, pede ao presidente Lula, se reeleito for, seis ministérios para o partido.”
TELEVISÃO
Ariel Palacios
Argentina cria maior rede de TV a cabo da AL
“Um acordo entre o Grupo Clarín (o maior grupo multimídia da Argentina) e o fundo de investimentos americano Fintech Advisory, presidido pelo mexicano David Martínez, criou a maior rede de TV a cabo da Argentina e de toda a América Latina. As duas empresas adquiriram o controle dos dois maiores sistemas de cabo do país, a Cablevisión e a Multicanal. No continente, essa união só será superada por empresas americanas e canadenses. A fusão também cria a maior empresa de internet por banda larga da Argentina.
Os analistas calculam que a fusão dará aos dois grupos grandes chances para que possam juntos competir regionalmente no mercado de distribuição audiovisual. Além disso, os posiciona como plataforma para a produção e exportação de conteúdos. A operação envolve US$ 1,1 bilhões, entre ativos, ações e pagamentos em dinheiro.
A união das duas empresas cria uma rede de TV a cabo que atenderá 2,7 milhões de assinantes, ou 47,3% do mercado de 5,7 milhões de assinantes em toda a Argentina (com a fusão, o Grupo Clarín e o Fintech atenderão 25% dos lares argentinos). O mercado da TV a cabo na Argentina está significativamente pulverizado, já que está dividido entre seis grandes empresas e outras 600 de menor porte – algumas, minúsculas – que se dedicam a atender as cidades do interior.
CRESCIMENTO
Segundo dados da consultoria Convergencia Research, a fusão proporcionará um volume de clientes substancialmente superior ao da brasileira Net (com 1,6 milhão de assinantes), da chilena VTR (com 928 mil assinantes) e da mexicana Megacable (com 751 mil). Na internet, a fusão implicará na significativa porção de 38,1% dos 1,2 milhão de assinantes de internet por banda larga da Argentina.
Até a aquisição do pacote acionário, o Grupo Clarín possuía 25% das ações da Cablevisión. O maior acionista da empresa era o fundo americano Hicks, Muse, Tate & Furst, que detinha 40% das ações. Com o negócio, cujos valores não foram revelados, o Clarín passa a deter 60% das ações da Cablevisión, enquanto o fundo Fintech Advisory fica com os outros 40%.
Os grupos anunciaram que calculam um investimento de US$ 600 milhões nos próximos anos no desenvolvimento de infra-estrutura e modernização das redes. A ênfase deste investimento será na digitalização e nos serviços de banda larga. Grupos multimídia e jornais rivais do Clarín alertaram para o risco de que a empresa se transforme em um monopólio.”
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Vera Dantas e Ana Paula Lacerda
‘Peroba neles’ irrita fabricante do óleo
“O alvo são os políticos, mas o bordão ‘peroba neles’, marca registrada da campanha do candidato Osmar Lins Peroba, atingiu mesmo foi a King, fabricante do produto.’Óleo de peroba para quem é cara-de-pau já se tornou um jargão, mas incorporar a marca Peroba ao sobrenome é outra história’, diz o gerente-geral de vendas da King, Sandro Kitagawa. No registro de nascimento, Osmar Peroba é Osmar de Oliveira Lins.
A King, há 80 anos no mercado, quase o mesmo tempo de existência do óleo de Peroba, é especializada em produtos para limpeza e tem sede no Rio. Mas foi informada sobre a campanha do candidato a deputado estadual por São Paulo. Ele é do Partido dos Aposentados da Nação (PAN) e não desgruda de um frasco de óleo de Peroba.
O caso foi para o departamento jurídico da empresa.’A King é familiar, tradicional e não quer tomar decisões precipitadas, mas está estudando o que fazer’, diz Kitagawa. O candidato, que investe no efeito de marketing do óleo de Peroba, para se referir ‘à cara-de-pau de certos políticos’, desde 2000, ironiza. ‘Eles deveriam é me agradecer porque nunca pedi um centavo para a empresa e estou fazendo propaganda de graça do produto’, diz Osmar Peroba, que já disputou campanhas para vereador e prefeito.
Não é o que pensa a direção da King, que não vê com bons olhos a mistura de política com negócios, na maré de denúncias e escândalos envolvendo o meio político. ‘Pode ser um risco.’ Peroba, explica Kitagawa, é uma marca da empresa e a King já ganhou várias ações de concorrentes que tentaram usar o mesmo nome para vender produtos similares.
Produto hidratante para conservar a madeira, o óleo é o carro-chefe da King, com mais de 50% de participação no resultado de vendas. A empresa atende a um público tradicional de consumidoras que, de acordo com Kitagawa, pouco tem se alterado. No ano passado o crescimento foi de 4% em relação a 2004. ‘A propaganda eleitoral não elevou em nada as vendas.’
Já Osmar Lins, que passou a campanha acompanhado de um frasco de óleo de Peroba, em seus 19 segundos de horário eleitoral, está convencido da sua contribuição às vendas do produto.’Fui outro dia a Sorocaba para um ato político e o estoque de óleo no mercado municipal estava esgotado. Eles devem estar vendendo muito.’
Outra empresa que não quer seu nome associado ao noticiário político é a fabricante de chuveiros Lorenzetti. Por coincidência, o sobrenome do presidente Aldo Lorenzetti é o mesmo de Jorge Lorenzetti, suposto integrante do esquema de compra de dossiê. ‘Gostaria de esclarecer que este senhor não tem qualquer vínculo de parentesco familiar, pessoal ou profissional com esta empresa e seus acionistas. Infelizmente, trata-se de um homônimo’, diz o comunicado enviado aos meios de comunicação. A Lorenzetti, fundada em 1923, já vendeu mais de 60 milhões de chuveiros no Brasil.”
INTERNET
Laura Diniz
Justiça manda Google tirar do ar falsos Barrichellos
“O piloto Rubens Barrichello conseguiu uma liminar na Justiça para obrigar a Google Brasil a retirar do site de relacionamentos Orkut páginas de usuários que se fazem passar por ele. A decisão é do dia 14, mas ainda não foi cumprida, apesar de ter sido fixada multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento. Cabe recurso.
O Estado fez uma busca no site ontem, às 19 horas, com o nome do piloto e encontrou dezenas de perfis falsos. Os usuários que dizem ser Rubinho o descrevem de várias formas. Um afirmava: ‘Eu sou o melhor e o mais belo piloto de Fórmula 1 de toda a história.’ A Justiça acolheu o argumento de que Barrichello nunca usou o site para manter contato com fãs e conhecer pessoas. O piloto queria que a empresa retirasse do ar uma série de comunidades cujo conteúdo ele via como ofensivo, mas este pedido não foi aceito.”
CASO CICARELLI
Jotabê Medeiros
Pitty, Cicarelli e a indignação artificial
“Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos! Corria o ano de 1968, e Caetano Veloso discursava sob vaias contra a platéia no 3º Festival Internacional da Canção, após tentar cantar É Proibido Proibir.
Hoje, 38 anos depois, parece que a novidade em matéria de rebeldia jovem é a indignação ensaiada. Anteontem à noite, no palco do Credicard Hall, durante o VMB 2006, a festa da música da MTV, o que mais sobressaiu politicamente foi um discurso meio de plástico do VJ Cazé, que iniciou o momento ‘engajado’ da festa: ‘Vai acabar esse circo! Essa nação vai ficar de pé!’, ele disse, e pediu uma vaia à claque para os políticos corruptos do Brasil.
Muito mais incisivos foram os estrangeiros convidados para o evento, a banda de St. Louis Living Things, formada pelos irmãos Eve, Lillian e Bosh Berlin. Seu vocalista queimou no palco um retrato do presidente americano George W. Bush, e praguejou contra seu mandatário máximo.
O VMB 2006, que teve a cantora baiana Pitty como a maior vencedora, explorou ao limite o caso do flagrante de sexo na praia da modelo Daniela Cicarelli, filmada numa praia da Espanha com o namorado, Tato Malzoni. Ela perguntou se seu affair era ‘mais importante que a eleição?’ E a claque: ‘Éééééééé.’
Os ‘invasores’ das TVs sempre se saem bem nessa festa. Fernando Vanucci fazendo marketing, o povo domesticado do Pânico na TV… Mas quem se deu melhor foi o comediante Tom Cavalcante, a bordo de seu personagem Tompete Justus, olhando toda hora para a platéia e repetindo: ‘Ô, povo feio!’”
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Pitty papa-tudo canta Chico e Nirvana
“Cantora leva prêmio de videoclipes de rock e escolha da audiência com Déjà Vu, e discursa a favor de ‘mais cérebro, menos bunda’
Pitty não é boba, sabe que se tornou mainstream e tem quem não agüente mais vê-la papando prêmio atrás de prêmio. ‘Posso ser a vocalista dos pesadelos de uns, mas posso ser a dos sonhos de muitos, né?’, discursou, ao entrar pela terceira vez no palco para integrar a ‘Banda dos Sonhos’.
Sua presença dominante chegou a incomodar: ela ganhou três prêmios (além de integrar a Banda dos Sonhos, levou ainda o da escolha da audiência e melhor videoclipe de rock, e ainda por cima cantou Deus lhe Pague, de Chico Buarque (ao lado do Nação Zumbi), e Smells Like Teen Spirit, do Nirvana.
‘É tudo muito descartável. Entra modinha, sai modinha. E se nós estamos aqui ainda, devemos agradecer aos fãs’, disse Pitty. Tudo descartável e ainda assim a coisa se repete indefinidamente: até agora, o que mais se vê na TV é bandas que imitam o punk pop americano, que já deu o que tinha que dar.
Foi um VMB marcado por ausências: dois vencedores não foram receber seus prêmios, o Jota Quest e o Los Hermanos, e enviaram vídeos engraçadinhos para compensar o cano. Os Paralamas do Sucesso sumiram de cena, assim como Capital Inicial e os decanos do rock nacional. E as bandas mais faladas do momento, o Moptop e o Cansei de Ser Sexy (CSS), ainda não emplacaram com a audiência – chegou-se ao cúmulo de darem o prêmio revelação ao Hateen, em vez de ao CSS.
A inclusão de vídeos independentes, tanto de bandas quanto de espectadores, foi um dos momentos de oxigenação do VMB. A banda Banzé levou o de videoclipe independente. Mais de 400 foram enviados.
Como um show de TV, o VMB 2006 foi irregular. As duplas de apresentadores escolhidas alternaram, como de hábito, bons e maus momentos. Tom Cavalcante e Cláudia Leite, cantora do grupo de axé Babado Novo, melhoraram seu texto com ‘cacos’ e se deram bem. O povo do Pânico na TV, com texto decorado, e chamando a todo momento a apresentadora Sabrina de ‘jegue’, era perfeitamente dispensável.
Lenine e Meg, da banda Luxúria, pareciam dois peixes fora d’água. E na saída do palco, não é que o pobre do Lenine quase foi derrubado por um dos meninos da banda Banzé. Ele simplesmente pulou sobre o músico, eufórico por seu grupo levar o prêmio de independente.
E é preciso dizer: Bruna Surfistinha não vai conseguir emprego como apresentadora de programa infantil na TV brasileira. Não leva jeito para a coisa. Ela fez dupla com Fernando ‘Aliô, Vochê’ Vanucci.
O garoto Felipe Dylon, ídolo adolescente (‘o pegador de Ipanema’, segundo Daniela Cicarelli) recusou-se a beijar de fato uma fã que foi escolhida num improvisado Beija Sapo, por Daniela Cicarelli. Simulou o beijo.
O Pato Fu poderia participar cantando ou tocando apenas, que é o que sabem fazer bem. Sua papagaiada como John & Yoko foi atrapalhada e boba.
E foi uma boa sacada as intervenções de Penélope Nova nos intervalos, ouvindo um telespectador por telefone e comentando as cenas do bloco anterior. Só fica um pouco maçante a insistência nessas metáforas que têm a ver com a potência masculina – é como se o VMB fosse um gigantesco Clube do Bolinha. COM ADRIANA DEL RÉ, ANA CAROLINA FIALHO, GIOVANNA TUCCI, LIVIA DEODATO”
Adriana Del Ré
Ela enrolou e fugiu dos temas espinhosos
“A apresentadora e modelo Daniela Cicarelli foi figura onipresente no VMB. Estava por toda parte: no palco, nas rodinhas de conversa, nos urros da turma do gargarejo. Até do lado do fora do Credicard ela deu pano pra manga. Uma das bandas que animavam o lado de fora da premiação, vez por outra, lançava uma enquete a alguém que estava na fila. Adivinha qual foi um dos temas abordados? Batata! ‘O que você achou do vídeo da Cicarelli?’, indagou uma das integrantes da banda Cênica. ‘Achei sexy’, respondeu a pessoa inquirida. ‘E você sabe qual é a bebida preferida da Cicarelli?’, questionou ela a outra figura. ‘Sex on the beach…’
A MTV soube aproveitar o que tinha tudo para ser o antimarketing de La Cicarelli e explorou os holofotes jogados sobre ela nos últimos dias. A apresentadora, claro, embarcou na história. Houve até eleição dos internautas para eleger que roupa a bela usaria no final da premiação. Num dos momentos fakes da noite, Marcos Mion pôs a companheira de palco ‘contra a parede’ e disse que estava na hora de tocar no assunto que o País inteiro estava comentando: as cenas tórridas de seu namoro nas areias espanholas. ‘Mas hoje é noite de música, festa’, ela tascou o texto decorado. ‘Infelizmente, a gente tem de tocar nesse assunto…’, emendou Mion.
Ele prometeu que se quebrasse o silêncio, as pessoas a deixariam em paz. ‘Não acredito: vocês vão tomar conta da própria vida e vão deixar a minha em paz?’, exclamou La Cicarelli, com a frase feita na ponta da língua. E ficou o dito pelo não dito, desapontando aqueles que tinham certeza que ela finalmente iria se pronunciar sobre o polêmico vídeo. Nem no backstage ela deu as caras.
No final, ela compartilhou com a platéia sua alegria em ter finalmente um VMB só dela. Não há como negar que foi, mas as perguntas ainda estão todas no ar, apesar da mise-en-scène: se é tão divertido, se ela não se importa com o flagrante, por que processou TVs e sites? Não é chato uma apresentadora de programas juvenis que demonstra publicamente não tomar cuidados básicos de prevenção? E onde estava anteontem o famoso namorado?
Mas se Cicarelli, Mion e Cazé não foram lá grandes coisas como os apresentadores da noite, melhor sorte tiveram algumas duplas inusitadas formadas no palco para apresentar os vencedores. Foi o caso do encontro de Claudia Leitte, do Babado Novo, e Tom Cavalcante, que, caracterizado de Roberto Justus, demitiu todos os candidatos até chegar ao vencedor de direção de videoclipe, Luís Carone.”
A GENTE SE ACOSTUMA…
Antonio Gonçalves Filho
Ubaldo solta o verbo em livro político
“Por sua franqueza política, João Ubaldo Ribeiro pode ter seu sigilo bancário quebrado a qualquer momento, mas isso provocará, segundo ele, frouxos de riso nos bisbilhoteiros. Ele tem a consciência e a conta bancária limpas, mas não pode falar o mesmo dos políticos. Já disse, por exemplo, que o governo demonstrou não ser digno de confiança, que o chefe do Executivo é um fanfarrão, oportunista, enganador, demagogo, evasivo, cara-de-pau e ardiloso, mas ainda há quem – por incrível que pareça – não leia suas crônicas publicadas aos domingos no caderno Cultura do Estado. Como o acadêmico baiano é insistente, um dia antes das eleições, ele resolveu dar mais uma chance aos leitores: acaba de lançar o livro A Gente se Acostuma a Tudo (Ed. Nova Fronteira, 224 págs., R$ 23,90).
Como o próprio título indica, o livro fala do Brasil, que se acostumou com presidentes alienados, corrupção, balas perdidas, narcotráfico, seqüestros e menores abandonados. São 48 crônicas publicadas no Estado e no Globo desde que Lula, o metalúrgico, foi a candidato a presidente nas últimas eleições. Se o livro saiu político demais, João Ubaldo pede desculpas, mas não pretendia ocupar o lugar dos cronistas da área. ‘Gostaria de não ter escrito o que escrevi, mas como democrata, me sinto obrigado a falar dessas coisas.’
Para o poeta Ferreira Gullar, crítico que empurrou o Brasil para a modernidade ao redigir o Manifesto Neoconcreto em 1959, João Ubaldo, mais que um cronista, é um educador. ‘Sei que ele vai soltar uma de suas gargalhadas ao ler isso, mas sabe que tenho razão, ele educa, a começar por sua franqueza, que muito nos ensina’, escreve Gullar no prefácio do livro. Nele, o leitor vai encontrar denúncias contra falcatruas, impostos provisórios que viraram permanentes (leia-se CPMF), promessas de políticos e, principalmente, a palavra sincera de um homem cuja independêndia ideológica incomoda direita e esquerda, centro e periferia.
‘Não tomei partido expresso de ninguém nessas eleições, não sou porta-voz de políticos e não obedeço a palavras de ordem’, diz Ubaldo. ‘Sou apenas um brasileiro consciente’, conclui, condenando o descaramento de quem insiste em ignorar um problema grave de ordem moral, o de ‘saber que o presidente sabia de tudo e mesmo assim não liga para isso, votando nele outra vez’.
Loucura e falta de senso, aliás, parecem mesmo fazer parte do cardápio brasileiro, a julgar pelo encontro casual entre o cronista baiano e uma fã que mal sabia seu nome: ‘O senhor não é o João Uvaldo Vieira?’, perguntou a mulher. Acostumado a ser João Paulo de Oliveira, Ubaldo encarou o desafio de ingressar na família Vieira com bom humor. ‘Ah, que alegria conhecer o senhor’, continuou a fã leitora, desfiando o rosário: ‘O resto do jornal só tem essas coisas horrorosas, mortes, balas perdidas, atentados, guerras, doenças novas.’ Dito isso, recomendou a leitora: ‘O senhor não deve nunca parar, deve sempre escrever assim, o senhor é um oásis.’
Manter essa condição de ‘oásis’, mesmo sem fazer jus a essa avaliação, diz ele, está cada vez difícil nesses tempos bicudos. ‘Agora não se pode falar mal do Lula, porque tudo é golpe, mas ninguém foi tão rigoroso como na época do movimento Fora FHC’, observa o escritor, um dos primeiros a apoiar o governo Lula – e também a se desiludir com o mesmo. ‘A verdade é que, diante da falta de projeto e das falcatruas do mensalão, João Ubaldo acordou e, sem meias palavras, acabou com essa história de que quem nunca leu um livro sabe mais do que quem leu muitos’, analisa Ferreira Gullar.
‘Fui, realmente, um dos primeiros a apoiar Lula e um dos últimos a fazer críticas, algumas simpáticas, sem querer ofender, outras nem tanto.’ O povo, diz ele, foi engabelado por cestas básicas e bolsas mil, enquanto as reformas que prometeu não vieram.
Assim, se o brasileiro não fosse obrigado a votar amanhã, certamente iria para a praia ou o piscinão para refrescar a cabeça e não ser obrigado a esse direito ‘perfeitamente dispensável’, segundo o escritor. Mudança de regime? ‘Não sei se o parlamentarismo iria mudar alguma coisa’, responde, cético, temendo que o futuro, no mundo globalizado, possa ser pior do que prevêem os ‘mais pessimistas roteiristas e diretores de Hollywood’ . Ubaldo gosta mesmo é de ex-presidentes. FHC não foi, na sua opinião, um bom presidente, mas é um ótimo ex-presidente, como Jimmy Carter. Lula, sem sombra de dúvida, segundo ele, ‘já é um dos melhores ex-candidatos de nossa História’.
Se ele denuncia os erros com sarcasmo, explica Gullar, ‘é porque sabe que sem a ética o convívio social se torna inviável’. O inconformismo de João Ubaldo é o mesmo de milhões de brasileiros que se sentem traídos. E devem protestar amanhã nas urnas.”
TELEVISÃO
Keila Jimenez
Eleições na TV
“Prepare-se para ter sua programação predileta interrompida a cada 15 minutos no domingo. Motivo: eleições. Praticamente todas as emissoras armaram uma megacobertura jornalística do assunto.
Cultura, Band, Globo, Record, SBT e RedeTV! terão boletins informativos ao longo da programação a partir das 7 horas da manhã.
Encerrada a votação, às 17 h, a Cultura coloca no ar De Olho no Voto, programa apresentado por Salete Lemos que mostrará como andam a apuração e os resultados de boca-de-urna.
Na Record, às 17 h, o destaque é o Domingo Espetacular Eleições.
Na Band, além dos flashes ao vivo, jornalistas e comentaristas debatem com políticos, ao longo da programação, detalhes da apuração.
Na Gazeta haverá quatro edições do A Hora do Voto, comandado Maria Lydia.
Quem abre a programação da Globo é o Antena Paulista, todo dedicado ao assunto. Na seqüência virão pequenos boletins ao longo da programação e dois maiores, à tarde, comandados por Renato Machado. Serão 20 flashes ao todo, além da análise dos resultados no Domingão do Faustão e Fantástico.”
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