Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

ELEIÇÕES 2006
Lígia Formenti

Consultoria de lobista cedeu sala a Lulinha, afirma revista

‘Fábio Luis da Silva, o Lulinha, foi usado pela Telemar para defender interesses da empresa junto ao governo do pai, revela a revista Veja que está nas bancas. A reportagem diz que ele e Kalil Bittar (filho de Jacó Bittar, fundador do PT, amigo de Lula e hoje conselheiro da Petros, fundo de pensão da Petrobrás) fizeram lobby para a Telemar, à época em que a empresa de telefonia tentou comprar a Brasil Telecom. Os dois tentaram mudar a lei de telecomunicações para ajudar a empresa.

Segundo a Veja, o dinheiro pago pela Telemar à Gamecorp custeou o lobby praticado por Lulinha em favor da empresa. Antes, no entanto, Lulinha teria sido lobista da Brasil Telecom, que patrocinava um programa da Gamecorp na TV Play.

Diz a Veja que Lulinha e Kalil apadrinharam a aproximação da produtora Casablanca, a maior do País, com o governo Lula. A francesa Arlette Siaretta, dona da Casablanca, teria acertado que Kalil ganharia 5% dos contratos fechados com o governo. A Casablanca – até 2002 ligada ao PSDB – faz hoje 50% dos filmes encomendados pelo governo, diz a revista.

Os dois conseguiram fazer uma sessão privé do filme Pelé Eterno, produzido pela Casablanca, para Lula. Siaretta obteve para eles a cessão de uma sala na consultoria APS, conhecido escritório de lobby da cidade, do lobista Alexandre Paes dos Santos, que em 2001 teve uma agenda apreendida pela Polícia Federal, revelando anotações de superfaturamento em compras públicas e de propinas pagas a parlamentares e a funcionários do governo.

O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse que Alexandre é ‘um gângster conhecido’ em Brasília e pediu uma explicação rápida de Lula sobre a denúncia. ‘Uma nuvem densa de desconfiança paira sobre o filho do presidente. É preciso que tudo seja explicado antes das eleições’, disse.’

Daniel Piza

Ficções políticas

‘O Clube dos Polianas dizia que o segundo turno seria importante para que houvesse debate de propostas. Não houve. E o que é mais curioso na guerra de números e acusações entre os candidatos Lula e Alckmin é a sensação de que eles falam de outro país. Nos seus discursos, o Brasil só precisa de um ou outro ajuste, ampliar uma ou outra tendência vigente (queda dos juros, aumento da Bolsa Família) e – shazam! – o Primeiro Mundo será aqui. Nem parece que a educação fica na lanterna de todos os exames, que a renda média é menor do que era há 12 anos, que metade da população não tem rede de esgoto nem emprego formal, que ladrões e corruptos seguem impunes.

Fico pensando em Koizumi, primeiro-ministro do Japão até há pouco. Dizem no Brasil que em quatro anos um governo não pode fazer muita coisa. Koizumi privatizou os Correios, enfrentando a poderosa máfia estatal, cortou gastos improdutivos e tirou o país da paralisia econômica que durava mais de dez anos. Também lançou questões como a reforma da educação, excelente nas estatísticas, desatualizada no conteúdo, e adotou medidas para estimular uma mentalidade mais inovadora, que brilhe no software como brilha no hardware. No Brasil, teria menos votos que Cristovam Buarque. Por aqui não existem estadistas porque eles não sabem, como dizia De Gaulle, que às vezes é preciso escolher a nação em vez do eleitorado.

É melhor rir do que chorar quando se ouve dos representantes do atual governo que não é preciso fazer nada para combater o déficit público porque o crescimento de 5% a partir dos próximos anos será suficiente para cobri-lo. Segundo tais luminares, como Guido Mantega e Tarso Genro, ‘as condições estão dadas’ para esse ritmo de crescimento, em referência à inflação baixa (em grande parte por causa do câmbio valorizado e da economia desaquecida) e à redução dos juros (cuja taxa real, de cerca de 10%, ainda é a maior do mundo). Eles simplesmente ignoram o que fazer para aumentar a taxa de investimentos ora em 20% do PIB – e com queda no ingresso estrangeiro – e fingem que isso nada tem a ver com as contas públicas. É a mesma desconversa monetarista sobre ‘fundamentos’ que o governo FHC usava.

É preciso tirar o chapéu para a turma de Duda Mendonça que faz a campanha de Lula. Botaram Alckmin de volta à defensiva ao ressuscitar a crítica às privatizações. Enquanto isso, Lula se gaba das exportações em seu mandato, nas quais dão show ex-estatais como Embraer e Vale e o setor de telefonia celular. E ele ainda se compara com Juscelino Kubitschek, que, se vivo fosse, faria de tudo para abrir a economia brasileira ao dinamismo da era digital.

Tucanos mandam mensagens agressivas porque disse que Lula só perderia para ele mesmo – tanto que o dossiê Vedoin foi o que levou ao segundo turno – e que Alckmin não havia tirado voto nenhum no debate. Mas desde o ano passado está claro que a aprovação popular de Lula resiste aos escândalos de toda espécie. Um dos motivos é o que aquele assessor de Bill Clinton diria de forma adaptada: ‘É a comida, estúpido’ Lula, em tantas coisas uma repetição de FHC, usufrui de uma situação muito parecida com a do tucano em 1998, quando reeleito em primeiro turno: inflação baixa, redução da extrema pobreza, aceitação dos mercados interno e externo. Assim como para o banqueiro Olavo Setúbal, para o mais desnutrido dos brasileiros não existe muita diferença concreta entre Lula e Alckmin. Logo, Lula tem direito a mais quatro anos. Não se trata de um embate entre puros e impuros.

Também é de gargalhar a tese de que a grande mídia foi ‘vencida’ pela vontade popular. No primeiro ano de mandato, quando Lula flutuava em uma aprovação de quase 90%, só me lembro de três ou quatro articulistas que alertavam para o despreparo e a cobiça dele e de sua trupe. Quando se anunciou o PIB de quase 5% em 2004, quase ninguém se deu ao trabalho de notar o efeito estatístico (os três anos medíocres que vieram antes) e a insustentabilidade do ritmo (dada a incompetência da gestão, a falta de infra-estrutura, etc.). Depois dos casos Waldomiro e mensalão, aí sim ele passou a ser a mais criticado, mas exclusivamente no tom moralista. E isso não impede que muitos jornalistas e intelectuais ainda declarem que, se ACMs e Sarneys fizeram todas essas coisas feias, Lula não pode ser acusado de não ser diferente deles, embora tenham nos jurado o contrário por mais de 20 anos. Ou digam que ele aproxima ricos e pobres, mesmo que todo dia fale mal de uma elite à qual julga não pertencer.

Outro sinal é a falta de protestos contra a proibição de que comentaristas em rádio e TV – como Arnaldo Jabor na CBN e o pessoal do Manhattan Connection no GNT – não possam emitir sua opinião. Cadê as entidades de classe, cadê os defensores da liberdade de expressão? Estão discutindo se a imprensa deveria ou não ter publicado a foto do dinheiro do dossiê, flagrado nas mãos de petistas (ou alguém botou lá à força?) e escondida pela cúpula da PF? Nesse quesito estamos anos-luz atrás de países desenvolvidos, onde todos os jornais declaram seu voto em editorial e todos os opinadores criticam livremente. Imagine David Letterman fazendo com Lula o que faz com Bush toda noite em seu talk show… Certamente iam querer extraditá-lo.

Fico também pensando no que não soubemos desta campanha do futuro vencedor das eleições. O que envolve o acordo entre Lula e o PMDB de Sarney, Quércia e Renan? Quantos cargos terão nos ministérios, no BNDES, nas estatais como Petrobrás, Banco do Brasil, Correios e Caixa, que por sinal sustentam a indústria cultural nacional? Onde está José Alencar? O que faz José Dirceu? Lula parece herói de western: todo mundo que o acompanhava foi derrubado e ele continua em pé, como se premiado pelo destino. Mas os coadjuvantes apenas se fingem de mortos, e o roteiro prevê vida longa a todos eles.

RODAPÉ

A intenção da nova revista Piauí é contar boas histórias de fatos corriqueiros ou personagens excêntricos e isso ela faz muito bem, principalmente nos textos curtos da seção ‘Esquina’ (como o de Roberto Jefferson e seu pai e o do provador de café). Esse tom menor é o que o título quer sugerir. João Moreira Salles, criador do projeto, é fã de Joseph Mitchell, o grande repórter da New Yorker dos anos 40 a 60. A paginação lembra um pouco a revista americana, mas infelizmente a Piauí não tem duas de suas principais características: o requinte gráfico e – apesar do ensaio de Pompeu de Toledo sobre o papagaio como símbolo nacional – o jornalismo cultural, nem mesmo na forma de perfis. Tampouco tem a reportagem ‘at large’, sobre um grande tema, mesmo que parta de um episódio cotidiano; a matéria mais ambiciosa, sobre a teatralização de Fidel Castro em entrevista para jornalista do New York Times, é tradução. As fotos dos políticos por Orlando Brito e o relato do Rio por Ivan Lessa são destaques. Falta ‘punch’, mas não falta o que ler.

UMA LÁGRIMA

Atrasada para Fernando Gasparian, o fundador do semanário Opinião, da editora Paz e Terra e da livraria Argumento. Ele publicou muito do pensamento de esquerda dos anos 60 e 70 e ajudou intelectuais como Fernando Henrique Cardoso e Paulo Francis. Outra lágrima para Gilles Pontecorvo, diretor de A Batalha de Argel e Queimada!, que também refletiu a visão esquerdista da época. Os dois filmes sobrevivem pela força narrativa, com o estilo documental no primeiro caso e com as atuações como a de Marlon Brando no segundo.

VINTE LISTAS

Quero lembrar alguns nomes que não citei e gostaria de ter citado, entre outros, nas listas da semana passada: o compositor americano John Adams, um dos melhores vivos, de quem Roberto Minczuk já regeu A Transfiguração das Almas; o cineasta Woody Allen, que, apesar de seu melhor filme ser de 1989, Crimes e Pecados, vem nos divertindo muito desde então; e o arquiteto Isay Weinfeld, que faz belas casas e lojas em São Paulo.

POR QUE NÃO ME UFANO

Só mesmo num país onde ‘burguês’ continua a ser usado como adjetivo pejorativo para obras culturais, e onde expressões como ‘inclusão social’ são repetidas como mantra pela chamada intelligentsia, uma Bienal como a corrente poderia se dar. A politização tomou conta dos três andares do pavilhão. O discurso é mais importante que a linguagem, e a sensação é a de que os participantes foram escolhidos pelos temas, isto é, pela ideologia que vendem. Pobres arranjos cênicos se justificam pelo engajamento em questões como imigração, ecologia, sexualidade, etc. Não pela qualidade estética. É claro que há uma ou outra coisa para ver, como os desenhos de Simon Evans, mas o que predomina é o realismo social – vídeos sobre travestis, manequins da Daspu, ambientação da Floresta Amazônica, fotos, fotos e quase nenhuma pintura.’

José de Souza Martins

O conflito e a presidência

‘No primeiro debate entre os dois candidatos a presidente da República, neste segundo turno das eleições, o presidente Luiz Inácio atirou na face de seu opositor que Alckmin é candidato de um partido que esteve 500 anos no poder e, não obstante, não fez pelo País o que deveria ter feito. E que ele Lula, há menos de 4 anos no governo, fez mais pelo Brasil do que o partido do lado de lá. Lula não é um tolo. Mas, às vezes, esperteza demais, como nesse caso, expõe desconhecimento e mentalidade demagógica. Lula sabe para quem está falando e não é para o opositor.

Para Lula e o PT há um abismo imaginário que divide o país em dois Brasis antagônicos, o bom Brasil dos Lulas e petistas e o mau Brasil dos Geraldos e demais. Bom de política e ruim de história, Luiz Inácio recebeu uma resposta sofrível do candidato do PSDB, também ruim em história, até a das realizações de seu partido no poder, antes de Lula. Dentre outros temas, não se lembrou das políticas de auxílio compensatório aos pobres no governo Fernando Henrique. Políticas que, no fracasso do barulhento Fome Zero, foram parasitadas, maquiadas e rebatizadas pelo governo do PT. Asseguram-lhe os votos da roça.

Lula não sabe, mas de sua boca, nessa afirmação, saíram palavras pré-formatadas que sintetizam o modo de pensar de facções políticas e religiosas que construíram uma ponte de palha sobre o abismo que separa materialistas e religiosos. A de uma nova ideologia do conflito social como fundamento de governo, dividir o país ao meio, punir um lado e bajular o outro, não privatizar, mas privar para distribuir.

Nos dias que se seguiram ao debate, a bobagem de um Brasil dividido entre os que mandam e os que são mandados há 500 anos firmou-se como mote de campanha do PT. Mas o silêncio sobre essa premissa tomou conta da campanha do seu adversário. Os dois candidatos deveriam ser reprovados em história do povo. Um porque a conhece pelo avesso e outro porque simplesmente a ignora. Alguém dirá que campanha eleitoral não é curso de história, o que é verdade. Mas justamente a força desse falso argumento histórico na campanha de Lula mostra o quanto uma certa memória da injustiça social no Brasil está presente na consciência do povo. Lula sabe disso, a seu modo. Geraldo não o sabe. Memória simplista e folclórica, nem por isso deixa de conter o essencial da verdade histórica, embora no factual não se confirme, sendo antes grosseira deturpação.

O que se inventou foi uma religiosidade política fundada no pressuposto de que governar é agir em nome do conflito. Essa é a grande mudança política que está em andamento. O governo não é mais o agente da crônica conciliação tão característica da história política do Brasil e, no fundo, tão conservadora. Agora o governo orquestra o conflito. Nesta mesma semana, um dos líderes do MST declarou que aquela organização política estará, digamos, em férias até o dia 29 de outubro, dia da eleição, para não atrapalhar a campanha eleitoral de Lula. Às 17 horas daquele dia, declarou, quando as urnas forem fechadas, seus militantes sairão das trincheiras. Os atores do teatro do oprimido sabem dosar a encenação, mesmo que seja ela uma forma de mentir politicamente para reter o poder ou a ele chegar.

O candidato do PSDB e os partidos de oposição não entenderam as mudanças profundas e ruins já ocorridas na política brasileira. Batem na tecla do irrelevante. Quanto mais insiste o candidato no politicamente minguado tema da origem do dinheiro que seria usado para comprar o tal dossiê, mais cresce a opção pelo candidato do PT. Não só porque muitos acham que dossiê é um tipo de doce, mas sobretudo porque, desgradaçamente, a população brasileira tem um código próprio para lidar com corrupção e ilegalidade. Para começar, injustamente considera todos os políticos corruptos. Então, para que perder tempo com isso? Não é do natural deles agir desse modo? Tanto pensa assim que reconduziu ao parlamento, com significativas votações, figuras, antigas e novas, que todos imaginávamos destinadas, no mínimo, ao ostracismo político permanente.

Essa é uma população que vive mergulhada num cotidiano de corrupção endêmica, todos em graus variáveis cúmplices de algum tipo de delito. É impossível viver sem burlar as regras e passar a frente do outro, até em fila de velório. Para muitos é injusto não sonegar taxas e impostos. Para outros muitos, levar vantagem em tudo, não importa a que preço, é um direito e até uma obrigação. O mais pobre dos pobres conhece essas manhas e, podendo, não deixa de recorrer a elas. Até esmoleiro de rua e de porta de igreja sabe que se não fizer com apuro o teatro da miséria e da doença não vai conseguir um níquel de ninguém. O povo sabe que a questão da roubalheira partidária e das ilegalidades que se transformaram no espetáculo que marcou a política brasileira no período recente é questão de polícia e nisso tem razão Lula. Ele não é delegado de polícia. A polícia que faça sua parte. Claro que Geraldo tem razão, também: por que essa gente ainda não foi processada e colocada na cadeia? O que é mesmo morosidade na apuração de delitos de quem tem dinheiro e poder? Não é o caso de pedir justiça de pobre para eles? É mais rápida e mais dura.

A banalização da questão política e da eleição presidencial pelos partidos tem um candidato que já governa e ainda não disse por que é que, então, já não fez o que promete e sobretudo o que prometeu na outra campanha presidencial. E tem um candidato de oposição, como os outros candidatos de oposição derrotados no primeiro turno, que não se esforça para ser substantivamente diferente de Lula e menos ainda se esforça para dizer e propor um Brasil novo, justo, igualitário, democrático, limpo, desenvolvido, com um futuro claro e bom, em que as injustiças históricas sejam corrigidas de vez e os erros do atual governo sejam apontados com firmeza e removidos com mais firmeza ainda. Esse é o conflito que deve governar o Brasil.

*José de Souza Martins é professor titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP’

Renato Lessa

A volta das vivandeiras das eleições

‘Há coisa de poucos dias, ocorreu na presente campanha eleitoral à Presidência um fenômeno de não pequena monta. Imagino-o percebido por imensa gente, posto que transmitido em rede nacional de televisão. Não recordo exatamente o dia, mas suspeito que tenhamos testemunhado o pior programa eleitoral do chamado horário gratuito. ‘Geraldo’ foi o seu protagonista. O monstrengo publicitário deu direito à exibição de um parto, se calhar para mostrar aos eleitores como as crianças nascem. Suspeito, ainda, que a aberração publicitária possa ser incluída em uma sessão pedagógica de ‘worse practices’. Mas não é de forma e conteúdo televisivos que se trata. A pergunta que importa é a seguinte: que campanha é essa?

Nas últimas semanas, a campanha tucano-pefeliana tem apresentado uma curiosa bifurcação. Por um lado, um ‘Geraldo’ solitário conduz sua pregação pela moralidade, corte de despesas e choque de gestão. O filão não é exatamente original, posto que reinstala no proscênio da vida política nacional os ecos do MMDC e do Brigadeiro Eduardo Gomes. Por outro, os principais operadores da coalizão – Tasso Jereissati, José Agripino e Roberto Freire – destacam-se por sua desenvoltura em visitas a tribunais e a delegados de polícia. Pelo visto, são adeptos de uma variante da doutrina Artur Bernardes que, segundo o folclore, teria dito que a questão social é um caso de polícia. Para o trio, a questão política parece ser essencialmente um caso de polícia. Em deriva alucinatória, acabaram por sugerir à OAB que estabelecesse um procedimento investigatório paralelo: os advogados substituiriam, por essa edificante sugestão, os coronéis da Aeronáutica.

Ou seja, o núcleo duro e energizado da campanha Alkcmin – em termos de presença política e capacidade de formulação – não tem como foco principal o cenário eleitoral, talvez por julgá-lo perdido. Sua prioridade reside em trazer para a política a intervenção corretiva da investigação policial e dos tribunais. A imagem sugerida é a do aggiornamento e reintronização de um personagem típico da República de 1946, com DNA semelhante ao da coalizão tucano-pefeliana: o das vivandeiras de quartel, que em nome da moralidade pública, solicitavam a intervenção corretiva das Forças Armadas, contra Getúlio, Juscelino e Jango. A reedição pura e dura desse velho hábito parece ser impensável no quadro atual, porém, nada impede que vivandeiras de tribunais exerçam a motivação de buscar fora do âmbito político tradicional corretivos para mazelas e absurdos que nele ocorrem. É de perguntar: qual campanha é para valer? Inclino-me a crer que a segunda é que cala mais fundo nos corações do núcleo duro do anti-lulismo. Se é assim, o foco temporal dessa campanha excede o 29 de outubro e indica que estamos em um estado de guerra política interna permanente, o que faz com que o provável resultado eleitoral não possa ser considerado como palavra final, como momento que encerra um processo de competição política.

O quadro é altamente dilemático. Não se trata, de modo algum, de obliterar as evidências de delinqüência política, eleitoral e legislativa. Afinal, e a despeito dos paradigmas paranóides de intepretação da crise política de 2006-2006, essa agenda foi estabelecida por operadores do governo Lula. O que deve ser submetido à reflexão é o fato de que duas lógicas distintas acabaram por se sobrepor, e tal reflexão não exige como condição de possibilidade a inocência dos ‘aloprados’.

A lógica jurídico-policial – da investigação ao julgamento pelos tribunais – tem como premissa a necessidade de estabelecer uma verdade inequívoca e capaz de distinguir culpados e inocentes. De forma mais direta, a linguagem que acompanha essa lógica tem na idéia de verdade um eixo inegociável. A lógica política – por sua vez, e se é que aí há lógica alguma – não tem parte com a verdade, mas com a formação de consensos e com a definição possível de rumos e prioridades. Trata-se, por definição, de um campo movediço, de corte um tanto pirandelliano. A quantidade dos atores é finita – partidos, bancadas, parlamentares – e as linguagens da política variarão tanto quanto as composições no interior desse campo. O que poderá conectá-los, na melhor das possibilidades, são hipóteses a respeito do que deve ser feito e, na pior (e admito mais ordinária) certezas quanto a impactos patrimoniais (políticos ou de outra natureza).

O quadro que se apresenta é o da possibilidade de resultados opostos, por parte das lógicas mencionadas. A despeito do provável resultado eleitoral positivo do candidato-presidente, é possível imaginar que pela lógica dos tribunais seu mandato esteja sob inspeção, para não dizer suspeição. Mentes assoladas pelo fundamentalismo jurídico talvez não hesitem diante dessa possibilidade. É possível, mesmo, que tal ausência de hesitação conviva com um gozo secreto de dispor de uma oportunidade íntima para fazer valer o princípio indisputado da legalidade. Nada contra essa crença vital do Estado de Direito e, sobretudo, contra a variedade infinita das formas de obtenção de prazer.

A eleição do império da lei como critério indisputado não resolve todos os problemas. É de considerar o impacto dessa dinâmica sobre a qualidade de vida política no País. A tribunalização da política implica que os adversários políticos são, antes de tudo, partes de um conflito que deve ser dirimido pelo estabelecimento da verdade. Verdade, nesse caso, significa, a apresentação de evidências inequívocas de delinqüência e banditismo. O conflito político passa a ter como lastro a demonstração de que os adversários, em algum momento de sua trajetória, delinqüiram ou persistem em suas taras republicidas.

Se o número de atores é finito, as possibilidades de conflito tendem ao infinito. Na perspectiva da demonstração da improbidade necessária dos adversários, o conflito confunde-se com uma ampla atividade investigatória, que incide tanto sobre o presente como sobre o passado. As execráveis relações entre política e dinheiro no País constituem um domínio inesgotável para o estabelecimento da verdade jurídica e penal, assim como para a implantação de condições que farão da política um inferno perene. Fico a imaginar a auditagem do custo-Brasília, se aplicados os critérios atuais de prestação de contas e sob as restrições em curso no País. Suspeito que ao fim da inspeção a capital do Brasil tenha que ser interditada e lacrada.

O dilema não é de fácil solução. A chamada voz das urnas é o fragmento tímido que nos liga à tradição democrática. Mas, o mesmo deve ser dito para os imperativos do Estado de Direito. O ideal é que esse contencioso seja zerado e que a política siga seu curso, qualquer que ele seja, e que condições mínimas de cooperação sejam estabelecidas. A não ser que seu envolvimento pessoal e direto, ou por meio de agente com inequívoca associação, em práticas alopradas seja demonstrado nas investigações em curso, Lula, se ganhar, deve tomar posse e, por tomar posse, deve governar.

Mas, se o pior vier a acontecer, será difícil evitar a percepção de que na democracia à brasileira, dada sua permeabilidade à delinqüência, o fundamento da soberania encontra-se nos tribunais.

*Renato Lessa é professor de Teoria Política do Iuperj e a UFF’



TELEVISÃO
Etienne Jacintho

Aforismos sem juízo

‘Em Twin Peaks, Kyle MacLachlan chamava a atenção por seu personagem – o agente Cooper – um tanto esquisito e cheio de manias. O ator já havia causado o mesmo estranhamento ao participar do filme Veludo Azul. Pois foi essa característica que fisgou o diretor David Lynch, que realizou as duas atrações. E esta repórter lhe dá toda a razão. Vestindo calças e sapatos sociais combinados com um colete creme de náilon com o zíper fechado até o pescoço sobre uma camisa branca, o ator concedeu uma entrevista à imprensa internacional em Los Angeles sobre sua participação na série In Justice, que estreará na Sony dia 10 de novembro, às 22 horas.

In Justice mostra uma equipe de profissionais que tem a missão de provar a inocência de condenados presos. É o oposto de séries de investigação como CSI. Começou bem nos Estados Unidos, mas foi cancelada em sua primeira temporada. Kyle MacLachlan, porém, não ficou desempregado. Quem assistiu ao final da segunda temporada de Desperate Housewives sabe que ele terá participação importante na próxima fase da atração. Seu personagem psicopata, Orson, vai se casar com Bree, papel de Marcia Cross.

Quando foi apresentado à repórter do Estado, Kyle MacLachlan mandou ‘um bacio’, mas logo se corrigiu: ‘Um beijo.’ E isso é tudo o que sabe de português. Com um copo de café na mão, o ator fala da série e de sua outra paixão, o golfe.

O que te atraiu em ‘In Justice’?

Li o roteiro e adorei o material. De início percebi que era muito bem escrito e que o assunto me interessava muito. Pensei que não era algo somente atual, mas que também tinha vida. Gostei da idéia de interpretar esse papel porque nunca tive a oportunidade de ter um personagem assim nem de trabalhar com Jason O’Mara (que interpreta Charles Conti na série). Então essas são algumas razões pelas quais decidi que esse seria um bom trabalho.

Por que TV em vez de cinema?

Tenho feito sempre os dois – quer dizer, nem sempre -, mas desde Twin Peaks, a TV tem seu apelo para mim. É cada vez mais difícil encontrar bons filmes e gosto do tempo da TV, da resposta imediata que você tem. Acho que gosto do fato de ser um meio bem instintivo e você tem sempre que fazer escolhas durante o processo de filmagem e segue conforme sua escolha. Você não tem um dia inteiro para sentar e pensar como quando você está em um filme.

Você mantém a amizade com David Lynch?

Claro. Ainda nos visitamos e bebemos café juntos.

O público tem motivos para gostar de seu personagem David Swain?

Espero que as pessoas considerem David interessante. Ele não é um cara que faça as pessoas se sentirem confortáveis, um cara que você quer ter em sua casa o tempo todo. Isso é intencional.

Qual é a diferença entre ‘In Justice’ e shows como ‘Cold Case’ e ‘CSI’?

Creio que este seriado faz com que você se envolva mais emocionalmente com as pessoas que a equipe tenta libertar. Você se conecta com suas histórias e começa a torcer por eles – diferentemente de Cold Case e outros.

Na sua opinião, por que as pessoas estão tão fascinadas por séries de investigação?

Não sei, mas sempre achei que elas são grandes quebra-cabeças. As pessoas gostam de acompanhar as histórias para desvendá-las. O que você acha? Eu realmente não sei, mas acho que é isso. Não sou muito de assistir a esses programas…

Mudando de assunto, você é bom mesmo no golfe?

Creio que estou na média. Minhas habilidades são aceitáveis se comparadas às de Hugh Grant (o ator) ou às de qualquer pessoa que jogue em um nível amador. Costumava ser mais obcecado por golfe, mas agora, com o trabalho, não tenho mais tempo.

Viagem a convite da Sony’

Leila Reis

A cópia e o remake

‘Alta Estação é a Malhação da Record. A novela juvenil que estreou terça-feira (18 horas) segue a receita de sua similar da Globo: conta com a experiência de poucos atores tarimbados (Cássia Linhares, Cláudia Alencar, Roberto Pirillo e Eliete Cigarini), um bando de jovens estreantes e um enredo bem ao gosto adolescente.

Assim como em Malhação, grande parte da ação de Alta Estação passa-se em ambiente estudantil. Mas a da Record é um pouco mais adulta, uma faculdade toma o lugar do colégio (Múltipla Escolha), onde os seis protagonistas transitam. Tem também um bar com música ao vivo (Jony’s Bar) onde se desenrolam os romances, desencontros, intrigas etc., no mesmo esquema do Gibabite, bar freqüentado pela galera da Malhação. A autora da trama, Margareth Boury, já prestou serviços na Globo, inclusive escrevendo episódios da própria Malhação.

Assim, nenhuma semelhança é mera coincidência. O que a Record quer nada mais é do que capturar também uma parcela do fiel público jovem. Com 11 anos de idade, Malhação tem fama de deter a audiência mais estável da emissora: cerca de 28 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo). Com a vantagem de formar atores, técnicos e autores que vão abastecer as novelas ‘adultas’ da casa no futuro.

Sem escrúpulos de copiar a roda em vez de reinventá-la, a Record repete a fórmula que usou em Prova de Amor, quando invadiu a praia da Globo ao usar a paisagem e o sotaque carioca à la Manoel Carlos, com ajuda de profissionais recrutados nas fileiras da líder. Confirmando a tese do que é fazendo que se aprende, a emissora dá um salto com Alta Estação. Avança no que diz respeito a cenários, figurinos e iluminação. Ao mudar de canal, o telespectador não sente mais aquele degrau na qualidade da imagem.

Alta Estação estreou com 8 pontos de Ibope e caiu para 6 no capítulo seguinte. Mas mesmo assim saiu no lucro. A série Xena, que ocupava o horário, registrava 5.

A exibição da novela O Profeta (sucesso de Ivani Ribeiro na extinta Tupi em 1975), no horário das 6, confirma a vocação da faixa para remakes de histórias de época já consagradas. A novela supervisionada por Walcyr Carrasco estreou com os 36 pontos com que Sinhá Moça (outra regravação) encerrou sua carreira e manteve a média nos dias subseqüentes, o que não deixa de ser uma façanha, visto que historicamente há uma queda nos capítulos seguintes à estréia.

Há algumas hipóteses para a boa acolhida instantânea de O Profeta. A primeira delas é a nostalgia despertada por tramas ambientadas em passado recente. O figurino, os lugares e o modo de vida nos anos 50 simulam uma leveza inexistente hoje e na negra fase escravocrata brasileira (Sinhá Moça). É um refresco entrar num clima de romantismo ingênuo em que o rapaz enxerga na moça desconhecida o amor de sua vida no primeiro relance.

Outro componente que atrai é o da transcendência. O protagonista Marcos (Thiago Fragoso) consegue prever o futuro, entrar em contato com os mortos. Presentes também em A Viagem, outro texto de Ivani Ribeiro, produzido duas vezes na TV (em 75, na Tupi, e em 1994, na Globo), esses atributos tornam-se irresistíveis quando são bem usados na ficção.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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