ELEIÇÕES 2006
Campanha permanente
‘As eleições dominaram o cenário durante quase todo o 1º mandato de Lula
Formalmente, terminou ontem a campanha eleitoral. A mais longa da história, pois a disputa eleitoral prevaleceu sobre qualquer outro assunto e serviu de pano de fundo a todos os debates durante praticamente todo o mandato do presidente Luiz Inácio da Silva.
Lula nunca desceu do palanque onde passou a vida toda e isso ficou muito bem demonstrado por seu estilo discursivo de governar, com grande apreço a pronunciamentos – não raro dois ou três por dia – e aversão a entrevistas e questionamentos em geral. Em quatro anos, só deu uma entrevista coletiva – contrariando prática comum nas democracias – e só se dispôs ao contraditório quando lhe interessou: agora, no segundo turno da campanha pela reeleição.
A oposição, por sua vez, resolveu subir no palanque quando começaram a aparecer os escândalos de corrupção. PSDB e PFL, que no início não viam chance de voltar ao poder tão cedo, passaram a considerar fortemente a hipótese de Lula não se reeleger.
Contribuiu para a animação oposicionista a vitória do PSDB em São Paulo, com José Serra, e a derrota imposta ao PT no Rio Grande do Sul, com a eleição de José Fogaça para a prefeitura de Porto Alegre, depois de 16 anos de administrações petistas.
Em dezembro de 2005, um ano marcado por adversidades, a oposição vislumbrava a vitória na sucessão presidencial quase que como uma certeza. Lula vivia seu período de popularidade mais baixo.
Em março, com o presidente já em franco estado de recuperação, o PSDB escolheu para disputar com Lula seu candidato menos competitivo. Ficou com Geraldo Alckmin porque, como diz agora a campanha do PT, não quis trocar o certo pelo duvidoso e optou por garantir o governo de São Paulo, com José Serra.
Se ganhasse a Presidência com Alckmin, estaria no lucro. Se não, aguardaria a vez na esperança de que Lula padeça do mesmo veneno que vitimou os tucanos na campanha de 2002: o imenso desgaste provocado por 8 anos de poder.
É nisso que o PSDB aposta agora. O partido está como Roberto Jefferson: sublimou a derrota, adotou o discurso segundo o qual é melhor Lula na Presidência mais 4 anos, se enfraquecendo à medida que não puder atender às expectativas da população, do que na oposição ainda forte e se preparando para retomar o governo em 2010, atrapalhando os planos de José Serra e Aécio Neves.
É uma conta arriscada, visto que a oposição apostava também no ‘sangramento’ em praça pública do presidente neste último ano e o que se viu foi uma recuperação e capacidade de resistência invejáveis.
Mas, a despeito dos riscos, é nisso que a oposição aposta. E é por isso que a campanha eleitoral terminou de direito, mas, de fato, recomeça logo depois de proclamados os resultados de hoje e vai perdurar pelos próximos 4 anos.
Terra arrasada
Da mesma forma que a ambigüidade fez bem ao PMDB – elegeu a maior bancada na Câmara, pode ficar com a maioria no Senado e fez um bom plantel de governadores -, a assertividade não foi boa conselheira para o PFL.
O partido é seguramente o maior derrotado desta eleição. Sua preponderância no Nordeste foi quebrada pelo PT e no Sudeste não conseguiu avançar. Detém hoje só um posto importante na região, o que faz do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, um herdeiro credenciado do espólio.
Em termos de governos de Estados, o PFL está fora de todos no Nordeste, bem como de prefeituras de capitais. A única candidata do partido com chance de ganhar é Roseana Sarney, no Maranhão, uma dissidente já em vias de deixar a legenda.
Derrota emblemática foi a da Bahia e, tudo indica, será também a de Pernambuco, onde pela primeira vez em muitos anos o PFL não terá nem o governo nem a prefeitura do Recife ou de qualquer cidade da região metropolitana.
A esperança pefelista seria presidir o Senado, mas o PMDB se prepara para cooptar três ou quatro senadores de maneira a tirar do PFL o último bastião.
Isonomia
Fernando Collor de Mello ainda nem assumiu seu mandato de senador por Alagoas e já dá passos no sentido de se reintegrar ao cenário político com tudo o que tem direito e mais um pouco.
Não é gratuito o ato de requerer à Casa Civil os privilégios de ex-presidente já assegurados por decisão da Justiça. Collor não precisa dos dois carros e seis funcionários que a lei lhe garante. Até porque o Senado lhe dá automóvel e servidores.
O movimento do agora senador e presidente impedido de completar o mandato por corrupção tem o objetivo de cobrar simbolicamente isonomia com os outros ex-presidentes, José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Com isso, zera o jogo. Daí em diante, pode vir a reivindicar outros ressarcimentos. Nas urnas, com o discurso de que não fez nada que não se tenha feito pior depois dele. Conviria, portanto, atenção aos atos do referido senhor. Principalmente se a oposição não for percebida como contraponto eficaz ao PT.’
Carlos Marchi
‘Luta contra corrupção só avança se houver pressão internacional’
‘Eleger um governante arranhado por escândalos de corrupção não incomoda o eleitor latino-americano, mas negar o voto a um candidato ‘envolvido’ com as privatizações tem uma lógica continental, afirma a economista chilena Marta Lagos, diretora do Latinobarómetro, entidade que acompanha a evolução das opiniões da América Latina. O opção do eleitor brasileiro se circunscreve naquela lógica: ele não se impressiona com acusações de corrupção, mas é sensível à demonização das privatizações.
Marta afirma que o eleitorado de baixa renda no Brasil, como em outros países latino-americanos, está acostumado com regimes em que há corrupção. ‘O determinante para o voto me parece ser a crença de que Lula vai fazer mais pelos pobres do que o outro candidato’, diz. Mas esse mesmo eleitorado se sente até hoje enganado pelo processo de privatizações, que lhe foi (mal) vendido como uma panacéia de prosperidade e não resolveu os problemas do País, segundo a compreensão dos segmentos mais pobres.
Marta diz que eleger governantes envolvidos com corrupção é muito perverso porque significa que eles não terão uma condenação por parte do eleitorado. ‘É tremendamente perverso para a democracia e, sem dúvida, dificulta a luta para vencer a corrupção’, observa. Ela considera que, na América Latina, a democracia criou ‘expectativas desmedidas sobre o que é capaz de prover às pessoas ‘. Eis a entrevista concedida ao Estado:
Que expectativa a democracia transmite aos latino-americanos?
As populações têm sempre expectativas pouco realistas sobre os benefícios que um governo e o Estado podem lhes conceder. E a democracia, principalmente na América Latina, criou expectativas desmedidas sobre o que é capaz de prover às pessoas.
As pessoas sonham com soluções muito rápidas?
Uma parcela dos povos latino-americanos acredita que um país só pode resolver os seus grandes problemas num tempo aproximado de 20 anos; mas a parcela mais pobre, que representa pelo menos um terço – e que no Brasil é de pelo menos a metade -, acredita que esses problemas podem ser resolvidos em quatro, cinco anos, no espaço de um governo. É isso que faz com que elementos negativos, como a corrupção, não tenham relevância para eles. Os escândalos atuais podem ser julgados com rigor por uma parcela dos brasileiros, mas posso lhe garantir que eles não são um elemento determinante para o voto. O determinante é a crença de que Lula fará mais pelos pobres do que o outro candidato.
Segundo o Latinobarómetro, os latino-americanos entendem que a democracia só é boa se produzir benefícios concretos para os pobres. É um conceito razoável, não?
Existem três demandas específicas na democracia. Uma é a demanda pelos bens políticos, que premiam Lula, que chegou à Presidência vindo de uma família de analfabetos, representa a mobilidade social, enfim, é um ‘deles’. Outra é a demanda por bens econômicos, hoje indispensáveis a todos. E a terceira é por bens sociais. O problema das democracias latino-americanas é que elas têm de atender a essas três demandas simultaneamente. Na Europa, essas três demandas foram atendidas de maneira seqüencial. Aqui, não: nós queremos tudo de maneira simultânea. Nenhum governo pode fracassar economicamente e ser, ao mesmo tempo, bem sucedido na consolidação da democracia. Tem de alcançar as duas coisas juntas. Se um governo não logra avançar na luta contra a pobreza, não terá futuro nessa terra…
Na campanha eleitoral brasileira, o candidato do PSDB, que comandou as privatizações, foi crucificado. Por que as privatizações são tão mal recebidas pelas pessoas?
As privatizações foram anunciadas com uma mensagem de prosperidade, ícones de um futuro melhor, exemplo de desenvolvimento, de solidez e de estabilidade. As privatizações foram vendidas às populações como uma panacéia que solucionaria todos os problemas. Na verdade, elas solucionaram a questão macroeconômica, alguns problemas de superávit, buracos nos caixas dos Estados, mas não resolveram os grandes problemas das sociedades.
Como se consolidou a frustração com as privatizações?
O desencanto se produziu, em primeiro lugar, porque as pessoas não foram informadas antes que, com as privatizações, teriam de pagar mais por luz, telefone e água; e que não haveria mais um Estado benevolente para ajudá-los, com subsídios, a suportar os altos custos dos serviços básicos. A frustração se produziu porque as pessoas receberam antes uma promessa de prosperidade e, depois, perceberam que a prosperidade lhes custaria caro. Na verdade, esqueceram de explicar aos pobres que as privatizações eram um instrumento macroeconômico essencial, não para trazer prosperidade, como foi anunciado, mas para corrigir a maneira como funcionava a economia.
Mas em 1995, no Brasil, um telefone custava US$ 3 mil e não se conseguia um. Hoje temos 90 milhões de celulares. As pessoas não valorizam isso?
É verdade, mas quem compra celulares são pessoas que têm posses. As pessoas mais pobres não têm como pagar o seu preço. Existem sistemas alternativos no caso dos telefones, um sistema muito aberto, mas no caso da luz e da água é uma empresa só, não há concorrência. E não existem, também, produtos capazes de substituir a água e a eletricidade. Então, efetivamente se produziu um retrocesso no fornecimento desses serviços básicos à gente pobre. Na verdade, o processo de privatização se caracterizou, em todos os lugares, pela implantação de uma política muito mal comunicada às populações.
O segundo grande tema da campanha eleitoral brasileira foi a corrupção. Quem foi acusado de privatizar, vai perder; quem foi acusado de corrupção, vai ganhar. Qual a lógica disso?
É muito perverso eleger governantes envolvidos com corrupção, porque isso significa que eles não tiveram uma condenação clara por parte do eleitorado. É tremendamente perverso para a democracia e, sem dúvida, dificulta a luta para vencer a corrupção. Com que legitimidade, amanhã, se faria uma luta para eliminar a corrupção, se o eleitorado não lhe dá nenhum valor? Assim, a luta contra a corrupção só avançará se houver uma pressão internacional para fixar padrões que permitam sistematizá-la. Se não houver essa pressão internacional, vai parecer fácil praticar corrupção.
Por que o eleitor não liga para a questão ética?
Em países como Brasil, México e Argentina, os cidadãos já estão acostumados a regimes que praticam muita corrupção. É normal, nesses países, que em épocas de avanços significativos, a corrupção seja esquecida. Nessas horas, ela costuma ser, de alguma forma, varrida para debaixo do tapete, para não ser vista.
E quando, mesmo com a sujeira à vista, o povo não se importa?
É muito raro existir um político que seja totalmente limpo e que mantenha, à sua volta, um sistema imune à corrupção. Se existisse, seria notável, mas ele não existe. As acusações de corrupção estão em todos os lados, não existe um sistema impermeável à corrupção. Por tudo isso, as acusações de corrupção se anulam. Alguém dirá: é dramático que o povo brasileiro eleja Lula, apesar da corrupção. Mas é preciso entender que o povo não está elegendo a corrupção, mas um governante que, para eles, vai fazer mais pelos pobres que o outro. Um escândalo de corrupção, apenas, não é suficiente para que o povo abandone a esperança que acalentou.
Segundo o Latinobarómetro, 69% dos latino-americanos crêem no surgimento de um líder que resolva todos os problemas do seu país. O que representa essa idéia missioneira?
Nós perguntamos às pessoas: se por acaso aparecer uma pessoa – um economista, um especialista, um militar, um marciano, qualquer um – que lhe diz que vai resolver todos os seus problemas, você votaria nele? Uma grande maioria respondeu que sim. Se eu não tenho nada e vejo outras pessoas ficando ricas, vejo aumentar a distância entre ricos e pobres, e me aparece um político que me diz que vai resolver todos os meus problemas, eu voto nele. Eu entendo que esse gesto é muito razoável, mas em verdade ele traz, em seu conteúdo, uma demanda desesperada.
Segundo o Latinobarómetro, os atuais cidadãos latino-americanos representam uma geração frustrada, espremida entre duas gerações que tiveram ou terão melhores oportunidades. Que especiais dificuldades teve a nossa geração?
A nossa é uma geração que sabe que seus filhos terão um futuro melhor e que sabe, também, que a democracia não nos trouxe nada de especial, que melhorasse nossas vidas. É por isso que existe tanta ansiedade de eleger qualquer um, porque os cidadãos sabem que não terão acesso à prosperidade, à felicidade, à ascensão social. Isso tudo vai chegar para outros, no futuro. Isso, sem dúvida, incentiva o populismo, a venda de ilusões, a criação de falsas esperanças. Recentemente, tivemos um milhão de jovens chilenos protestando nas ruas. Por que os jovens foram às ruas? Porque eles estão percebendo que, para eles, tampouco, os benefícios não vão chegar. E olhe que, quando alguém protesta de forma tão drástica é porque está percebendo que a prosperidade vai passar ao lado e não vai entrar em sua casa. É por isso que o populismo cresce.
O Brasil é o campeão latino-americano de ignorância sobre democracia. Na Argentina e México, só 10% dos cidadãos não sabem dar o significado da democracia; no Brasil, esse número é de 59%. Isso quer dizer falta de educação política ou mera falta de educação?
Antes de tudo, é uma mera falta de educação. O porcentual brasileiro mostra, sem dúvida, que o Brasil, pelo baixo nível educacional de algumas de suas regiões, tem uma grande tarefa pela frente, não para solucionar a conceituação do que é democracia, mas para gerar educação, em sua inteireza. Em segundo lugar, isso significa que uma geração precisa ser educada na democracia para entender o que é democracia. Democracia não cai do céu. A primeira geração de jovens educada em plena democracia vai ter uma concepção muito mais precisa do que é democracia do que os velhos, os analfabetos e os camponeses com educação básica. Mas isso vai melhorando na vivência entre gerações, embora as mudanças cheguem muito lentamente. Na América Latina, a democracia se entranha na vida das pessoas pelas experiências, não pela teoria. É por isso que as nossas instituições têm dificuldades: para haver legitimação, temos de fazer coisas, aprender caminhos, eleger pessoas. Esse é um dos grandes trunfos de Lula. Sua primeira vitória foi o programa inicial, Fome Zero, que significou uma mensagem enviada às pessoas dos segmentos mais pobres. Pouco importa que o resultado do programa não tenha sido bom. O que importou é que pela primeira vez alguém, no Brasil, enviou uma mensagem à grande maioria até então esquecida. Para eles, isso superou qualquer outro erro que Lula tenha cometido em sua trajetória.’
TELEVISÃO
‘Não dá para esperar’
‘Que o Rodrigo Santoro está na terceira temporada de Lost todo mundo sabe. Que dessa vez a série abordará a história dos ‘outros’ também já não é novidade. Em Lost tudo o que vai ao ar semanalmente nos EUA vira notícia nos sites especializados, nos fóruns de fãs na internet e até na mídia nacional. Então, por mais que o telespectador queira manter a surpresa, é impossível ficar alheio às notícias de Lost, durante os cinco meses que separam sua exibição nos EUA – onde já foram exibidos quatro episódios do novo ano – e Brasil.
Hoje, viciados no mistério da ilha, muitos fãs de Lost driblam esse atraso e baixam os episódios da internet no dia seguinte à exibição nos EUA. E o capítulo vem impecável e legendado. ‘Se eu estivesse em uma ilha e ninguém me dissesse o que acontece na série, tudo bem. Mas sempre tem alguém que conta porque já assistiu, então tenho de usar esses artifícios’, justifica o aposentado E.G.S., de 54 anos. Além de Lost, o aposentado baixa também Star Trek: Voyager, Grey’s Anatomy, House e Smallville para assistir acompanhado da mulher e da filha adolescente. ‘Nem preciso transformar em DVD porque meu aparelho lê e posso assistir quando quero.’
A família da estudante de pedagogia A.C.G., de 24 anos, também assiste a Lost unida. ‘Assisto com meu pai e com minha mãe. Viro a tela do computador e sentamos os três na cama’, conta a estudante que demora cerca de 10 horas para baixar um capítulo da série. ‘Mas vale a pena!’
L.F.M., de 27 anos, começou a assistir a Lost já no computador. Hoje, ele continua baixando a série e até promove sessões semanais com amigos para ver os inéditos. ‘Séries como Lost, que têm muita polêmica e teoria em cima dos episódios, geram muitos tópicos pela internet e spoilers e isso acaba com a graça de quem é fã da série’, diz o desenvolvedor de sistemas. Ele admite que, se a demora fosse menor, tentaria acompanhar Lost pela TV.
Outro exemplo desse intervalo de exibição de uma série no Brasil foi a aparição do brasileiro Bruno Campos, na terceira temporada de Nip/Tuck, em cartaz atualmente na Fox. Quando o canal trouxe a temporada, os americanos já haviam desvendado o mistério que cerca o personagem de Bruno que, durante entrevista promovida pela Fox, pediu aos jornalista que a informação não fosse divulgada.
Estratégia de contenção
O atraso em estrear séries no Brasil não é somente fruto de implicações contratuais e operacionais. Canais como a Fox, a Sony e o AXN defendem que esse atraso, ou ‘delay’, faz parte de suas estratégias de lançamento de atrações. ‘24 Horas termina nos EUA em maio e só estréia aqui em janeiro. Até está disponível antes, mas por estratégia, costumamos transmitir no 1º trimestre do ano posterior’, explica Kátia Murgel, diretora de Programação e Produção da Fox.
Além de 24 Horas, a Fox também exibe outra série que é estrela dos downloads, Prison Break, que, mesmo com o delay, foi exibida sem seqüência por falta de episódios produzidos nos EUA. Kátia esclarece que a estratégia é lançar atrações durante todo o ano. Isso pode diminuir a ansiedade do público.
A gerente de Marketing dos canais Sony, AXN e Animax, Stefania Granito, diz que o delay é uma estratégia adotada para evitar reprises de episódios no meio de uma temporada. Isso inevitavelmente aconteceria se a exibição fosse quase simultânea com os EUA porque lá é costume deixar de exibir um capítulo de uma série quando esta vai competir com uma atração forte como o Superbowl. A Sony sofreu as conseqüências disso quando estreou a primeira temporada de Desperate Housewives, que foi transmitida no Brasil sem continuidade por falta de episódios inéditos.
‘Nos EUA, o público se acostumou com as reprises’, diz Stefania. ‘Se tivéssemos de interromper a seqüência dos episódios, teríamos de explicar os motivos. Nós levamos entretenimento para os assinantes e, se tivéssemos de explicar, deixaria de ser recreio para ser escola.’ Para Stefania, o número de downloads que se faz hoje não é alto. ‘No Torrent (usado para baixar episódios), foram somente 22 mil downloads no mundo’, fala a gerente, esquecendo-se de que muitos desses downloads vão parar em sites que disponibilizam o link para milhares de fãs.
Mesmo sem perspectiva de diminuir o atraso em relação aos EUA, a gerente do AXN afirma que o canal está atento a essa tendência. Mas Lost só entrará em cartaz em março de 2007. ‘Fazemos uma observação do mercado e do consumidor e, se virar boom, a gente pode rever a estratégia. Não vemos ainda reflexo dos downloads na audiência do canal’, conta Stefania. ‘Quem é muito fã de Desperate Housewives (que vai entrar em fevereiro), mesmo se a gente lançasse em novembro, um mês depois dos EUA, ia baixar de qualquer jeito.’
Quanto menor a diferença, melhor
O Warner Channel tenta diminuir o delay de suas séries, mas também depende do tempo operacional de legendagem e da estratégia de lançamento. ‘Seguramos algumas séries para começar junto com as outras, mas tentamos fazer esse tempo de diferença entre os EUA e Brasil o menor possível’, conta Wilma Maciel, diretora sênior de Programação do canal. ‘Se há algum problema lá fora, preferimos repetir episódios.’ O canal está trabalhando para estreitar o delay de uma das séries campeãs de download, The L Word, que começou com duas temporadas de desvantagem em relação aos EUA. As fãs da série possuem até uma rede de troca de capítulos inéditos aqui.
Para Wilma, é preciso estar ligado nessa tendência, apesar de não haver como computar a fuga de audiência na TV paga brasileira pelo pequeno número de lares medidos. ‘Acho que por enquanto não há risco de a internet atrapalhar a audiência porque a TV é forte. Às vezes baixar episódios até dá uma publicidade para o canal’, diz a diretora. ‘Fora isso, a internet é um hábito mais solitário, enquanto a TV é mais comunitária.’
O Universal Channel segue a mesma linha. ‘O canal procura exibir as novas séries e temporadas o mais próximo possível do mercado americano’, garante Paulo Barata, diretor do Universal Channel. Em séries como Law&Order e Law&Order: Special Victims Unit, essa preocupação é ainda maior. ‘Essa estratégia foi adotada para que os assinantes possam acompanhar os episódios à medida em que são produzidos devido ao contexto em que são roteirizados, muitas vezes, baseados em fatos conhecidos como os ataques de 11 de setembro e a devastação do furacão Katrina’, conta Barata. Law&Order: SVU chega com um mês de delay, o que obriga o canal a repetir alguns episódios quando brecam os inéditos nos EUA. Nesses casos, o canal explica a reprise em seu site e em chamadas na programação, além de alertar a imprensa.
Para Barata, a internet não concorre tanto com a TV. ‘Novas tecnologias surgem a cada dia e a própria história demonstra que é possível acomodar as novas mídias. Foi o que aconteceu com a chegada do rádio e da TV, por exemplo.’ O diretor ressalva que não há um atraso e sim um tempo para preparar o episódio, revisar a legendagem, produzir chamadas e campanhas para as atrações. Exemplo disso é Heroes, série que estreou recentemente nos EUA e estará disponível para exibição no Brasil em janeiro. ‘O canal pretende estreá-la no primeiro trimestre.’
Independentemente de diferenças de estratégias, os canais concordam que é cedo para verificar se o ato do download prejudica a audiência. O público porém, não se acanha em cometer um ato ilegal e os fãs com certeza concordam com a estudante A.C.G: ‘Não dá para esperar!’’
Leila Reis
A mágica do SBT
‘Difícil explicar a vice-liderança do SBT no ranking da audiência da televisão, porque seus métodos são pouco ortodoxos. A emissora de Silvio Santos padece de uma inconstância crônica. Os profissionais que estiveram ou ainda estão na casa têm muitos casos para comprovar a tese. Sérgio Groisman, Marília Gabriela, Hebe, Adriane Galisteu, Ana Paula Padrão, todos rodaram pela grade da emissora ao sabor dos ventos que sopravam do gabinete da direção. Até Jô Soares, que chegou ao SBT calçado por um contrato muito bem amarrado, contou nos dedos as vezes que o seu programa Onze Meia entrou no horário nos 11 anos em que bateu ponto na emissora.
O fato é que, por imediatismo ou por uma estratégia excêntrica de marketing, o SBT tem surpreendido o mercado com sua prodigalidade em relação à audiência, desperdiçando índices que concorrentes matariam para ter. É o que faz agora com a faixa dedicada à novela, diríamos, nacional. Ou seja, às adaptações de textos mexicanos por autores nacionais, com direção e elenco brasileiros.
Cristal, que depois de muitas oscilações estabilizou na média de 8 pontos no Ibope (Grande São Paulo), terminou na sexta-feira sem ‘entregar’ essa audiência fiel para outra trama em capítulos.
No lugar da história da cinderela Bianca Castanho, que terminou nos braços do príncipe Dado Dolabella, nenhuma garota pobre vai comer o pão que o diabo amassou antes de se casar com o rapaz rico. Entra o maior abandonado Chaves, que ganha mais meia hora a partir de amanhã. Que fique bem claro que o garoto interpretado pelo hoje octogenário Roberto Bolaños, não tem feito feio apesar do teipe de Chaves estar quase se desfazendo de tanto rodar nas máquinas do SBT. A série que já tem mais de 30 anos (estreou no México em 1971) consegue hoje 7 pontos de média às 18 horas.
Chamar Chaves em vez de enfileirar outra novela mexicana legítima pode ser considerada uma estratégia acertada. Em 2004, quando não teve tempo para aprontar uma produção própria para colar em Canavial de Paixões (que terminou com 14 pontos no Ibope), escalou o dramalhão A Outra, e derrubou a audiência do horário para menos de 10 pontos. Só quando estreou Seus Olhos, feita pelo SBT, é que conseguiu atingir os 8 pontos. Os Ricos Também Choram, remake do original mexicano que fez sucesso no SBT nos anos 80, que veio a seguir, elevou esse patamar.
Então, se a experiência mostra que o telespectador adora o maniqueísmo de textos mexicanos, mas encenados com caras conhecidas made in Brazil, porque o SBT não se previne e se mobiliza para garantir a cota que seu público quer?
Consta que o plano era produzir outra adaptação mexicana voltada para adolescentes – Confidente da Secundária (em espanhol) – mas acidentes de percurso (em especial, a doença do diretor Herval Rossano, substituído por David Grinberg) atrapalharam os planos. Como a Record saiu na frente com uma versão de Malhação, a novela Alta Estação, o SBT cogita escolher outra história. Dessa forma, Chaves terá uma jornada mais longa do que a prevista.
Como tem mostrado a história, a fidelidade do público do SBT é inesgotável. É bem provável que a audiência agüente firme as peripécias da turma do beco onde mora seu Madrugada e a Bruxa do 71 até que a emissora resolva que novela colocar no ar.’
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