RADIOBRÁS
O Estado de S.Paulo (14/11/2006)
PT faz pressão por mudanças na Radiobrás
João Domingos
Sob pressão de setores do PT que querem aproveitar a reforma ministerial para mexer na direção da Radiobrás, a fim de torná-la um instrumento mais dócil aos interesses do governo, o presidente da estatal, Eugênio Bucci, encaminhou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva carta em que põe o cargo à disposição. Cópia foi enviada também para o chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, ao qual todo o sistema de comunicação do governo está subordinado.
‘Encaminhei a carta para deixar o presidente e o ministro Dulci livres para tomarem a atitude que acharem melhor. Mas isso não significa que estou pedindo demissão’, disse Bucci, que nega estar sendo pressionado. ‘Essa decisão fica por conta do presidente e do ministro.’
Ao anunciar sua decisão, Bucci fez considerações teóricas sobre o exercício de cargos públicos: ‘A gente vem para um cargo público para ficar quatro anos, na melhor das hipóteses. Por isso, não sou candidato à minha permanência. Acho saudável a renovação dos cargos.’
Em seguida, ele reafirmou que não pediu demissão porque uma decisão nesse sentido tem de ser do presidente e do ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Aparelhamento
No PT há setores que reclamam que a Radiobrás não foi suficientemente aparelhada. Defendem a idéia de que a empresa, por ser uma gigantesca estatal da comunicação do governo, deveria fazer publicidade dos atos oficiais.
Mas o que ocorreu, de acordo com esse grupo, é que na campanha presidencial até reportagens desfavoráveis ao presidente Lula foram veiculadas pelo complexo de comunicação. Além do mais, a estatal teria divulgado críticas de oposicionistas feitas em discursos no Congresso.
Geisel
A Radiobrás foi criada em 1975, ainda durante o regime militar, pelo então presidente Ernesto Geisel. Além de sua estrutura de geração de informação propriamente dita, a empresa conta com o maior complexo de transmissores e antenas de radiodifusão em ondas médias e curtas da América Latina. Também cuida da distribuição da publicidade legal de cerca de 1.130 entidades governamentais.
No ano passado, a estatal lançou a TV Brasil – canal internacional de televisão, destinado a ‘integrar a América do Sul’. A emissora tem a maior parte da programação transmitida em espanhol. O público-alvo são os espectadores dos países da região, mas, nas transmissões experimentais, o sinal da TV Brasil alcançou também os Estados Unidos e parte da Europa.
LISTA NEGRA
A OAB ameaça seus ‘inimigos’ (editorial)
‘Além de recorrer a métodos censuráveis para alargar o saturado mercado de trabalho para os bacharéis em direito, tentando obrigar cidadãos e empresas a contratar serviços legais de que não necessitam, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está agora apelando para expedientes ainda mais condenáveis.
A pretexto de combater autoridades que violam as ‘prerrogativas’ da corporação, a seccional paulista criou há dois anos uma ‘lista negra’ que já tem mais de 180 nomes. Em sua maioria, são juízes, desembargadores, promotores e procuradores. Mas a lista também inclui jornalistas, delegados, policiais, serventuários judiciais, gerentes de banco, vereadores da capital e do interior e até uma Câmara Municipal completa – a da cidade de Mogi-Guaçu.
Essas pessoas foram incluídas na ‘lista negra’ da OAB/SP por se recusarem a receber advogados ou por não terem acolhido reivindicações por eles encaminhadas. A entidade argumenta que os incluídos na lista praticaram ‘atos incompatíveis com o exercício da advocacia’. Na prática, o que a corporação quer é retaliar quem não cede a pressões de seus integrantes, negando-lhes o registro profissional para que possam advogar, quando se aposentarem das funções atuais.
Além da seccional paulista, a seccional da OAB do Rio de Janeiro adotou a mesma estratégia em setembro e os sites jornalísticos especializados no setor, como o Consultor Jurídico, informam que outras seccionais estão sendo estimuladas a promover ‘campanha de caça’ a seus inimigos. ‘Um homem que nunca respeitou o advogado não pode depois participar dos quadros da advocacia. O cadastro não tem nada de ilegal. A autoridade (um juiz ou um promotor) sofre um processo interno na Ordem, há um julgamento público pelo conselho de prerrogativas em que a autoridade pode se manifestar e desse julgamento ainda cabe recurso para o conselho da seccional. Só então, com o processo transitado em julgado, é que o nome entra para o rol das autoridades que ofenderam a advocacia’, diz o advogado Mário de Oliveira Filho, o mentor dessa estratégia.
Ao negar registro profissional a quem eventualmente desagradou a algum advogado, a OAB está exorbitando de suas funções, procurando intimidar funcionários de empresas particulares e servidores dos poderes públicos, que têm regras e procedimentos para cumprir e não podem em hipótese alguma acolher pretensões absurdas de determinados bacharéis. A criação do cadastro e a negação de inscrição a quem nele estiver incluído configuram uma acintosa forma de chantagem que fere as liberdades públicas e o próprio Estado de Direito. Em outras palavras, a medida é inconstitucional, permitindo a quem for atingido impetrar ações de indenização por dano moral contra a OAB, como lembram os diretores da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Em contundentes notas de protesto divulgadas esta semana, a Ajufe, a AMB, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores da República e a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo afirmam que o julgamento de denúncias de violações de prerrogativas de advogados cometidas por juízes e promotores é de responsabilidade das corregedorias do Judiciário e do Ministério Público. Além disso, dizem essas entidades, a OAB já tem dois representantes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foi criado para promover o controle externo do Judiciário e do Ministério Público. ‘A previsão do cadastro confere às seccionais da OAB a oportunidade de julgar juízes por atos praticados no exercício de suas funções, em detrimento das atribuições conferidas às corregedorias e ao CNJ, competência que não lhes foi outorgada pela Constituição’, conclui a nota da Ajufe. ‘A entidade (OAB/SP) recupera práticas hediondas (…) do antigo Dops, desrespeitando a honra e a intimidade dos listados sem qualquer fundamento legal’, diz o juiz Marcos Fava, diretor da Anamatra.
No passado, lembram juízes e procuradores, a OAB se destacou por defender a democracia e o Estado de Direito. Hoje, a entidade confunde a defesa de suas prerrogativas com a reivindicação de pretensões absurdas e cartoriais.’
YOU TUBE
TrashWorks apresenta o Wolverine de Pirituba
‘Diversão e fama movem o designer Deivison Carascosa, de 31 anos, que trabalha em uma empresa da área de informática, mas, nas horas vagas, assume a personalidade virtual de D.Karaskosa e comanda a produtora amadora TrashWorks, em sua casa, em Pirituba, zona oeste de São Paulo. Carascosa fez 15 animações e três filmes.
No YouTube, sua produção de maior sucesso é Équis-Mem, no qual contracena com um amigo no papel de Wolverine, que tem facas de cozinha entre os dedos das mãos imitando as garras do herói dos quadrinhos. ‘O YouTube é nota mil. Existe muita coisa boa por aí, só precisamos de oportunidade’, diz.
O designer inventou também a animação Palitoman, desenho de traços infantis de um homem que vive rápidas aventuras. O canal de TV paga Nickelodeon exibirá sete episódios do Palitoman, como estímulo ao trabalho de Carascosa.
Cineastas amadores sempre existiram. Mesmo antes do YouTube, comunidades virtuais no Orkut de gente que tem como passatempo gravar produções caseiras somavam mais de 1 mil pessoas. Hoje, alguns desses produtores que ainda não aderiram ao site preparam a sua estréia com cuidado.
O estudante de pré-vestibular Ricardo Moreira de Araújo, de 20 anos, de Cidade Dutra, zona sul, conta que usava antigos sites de uploads, como o www.rapidshare.com, para divulgar suas produções. ‘Mas o YouTube é diferente. No Rapidshare, o arquivo é destruído quando os downloads param. Fora que dependendo do número de pessoas que vêem, você pode aparecer na página principal.’
Com menos recursos, Araújo usa câmera VHS para capturar as imagens e, depois, um software que transforma as imagens em digitais. ‘Fica mais complicado para mim porque não tenho acesso à internet por banda larga’, conta.’
Fenômeno dos EUA vira inspiração
‘Descabelada, magrela e nariguda, ela é um fenômeno. Brooke Allison Brodack, de 20 anos, vive na cidade de Holden, Massachusetts, de onde há um ano começou a incluir vídeos bem-humorados no YouTube, sob o apelido de Brookers. A produção mais assistida de Brooke – Crazed Numa Fan!!!! (algo como Fã Enlouquecida de Numa!!!!, do Numa Numa Dance, estilo de música eletrônica conhecida entre internautas) – bateu a marca de 3 milhões de visualizações.
Brooke é capaz de fazer um drama familiar hilário sobre quem roubou suas batatinhas fritas ou então aparecer com uma vassoura na cabeça interpretando Hermione, a melhor amiga de Harry Potter. Em um vídeo, a jovem estrela do YouTube beira o niilismo, em outro, aparece em frente a uma bandeira dos Estados Unidos fazendo críticas aos políticos.
Guilherme Zaiden, o emo brasileiro que pede o carinho dos internautas, não esconde que se inspira em Brooke e em outras celebridades menores, como a LonelyGirl15, que filma confissões de adolescentes melancólicos. Recentemente, Brooke foi contratada pela rede de TV NBC e deve estrear um programa explorando o que ela tem de melhor: uma cara extremamente engraçada.
O espaço que Brooke conseguiu, ainda enquanto uma mera anônima do YouTube, em publicações americanas de respeito, como The New Yorker e Entertainment Weekly, lembra os melhores roteiros surrealistas do desenho animado The Simpsons. As críticas de seus vídeos trazem classificações como ‘brilhante’ e ‘deliciosamente maluca’.
Uma simples busca no YouTube com o apelido Brookers mostra a lista com 38 vídeos da jovem. Os mais recentes, dizem, estão no site da NBC, o que deu margem a uma nova discussão nos Estados Unidos: a quem realmente pertencem as produções do YouTube? São dos seus autores, que incluem seus vídeos na web diariamente, ou do site?
O fato é que o site, que afirma em seu link de imprensa exibir 70 milhões de vídeos diariamente, foi comprado há um mês pelo Google, numa transação de US$ 1,6 bilhão. Que incluiu, claro, todo o acervo disposto online, no qual estão Brooke e o brasileiro Zaiden.’
YouTube leva jovens diretores ao estrelato
‘Ter perfil no Orkut já não é tão divertido. A onda, agora, é colocar links no site de relacionamentos que remetam ao YouTube, no qual é possível exibir vídeos de confissões íntimas ou ‘superproduções’ de fundo de quintal. Desde que surgiu, há 18 meses, o YouTube virou febre entre jovens videomakers amadores brasileiros, como ocorre fora do País.
O estudante de cursinho Guilherme Zaiden, de 18 anos, virou celebridade na internet em quatro meses. Filho de funcionários do Banco Central, Zaiden é um jovem tímido com uma vida pacata em Guará, cidade-satélite do Distrito Federal.
Com uma máquina fotográfica digital que grava trechos de 40 segundos e um computador ‘pré-histórico’, ele se transformou em um comediante numa série de oito vídeos, que somam 1 milhão de visualizações no YouTube. Duas produções – Confissões de um Emo e Pastor Cerafim – foram vistas por 300 mil pessoas cada uma, público maior que o de vários filmes brasileiros. Desde julho, quando estreou no YouTube, a vida de Zaiden nunca mais foi a mesma. ‘As pessoas me param no shopping para perguntar se sou o cara do vídeo. Às vezes, sinto que sou observado.’
Na produção À Psicóloga, o adolescente reclama da perseguição da mãe: ‘A bicha é louca’, diz, de olhos esbugalhados, e recebe um conselho prático: ‘Grave um vídeo’. Seria uma criação autobiográfica? ‘Não’, responde Zaiden. ‘Faço os vídeos para me divertir mesmo.’
O garoto admite que gostou da fama. Os dois perfis que mantinha no Orkut lotaram com cerca de 2 mil amigos. Em quatro meses, surgiram nove comunidades com 10 mil participantes virtuais, todas homenageando o adolescente. Uma delas chama-se Guilherme Zaiden, o Artista, a outra, Guilherme Zaiden no Jô, espécie de abaixo-assinado virtual pedindo que Jô Soares o entreviste.
Os e-mails enviados de várias partes do País e os comentários também impressionaram Felipe Eduardo de Carvalho, de 22, que mora na Vila Maria, zona norte de São Paulo, e trabalha no setor de Controle de Qualidade da TAM. Há quatro anos, ele grava produções caseiras para se divertir. No ano passado, comprou uma câmera digital e começou a mexer no software Adobe Premier, para editar arquivos em vídeo.
Em pouco tempo, surgia no YouTube a produtora Dark Hole e produções como A Corrida pela P…, estrelada por uma prostituta na rua. O seu, digamos, processo criativo é baseado no improviso. ‘Reúno os amigos e as idéias surgem. Passamos, às vezes, um dia gravando.’’
Luiz Carlos Merten
Guilherme Zaiden e o futuro do cinema
‘Há pelo menos seis anos, desde que o Festival de Cannes organizou um debate pioneiro sobre novas tecnologias (e premiou Dançando no Escuro com a Palma de Ouro), o assunto tem estado em discussão. Qual será o futuro do cinema? Se o suporte mudar, se a maneira de fazer e ver filmes mudar, continuará sendo cinema? Guilherme Zaiden é um produto destes novos tempos. Seus vídeos alcançam uma instantaneidade e uma divulgação que já fazem dele um fenômeno no YouTube.
Cada vídeo do Guilherme é visto por 100 mil espectadores (ou mais). No conjunto, ele contabiliza mais de 1 milhão de acessos com seus vídeos no YouTube. Já ostenta o título de recordista nacional de acessos. Muito diretor brasileiro adoraria ser visto e comentado por tanta gente como ele. Claro que o quadro é distinto. Há um público antenado que já baixa os conteúdos na internet, mas a maioria ainda segue o circuito normal, pagando ingresso para ver o filme no cinema. Mas a exibição digital é, cada vez mais, uma realidade. E o YouTube já realiza o sonho de transformar garotos como Guilherme em celebridade para as centenas de milhares de viewers que querem estar à frente, em busca de informação.
É o que está hoje em xeque. O homem nunca teve, ao longo da história, tanta informação e nunca esteve tão alienado. Antigamente, a censura de ditaduras tentava restringir e até proibir a circulação de informações. Hoje, a superabundância de informações cumpre este papel. É tanta coisa para assimilar, tanta coisa contraditória, que as pessoas terminam não assimilando nada. Consciente ou inconscientemente, Guilherme sabe disso. Seu trabalho é o reflexo disso. E ele é ótimo. É, principalmente, muito divertido. Embora jovem, tem uma percepção muito grande do mundo à sua volta e a converte em material de trabalho. As Confissões de Um Emo, Associação Brasileira de Vício ao Orkut, Pastor Cerafim e Promíscua ficam no limite entre a crítica e o consumo. Lembram um pouco as paródias do Casseta e Planeta, com a ressalva de que Guilherme não precisa de muitos recursos para construir sua estética desconstrutivista. É interessante discutir seu método de trabalho. Em geral ele é ator e diretor, uma espécie de one man show. Sua seleção de planos é quase sempre muito simples e objetiva. A cena se constrói na duração – na fala e no tempo -, mas ele usa a montagem, intercalando imagens para desmontar o que está sendo dito.
O emo diz que não se maquia, não é gay, não é isso nem aquilo, mas as cenas intercaladas vão desmistificando sua fala. O garoto que se liberta do vício do Orkut confessa que substituiu uma ansiedade por outra. Trocou o Orkut pela bebida e, no final, cai de bêbado na rua, sendo que Guilherme parte dos primeiros planos para os planos mais gerais para expressar esse momento de degradação do seu personagem no mundo. Promíscua, mais que à imagem, confere valor à trilha. E Pastor Cerafim chega a ser brilhante. O pastor evangélico brada contra as drogas, os gordos (a porta do céu tem 40 centímetros, quem tiver mais que isso na cintura não vai passar), os feios (Jesus quer encher o paraíso de gente bonita). O lema de Cerafim é fé, carinho e o dízimo, R$ 150, que ele pede para depositar numa conta, 666.66-6, e Guilherme acrescenta com cara safada – sacaram? Ainda é cedo para saber se o que Guilherme Faizen faz é arte ou se ele vai ter futuro no cinema. Mas já é possível saber que o trabalho dele é uma referência e o humor do garoto é do demo – demoníaco, democrático. Guilherme não poupa nada nem ninguém. Não poupa a si mesmo. A auto-exposição é uma característica ou necessidade da internet, do Orkut, de todas essas novas vias de comunicação que Hal Salwen antecipou e criticou em Denise Está Chamando. Ninguém deu muita atenção àquele filme. Hoje pode-se confirmar que foi profético.’
MARIA ANTONIETA
Bem longe da Bastilha
‘THE CHRONICLE REVIEW – Maria Antonieta está mais uma vez em voga. Um documentário de duas horas da PBS sobre a última rainha da França foi transmitido em setembro, seguido pela avant-première do filme Marie Antoinette de Sofia Coppola, em outubro. E agora surge uma porção espantosa de livros sobre esse tema: duas obras de ficção histórica – The Hidden Diary of Marie Antoinette, de Carolly Erickson (St. Martin Press), e Abundance: A Novel of Marie Antoinette, de Sena Jeter Naslund, mais um estudo acadêmico, Queen of Fashion: What Marie Antoinette Wore to the Revolution, de Caroline Weber.
Os títulos acima estão em débito, em graus variados, com a biografia lindamente construída por Lady Antonia Fraser, Marie Antoinette: The Journey (Weinfeld & Nicolson). O interesse de Coppola foi inicialmente despertado pela tradução inglesa de uma volumosa biografia de Maria Antonieta de 1991 pela historiadora francesa Evelyne Lever (editada no Brasil pela Objetiva). Coppola adquiriu os direitos do livro de Lever e depois a contratou como consultora. Mas foi a biografia de Fraser que, segundo Coppola, havia ‘humanizado’ Maria Antonieta, a inspiradora direta do roteiro.
O filme (que tem estréia no Brasil prevista para fevereiro) é estrelado por Kirsten Dunst e, por permissão especial do governo francês, foi filmado em locação no Palácio de Versalhes. Ele teve aceitação variada no Festival de Cinema de Cannes. Grassam controvérsias sobre a citação de música pop dos anos 1980 na trilha, assim como sobre a espantosa omissão da Revolução Francesa no filme. Coppola alega que apenas fez um filme sobre ‘adolescentes em Versalhes’. A própria Fraser tem sido entusiástica, chamando-o de ‘o mais lindo filme que já assisti’.
A saga de Maria Antonieta coloca problemas assustadores para qualquer adaptador. Com quem deveriam ficar nossas simpatias: com a ousada e vivaz garota de 14 anos arrancada de seu lar na corte dos Habsburgo em Viena para servir como égua reprodutora para a realeza francesa, ou com o proletariado francês cujos impostos sustentavam os luxos exorbitantes de uma aristocracia parasita? Nos últimos séculos, as visões sobre Maria Antonieta foram fortemente polarizadas: ela era ou uma santa e mártir, ou um monstro e uma Messalina.
Profundamente imparcial, Fraser faz de Maria Antonieta uma presença palpável, lamentável, sem nunca nos coagir a suspender um julgamento ético. Ela explode mitos (Maria Antonieta nunca disse ‘quem não tem pão que coma brioches’), descarta rumores sobre a ninfomania e o lesbianismo da rainha, e induz respeito pela sua coragem na adversidade. Mas Fraser também aceita como crível as acusações de traição, baseadas em parte num vazamento de segredos militares, que levou Maria Antonieta à condenação e execução. Fraser se detém relativamente pouco sobre os problemas sistêmicos da sociedade francesa que irromperiam na revolução de 1789. O feudalismo medieval persistia na França. E a resistência francesa a bancar reformas deprimiu sua economia até o século 19. No livro absorvente de Fraser, o sofrimento ou frustração da cidadania francesa às vezes parece um mero ruído de fundo – como foi, por muito tempo, para a própria Maria Antonieta.
Embora se apóie em múltiplas fontes, o documentário da PBS, escrito e dirigido por David Grubin, trai seu fascínio por Fraser. O papel de Maria Antonieta como uma intermediária infeliz entre superpotências européias concorrentes é bem retratado, assim como a intromissão dominadora, de longe, de sua mãe imperatriz e as intermináveis humilhações públicas de seu jovem marido. O futuro rei Luis XVI era um glutão tímido, afável, desajeitado, que estava tão distante das proezas mulherengas de seus antecessores reais que só conseguiu completar uma relação sexual com a própria mulher sete anos depois do seu casamento. A produção de Grubin utiliza magnificamente a multidão de retratos existentes de Maria Antonieta. A fotografia em locação e a edição exata são esplêndidas, mas menos impressionantes são as recriações opacas em que a atriz intérprete de Maria Antonieta passeia com uma sombrinha, sua linguagem corporal relaxada contemporânea e mãos atléticas, masculinas, em flagrante contraste com o que o narrador está nos contando.
Um dilema recorrente nesse programa é que a música aveludada, elegíaca, e os visuais ofuscantes são tão fascinantes que nos identificamos demais com a infeliz heroína, como num conto de fadas. Os acontecimentos políticos que se precipitam são resumidos cada vez mais rapidamente (lá se vão a Bastilha e a Declaração dos Direitos Humanos!) até parecerem distrações aborrecidas. Desenhos estilizados do período em que multidões enfurecidas protestam e tumultuam parecem esteticamente repulsivas: quem são essas criaturas desmazeladas e sem rosto que ousam invadir o sonho pastoral de Maria Antonieta?’
O retorno em tempos instáveis
‘THE CHRONICLE REVIEW – Nos romances de Carolly Erickson (The Hidden Diary of Marie Antoinette) e Sena Jeter Naslund (Abundance: A Novel of Marie Antoinette), a luta para manter a perspectiva política é abandonada. Antonia Fraser, de seu distanciamento histórico, mostra Maria Antonieta adquirindo perspicácia e estatura com o tempo. Erickson e Naslund tomam a decisão de forjar seus livros na primeira pessoa, o que envolve o leitor com a protagonista e deixa pouco espaço para distanciamento e objetividade.
O livro de Erickson pretende ser um diário deixado por Maria Antonieta em sua cela de prisão. A história começa na noite anterior à de sua execução em 1793, depois retrocede 24 anos para a arquiduquesa adolescente sendo apregoada no mercado internacional de matrimônios. Tem ação e excitação de sobra. Mas o diário parece suspeitamente eloqüente para alguém que tinha dificuldades documentadas para ler e escrever. Além do mais, a invenção de personagens e incidentes parecem questionáveis.
Naslund deixa a voz interior de Maria Antonieta ainda mais florida que Erickson. Há uma densidade de descrição poética e referência histórica que parece altamente improvável para a reação espontânea de qualquer personagem aos acontecimentos em curso. E, como no romance de Erickson, a dicção e o tom de Maria Antonieta mudam pouco da adolescência para a idade adulta. A crônica segue Fraser de perto, mas a rainha é isenta de qualquer falta: foi derrubada por mentiras covardes e rumores.
Queen of Fashion, de Caroline Weber, examina a persona teatral de Maria Antonieta como inovadora da moda. A exibição de moda era praticada pelas amantes semi-oficiais dos reis – um papel que Weber demonstra que foi tomado de empréstimo por Maria Antonieta e que acabou comprometendo sua reputação e facilitou panfletistas indecentes a caricaturarem como uma prostituta. Estourando regularmente sua verba anual para roupas numa época de endividamento nacional, ela era zombada como ‘Madame Déficit’. Weber pesquisa o controverso apadrinhamento de estilistas comerciais por Maria Antonieta, seus vestidos de baile cobertos de jóias, roupas de montaria ousadamente masculinas, seguidos por sua mudança para chapéus de palha rurais e tecidos estampados e musselines simples que quase levaram à falência a indústria francesa da seda. Para Weber, a adoção pela rainha da simplicidade ao remobiliar seu retiro no campo foi em si um marco da moda.
A questão incômoda é por que Maria Antonieta se tornou subitamente tão exposta. Embora a invasão e ocupação do Iraque tenham sido percebidas por muitos no mundo como um exercício do imperialismo americano, nossa atual primeira-dama, Laura Bush, tem mais em comum com a discreta Pat Nixon do que com Nancy Reagan, que gastou US$ 200 mil numa louça nova para a Casa Branca durante uma recessão, ou Hillary Clinton, que vestiu um suntuoso casaco de veludo preto ao ser interrogada pelo promotor Kenneth W. Starr.
Terá a democracia representativa, paralisada pelo partidarismo rancoroso e a incompetência burocrática, se tornado o ancien régime decadente assaltado por hordas nos portões? Existe um sentimento incômodo de cerco, na Europa e nos EUA, por minorias imigrantes indóceis que tomaram as ruas ou geram sabotadores. A intelligentsia parece fatigada, minada por teorias sem contundência e incapaz de influir nos acontecimentos. O fervor se deslocou para fundamentalistas religiosos tanto na cristandade como no Islã. Materialismo e ânsia por status assumiram o primeiro plano no eletrizante Ocidente high tech. Mas o turbulento Terceiro Mundo oferece contrastes dolorosamente extremos. A história de Maria Antonieta, com suas premonições de destino em meio a um fatalismo vertiginoso, parece sinalizar uma culpa difundida sobre desigualdades sociais quase intratáveis.
O mecanismo da corte criado por Luis XIV em Versalhes foi um precursor do star-system de Hollywood, com sua glorificação de beleza e glamour. Sob o vacilante Luis XVI, porém, a superestrutura artificial da elite francesa havia atingido seu limite de decadência. Como mostra Weber, a exibição de moda de Maria Antonieta não tinha mais a ver com a nação mas com uma auto-indulgência incontida. Também hoje, a ‘imagem’, tal como é fabricada por estilistas e freqüentemente divorciada de qualquer realização perceptível, tornou-se o foco principal da cultura de celebridade (e se espraiou para o mundo da arte). As estrelas de cinema, entretanto, ficaram cada vez menores, nulidades intercambiáveis com rostos vazios de boneca. O perverso disfarce da idade criado no final do século 18 pelo embranquecimento dos cabelos de ambos os sexos tem o paralelo atual na cirurgia cosmética e nas injeções para insensibilização de nervos, que produzem um simulacro esticado de juventude.
Neste período de ideologia frouxa, neutra do ponto de vista do gênero, nos locais de trabalho, o círculo de Maria Antonieta pode oferecer a fantasia arcaica das astúcias femininas sofisticadas e as artes excitantes da sedução. Às vezes, os romances sobre Maria Antonieta parecem lembrar …E o Vento Levou, com seu panorama épico de destruição de uma civilização negligentemente exploradora voltada para o prazer. Mas Scarlett O’Hara, é claro, sobreviveu com vivacidade e ousadia. O quadro de uma Maria Antonieta inocente como bode expiatório, enfrentando seus acusadores e levada ao massacre lembra as peças e filmes sobre Joana d’Arc. Existem semelhanças também com a princesa Diana, que foi igualmente recrutada para a procriação real e se viu enredada nas astúcias e malícias dos labirintos cortesãos. E como Maria Antonieta, Diana teve um fim violento em Paris.
Depois do 11/09 – quando grandes torres desmoronaram, como a Bastilha, em um dia -, a luta pela classe profissional tem exigido uma dissonância cognitiva. A rotina de vida prossegue em meio a um bombardeio surreal de boletins sobre mutilações e massacres. Quando, desde o Reinado do Terror, a decapitação ritual se tornou tão constante? A fúria e crueldade da revolta francesa se misturaram curiosamente com risos – como quando a cabeça decapitada da amiga de Maria Antonieta, a princesa de Lamballe, foi arrumada por um cabeleireiro e balançada na ponta de uma vara diante da janela da família real. São essas as surpresas horríveis que agora nos saúdam todos os dias através de nossas janelas – os monitores de vidro de TVs e PCs. O retorno de Maria Antonieta sugere que existem no mundo forças políticas em ação que o humanismo ocidental não compreende completamente e que poderá não ser capaz de controlar.
TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
Camille Paglia é professora da Universidade das Artes, na Filadélfia, autora de ‘Personas Sexuais’ e ‘Vampes & Vadias’’
ELAS
O antifeminismo de Rubem Fonseca
‘O primeiro dos 27 contos breves do novo livro de Rubem Fonseca, Ela e Outras Mulheres, tem o mesmo nome da garota de Lewis Carroll, mas o país em que vive não é exatamente o das maravilhas. Tanto pior. Alice, a professora que dá título ao primeiro conto, vive no Brasil. É uma espécie de arremedo da Fräulein que Mário de Andrade criou em 1927 no idílico Amar Verbo Intransitivo. O Brasil mudou nestes 80 anos. A literatura também. Ficou mais vulgar, mais imediatista e menos interessante que a dos nossos clássicos modernistas. É preciso reler Mário de Andrade para atestar nosso retrocesso cultural. Nós, que éramos tão modernos, afundamos no poço do verismo novecentista e na sintaxe miserável do pós-modernismo, reduzida a cacos pelos novos realistas (ou brutalistas, como costumam definir Fonseca).
A complexidade da cidade moderna e sua relação com o impulso erótico de seus habitantes já foi exaustivamente analisada por Barthes. Com certeza não é o caso de retomar a discussão sobre a dimensão simbólica da linguagem da metrópole, mediada pelas paixões mórbidas de seus cidadãos. No entanto, é preciso que se diga: o cinismo dos personagens de Fonseca acabou contaminando o autor. Se o pai de Amar Verbo Intransitivo, típico burguês de uma cidade que se industrializava (a São Paulo dos anos 1920), contrata uma Fräulein com a finalidade de iniciar sexualmente o filho, o pai contemporâneo do conto Alice finge desconhecer a verdadeira intenção da professora que oferece seus préstimos para ensinar o gago e inseguro adolescente Gabriel.
O conto, pretensamente amoral, termina como uma arcaica fábula moral: melhor aprender a ler com uma professora pedófila a ser gago e iletrado. Se a Fräulein Elza, criada por Mário de Andrade, é incorporada à família e contratada para ensinar um amor incondizente com os valores burgueses, a professora Alice, ao contrário, serve perfeitamente aos propósitos do pai criado por Fonseca, orgulhoso de ter seu filho iniciado por uma mulher experiente. E se fosse uma filha atacada por um pedófilo? O pai de Fonseca sentiria o mesmo orgulho? Pouco provável. O homem de Fonseca é chauvinista, orgulhoso de sua ignorância e sempre pronto a tratar a mulher com pulso firme – o suficiente para quebrar seu maxilar.
Ela merece, segundo a velha e rodriguiana lógica de Fonseca. O segundo conto, Belinha, é um remake disfarçado da tragédia da família Richthofen. Belinha, de 18 anos, é mulher de um matador de aluguel, a quem pede o especial favor de eliminar seu pai, rico empresário que a ameaçou deixar sem mesada. O desfecho só não é igual porque o assassino, homem de princípios, acha incorreto alguém querer matar pai ou mãe. Confere. Parricídio e matricídio são crimes abominados pela civilização e o matador, afinal, é um defensor do núcleo familiar – mesmo defeituoso.
Famílias disfuncionais, aliás, não faltam em Ela e Outras Mulheres. Carlota, a do terceiro conto, é uma solteirona deprimida e culpada por ter transferido à irmã a tarefa de cuidar da mãe com Alzheimer. Diana, a do quarto conto, é uma ninfomaníaca que encontra seu trágico destino como a Teresa de Looking for Mr. Goodbar, a popular novela sadomasoquista de Judith Rossner. Fátima Aparecida é uma alcoólatra que elegeu como família (incestuosa) estupradores de rua. Francisca tem devaneios de matar o marido, corrupto freqüentador de paraísos fiscais. A jornalista Helena vinga-se de um empresário que a rejeitou, promovendo seu linchamento moral. Não há um só inocente no mundo do ex-policial Fonseca. Todos são culpados. Merecem, segundo seu veredicto, o castigo que recebem.
O leitor, coitado, acaba condenado à revelia. Na mitologia urbana de Fonseca, a hostilidade é um sentimento comum a todos. Nada mais natural que pulverize esse ódio também na sintaxe, abusando da paciência de seus interlocutores. Sua narração brutal, artificialmente construída para chocar burgueses escandalizáveis, não dispensa palavrões ou monótonas descrições de acrobacias sexuais – coerentes com a imaginação e nostalgia de um senhor de 81 anos. Nem mesmo uma reforma epistemológica seria capaz de resolver esse dilema da literatura contemporânea, qual seja, a da atração mórbida que os seguidores de Fonseca – todos esses meninos que adoram escrever sobre o Brasil marginal – têm pelo amoralismo de bandidos.
Vale lembrar que eles são tão cúmplices das estruturas repressivas da sociedade que condenam quanto os legisladores que os colocam na cadeia. Não por exprimir um desejo subjetivo, individual, mas justamente por serem a expressão de um desejo coletivo, tão perigoso quanto o das massas alemãs por Hitler há 60 anos. Ou seja, praticamente todos eles fazem a apologia da ignorância e se comprazem em escrever como os bandidos falam. Os de Fonseca não só não têm alma como estão a serviço de uma revolução irracional contra a diversidade lingüística.
Quando a literatura se torna inquérito, toda a sociedade paga. Ela não pode ser reduzida a um tribunal de obsessões sexuais em que personagens femininas são, ao mesmo tempo, vítimas e algozes dos velhos canalhas que povoam esses contos de Rubem Fonseca. Voltemos à modernidade. Mário de Andrade pode ser um bom começo.
Ela e Outras Mulheres
Rubem Fonseca
Companhia das Letras
176 págs., R$ 34′
GENOCÍDIO ARMÊNIO
O ideal politicamente correto de Bernard-Henri Lévy
‘Em sua coluna da Le Point, ‘Le Bloc-notes’, Bernard-Henri Lévy faz um elogio do politicamente correto. Estranho que um francês, ainda que heterodoxo como BHL (na França, só se referem a ele pela sigla), adote essa moda tão americana? Bem, a verdade é que ele começa o texto se explicando a respeito dessa prática racionalizada do eufemismo. Claro, também acha engraçado que se censure Branca de Neve para não ferir suscetibilidades dos anões; também não entende que seja necessário orar a Deus Pai e Mãe para não incorrer na fúria das feministas. Apesar desses abusos, ele se pergunta se a língua não seria, afinal ‘o lugar no qual se sedimenta o arquivo do mal’? É uma pergunta. Que ele enlaça a outra: ‘Será que no sul dos Estados Unidos a criminalização de expressões racistas não ajudou a mudar as coisas? Será que uma dose de politicamente correto não seria bem-vinda em duas ou três frentes, pelo menos: o racismo, o anti-semitismo e, também, o reconhecimento dos genocídios?’
Esse último ponto era aonde BHL queria chegar: a proposta de lei francesa de tornar criminosa a negação do massacre dos armênios pelos turcos, em 1915, a chamada Lei Gayssot. Segundo Lévy, ‘uma lei sobre o genocídio de 1915 calaria as bravatas de turcos neofascistas, e não atrapalharia em nada as pesquisas históricas sobre o período’. Esse é um dos pontos atacados pelos inimigos do ‘politicamente correto’. Usando de eufemismos, ou de proibições verbais, a realidade dura das coisas seria jogada para debaixo do tapete das conveniências, contribuindo assim para sua eternização – o exato contrário do efeito pretendido.
Não é o que pensa BHL, que publicou recentemente seu American Vertigo (aqui no Brasil pela Companhia das Letras), um livro reportagem sobre os Estados Unidos, escrito à maneira de um Tocqueville contemporâneo, guardadas as imensas e devidas proporções.
No entanto, o que se lê na concorrente da Le Point, a L’Express, é que a medida, apoiada em massa pelos armênios na diáspora (leia-se: residentes na França) não encontra eco na comunidade que permaneceu na Turquia. Esta, pelo contrário, prefere a pedagogia à penalização. A advogada dos cerca de 700 mil armênios residentes em território turco, Luiz Bakar, afirma: ‘Somos unânimes, pois o texto é prejudicial ao diálogo entre a Armênia e a Turquia’. A revista traz também o depoimento de Hrant Dink, diretor de uma semanário bilíngüe, escrito em armênio e turco, que foi processado por definir o massacre de 1915 como genocídio. Ele qualifica a lei de ‘imbecil’. Segundo Dink, negar os fatos é ignorância e não se podem fazer leis contra a ignorância.
Como se vê, o procedimento politicamente correto às vezes desagrada até aos supostos beneficiários.’
CENTENÁRIO
Paul Cézanne, cada vez mais atual
‘A morte de Paul Cézanne (1839-1906), cujo centenário foi relembrado ao longo de todo ano com exposições pelo mundo afora, marca de maneira simbólica o início da arte moderna. A data encerra definitivamente o século 19 e abre as portas para que a irrupção dos movimentos de vanguarda que terão no pintor francês uma de suas principais raízes. Quando morre, aos 67 anos, o artista francês nascido em Aix-en-Provence já era considerado por muitos como um grande mestre. Mas quanto mais caminhamos ao longo do século 20, maior seu reconhecimento, devido à forte influência exercida sobre os grandes ícones da arte moderna.
Picasso é, aliás, um dos grandes auxiliares na construção do mito Cézanne. Ele conta o impacto que lhe causou a mostra realizada em homenagem póstuma ao pintor em 1907, data da execução da célebre Demoiselles d’Avignon. ‘Cézanne era meu único mestre. Não creiam que me limitava a olhar seus quadros… Passei anos estudando-os… Cézanne era como um pai para nós’, teria afirmado o artista catalão. Ele é, como diz o historiador inglês Michael Baxandall, um dos responsáveis pelo deslocamento da obra de Cézanne para o ‘centro da grande tradição da pintura européia’.
Mas esse deslocamento está longe de ser algo arbitrário ou construído. Apesar de seu recolhimento cada vez maior, razão inclusive do apelido de ‘o ermitão de Aix’ que lhe foi atribuído, a obra de Cézanne revela estar em profundo embate com a arte de seu tempo e não apenas com o Impressionismo, movimento do qual esteve bastante próximo, participando inclusive da primeira e terceira mostra impressionista, em 1974 e 1977 -, mas mantendo relações profundas com outros que o antecederam, como o romantismo de Delacroix e até o realismo de Courbet e Daumier. Ou os novos movimentos que surgiram com o novo século, como o cubismo e o expressionismo.
A curiosa ambigüidade entre uma personalidade absolutamente retraída, voltada sobre si mesmo, sem maiores rasgos de heroísmo, e o persistente embate com a pintura fazem de Cézanne uma figura ao mesmo tempo enigmática e fascinante. Em texto sobre o artista, Roger Fry traça uma interessante oposição entre fraquezas pessoais e sua ‘suprema grandeza enquanto artista’. Segundo ele, o filho de um comerciante que se torna um banqueiro de grande sucesso ‘nunca passou de um tímido senhor rural, de respeitabilidade a toda prova, e que subscrevia de coração qualquer opinião reacionária que pudesse deixar clara sua ‘confiabilidade’. Não à toa, o artista tenta ao longo de toda sua carreira ser aceito no Salão de Belas Artes, feito que só consegue uma única vez, em 1882. Três anos depois ele consegue realizar sua primeira exposição individual e pouco a pouco vai sendo reconhecido pelas novas gerações.
Mas mantém o mesmo isolamento, essa inapetência pelo glamour da sociedade parisiense e a disciplina de trabalho que lhe dão forças para ‘refazer Poussin a partir da natureza’. Essa frase, que ele define como meta, resume de maneira muito interessante a forma de Cézanne atacar o problema da pintura, demonstra como ele funde tradição pictórica e uma relação intensa com a natureza.
É a partir da observação direta, ao mesmo tempo sensível e intelectual do mundo, que ele constrói sua obra. Enfrenta vários embates, dentre eles a questão da oposição entre cor e desenho como elementos centrais da composição, buscando um equilíbrio interno à pintura. Buscou construir e relacionar volumes por meio da relação entre forma e cor, mesmo que para isso fosse necessário sacrificar convenções sólidas como a da perspectiva. Isso lhe custou várias críticas e a rejeição do grande público.
Afinal, ele não foi apenas o mais revolucionário de sua geração, foi também o mais criticado, exatamente por essa obsessão em superar impasses que se colocavam à representação pictórica e que o levaram a estabelecer as bases que mais tarde alimentariam o cubismo. E não apenas por sua célebre frase, escrita em 1904, afirmando que é preciso ‘tratar a natureza conforme o cilindro, a esfera, o cone, o conjunto em perspectiva’. A referência às formas geométricas, claro, alude de forma direta ao movimento de Picasso e Braque. Mas Cézanne fez mais do que isso: não quis mais criar uma ilusão e sim transmitir um sentido de ordem, de solidez.
Atacou o problema em várias frentes, criando obras-primas em três dos grandes gêneros da pintura: as paisagens, as naturezas-mortas e os retratos. Nos três casos, a escolha recai sempre sobre o universo mais íntimo, as paisagens familiares de Aix-en-Provence e Estaque (onde se refugia durante a guerra franco-prussiana), os retratos do pai, da mulher, do filho… Três figuras centrais de sua história bem pouco romântica. O lance mais dramático de sua ‘biografia sem acontecimentos’ – nas palavras de Argan – fica por conta da submissão ao pai, que o sustenta. Sem coragem de contar-lhe sobre sua relação com Hortense Fiquet e o nascimento do filho (em 1872), mantém essa relação oculta por vários anos. Ao descobrir tudo, o pai – que por sua vez também só havia casado com a mãe depois do nascimento de Paul e de uma de suas irmãs – corta pela metade a mesada do pintor e quem lhe socorre financeiramente é o amigo e escritor Émile Zola.
Alguns anos depois, no entanto, rompe definitivamente com o amigo, ofendido depois que Zola lança A Obra, livro inspirado na figura de Cézanne sobre um pintor genial que luta contra tudo e contra todos e acaba suicidando-se. No mesmo ano da ruptura, 1886, Cézanne finalmente casa-se com Hortense a pedido da mãe e da irmã (mas a relação já estava abalada e a mulher vive a maior parte do tempo em Paris, com o filho, enquanto ele permanece em Aix) e o pai morre. Nos anos subseqüentes, foi ganhando mais reconhecimento. Mas continuou trabalhando isoladamente, com método e sempre insatisfeito.’
ANTÔNIA
Elas são as minas da hora
‘Saem os meninos que viraram homens e a realidade dos morros do Rio. É a vez do hip hop tomar de assalto a tela da Globo atrás da batida perfeita no pobre e violento bairro da zona norte de São Paulo: Vila Brasilândia. Esse é o cenário de Antônia, novo fruto da parceria da Globo com a 02 Filmes, a mesma de Cidade dos Homens, que estréia na sexta-feira.
Quem dá as cartas agora são elas: as rappers Negra Li (Preta), Quelynah (Mayah), Cindy (Lena) e Leilah (Barbarah) são as protagonistas de Antônia, nome de mulher humilde e guerreira que batiza o grupo de rap formado por elas na história e conota a série. Além do enredo, completamente diferente da saga de Acerola e Laranjinha, Antônia nasceu no caminho inverso de Cidade. A série é filhote do longa homônimo de Tata Amaral, que acabou de ser rodado este ano, com problemas de orçamento. A trama principal é a mesma da série: quatro jovens negras da periferia tentando vencer na vida por meio da música. Detalhe: cantando rap. Tata foi convencida por Fernando Meirelles de que o produto televisivo iria impulsionar o lançamento do longa-metragem e injetar grana na distribuição.
‘O filme conta a história da formação do grupo. Na TV, a série começa com as meninas tentando retomar o grupo, que foi desfeito. Começa pelo fim’, fala a diretora, que já lançou o longa em festivais internacionais e na recente Mostra de Cinema Internacional em São Paulo.
‘Quando a Tata (Amaral) chegou com o filme na 02, logo nos veio na cabeça a idéia de que poderia render mais. O projeto era perfeito para a TV, tanto que passamos na frente de vários outros que tínhamos para apresentar para a Globo’, conta Fernando Meirelles (leia ao lado), da 02. ‘Além da boa idéia, o produto era inovador e com um bom custo. A Globo logo topou.’ A série foi orçada em R$ 3 milhões.
Apesar de carregar o peso de substituir Cidade dos Homens na TV – não pelo conteúdo, mas pela experiência da 02 Filmes em captar o universo dos excluídos -, o compromisso de Antônia é outro.
O olhar da série é feminino. E se mistura ao do hip hop. Antônia mostra a busca da valorização das jovens da periferia por meio da musicalidade e a realidade a enfrentar. Assédio sexual, gravidez na adolescência, violência doméstica e preconceito recheiam a cena, assim como a vida das meninas da periferia.Veja bem, periferia, não favela. Brasilândia, pano de fundo da série, tem casas de alvenaria, carros seminovos e TV a cabo.
‘Muito mais tranqüilo gravar na Brasilândia que em qualquer morro do Rio. Apesar de periferia, o bairro tem até alguma coisa que lembra uma cidade do interior, com gente brincando na rua, vizinhos que se conhecem’, fala um dos diretores da série, Luciano Moura. ‘É até engraçado, porque a 02 é paulista, mas fez mais coisas no Rio. É nossa chance de retratar São Paulo, mas como fizemos em Cidade: sem glamourização.’
Além das lajes da Brasilândia, o pôr-do-sol poluído na Marginal Tietê e a loucura do lado inferninho da avenida Augusta também compõem a fotografia do programa, dividido em cinco episódios. Um presídio feminino de verdade seria um dos cenários da produção. Seria. Algumas das gravações da série, já agendadas e autorizadas em um cadeião de São Paulo, tiveram de ser canceladas por obra dos ataques promovidos pela facção criminosa PCC na época. O jeito foi improvisar um presídio cenográfico.
‘Quem iria autorizar nossa entrada em um presídio com a situação daquele jeito?’, conta o diretor Luciano Moura. ‘Mas o resultado final foi bem legal.’
Para dar mais veracidade à cena em que a personagem Barbarah deixa a prisão – logo no primeiro episódio – a intérprete Leilah pediu para ficar fechada em uma cela sozinha durante um dia inteiro. ‘Claro que não tem comparação com ficar anos presa, mas a sensação de liberdade é intensa quando se vê a luz do sol’, fala Leilah.
Nos roteiros de Antônia se revezaram Elena Soarez, Fernando Meirelles, Jorge Furtado, Luciano Moura, Claudio Galperin, Roberto Moreira e Tata Amaral.
Minas do Rap
A veracidade do enredo ganha força com as protagonistas, meninas ligadas ao universo do hip hop na vida real. Nenhuma é atriz profissional. E foi justamente essa espontaneidade das cantoras que encantou Tata Amaral e a 02.
Figura já conhecida no cenário da black music nacional, Negra Li, que vive a personagem Preta na série, saiu direto dos hinos da igreja evangélica, religião de sua família, para o rap, ao participar dos shows e CDs do RZO – Rapaziada da Zona Oeste -, um dos fortes movimentos do rap em São Paulo. As dificuldades enfrentadas por ela combinam com o trajeto de sua personagem.
‘Rap era um tipo de música do universo masculino. Tive sorte de ter ajuda de amigos do meio, mas dificuldade é o que não falta para quem vem de onde viemos’, conta Negra Li.
Leilah Moreno, Barbarah na série, também batalha desde pequena para conseguir um lugar na música. Dona de uma beleza que impressiona, ela conta que viu muitas oportunidades passarem por não ceder a convites masculinos que lhe prometiam uma ‘ajudinha’ no show business. A moeda de troca era cara, conta.
Foi no Programa Raul Gil que Leilah teve de fato sua primeira chance na TV. Durante nove meses esteve na leva de calouros de maior destaque da atração (à época exibida pela Record). Atualmente é backing vocal da banda do Altas Horas, programa de Serginho Groisman na Globo.
‘O Antônia cresceu demais. Quando pensei que seria atriz de uma série de TV da Globo?’, diz Leilah.
A cantora acredita que a fama televisiva irá impulsionar sua carreira musical. Assim como outras duas participantes do Antônia, Quelynah (Mayah) e MC Cindy, ou Cindy Mendes (Lena). Quelynah também faz parte do universo do rap e já participou dos CDs de Thaíde, DJ Hum, SP Funk e do disco solo de Nasi, do Ira!. Como Leilah, tem um passado televisivo. Foi finalista do programa Pop Stars do SBT, mas não chegou a ser escolhida para o extinto Rouge, grupo resultado do reality show. Acabou virando backing vocal da banda de Alexandre Pires por um tempo.
MC Cindy, como denuncia o nome artístico, é do rap também. É conhecida como a cinderela da rima do rap (freestyle), estilo que domina, e já venceu até campeonatos.
Além da musicalidade das protagonistas, Antônia contará com participações de nomes de peso do meio. Sandra de Sá fará a mãe de Preta (Negra Li). É delas, por sinal, uma das melhores cenas do primeiro episódio, uma dobradinha musical em Preciso Me Encontrar, do mestre Cartola.
Apesar de retratar o universo feminino, um personagem masculino rouba os holofotes na série. Um dos pioneiros do hip hop nacional, Thaíde, será o empresário trambiqueiro do grupo Antônia: Marcelo Diamante. Carregado de piadas infames e verbetes próprios, Diamante garante na tela e destaca Thaíde por sua interpretação acima da média do elenco.
Praticamente toda costurada por música, Antônia terá trilha produzida por Beto Villares e composta pelas protagonistas – as quatro compuseram e colocaram voz em todas as canções. Atenção para o hit Antônia Brilha, promessa de chiclete na cabeça do telespectador: é produto com potencial de virar CD e até show quando a série acabar .
‘Queríamos muito que elas virassem um grupo de fato, mas as meninas relutam’, torce Fernando Meirelles. ‘Acho que é porque não querem ser confundidas pelo público com as personagens.’ Confusão comum até para a cabeça delas.’
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O Estado de S. Paulo
Sábado, 11 de novembro de 2006
‘DEMOCRATIZAÇÃO’
Ameaça totalitária
‘‘Se dependesse da minha decisão termos um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa’
Thomas Jefferson
Um dos projetos mais preocupantes do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva é o que aponta para a efetivação de programa de governo voltado para o estabelecimento, no País, da ‘democratização dos meios de comunicação’. Aparentemente, o projeto pretende democratizar a mídia, mas, numa visão crítica fundamentada nos próprios valores da democracia, a proposta soa dissonante, ou mesmo adversa, tendo em vista os reais objetivos: a vida pregressa e o relacionamento do governo petista com a mídia em geral.
Só para registrar os fatos, vale lembrar que no debate com o candidato Geraldo Alckmin na Televisão Record, indagado por um jornalista sobre como encaminharia a questão da informação na imprensa, na televisão e nos meios eletrônicos, o candidato-presidente enfatizou a necessidade de se expandir a ‘regionalização e a democratização da comunicação’ e de criar uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica, com o objetivo, entre outros tantos, de elaborar dispositivos legais para ‘regulamentar e descentralizar a mídia’.
Em particular no que concerne à mídia impressa, o candidato-presidente referiu-se pontualmente ao fomento de canais de comunicação para sindicatos, associações e entidades de classe, adotando a política de incentivos legais e econômicos para a edição de ‘jornais e revistas independentes’ voltados para a ‘pluralidade da informação’.
A fala de Lula foi rápida e genérica, pois não era conveniente, óbvio, levantar em detalhes tema tão controverso. Mas o PT, partido do candidato-presidente, tinha sido mais explícito na questão. Em documento preliminar divulgado em agosto, disponível na internet, o partido colocou como fundamental a ‘democratização dos meios de comunicação para o aprofundamento da democracia’, considerando, para a consecução de tal finalidade, a imediata criação de uma secretaria setorial, diretamente vinculada à Presidência da República. Tal secretaria – a contar com a participação de ‘conselhos populares’ e de tecnocratas do governo -, segundo o documento, cuidaria de criar ‘mecanismos que coíbam a concentração da propriedade e de produção de conteúdos e o desequilíbrio concorrencial, garantindo, por outro lado, a competitividade, a pluralidade, a diversidade e a concorrência por qualidade de serviços’.
O documento informa ainda que o órgão a ser criado, destinado ao controle e à fiscalização dos meios de comunicação, nasce comprometido a fazer o recadastramento das concessões de rádio e televisão em todo território nacional, com o respectivo cancelamento das emissoras que não estejam ‘em conformidade com a lei’.
As intenções democráticas do segundo governo de Lula e do PT, ou o que os dois consideram democracia, precisam de melhor avaliação por parte da inteligência crítica da Nação e do Congresso Nacional. De fato, há no setor distorções que merecem cuidados. Mas quem é versado na teoria e prática de governos com pretensões totalitárias conhece muito bem o significado da palavra ‘democratização’, em especial no processo de construção do ‘Estado regulado’. Na vida real, ela quer dizer justamente o contrário do que propugna, isto é, abarca mais dirigismo na informação e mais censura no noticiário, tendo como conseqüência lógica o controle político e ideológico dos meios de comunicação de massa. Na antiga URSS, por exemplo, a ‘democratização dos meios de comunicação’ terminou na soberania do Pravda e do Izvestia, e no gradativo aniquilamento da imprensa considerada ‘burguesa’.
Em Cuba, por sua vez, a ‘redemocratização dos meios de comunicação’, amparada na supremacia de ‘conselhos populares’, dos comitês revolucionários e na eterna vigilância da Direción General de Inteligência (DGI), ainda hoje se dá a partir da visão despótica do Granma e da rede de televisão estatal, veículos obedientes à verdade única do castro-comunismo, cujo interesse básico é a desinformação e a perpetuação no poder. Quanto aos modernos meios de comunicação eletrônica, quem desconhece o controle e a censura que os governos da China e de Cuba exercem sobre os veículos da internet?
No seu primeiro mandato, em meio ao noticiário em torno dos vertiginosos escândalos que envolviam (e envolvem) seu governo, Lula estimulou a criação do Conselho Federal de Jornalismo, sinistro órgão que tinha por objetivo levar o jornalista ‘faltoso’ ao tribunal inquisitorial e à posterior cassação do registro profissional. De igual modo, propugnou pela criação da Ancinav, a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual que, quase detendo poder de polícia, pretendia ‘regular, fiscalizar e controlar’ a produção audiovisual da Nação – o cinema, segundo Lenin, a ‘manifestação mais importante do século’, como arte ou propaganda, para consolidar o avanço do socialismo.
Agora, diante da reeleição pelo voto, mas sub judice, sentindo-se incomodado pela atuação livre da imprensa, Lula da Silva parte para institucionalizar a ‘democratização dos meios de comunicação’. Com a impostação de uma seriedade quase cômica, pretende confrontar a verdade geral à sua verdade partidária e particular, ameaçando financiar com o dinheiro sacado do bolso do exaurido contribuinte, sob o manto do ‘pluralismo’, uma imprensa servil. Como se a liberdade de informação, ainda que com falhas, representasse o mal e a censura, ainda que disfarçada, constituísse o supremo bem.
Ipojuca Pontes, cineasta e jornalista, é autor do livro Politicamente Corretíssimos’
CULTURA
Jotabê Medeiros
‘Dia do Fico’ é dilema do ministro Gil
‘Fosse um romance romântico tardio, poderíamos chamá-lo de O Dilema do Senhor Ministro. Para continuar à frente do Ministério da Cultura no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Gil está se obrigando a pesar prós e contras.
Pesam contra sua decisão vários fatores: o orçamento do MinC não alcançou o almejado 1% do Orçamento da União, que ele pleiteia desde o início da gestão; há a ameaça do contingenciamento de verbas para 2007, que o obrigaria a abortar projetos já assumidos; seus familiares estariam pressionando para que deixe Brasília e volte ao Rio, reassumindo sua carreira (consta que sua empresa, Gegê Produções, perde 50% do faturamento quando Gil está ministro).
Pesam a favor: uma quase unanimidade na classe artística, que o tem aplaudido de pé em eventos públicos pedindo ‘Fica!’ (como anteontem no Palácio do Planalto); o Ministério da Cultura tende a virar moeda de troca política com sua saída, esfacelando todo o trabalho que ele desenvolveu até agora (em Brasília, circula até boato de que o MinC seria dado a Roseana Sarney); e a sua permanência poderia conferir um status inédito ao MinC, com abrangente influência internacional.
O próprio Gil é quem parece viver mais intensamente esse dilema. Em Brasília, na quarta-feira, após premiar 41 personalidades culturais com a Ordem do Mérito Cultural, ele foi a um restaurante na Asa Sul para confraternizar com os artistas. Percorreu todas as mesas, ouviu as pessoas, cumprimentou. Finalmente, de novo emocionado, terminou a noite cantando a primeira canção que gravou após seu exílio, nos anos 70: Pipoca Moderna, acompanhado da Banda de Pífanos de Caruaru (o mesmo grupo que o ladeou no disco Expresso 2222).
‘O que temos feito nestes últimos anos, esta vida nova que foi dada ao Ministério da Cultura, meu caro presidente, foi para deixar a terra preparada para novas semeaduras que todo ano encontram sua estação’, ele discursou, em Brasília, para logo em seguida emendar: ‘Muita terra foi revolvida. Mas falta ainda muito para que tudo esteja como desejamos.’
Seus principais auxiliares estão em compasso de espera, mas apostam na permanência. Segundo o secretário-executivo do Ministério, Juca Ferreira, a avaliação geral é que a chance é grande. ‘Ele quer, todos queremos.’
Para Ferreira, o próprio governo teria interesse na consolidação de projetos como os Pontos de Cultura, que hoje são 600 (de comunidades quilombolas a favelas do Rio e SP), mas podem chegar a mil antes do início do ano). Ele diz que o MinC já fixou 20 metas para o próximo quadriênio, que serão divulgadas até o fim do ano.
‘Eu presumo, desejo, almejo e quero que todos fiquemos’, disse Orlando Senna, secretário do Audiovisual. ‘Gil acha que há uma base armada e um projeto já qualificado e desenhado que possivelmente poderia andar com suas próprias pernas. Mas, evidentemente, é só uma coisa magnânima do Gil. Nós sabemos que a presença dele é fundamental.’ Já um ex-colaborador disse simplesmente: ‘Estou na contramão: lidero o movimento: ‘Gil volte a cantar!’, dizia, nos bastidores.’
Entrevista – Gilberto Gil, Ministro da Cultura: ‘Se eu sair, é pra voltar pra casa e viver minha velhice’
‘Ficar depende do quê? Do sr. ou do presidente?
Depende de mim e do presidente. Nós não falamos sobre o assunto. Apesar de o jornal Folha do S.Paulo ter dito que já comuniquei ao presidente que não ia ficar, não tivemos nenhuma conversa sobre isso.
Vai depender de uma postura do presidente?
Vai depender da nossa conversa. A conversa vai definir a intenção dele e a minha.
Essa conversa está marcada?
Eu viajo agora para a reunião de ministros da Cultura da OEA, em Montreal, Canadá. E ele viaja para a Venezuela, semana que vem. Quando voltarmos, conversaremos.
Diz-se por aí que o sr. crê que o cargo o prejudica como artista…
Não tem nada a ver com o artista. Eu tenho dito: se eu sair, não será por causa da necessidade de retomar a carreira com intensidade. Se eu sair, será pra voltar pra casa. Viver minha velhice.’
BBB
Canal pago exibirá edições passadas
‘Quase dois meses antes da estréia da 7ª edição do Big Brother Brasil, a Globo corre para garantir parte da renda gerada pela atração. Como? Vendendo pay-per-views na TV paga.
Já entraram no ar as chamadas em canais da Globosat para a venda do pacote PPV do reality show. Para rechear as vendas, a rede prepara para dezembro (um mês antes de o BBB 7 entrar no ar) a estréia de um canal especialmente voltado a BBB. Ainda sem nome definido, o canal exibirá uma edição dos melhores momentos – incluindo as eliminações – de todas as edições do reality show.
A idéia da Globo é aumentar em 8% as vendas de pay-per-view no BBB7 em relação à edição passada.
Apesar de BBB6 ser considerada uma edição fraca em ibope, suas vendas de PPV bateram a casa dos 98 mil pacotes. Boa parte disso foi obra da venda antecipada.
Para quem cansou do programa, uma boa notícia. A recente renovação de contrato da Globo com a Endemol – dona do formato – por cinco anos não obriga a emissora a produzir novos BBBs, apenas lhe garante o direito de os fazer se quiser. E serve para impedir sua produção em outro canal brasileiro, claro.’
TV
Ana Paula cria programa quinzenal
‘Ao comunicar à equipe que em breve deixa o comando do SBT Brasil, anteontem, Ana Paula Padrão não entrou em detalhes sobre o projeto que ela mesma apresentou ao departamento comercial e ao patrão.
O projeto da jornalista é um programa quinzenal de reportagens especiais. Ana Paula também não anunciou quem ficará no posto, mas nada contraria a tendência de entregar a cadeira a Carlos Nascimento.
Como o vaivém de informações desencontradas sobre sua saída já abalava a redação, Ana resolveu abrir o jogo com a equipe para assegurar que a casa tem todas as intenções de manter o jornal no ar. É claro que alguns nomes do staff migram com a chefe para o novo produto (o que fez circular pela Anhangüera uma piadinha de humor negro impublicável aqui).
Nos últimos meses, Ana Paula entrou em rota de desgaste com a cúpula do SBT: fruto de resistência em mudar de horário e em cortar gastos. Ao apresentar projeto novo à emissora, ela indica que entrega os pontos no que diz respeito ao telejornal e passa a se dedicar a expediente mais prazeroso. E, pelo ‘pecado’ de reivindicar, não fica parada à espera de dias piores, como ocorreu com Ratinho e, agora, com Adriane Galisteu.’
TEATRO
Beth Néspoli
Shakespeare, de ônibus na praça
‘A julgar pela reação do público num ensaio realizado na terça-feira, sob sol forte, no Pátio do Colégio, acompanhado pelo Estado, vem aí uma montagem de Noite de Reis, de Shakespeare, de grande força de comunicação com o público e sem facilitações. Essa encenação da Cia. As Graças – trupe que transformou um ônibus em palco e com ele percorre os bairros da cidade oferecendo teatro de qualidade, ao ar livre e de graça – une música, canto e boas interpretações, sob direção de Marco Antonio Rodrigues. O espetáculo vai ser apresentado este fim de semana no Pátio do Colégio. Depois, o Circular Teatro, nome de batismo desse palco original, segue itinerando pela cidade.
A julgar pela reação de quem parou diante do palco, a trupe conseguiu a proeza de destrinchar a confusa trama dessa peça, sem perda de espírito crítico. O público riu, por exemplo, de uma das boas sacadas, a presença dos puxa-sacos que sempre acompanham um poderoso duque, disputando entre si até para colocar um banquinho sob o seu traseiro, a cada vez que ele ameaça sentar-se.
Nessa peça, tudo começa por um naufrágio que separa dois gêmeos idênticos, Viola e Sebastião. A garota, ao chegar à terra firme, disfarça-se de homem e se coloca a serviço de um duque. Imediatamente se apaixona por ele, mas a primeira missão que recebe é tentar conquistar o coração de Olívia para o seu senhor. Olívia, por sua vez, se apaixona por Viola, sem saber que ela é mulher. A confusão aumenta quando chega Sebastião. ‘É um texto complicadíssimo e minha primeira preocupação foi traduzir essa história para uma linguagem de rua’, diz Marco Antonio.
Tal preocupação faz todo sentido diante do perfil do público – gente que raramente tem a oportunidade de ir ao teatro – dessa valente trupe. A atividade da companhia teatral As Graças é uma das muitas provas da importância do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a formação de público e o aprimoramento da atividade teatral na cidade de São Paulo. Foi Juliana.
Nascida na Escola de Arte Dramática da USP, em 1995, a Cia. As Graças é formada por quatro talentosas atrizes: Daniele Schitini, Eliana Bolanho, Juliana Gontijo e Vera Abbud. Tal característica (uma trupe só de mulheres) implica limitações. A linguagem de bonecos, por exemplo, foi a solução em O Vôo, que conta a viagem de Charles Lindberg sobre o Oceano Atlântico. ‘Queríamos encenar um clássico, mas como fazê-lo só com mulheres?’ A solução foi convidar quatro atores como parceiros na montagem: Dagoberto Feliz, Danilo Grangheia, Fernando Paz e Helder Mariane. Vale ver o resultado.
(SERVIÇO)Noite de Reis. Hoje e amanhã, Pátio do Colégio . 4.ª, Parque da Água Branca Largo da Matriz Brasilândia Favela do Sapé Tendal da Lapa Santa Cecília
Dia 18, , Freguesia do Ó. Dia 19, , Av. Humberto Gomes Maia, s/n.º. Dia 25, , Butantã; Dia 2/12, . Dia 3/12; , Rua Ana Cintra, 213 (em frente do Galpão do Folias). Sempre às 16 h’
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