10 ANOS SEM FRANCIS
Tudo menos monótono
‘Eu estava passando pelo corredor, nos idos de 1984, quando ouvi uma risada do meu pai, dentro da salinha de TV, com o jornal à mão. Quis saber o que havia de tão engraçado no artigo que ele lia. ‘O papa não sossega o periquito’, leu em voz alta, ainda rindo. Era uma frase de Paulo Francis no Diário da Corte, comentando as andanças de João Paulo II. Eu não sabia, mas ali estava uma síntese do que fazia Paulo Francis ser tão lido, ainda que para ser odiado (seus detratores também riam, quando ninguém estivesse olhando): o humor coloquial e exagerado para tratar de um assunto ‘sério’, sério antes de mais nada para ele, ex-seminarista que morreu – há exatos dez anos – com a idéia de escrever um livro de ensaios sobre pensadores católicos, como Kierkegaard.
Dali em diante virei leitor de tudo, não só de tudo que ele escrevia, mas também dos livros que já escrevera e dos livros que recomendava ler. Sua coluna era variada, culta e direta como a de ninguém mais na imprensa brasileira, e ele comunicava um prazer com a vida intelectual que nenhum professor da escola conseguia ou poderia. Também podia ser irritante de forma única – que história era aquela de menosprezar as passeatas pelas ‘Diretas Já’ aonde íamos esperançosos? -, mas era tudo menos monótono. Sem papamóvel algum, Paulo Francis não sossegava o periquito.
Na sala de aula havia três grupos: os CDFs, que só pensavam nas notas e não sabiam jogar bola nem paquerar garotas; a turma do fundão, que só queria fazer bagunça; e a maioria ‘silenciosa’, a zona cinzenta, que não era nem uma coisa nem outra – muito menos as duas. Lendo as críticas de Francis ao ‘espírito de patota’ do brasileiro, ao maria-vai-com-as-outras nacional, percebi exatamente do que falava. Autores muito maiores como Dostoiévski, Machado de Assis e Mark Twain já tinham me despertado, mas, que diabos, Francis era um jornalista falando disso no contexto da realidade atual e local, duas vezes por semana (sem contar os outros textos), numa folha dobrada na salinha de TV. Que ele não tenha realizado o sonho de ser um ficcionista como esses, na verdade, apenas ampliava seu jornalismo, não o diminuía.
Francis, como outros críticos culturais, me dava o impulso de pensar por minha conta e risco, de ler sozinho e calado e não por meio de um padre ou douto. Mais tarde, entendi que para muita gente ele era um oráculo, um guru, e essa gente formava a patota de seus admiradores fanáticos, que concordavam com tudo que ele dizia e, pior, que por meio dele faziam a catarse de seus preconceitos. E quem discordava dizia não gostar, como se só possamos admirar quem ecoa o que achamos de tudo. Isolado mais uma vez, eu discordava até em questões fundamentais – seus elogios a Collor e Maluf, sua dificuldade de gostar de Conrad e Graciliano, a besteira de dizer que a ciência não descobriu a cura do resfriado enquanto ‘nós, humanistas, escrevemos a Odisséia’, os insultos levianos – e continuava admirando intensamente.
Havia então um problema de método? Alguns acham que sem esses defeitos ou exageros Francis não seria Francis, que seu texto não teria o mesmo colorido. Mas o próprio Francis era a melhor resposta. Primeiro, porque ele reconhecia que tinha dado voz ao ‘saltimbanco’ dentro de si, para poder sobreviver com a liberdade necessária, contra o que definiu perfeitamente como ‘patrulha da mediocridade’. Segundo, porque, ao contrário da maioria dos intelectuais brasileiros, ele jamais escondeu suas fontes – e bastava ler um pouco de Bernard Shaw, George Jean Nathan, George Orwell, Aldous Huxley e Evelyn Waugh para ver como é possível ter um estilo cromático sem ser tão hiperbólico, atrevido sem ser tão destemperado. Nem toda conversa boa é de bar.
Acontece que Francis, autor da frase ‘Intelectual não vai à praia, intelectual bebe’ (atribuída erroneamente a Jaguar, assim como a definição de filmes do Cinema Novo como ‘O filme é uma m…, mas o diretor é genial’), não era apenas divertido e divergente. Só fazia tipo até certo ponto e por autodefesa. Seu desdém pelo atraso brasileiro vinha do afeto que o impacto do golpe militar de 1964 encerrou; seu elitismo, seu desinteresse por tudo que envolvesse ‘a massa’ (TV, futebol, MPB), era por gosto, não por vaidade (sempre foi mais CDF do que fundão); e havia uma angústia, um mal-estar com a humanidade, sob a figura folclórica que aparecia na TV. Tudo isso era banhado no humor carioca dos bons tempos, debochado e onomatopaico (pfui, sifu, duca), e dava um resultado que ninguém pode repetir.
Ele não dizia o contrário dos outros por dizer; tampouco mudava de idéia por conveniência. Sua conversão ideológica, exacerbada como sempre nele, foi trabalhosa e autêntica. ‘Perdi muito tempo com política’, me disse, e que tenha me ajudado e me dado sua amizade a esse ponto – depois de ter sido o responsável por, sei lá, um terço das minhas referências culturais – é outra prova de que não era tão arrogante. Tentei agradecer, pessoalmente e na forma de dois livros, mas nunca é demais. Francis, que me estimulou a ver até mesmo os defeitos de Francis, era maior que seus inimigos e, mais importante, está vivo em seu estilo e sua coragem. Waaal…
É muito interessante o Arquivinho de Otto Lara Resende. A coleção da editora Bem-te-vi, que já homenageou Vinicius de Moraes e Helio Pellegrino, é uma caixa que traz itens diversos como fac-símiles de cartas, minilivros biográficos, folhetos com textos, álbuns de fotos, reproduções de pintura, etc. No caso de Otto, além de uma antologia de suas frases divertidas, especialmente as auto-irônicas (‘Não sou de me levar adiante’, ‘Desdenho a importância e temo o ridículo’, ‘Há em mim um velho que não sou’), o destaque é um DVD com as entrevistas que fez com Vinicius, Nelson Rodrigues, Pedro Nava e os ‘quatro mineiros’ (ele, Pellegrino, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos). Bons tempos em que a TV tinha entrevistador e entrevistados (como Paulo Francis) com tanto talento e ‘dor de mundo’…
UMA LÁGRIMA
Para Sidney Sheldon, que morreu aos 89 anos. Linguagem simples, ritmo veloz e detalhes informativos faziam o sucesso de sua narrativa; parece fácil, mas não é. Não sei se ler Sheldon faz você passar depois para livros melhores, mas pelo menos ele não defendia causa nenhuma. Como a maioria dos best-sellers, no entanto, já tinha passado de moda sem chegar à posteridade.
A ARTE DE EXPOR
Vale a pena ver, no belo Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a exposição do anglo-indiano Anish Kapoor. Gosto dele pelo mesmo motivo que me faz gostar de Richard Serra, Regina Silveira ou Amélia Toledo: basta um recurso para que a obra crie uma perturbação dos sentidos. É meu tipo de instalação preferido: límpida, antidiscursiva, precisa. Minha sala preferida está no segundo andar: o Espelho Duplo, em que você tem uma pequena área de eco bem ao centro do eixo, enquanto sua imagem se multiplica e distorce no jogo entre as superfícies curvas dos espelhos. (Não pude ver a obra Ascensão, no Vale do Anhangabaú, em manutenção na terça.) Kapoor recorre à ciência para mostrar como nossos sentidos são móveis: o uso de pigmentos e luzes e a ausência de contornos abrem espaço para a ilusão; suspendemos o juízo e depois conseguimos esclarecer o que experimentamos. Como diria Robert Hughes, é um tiro só, mas direto no alvo.
DE LA MUSIQUE
Alguns escrevem para notar que o parceiro de Tom Jobim era Newton Mendonça. Outros perguntam o que quis dizer que algumas letras iniciais da bossa nova ‘não primam pela sofisticação’. Bem, ‘Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça’ ou ‘Pois há menos peixinhos a nadar no mar do que os beijinhos que eu darei na sua boca’ não são versos dos mais elaborados… Mas, como escrevi, essas letras ‘estão a serviço de uma música que reinventa a relação entre melodia, harmonia e ritmo’. Quer elogio maior?
No Teatro Fecap, na semana passada, Rosa Passos traduziu essa sofisticação musical como poucos. Ela fez um show de jazz para a MPB, com homenagens a Tom Jobim e Elis Regina. O quarteto que a acompanhou – Celso de Almeida à bateria, Fábio Torres ao piano, Vinícius Dorin ao sax e clarineta e Paulo Paulelli ao baixo – é muito bom, de técnica refinada e improvisos inteligentes. Os standards de Tom como Eu Sei Que Vou te Amar, Dindi e Águas de Março ganharam arranjos novos, ousados, e ao celebrar Elis a voz de Rosa se soltou e desceu aos graves como se demonstrasse de uma vez por todas que não é João Gilberto de saias. Ela se declarou ‘um músico que canta’, mais que uma cantora; é verdade. E cantar jazzisticamente é para poucas.
POR QUE NÃO ME UFANO
Com o Congresso praticamente na mão – com Collor, Sarney, Clodovil, Palocci, Genoino e outras eminências -, os ótimos ventos da economia mundial e a popularidade ainda alta, mesmo depois de tantos escândalos e fiascos, Lula deve estar pensando que o PAC é suficiente para lhe garantir o nome na história ao lado de JK. Quanto maior o salto…’
SEGUNDO MANDATO
Até onde chega o despreparo de um ministro
‘Entre dezenas de presidentes, Lula é um dos melhores exemplos de como o poder transforma as pessoas. Quase sempre para pior. Até os anos 90, ele me dava a impressão de ser um líder sindical sonhador e idealista. Talvez estivesse enganado, pois supunha que aquele Lula dos anos 80 ou 90 subscrevesse a tese central deste artigo, contra a barganha deslavada que prevalece na escolha da maioria dos ministros e dirigentes do primeiro escalão, com base apenas em interesses político-partidários.
Esse é um dos piores males da administração pública brasileira, e traz, pelo menos, dois riscos. O primeiro é o da incompetência. O segundo, da corrupção. Ao analisar aqui a gestão do ministro das Comunicações, Hélio Costa, limito-me apenas ao primeiro perigo.
Nunca o Brasil teve um ministro tão despreparado nessa pasta quanto esse senador-radiodifusor de Barbacena. E note, leitor, que o Brasil já teve uma dúzia de fortes candidatos a esse título. Não me interessa a vida pessoal do cidadão Hélio Costa, mas seu comportamento como ministro, a começar por sua postura ética.
Em 18 meses de gestão, ele provou que não faz nenhuma distinção entre os grandes interesses do País e seus interesses pessoais e político-partidários. Insiste em dizer-se representante das emissoras de rádio e TV e em defender os interesses desse segmento. Parece ignorar que, em toda democracia, o homem público tem o dever de ser isento e imparcial, seja ministro, presidente, governador ou prefeito, e que, no governo, não pode patrocinar o interesse de segmentos da economia ou de grupos. Cumpre-lhe, sim, defender o interesse do País, do cidadão, do usuário, da sociedade como um todo.
Sabemos que há muitos ministros lobistas, mas não podemos aceitar calados a situação. Além desse, há outro desvio muito comum no Poder Legislativo, onde se organizam bancadas parlamentares para a defesa de interesses econômicos ou corporativos de ruralistas, evangélicos, radiodifusores, proprietários de bingos ou outros menos dignos. É um tipo de lobby inaceitável.
Outro problema de Hélio Costa é sua pressa em resolver questões complexas e tomar posição conclusiva sem estudar adequadamente o problema, como ocorreu no caso das tarifas telefônicas, da conversão pulso-minuto, da pretendida abolição da assinatura básica, do uso do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust).
QUE RÁDIO É ESSE?
Em 2005, sem qualquer estudo mais profundo da Anatel ou do Ministério das Comunicações, Hélio Costa autorizou diversas emissoras de rádio a efetuarem testes com uma tecnologia de rádio digital, a norte-americana Iboc (sigla de In Band on Channel).
Mais de um ano depois, verifica-se que essa tecnologia não atende às exigências mínimas de qualidade, bem como de uso simultâneo do mesmo canal para as transmissões digitais e analógicas. E o ministro silencia sobre o problema.
Mais do que serenidade e bom senso, falta ao ministro independência e eqüidistância, pois, antes de concluir qualquer processo de escolha ou licitação, ele já aponta o vencedor de sua preferência, como ocorreu no caso da TV digital, em que, antes de qualquer exame mais profundo, ele apontou o padrão japonês como ‘o único aceitável para o Brasil’ (ou melhor, para um grupo de emissoras). Ora, a conclusão não deve vir antes do exame, do processo de licitação ou de escolha.
O pior para o País é o atraso em consolidar o modelo institucional das Comunicações, pois Hélio Costa insiste em ignorar as questões mais relevantes, como o fortalecimento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a necessidade de uma Lei Geral de Comunicações que elimine conflitos e dê coerência a todas as áreas desse grande setor.
DESCONFIANÇA
Com suas atitudes e declarações xenófobas e populistas, Hélio Costa está criando um clima de desconfiança e intranqüilidade entre os investidores nacionais e estrangeiros. Mesmo depois dos resultados da privatização e a abolição da maioria das restrições ao capital estrangeiro, ele insiste em discriminar concessionárias e fabricantes.
Se uma concessionária de serviço de sua área tem lucro, ele critica. Assim tem ocorrido com as teles e agora com o Banco Postal. O Bradesco venceu em 2001 licitação pública para prestar os serviços do Banco Postal dos Correios. Pela concessão, que vai até 2009, o Bradesco pagou R$ 300 milhões. O ministro, no entanto, quer cancelar o contrato, mesmo tendo que pagar multa, simplesmente porque acha que o Bradesco tem lucro muito elevado.
Entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2005, Hélio Costa me desmentiu publicamente, e afirmou que o Ministério das Comunicações poderia reaver os R$ 4 bilhões arrecadados e não aplicados do Fust. Apostei com o ministro que sua tese não tinha sentido. Espero receber a garrafa de cachaça mineira que ganhei, pois os bilhões do Fust jamais retornarão: foram para o ralo, para a vala comum dos superávits fiscais ou dos rombos virtuais da Previdência.
Mesmo com esse currículo, leitor, Hélio Costa ainda pode ser reconfirmado nas Comunicações. Viva o Brasil.’
MÍDIA & POLÍTICA
O atravessador da vida pública
‘Quando instigado a indicar nomes para cargos públicos, sempre tive uma resposta pronta, caso me pedissem para sondar o candidato: se eu for a pessoa designada para transmitir o convite e ele aceitar, retiro a indicação. Para a vida pública, as pessoas certas só vêm por convocação.
Uma observação que resume o dilema de hoje. Nunca houve tão profunda e generalizada desconfiança dos homens públicos. Desconfiança que não é dirigida a alguns políticos específicos, aos políticos que hoje compõem o Legislativo ou aos que estão no Executivo, mas sim aos políticos em geral, aos políticos de hoje e aos políticos de amanhã, a todos que ocupam cargos públicos.
A política está desvalorizada. Desacreditada, a vida pública perdeu importância, capacidade de atrair e de mobilizar. Trata-se de uma constatação difícil de ser contestada. Os políticos são vistos com uma enorme desconfiança. A motivação dos que optam pela vida pública questionada. A forma como os políticos, os homens públicos em geral, são percebidos é a pior possível. Espertalhões, senão flagrantemente desonestos, idiotas que se deixam levar por uma vaidade anacrônica. O gosto do poder pelo poder, a vaidade ou, cada vez mais, interesses definitivamente escusos, acredita-se, seriam as verdadeiras forças motrizes da opção pela política.
O paralelo entre a modernidade e os anos de decadência do Império Romano tem sido recorrente. A partir do fim da era de Augusto, os romanos passaram a tratar as obrigações da vida pública como uma mera obrigação formal. O argumento é de Richard Sennett, em The Fall of Public Man. Das cerimônias políticas aos ritos militares do Império, todo contato formal entre cidadãos fora do círculo familiar passou a ser visto apenas como um dever. Dever cumprido a cada dia com menos entusiasmo, de forma passiva, de acordo com as regras estabelecidas, no qual não havia mais qualquer investimento emocional.
Também hoje a vida pública é percebida como uma formalidade desprovida de sentido. A falta de paciência para os assuntos públicos, nos tempos atuais, vai além da esfera política propriamente dita. Todo tipo de contato obrigatório entre não-conhecidos, entre concidadãos, é percebido como um formalismo sem sentido e antiquado. O contato formal entre quem não se conhece pessoalmente passou a ser visto como um ritual retrógrado, desprovido de sentido. Ocorre que, sem as regras da formalidade cívica, o encontro com um desconhecido torna-se mais do que uma mera chateação a ser evitada. O desconhecido passa a ser tratado com uma desconfiança prévia, que ameaça tornar-se agressiva ao mais sutil sinal de desentendimento. O trânsito nas grandes cidades é, evidentemente, apenas o exemplo mais ilustrativo dessa perda de civilidade entre concidadãos.
Ainda segundo Sennett, há uma diferença entre o desinteresse pela vida pública do romano clássico e o desinteresse do homem moderno. Enquanto o romano buscava na vida privada um princípio alternativo de ordenação da vida, baseado numa transcendência religiosa, para substituir a vida pública imperial em decadência, o homem moderno não busca na vida privada nenhum sentido organizador, mas a sua identidade psicológica. A valorização da vida privada para o homem moderno tem uma conotação introspectiva, numa tentativa de encontrar o que seriam os seus sentimentos autênticos. Estar a sós com a família e com os íntimos tornou-se um valor em si, o caminho para o encontro consigo mesmo e com a felicidade. A busca da felicidade, ou mais do que a busca, a obrigação descontextualizada de ser feliz, de ser individualmente feliz, independentemente dos que o rodeiam, é uma noção essencialmente moderna. Hoje, como em nenhuma outra época, multidões estão preocupadas exclusivamente com as suas próprias histórias pessoais, com as suas emoções particulares.
Esse mergulho egocêntrico e introspectivo tem implicações profundas para a vida em comum. As questões e os acontecimentos, se impessoais, tornaram-se incapazes de despertar interesse. As questões e os acontecimentos só despertam interesse se tratadas, ainda que de forma indevida e desvirtuada, como se fossem questões pessoais, capazes de provocar sentimentos e emoções. É claro que uma vasta parte da experiência da vida é não apenas incapaz de criar intimidade como impossível de ser conduzida segundo os cânones da intimidade. Todas as atividades associadas à vida pública no seu sentido mais amplo são, por definição, incapazes de serem tratadas como questões privadas entre íntimos.
A dificuldade da ação conjunta entre não-íntimos, daquilo que constitui vida pública no seu sentido mais amplo, se estende da reunião de condomínio aos partidos políticos. Toda sorte de iniciativa em que deve haver contato entre pessoas que não compartilham intimidade tornou-se extremamente difícil de ser levada a cabo, diante de uma indiferença absenteísta e das intransponíveis dificuldades da tentativa de introduzir a intimidade onde ela não cabe.
O desinteresse e o absenteísmo das questões públicas foram fatores, senão determinantes da decadência romana, certamente fundamentais para acelerá-la. Na modernidade a vida pública não desapareceu com o desinteresse e o absenteísmo, mas transformou-se radicalmente. O desenvolvimento dos meios de comunicação criou a possibilidade de uma vida pública sem o contato entre concidadãos. A vida pública através dos meios de comunicação passou a dispensar o contato pessoal. Passou a ser um teatro de percepções intermediadas, onde a ação e os temas são menos importantes do que a tentativa de criar uma ilusão de intimidade entre os atores e o público. Essa intermediação atendeu aos anseios do homem moderno, dispensando-o do convívio com quem não compartilha da intimidade, mas dando-lhe a impressão de que continuava a participar das grandes questões da vida pública.
Essa é uma transformação que tem conseqüências muito mais profundas do que o convencionalmente reconhecido. Embora com certeza não escape a ninguém que a vida pública hoje seja primordialmente – senão integralmente – intermediada pelos meios de comunicação, o desenho institucional das democracias não foi repensado para adequar-se a uma transformação tão radical. A obsessão intimista do homem moderno e a intermediação dos meios de comunicação na vida pública criaram um espaço público radicalmente diferente do concebido pelos idealizadores da moderna democracia representativa.
Assim como o conceito do mercado competitivo, democracia é um idealtipo, uma idealização conceitual, pela qual deve pautar-se o desenho institucional da sociedade. A melhor forma de aproximar a vida em comum do ideal democrático, assim como a melhor forma de aproximar a organização da economia do ideal competitivo, não é nem indiscutível, nem é imutável no tempo. Mudam-se os tempos, mudam-se os meios, mudam-se os modos e é preciso repensar. Não existe uma proposição antecedente universal e definitiva para a organização democrática da sociedade.
O que é o Estado democrático, qual o seu papel, quais as suas responsabilidades e como ele é constituído é apenas uma das questões que não têm respostas a priori, que exigem serem permanentemente repensadas. Aceitos os princípios básicos das modernas democracias liberais – o respeito às liberdades individuais e a representatividade dos governos -, não há fórmulas congeladas, imutáveis de organização institucional para aproximar a sociedade dos idealtipos da democracia e da economia de mercado competitivo.
Eleições e mandatos fixos são uma forma de se ter tanto representatividade como responsabilidade por parte dos governos. Em tese, os eleitos exprimiriam os anseios da maioria e, se assim não o fizessem, não seriam reeleitos. As hipóteses subjacentes a tal raciocínio são: primeiro, de que os eleitores sejam capazes de efetivamente conhecer e avaliar os eventuais candidatos; e segundo, que ao menos alguns dos candidatos sejam efetivamente potenciais representantes dos eleitores. Ocorre que a vida pública intermediada pelos meios de comunicação reduziu de forma dramática a capacidade dos eleitores de conhecer os candidatos. De conhecer, no sentido de efetivamente ter noção de quem são e do que representam os candidatos, não no sentido que ser conhecido tem no moderno mundo das comunicações. Ser conhecido no mundo das comunicações, no mundo do espetáculo, é ser famoso, cuja melhor definição ainda é a de celebridade: alguém que é famoso por ser famoso.
Os eleitores desinteressados, imersos em suas questões pessoais, só tomam conhecimento do mundo através dos meios de comunicação. Estes, por sua vez, com receio de se tornarem também vítimas da apatia pelos assuntos públicos, dão-lhes uma conotação cada vez mais indistinguível da do mundo do espetáculo. O tratamento dado à política e aos seus personagens, numa tentativa de dar-lhe uma conotação pessoal, intimista, capaz de despertar emoção e interesse, passa a ser muito semelhante ao da ficção e do espetáculo.
O resultado, como não poderia deixar de ser, é que os candidatos a homens públicos passam a se comportar como personagens do mundo do espetáculo. São atores com agentes e roteiristas para auxiliá-los a construir fama. Personagens não podem evidentemente ser representativos. São apenas instrumentos de acesso aos postos públicos onde, na melhor das hipóteses, não representam ninguém, e na pior e mais comum das hipóteses, representam seus próprios interesses individuais.
A existência de mandatos fixos e de eleições periódicas só pode garantir algum tipo de vigilância sobre os eleitos se entre os candidatos às próximas eleições houver quem se diferencie dos atuais eleitos. Se, entretanto, a vida pública só atrai personagens em busca de fama e de proveito próprio, se os novos candidatos são indistinguíveis dos eleitos, a lógica da celebridade volta a prevalecer. Nesse caso, ao contrário do pretendido, os eleitos têm uma vantagem relativa por já serem conhecidos, famosos, independentemente do que fizeram ou deixaram de fazer de seus mandatos.
A vida pública não pode dispensar a vida em comum, dispensar o convívio entre pessoas. Não admite intermediação. Este é o ponto central da tese de John Dewey ao tratar do desaparecimento do público, da vida comunitária, sem a qual não pode haver nem representatividade política, nem democracia. Segundo Dewey, não há substituto para a vitalidade e a profundidade do contato direto e pessoal. No seu sentido mais rico e profundo, a comunidade deve sempre permanecer baseada no contato face a face. Se o público não existe, se a vida em comum desapareceu, não há democracia, só os seus formalismos.
* André Lara Resende é economista e foi presidente do BNDES no governo FHC’
IMPRENSA & JUSTIÇA
Prisão preventiva de jornalista é ilegal
‘Parecer do Ministério Público Federal afirma que é ilegal prender preventivamente jornalista acusado de crime de imprensa. Autor do parecer, o subprocurador-geral da República Francisco Dias Teixeira sustenta que o jornalista somente pode ser preso após sentença condenatória definitiva. As conclusões estão em um parecer sobre pedido de habeas-corpus protocolado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em favor do jornalista Domingos Raimundo da Paz, que foi preso e é acusado por um advogado e agentes públicos de Registro, em São Paulo, por calúnia, difamação e injúria.’
CRÍTICA À BBC
O marxismo da BBC e a reação no estilo americano
‘The Guardian – Com que freqüência você ouve, no programa Today ou no Newsnight, referências pouco elogiosas aos tablóides e à imprensa popular, como se fossem monstros sem corpo em vez da própria corporificação das opiniões da grande maioria do povo britânico? A imprensa escrita em formato tablóide é suficientemente grande para tomar conta de si mesma. No entanto, não acho que seja justo, porque isto ignora a influência sempre crescente da mais poderosa organização de mídia do mundo – a fortemente subsidiada BBC. E é meu argumento que o monólito BBC está distorcendo o mercado de mídia da Grã-Bretanha, esmagando o pluralismo jornalístico e impondo uma monocultura inimiga do debate democrático.
Agora antes que os comentaristas liberais lancem mão da sua mordacidade – e, meu Deus, como demonizam quem discorda deles – deixe-me dizer que morreria na miséria defendendo a BBC como uma grande força civilizadora. Realmente, eu, por mim, pagaria a taxa de licença (no Reino Unido, é cobrada uma taxa anual de cerca de 1 mil libras para cada televisor adquirido) somente para a Rádio 4. Mas a corporação é simplesmente grande demais. Por exemplo, emprega mais jornalistas e equipes de apoio – 3.500 – e gasta mais com eles – 500 milhões de libras – do que todos os jornais diários nacionais juntos.
Antes havia apenas uma meia dúzia de canais, agora a BBC tem uma impressionante força asfixiante nas ondas aéreas, alcançando todos os lares todas as horas do dia, criando cada vez mais canais e até considerando a hipótese de lançar mais de 60 estações de TV noticiosas locais por todo o Reino Unido.
Não é de se surpreender que a aflita imprensa local britânica reclame que não consegue competir, que nosso cambaleante setor de rádio comercial esteja enfurecido com o fato de que o mercado está armado contra ele, que nossas nascentes firmas de internet estão enraivecidas por não poderem concorrer em igualdade e que a ITN, ajudada por uma administração incompetente, está em situação desesperadora.
Mas não é a onipresença da BBC, tão maior que a de Fleet Street (rua onde tradicionalmente está instalada grande parte da imprensa britânica), que é preocupante, mas seu poder de impor, sob o disfarce da imparcialidade, sua própria visão do mundo. Esqueça o fato de que a BBC, até recentemente, era institucionalmente contra os conservadores. O triste fato é que não há um único escândalo do Partido Trabalhista pelo qual a BBC tenha mostrado o menor entusiasmo jornalístico.
Não, o que realmente me incomoda é que a BBC está, em todas as partículas do seu organismo corporativo, contra os valores do conservadorismo, os quais, diria eu, simplesmente são os valores defendidos por milhões de britânicos. Isso exerce um tipo de ‘marxismo cultural’ com qual a BBC tenta solapar a sociedade conservadora, virando todos seus valores de ponta cabeça.
É claro que existe a voz dissidente acidental mas, no geral, o jornalismo da BBC parte da premissas da esquerda: é hostil ao conservadorismo e à direita tradicional, ao passado da Grã-Bretanha e aos valores britânicos, aos EUA, ao sindicalismo do Ulster, euroceticismo, capitalismo e grandes empresas, a região rural, o cristianismo e os valores familiares. Por outro lado, é simpatizante do Partido Trabalhista, federalismo europeu, Estado e o dispêndio do Estado, imigração em massa, direitos das minorias, multiculturalismo, estilos de vida alternativos, aborto, progressividade na educação e nos sistemas judiciários.
Ora, você pode simpatizar com todos ou alguns desses pontos de vista.
Eu posso até simpatizar com alguns deles. Mas o que dá à BBC o direito de pressupor que esses são os únicos valores dignos de mérito? Em relação à Europa, por exemplo, a BBC sempre trata qualquer pessoa que não compartilha de seu federalismo – o que acontece com a grande maioria da população britânica – como se eles fossem xenófobos insanos.
Em palavras muito reveladoras, o ex-secretário de gabinete, lorde Wilson, atribuiu a ‘mentalidade institucional’ da BBC em relação à Europa a uma ‘base de recrutamento profissional homogênea’ e a ‘uma aversão pelas idéias conservadoras’. Acima de tudo, a BBC é estatista. Para seus funcionários, livres das exigências vulgares do mundo real, não existe problema grande ou pequeno – e este é um dos fatores na crescente cultura de vítima da Grã-Bretanha – que não pode ser atribuído à falta de dispêndio estatal, e qualquer político que ouse argumentar que os impostos devem ser reduzidos é acusado de se virar para a direita.
OLHAR COMPROMETIDO
Assim, o jornalismo da BBC é apresentado através de um prisma esquerdista que afeta tudo – a escolha das reportagens, o ângulo pelo qual são apresentadas, a escolha dos entrevistados e, mais pertinentemente, a forma como os entrevistados são tratados. Os jornalistas da BBC, protegidos da verdadeira concorrência, acreditam que somente a visão do mundo deles constitui uma opinião moderada, sensível e decente. Conseqüentemente, quaisquer opiniões dissidentes – particularmente aquelas defendidas por jornais populares – são, por definição, consideradas radicais e moralmente além dos limites considerados razoáveis.
Este é um discurso político deturpador, que marginaliza incontáveis milhões de pessoas que não assinam embaixo da visão do mundo da BBC. Um dos motivos, creio eu, que responde pela atual apatia em relação à política.
Como é instrutivo comparar tudo isso com o que está acontecendo nos Estados Unidos. Lá, a presunção liberal de uma imprensa monopolista, juntamente com a desregulamentação, desencadeou tanto o crescimento explosivo da transmissão de rádio de direita como agora domina também as ondas aéreas e a extraordinária ascensão do serviço noticioso da Fox, que é direitista. A democracia precisa de uma tensão saudável entre a esquerda e a direita, e a natureza abomina o vácuo. Se a BBC continuar distorcendo o debate político, haverá uma reação contrária e eu prevejo que o que aconteceu nos EUA poderá acontecer na Grã-Bretanha.
Recentemente, tem havido muito debate sobre a necessidade de mais jornalismo cívico na Grã-Bretanha, a própria coisa da qual a BBC se orgulha. Mas vamos propor uma questão – o que acontece se uma BBC cívica se encontrar lidando com uma administração que não se comporta de maneira cívica? Um governo que manipula as organizações noticiosas, que lota as assessorias de imprensa dos ministério com seus adeptos, que escolhe bons dias para enterrar más notícias, que favoreça entidades noticiosas que lhe dêem uma cobertura positiva e pune aquelas que não o fazem, que falsifica os números relativos à saúde e à educação e engendra dossiês falsos – um governo que, com Campbell (Alastair Campbell, diretor de Comunicação e Estratégia do gabinete do primeiro-ministro) e Mandelson (Peter Benjamin Mandelson, atual comissário da União Européia para o Comércio e membro do Partido Trabalhista), não tem o menor temor de se engajar numa falsidade sistemática. Será que a BBC está disposta a lidar com uma classe política que está propensa a fingir e enganar?
É interessante o contraste com o apoio inflexível à guerra no Iraque que Rupert Murdoch impôs a seus jornais e sua supressão de qualquer crítica sobre invasão quer envolvesse ou não a má conduta do ministro da Justiça, virtualmente ignorada no Times, ou o dr. Kelly, que foi quase enforcado e esquartejado pelo Sun.
Sim, em muitos aspectos, a BBC é uma organização maravilhosa. Mas permanece o fato que a emissora depende da população britânica para sua taxa de licença e, mesmo assim, reflete as opiniões de uma ínfima minoria metropolitana. Se ela continuar com este abuso de confiança, então o povo britânico irá retirar sua anuência e a corporação vai cair no descrédito. E isso seria realmente uma grande pena.
* É editor do Daily Mail e editor-chefe da Associated Newspapers. Esta é a versão resumida de palestra na London College of Communications’
REVISTA DAS REVISTAS
Luiz Zanin Oricchio
Cahiers entrevista autor de Juventude em Marcha
‘Juventude em Marcha, de Pedro Costa, foi uma das atrações cinéfilas da mais recente edição da Mostra de Cinema em São Paulo e tem conquistado atenções por onde passa. Pedro Costa é o principal entrevistado da Cahiers du Cinéma de janeiro e a escolha não deixa de ser curiosa, mas por motivos extra-cinematográficos.
Além dos méritos em si do filme, a entrevista deve-se a uma tomada de posição política da revista. Juventude em Marcha tinha estréia prevista para a França para o mês passado e o diretor de redação havia reservado para o filme a primeira página do Cahiers Critique, a nobre seção de críticas. Mas por insondáveis mistérios da distribuição de filmes de arte, a estréia foi adiada sine die.
A revista resolveu então entrevistar seu diretor e colocá-lo em outra parte da revista como forma de marcar posição e ‘defender o filme’, como é dito na abertura da entrevista assinada por Emmanuel Burdeau e Jean-Michel Frodon, diretor de redação da Cahiers. O nó do impasse se situa na condição híbrida dessa co-produção franco-portuguesa: produzido pela Arte, ao que parece sob o regime de ‘filme para televisão’, haveria problemas para sua exibição em salas. Situação confusa? Sim, admitem os redatores. O fato é que Juventude em Marcha não havia entrado em circuito em Paris, para decepção de críticos e cinéfilos que o aguardavam desde que causara frisson em Cannes 2006. Como compensação, ganhamos a entrevista com Pedro Costa.
Nela, o diretor português explica que Juventude em Marcha pode ser visto como desdobramento de um filme precedente, O Quarto de Vanda, também filmado no bairro popular de Fontainhas,em Lisboa. Vanda é também personagem de Juventude em Marcha. Mas O Quarto de Vanda seria a origem documental que permite a ficção de Juventude em Marcha? Na verdade, não há documentário nem ficção, mas um híbrido de ambos. E de fato, o ‘personagem’ de Juventude é Ventura, um negro elegante, imigrante de Cabo Verde, que havia contado sua história a Costa e assim representa a si mesmo no filme.
Na entrevista, Costa é reticente sobre influências. A Cahiers comenta, à guisa de pergunta: ‘Vêem-se muitas referências no filme, Straub, Eustache, Ozu, Ford…’ Resposta: ‘Adoro Ozu, isso se vê, mas onde? Outros espectadores falam de Ford, porque Ventura mescla o coletivo e o individual e havia muito disso em Ford, também. Ford era um homem muito sofrido, infeliz. Mas quando ele falava e dirigia os homens, tornava-se de pronto muito feliz, e muito forte.’ Esse é Ventura no filme. E Pedro Costa.
O diretor não se isenta da responsabilidade ética de filmar esse outsider cheio de nobreza: ‘Todo dia, quando eu acordava, me perguntava como fazer para estar à altura daquele sujeito. Pode chamar isso de cuidado moral, ético, respeito, o que se quiser. Como filmar bem esse homem, para contar direito a sua história?’’
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Marili Ribeiro
O marketing do carnaval desce dos camarotes
‘Houve tempo em que associar uma marca a um camarote no Sambódromo carioca era a melhor investida em exposição durante o carnaval. Hoje esse recurso já não basta. Na corrida por ocupar os mais eficientes espaços junto ao consumidor, os grandes patrocinadores deixam a avenida para tomar posição entre os populares blocos de rua. Tendência que, embora mais evidente no Rio, ganha fôlego em outras praças.
Em termos de público presente, deixando de lado a potencial audiência de quem assiste aos desfiles do sofá, há blocos que têm platéia maior do que as noites na Marquês de Sapucaí. O Cordão do Bola Preta ou a Banda de Ipanema chegam a juntar mais de 150 mil foliões na rua. Nas arquibancadas das escolas de samba, cabem 60 mil pessoas por noite.
‘O carnaval da Sapucaí esgotou-se como possibilidade para as empresas se exibirem’, arrisca Rita Fernandes, presidente da Sebastiana, a associação que reúne 12 blocos que saem pelas ruas da zona sul , Santa Tereza e centro do Rio. ‘Fomos surpreendidos este ano pela oferta de recursos para organização dos blocos, com camisetas e carro de som. Em troca, as companhias querem acompanhar o bloco com ações promocionais e vendas de produtos.’
A cervejaria AmBev elegeu a marca Skol para bancar 19 blocos que vão brincar pelas ruas cariocas. Criou para a temporada um ‘carro bar’ que põe a loira gelada ao alcance da mão dos foliões. Mas não apenas no Rio. A marca também investiu pesado na Bahia. ‘As empresas escolhem as festas que têm perfis e afinidades com sua proposta’, explica Gal Barradas, diretora de atendimento da F/Nazca Saatchi & Saatchi. ‘Salvador é um caldeirão cultural do Brasil e uma praça inovadora para marcas que querem atingir os jovens.’
Em busca do mesmo efeito, Mario Medina, gerente da Schincariol, fechou patrocínio da Nova Schin com administradores de 16 blocos. ‘Ampliamos nossa presença porque é uma época importante para expandir participação de mercado’, explica ele.
Em Salvador, os 120 blocos contabilizados pelo diretor da Empresa de Turismo de Salvador (Emtursa), Gorgônio Loureiro, desfilam em dois circuitos preestabelecidos e mobilizam multidões que chegam a 2 milhões de carnavalescos em quatro dias de desfiles.
Atrás desse público na Bahia estão as companhias dispostas a pagar os trios elétricos puxados por estrelas populares, como Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Carlinhos Brown. E, por isso mesmo, bem mais caros do que os blocos de rua do Rio e São Paulo. O preço de patrocínio pode chegar a R$ 1,5 milhão. Caso que se repete também no carnaval de Recife e Olinda, tradicional na categoria e famoso por juntar aficionados pelo clima de samba (no caso, frevo e maracatu), suor e cerveja. O Galo da Madrugada entrou para o Guiness Book por arrastar mais de 1 milhão de carnavalescos pelas ruas do Recife.
Entre cariocas e paulistas, que mobilizam carnavais majestosos com suas grandes escolas e patrocínios de anunciantes de peso, caso das Casas Bahia, os blocos não têm tanta expressão. Financiá-los é barato quando comparado aos seus similares do N ordeste. Os valores oscilam entre R$ 4 mil e R$ 50 mil.
Em São Paulo, os blocos têm ainda caráter de diversão familiar e mobilizam poucos interesses comerciais. ‘Este ano teremos a banda Morenada, que será apresentada pela comunidade boliviana da cidade’, conta Orlando Dal Secco, presidente da Associação das Bandas, Blocos e Cordões de São Paulo.
O Sambódromo, no Anhembi, foi prejudicado pela Lei da Cidade Limpa, que baniu propaganda na parte externa em torno do local. ‘Isso atrapalhou as negociações do carnaval paulistano, que vem crescendo’, diz Alexandre Marcelino Ferreira, presidente da Liga das Escolas de Samba. ‘Para termos um carnaval como a cidade merece, precisaríamos de algo em torno de R$ 45 milhões, mas hoje arrecadamos cerca de R$ 20 milhões.’
A indústria do carnaval disputa verbas que não cresceram na mesma proporção das possibilidades descobertas pelas empresas para se venderem junto aos foliões. O diretor de marketing da Nestlé, Mário Castelar, reconhece que as oportunidades estão aí para serem abraçadas.
‘Somente nos ensaios das escolas de samba, que antecedem os desfiles durante cinco finais de semana, uma marca pode atingir até 140 mil pessoas’, diz ele. Nas quadras das escolas, muitas marcas já ocupam lugar de destaque.’
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Até trio elétrico em versão virtual
‘A Banda Eva vai ser uma das atrações no game Second Life
Abadás e colares dos Filhos de Gandhi, tradicionais no carnaval da Bahia, já estão à venda para quem quiser acompanhar a passagem virtual do trio elétrico da Banda Eva pelas ruas em 3D do Second Life. O espaço virtual, similar aos games, porém sem limites de interação, tem atraído empresas. Dele já participam 2 milhões de pessoas, entre elas 80 mil brasileiros.
Pode parecer estranho, mas as marcas descobriram relevância nesse espaço imaginário. Não à toa. A festa de réveillon com queima de fogos patrocinada pela Phillips reuniu 5 mil ‘avatares’ (a versão virtual dos humanos que entram no jogo).
O carnaval da Banda Eva estréia o recurso por iniciativa da Tudo Eventos e Conteúdos e vai acontecer a partir das 16 horas da Quarta-Feira de Cinzas. ‘Para tornar o evento ainda mais real, o áudio será uma retransmissão da gravação do carnaval baiano, com intervenções do cantor Saulo Fernandes, entre uma música e outra’, conta Cleber Baratela, diretor de criação da Tudo.
Como qualquer evento do mundo real, terá equipe de seguranças para garantir a organização. Promotoras virtuais, a partir da próxima semana, vão passear pelas ruas do jogo divulgando o carnaval.’
TELEVISÃO
‘Não é fácil ser bonita’
‘Se Ana Hickmann diz que ser bonita não é fácil, pode-se afirmar que ser uma mulher comum também não é. Entrevistá-la requer jogo de cintura. E paciência. Não que Ana seja inacessível, mas sua agenda pede alguma tolerância. Uma semana após o primeiro contato da reportagem, acertamos horário para fotos e entrevista. Quase deu certo: a conversa foi adiada para o dia seguinte. Na hora agá, mais 2h30 no aguardo.
A espera vale a pena. Além de atarefada, a ex-modelo, atual apresentadora do programa Hoje em Dia, da Record, é de uma beleza que constrange – principalmente quando a repórter tem 1,60m, não é adepta da maquiagem, e a entrevistada, sendo quem é, não se esquiva dos cuidados mais elementares para conservar o que a natureza já lhe deu.
Ana parece uma boneca, com seu 1,85 metro e modelo que mal disfarça o famoso 1,20m de pernas, mais cuidados extras com maquiagem e cabelos. Extremamente simpática, fala das novas regras da moda, da ascensão na TV, das perspectivas profissionais e pessoais – sim, porque também na contramão do clichê que dita que mulher bonita sofre no amor, ela é igualmente bem resolvida nesse terreno.
Que boneca, que nada. A moça é de verdade.
Você acompanhou a São Paulo Fashion Week?
Não consegui acompanhar os desfiles porque foi justamente na semana que o programa foi para o Rio, mas vi algumas coisas na internet.
E o que você achou das novas regras da SPFW, na questão da idade e de peso?
Infelizmente, a gente teve que perder algumas vidas pra salvar outras, mas, por causa disso, vamos começar a ver uma mudança. Não podemos esquecer do assunto, essas regras deveriam ser mundiais. Na questão da idade, acho que foram um pouco tardios pra isso e agora estão sendo radicais. Com relação a querer controlar o peso das meninas, concordo, mas cada caso é um caso.
Como está a sua relação com a moda hoje?
A relação é o que faço dentro do meu programa e com a minha própria marca.
Como é sua rotina?
É bastante puxada, mas não posso reclamar, todas as coisas que faço, faço porque gosto. A única coisa que é marcada todos os dias é o horário de chegada e de saída do programa, mas é uma correria. Às vezes é reunião, gravação ou é alguma coisa fora da Record. Quando sobra um tempinho eu vou para uma academia pra me cuidar.
E como você se cuida?
No final do ano passado comecei a fazer aula de boxe, mas no mês de janeiro não consegui ir em uma aula. Quando não dá tempo de fazer nenhuma aula, corro em casa, faço esteira para poder fazer alguma atividade física. Tento manter uma freqüência de três vezes por semana e evito ao máximo uma vida sedentária.
E tem outros cuidados com a beleza?
Tem coisas de que não abro mão. Pelo menos duas, três vezes por semana, preciso fazer uma massagem linfática. Depois tem os cuidados com dermatologista, limpeza de pele. E tem também o cabeleireiro, porque é um estica e puxa todos os dias, que eu preciso dar uma atenção legal ao cabelo. Eu tenho que dar essa reciclada todos os meses.
A cobrança na televisão supera a pressão do mundo da moda?
Não chega a ser menor porque as pessoas te conheceram assim, então elas querem te ver assim. O que as pessoas não entendem é que às vezes não dá tempo de tudo.
Onde há mais ego? Nas passarelas ou na TV?
Acho que é a mesma coisa, porque existe nas passarelas e na televisão gente que tem o ego tão inflado, mas tão inflado, que esquece as pessoas que estão ao redor. E também nos dois mundos existem pessoas que trabalham pra caramba.
Você começou na Record fazendo um quadro de moda no ‘Tudo a Ver’, do Paulo Henrique Amorim, e um quadro no ‘Domingo Espetacular’. Como vem lidando com a conquista de espaço e de ibope?
O difícil é lidar com a falta de privacidade. Eu adorava ir ao supermercado, mas hoje isso se torna difícil, porque antes eu levava uma hora, hoje eu levo quatro. Tive que passar a função.
Você acha que influencia outras meninas modelos que sonham em entrar para a televisão?
Eu espero que sim, mas uma coisa que eu sei é que elas confundem muito o fato de ter um corpo e um rosto bonito, que já está tudo certo. Não está, não é fácil. A competição é muito grande porque existem muitas mulheres lindas. Eu preciso me sobressair, tive que ter força de vontade pra caramba. Tenho que engolir o mau humor sempre, muitos sapos sempre, tenho que acordar cedo sempre, então são dificuldades que você tem que aturar pra chegar em algum lugar.
Falando em ralar, você já passou por bons bocados nesse programa. Qual foi a situação mais difícil?
Opa, já passei por várias. Pulei de pára-quedas, bungee jump, mas a situação de pânico que quase desisti foi em um brinquedo do Hopi Hari. Mas eu e o Edu (Guedes, com quem ela apresenta o programa, ao lado de Britto Júnior) contamos um, dois, três, falei um palavrão – que não foi ao ar – e conseguimos.
O que teve mais repercussão no programa?
Foi o caso da Suzane von Richthofen. O advogado dela foi no programa e pegou pesado. Usou um tom muito machista e me desrespeitou. Abomino qualquer tipo de preconceito: racismo, feminismo, machismo, tudo que é ao extremo pra mim está errado. E parti para cima dele verbalmente. Até hoje muitas mulheres me falam que se fossem eu, teriam acertado a mão nele.
O que ainda falta fazer no programa?
Falta a gente entrar no cenário novo, o que vai acontecer depois do carnaval. E eu acho que o Hoje em Dia, por ser um programa de variedades, vai poder tudo. Então falta tudo que a gente ainda não testou.
Você já fez uma participação na novela ‘Prova de Amor’, tem vontade ir para esse caminho?
Não, eu fiz essa participação, mas era Ana Hickmann por Ana Hickmann. Mas, não, não tenho intenção nenhuma. Eu já tive, até quando eu estava em Nova York, eu quase comecei a fazer aulas de teatro, mas fui convidada pela Record e larguei tudo, larguei casa, larguei curso e vim pra cá.
Qual foi a maior cobrança que você teve na TV?
Em relação ao conteúdo, ao comportamento, ao que falar, à aparência, a tudo. Desde o começo, mas hoje isso já é diferente. Pelo fato de eu vir do mundo da moda, as pessoas têm muito preconceito, acham que uma carinha bonita vai falar umas coisinhas engraçadas e pronto. Não é assim. Posso trabalhar o dobro, mas vou mostrar que mulher bonita também tem conteúdo e consegue chegar onde todo mundo que estudou chegou.
Qual foi a maior saia justa?
Foi quando saiu uma matéria na Veja, de um episódio na TV. O Britto me pergunta: ‘Ana, você pode declinar o seu voto?’ e eu peço pra ele repetir o que ele falou. Bastou isso e a Veja publicou que eu não sabia o que era declinar.
Quais são as suas expectativas agora?
Quero crescer, melhorar e deixar o Hoje em Dia cada vez melhor. Quero que esse programa faça parte da vida das pessoas e que acrescente alguma coisa pra elas. E se puder quero ficar na TV por muito tempo, igual à Hebe Camargo.
E você já foi comparada com a Hebe…
Ela também começou de uma família humilde e conseguiu passar por cima de tudo e provar que era uma grande artista e uma verdadeira celebridade. Espero conseguir um pouquinho disso.
E na vida amorosa?
Esse ano eu vou completar nove anos de casada. Quando eu casei, não tinha condições financeiras de fazer festa, então, quando eu completar dez anos de casada, faço uma superfesta.’
Leila Reis
Oportunismo disfarçado
‘São os pais responsáveis pelo que as crianças assistem na TV. Essa é a mensagem da propaganda que a Globo vem exibindo. Nela, uma menina tem os olhos vendados por várias camadas de mãos adultas que saem do vídeo até o rosto ser revelado.
O comercial, encerrado com a frase ‘cidadania, a gente vê por aqui’, diz que os programas da rede aberta têm uma classificação por idade, mas que ‘ninguém melhor do que os pais para saber o que os seus filhos devem assistir’, garante que ‘a televisão brasileira oferece informação, diversão e entretenimento de qualidade e de graça’ e arremata dirigindo-se diretamente ao telespectador: ‘Os limites é você quem dá’.
Esse anúncio ‘institucional’, ou seja, pago pela própria emissora para divulgar mensagens de seu interesse, pode parecer meio gratuito para a maior parte da massa telespectadora, mas não é. Primeiramente ele não é ‘de graça’, assim como também não o é a programação que o brasileiro recebe em casa. A Globo emite uma opinião se antecipando à portaria que o Ministério da Justiça promete (para a semana que vem) com o texto do Manual da Nova Classificação Indicativa para a programação da TV, discutido quase três anos por representantes de ministérios, das emissoras e entidades de defesa dos direitos da criança.
Classificar, neste caso, significa estabelecer faixas de horários apropriadas para públicos de diferentes faixas etárias. Isso já existe e cada emissora adota um jeito diferente – todos bem sutis – para indicar aos pais a idade recomendada pela Justiça para ver seus programas. O Ministério da Justiça indica o horário para exibição de determinado programa e qual a idade apropriada para ter acesso ao conteúdo.
Como se pode ver pelo anúncio, a Globo – assim como suas concorrentes – é contra essa indicação e, de antemão, cria terreno para a desqualificação da portaria antes da publicação. Por estímulo das emissoras ou por ignorância, profissionais da televisão movimentam-se também contra a medida. Documento distribuído pela Associação dos Roteiristas, presidido pelo autor Marcílio Moraes (que assina a novelaVidas Opostas, da Record), fala em repúdio ao ‘ressurgimento da censura’ e, em nome dos autores e roteiristas de TV, clama por ‘liberdade de expressão’.
É muito fácil, neste país que viveu em regime de exceção por muito tempo e sofreu com uma pesada ditadura militar, se inflamar diante de argumentos que profetizam a volta da censura ou ameaçam a liberdade de expressão. Mas neste caso, falar em censura é puro oportunismo.
Oportunismo das emissoras que se portam como donas da televisão e não concessionárias de um serviço público. Que repudiam qualquer controle social do veículo e defendem o mercado como o único regulador. A tese é a seguinte: se o programa tem audiência é porque o público quer. Então, em última instância, o telespectador é o único responsável pela qualidade do que entra em sua casa.
Não é verdade, nós não somos responsáveis pela qualidade da programação que a TV nos oferece. Há décadas, gente preocupada com a qualidade da programação entregue na casa da maioria dos brasileiros (98% segundo dados do IBGE) defende o controle social da televisão, mas não encontra respaldo no poder concedente (governo federal).
Não é possível que neste enorme País, em que uma parcela gigantesca da população só tenha acesso à informação e cultura pelo vídeo, ninguém olhe para o conteúdo da programação. Estabelecer uma classificação indicativa é pouco.
Em algum momento este País precisa começar a olhar para a televisão como concessão pública, portanto, sujeita a uma regulamentação que tenha como principal beneficiário o consumidor. Ou seja, nós telespectadores.’
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