Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

…CONTINUAÇÃO


RETROSPECTIVA CULTURAL


Fabrício Carpinejar


Tezza vende sua alma à paternidade


‘Não há literatura sem crueldade. Escrever o que a maioria das pessoas tem
vergonha de pensar. Escrever o que é politicamente errado, inseguro e incerto.
Escrever o que não se diz publicamente, o que se esconde.


O ano é de Cristovão Tezza, catarinense radicado em Curitiba, pela franqueza
imperturbável e emocionada de O Filho Eterno. Autor de 14 livros, já premiado
pela Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras e Bravo!, pagou o preço
da exposição biográfica. Foi extremamente cruel consigo.


O Filho Eterno (Record, 222 págs., R$ 34) narra o desconforto de um estudante
de Letras, 28 anos, que vive de bicos, ao receber a notícia de que seu primeiro
filho tem síndrome de Down. Não suporta a pressão social, muito menos desagrada
não poder apresentar seu filho deficiente aos amigos. Enxerga-se como ‘um pai
sem filho’.


Testemunham-se a hesitação e a covardia emocional. Nos anos 80, período de
incipientes informações e tratamento sobre trissomia do cromossomo 21, sofre com
as brincadeiras sarcásticas dos conhecidos. ‘Você é tão inteligente e não
conseguiu nem fazer um filho direito.’ Ou com a piedade de desconhecidos. ‘Você
não tem culpa disso.’


É esta proeza de representar a insegurança paterna que torna o romance
vertiginoso, nervoso, duro. Tezza não sabota seus pensamentos da época, expulsa
os preconceitos como que carregando didaticamente cada um deles na própria pele.
Expressa o que é abominável, humanizando as vacilações. Não deseja o filho,
depois deseja a morte do filho. É muita coragem publicar isso.


Ainda mais com as semelhanças entre a trama e a vida pessoal. Cristovão tem
um filho portador de necessidades especiais, de mesmo nome Felipe. E não mudou o
nome dele na história porque todo vínculo soaria falso. O autor não escolheu o
caminho mais fácil: expõe suas entranhas, angústias e incertezas, retrocessos e
avanços, a desencapar o cotidiano e transparecer as terminações nervosas da
paternidade.


Numa linguagem enxuta, de períodos curtos, segue um andamento cênico, de
dramaturgo ora vestindo e desvestindo de luz as cenas nucleares. Um exemplo da
secura intensa é a primeira vez que mãe, pai e filhos ficam juntos num quarto.
‘Três estranhos em silêncio. Não há o que abraçar.’ Adiciona à ação dramática o
respiro de apontamentos livres e análise das situações de um ensaio, que
viabiliza uma pausa reflexiva.


A estratégia adotada para não parecer tudo muito pessoal foi adotar a
narração na terceira pessoa sem especificar o nome do pai, escudando o fluxo,
desse modo, dos riscos do derramamento e retardando o julgamento e possível
antipatia do público às suas idéias.


A indefinição salvou o romance da catarse, da culpa e do pessoalismo. É e não
é Tezza. Melhor: o personagem é Tezza mais sua ficção. Não responde a biografia
de uma vida, é também biografia de uma imaginação. Com uma postura baudeleriana,
acusa a si mesmo sendo outro, sem poupar críticas à sua ingenuidade hippie e seu
encantamento on the road. O que agrada no volume é a posição distanciada
escolhida por Tezza, tão leitor do que aconteceu quanto o leitor.


No enredo, o protagonista absorve os socos – que socos – de sua inapetência e
fica de pé. ‘Era uma mistura de ideologia e de inadequação, de sonho e de
incompetência, de desejo e de frustração, de muita leitura e nenhuma
perspectiva.’


Experimenta-se uma sucessão de descobertas. Uma delas é que o filho com Down
mergulha num eterno presente, o que aconteceu ontem não será lembrado. Ele
observará o pai como se o visse sempre pela primeira vez. Tais conclusões
inutilizam inclusive a possibilidade de escrever um livro para ele. ‘Jamais
conseguirá lê-lo.’


Do confronto, o cuidado para não sobrecarregá-lo de negativas mais vezes do
que necessário e respeitar o seu ritmo. Na exibição no torneio de natação, o
filho tira o último lugar e comemora que é ‘campeão’, não entendendo a
‘abstração da disputa’. O pai busca explicar que o campeão é o primeiro até que
desiste de mais uma convenção ridícula para valorizar quem cumpriu certinho o
percurso.


Desenvolve sua consciência – percebendo que procura fotografar o menino pelos
ângulos em que seu rosto não aparece trissômico -, vai musculando sua esperança
e admitindo que é ele que carece de avaliação, não o menino. O pai encarna o
filho. Rejeita seu ponto de vista etéreo, genérico e superficial para tomar uma
posição pessoal calcada na experiência. A autocrítica pesada esmaece a
resignação e atinge a leveza do entendimento. Da rejeição ao desespero de
extraviar o filho, quando ele some do apartamento.


A transformação gradual ocorre simultaneamente ao nascimento do escritor.
Alterna a criação do bebê com flash-backs de sua expedição com uma trupe
teatral, trabalhos clandestinos na Alemanha e preparação dos primeiros livros A
Cidade Inventada e Terrorista Lírico. O filho o ensina a não mentir e aceitar as
imperfeições como parte da verdade.


A mágica da obra é o entrançamento do aprendizado do filho com a descoberta
autoral. O escritor reconhece que se defende dos mesmos preconceitos que a
criança, para conseguir ser aceito pela sociedade e garantir um lugar numa
editora. Ambos partilham de igual solidão especial. A pergunta ‘o que é
normalidade?’ tanto parte do escritor como de seu filho. ‘Eu também estou em
treinamento’, ele pensa, lembrando mais uma recusa de editora.


O Filho Eterno é um manual de paternidade, e ainda um breviário de escrita
criativa. Fornece algumas dicas fundamentais para quem está iniciando a arte
literária: ‘Interromper o texto num bom momento com vontade de continuar
imediatamente’ e constatar que ninguém está o mandando escrever. Escreve porque
quer e precisa. Cristovão Tezza se reinventou para seu passado, trabalho mais
frágil e cintilante do que inventar um passado.


Fabrício Carpinejar é jornalista, professor universitário e poeta, autor de
Meu Filho, Minha Filha’



Ricardo Lísias


Jonathan Littell e o romance no divã do terapeuta


‘Ao ser convidado para escolher o melhor livro de ficção estrangeira
publicado no Brasil em 2007, não tive nenhuma dúvida: As Benevolentes, o
monumental romance de Jonathan Littell. O ano foi generoso. Chegou-nos
finalmente ao romance Os Pichicegos, de Rodolfo Fogwill, uma originalíssima
visão da Guerra das Malvinas; Homem Lento continuou a tradução da obra de J. M.
Coetzee, talvez o autor mais relevante do nosso tempo e, entre tantos outros,
Salão de Beleza, do mexicano Mario Bellatin, foi uma boa surpresa.


Ainda que notáveis, nenhum deles tem o alcance de As Benevolentes. Para uns,
uma aventura romanesca comparável a Guerra e Paz, para outros uma enorme
acumulação de cenas abjetas e imprecisões históricas, o livro de Littell
comprova que, apesar da moda em afirmar o contrário, a literatura está viva,
mantém o interesse e é capaz de atrair atenção de diversos setores da sociedade.
As Benevolentes chamou atenção da crítica literária, foi condenado pelo cineasta
Claude Lanzmann, tornou-se objeto de discussão em revistas especializadas e,
mesmo sendo um livro difícil, tornou-se best-seller. Tudo isso discutindo um
assunto para lá de pisado e repisado: a tragédia nazista que dizimou milhões de
pessoas.


O livro é uma espécie de construção memorialística de Maximilien Aue, oficial
nazista criado por Littell para interagir com personagens históricos famosos,
como Albert Speer, Himmler e o próprio Hitler. As cenas são vívidas, muito bem
descritas e cheias de detalhes. O texto discute reflexões filosóficas, alterna
cenas de pastelão com quadros panorâmicos, passa por episódios famosos da 2ª
Guerra e analisa os principais textos produzidos no período. Dessa forma, adota
diversos procedimentos narrativos, tornando-se uma espécie de painel formal do
gênero romanesco.


Durante a leitura, fica fácil enxergar a imensa pesquisa que o autor
realizou. Tudo é acompanhado de dados geográficos, números, pormenores e
detalhes mínimos, como o entroncamento de uma linha ferroviária em determinada
época ou a quantidade de ração embarcada para este e aquele destino. O livro,
aliás, sofreu diversas críticas quanto à imprecisão de alguns detalhes.
Chegou-se por exemplo a apontar um trecho em que o autor descreve prisioneiros
metralhados quando, na verdade, eles teriam sido asfixiados. Esse tipo de
crítica, porém, parece não observar um detalhe importante para a constituição de
As Benevolentes: o livro está composto segundo um procedimento similar ao da
memória terapêutica. O acúmulo de informações serve para dar base à construção
de uma personalidade fortemente fraturada. Inclusive, por todas as 896 páginas
do livro (Alfaguara, R$ 79,90) não há uma personagem sequer, além do próprio
narrador. Todas as pessoas são uma espécie de mancha, borradas por uma
rememoração obsessiva e contaminada por décadas de escamoteamento, fugas e
recalques. O livro parece um jorro de memórias que, de uma hora para outra, se
libertam furiosamente.


Jonathan Littell redigiu um romance descomunal em uma fase singular do
gênero. Apontado como morto após as experiências radicais de, por exemplo,
Samuel Beckett, mas renascido pelo esforço de escritores como J. M. Coetzee e
Thomas Pynchon, o romance sempre esteve tanto no alvo da crítica quanto no gosto
do público. No recém-lançado Não Incentivem o Romance (o título já diz tudo…),
o crítico italiano Alfonso Berardinelli chega a dizer, com muita argúcia, que o
século 20 ‘soube desde o início que o romance está no fim’. Sem muita cerimônia,
e com toda a classe, Littell mistura procedimentos da narrativa moderna com a
pós-moderna em As Benevolentes, fazendo tanto o romance sobreviver e resistir
como, de uma só vez, demonstrando que toda teoria tem um limite, precisamente o
da criatividade artística. Nesse caso, não podemos falar de modernidade, ou de
pós-modernidade, ou então podemos falar das duas coisas juntas…


Além de obrigar a teoria a se renovar, As Benevolentes também tem o mérito de
remover clichês. Como se sabe, um dos principais lugares-comuns do nosso tempo,
repetido por todo canto, é o da convivência entre o bem e o mal na personalidade
humana. Trocando em miúdos, todos já ouvimos dizer que o homem tem um lado bom e
outro mal, e que vez por outra o indesejado vem à tona, bastando, por exemplo,
que a situação seja propícia. Ora, quantas vezes já não ouvimos que todos temos
um ‘torturador’ dentro de nós e que aqueles que torturam simplesmente fazem isso
por terem se submetido a uma situação que exigia a prática da tortura? Esse é um
discurso comum atualmente.


No entanto, para falar com clareza, trata-se de um raciocínio fascista, que
procura justificar a violência através de uma naturalização que não existe. No
romance de Jonathan Littell fica bem claro que, no mais das vezes, os homens
optam por agir dessa ou daquela maneira. A irmã do narrador, por exemplo,
escolheu viver longe do fascismo, consciente do que ele significava. A
propósito, é bem possível que As Benevolentes tenha chamado atenção justamente
por causa dos tantos fascismos que enfrentamos, e agora sem muito susto ou
sequer consciência, todos os dias. Mas não quero fechar minha escolha pelo
melhor livro de ficção estrangeira do ano com uma nota negativa. Ao contrário,
os grandes livros têm sempre algo de profundamente positivo: eles são capazes de
transformar uma tradição gigantesca e que parece imutável. E se até o cânone
literário pode ser transformado, a gente pode ter a esperança de transformar
também o resto. É aqui que toda grande literatura se torna um ato
incontornavelmente político e As Benevolentes, sem dúvida, é um dos mais
eloqüentes dos últimos anos.


Ricardo Lísias é escritor, autor de Anna O e Outras Novelas, entre outros
livros’



Luiz Zanin Oricchio


Lágrimas e sonhos femininos no comovente Jogo de Cena


‘Num ano em que a produção brasileira se destaca pela qualidade, um filme
sobressai entre todos – Jogo de Cena, obra para marcar época, entre outros
motivos porque coloca em xeque a distinção clássica entre cinema de ficção e
documental.


Pois bem, há muitos anos já se dizia que documentário e ficção eram vasos
comunicantes e, quanto mais fluente fosse a passagem entre os dois, melhor o
resultado para o cinema. De fato, o cinema de ficção sempre se beneficiou de um
diálogo com o lado documental da realidade e os documentários em geral saíram
enriquecidos quando se valeram de técnicas ficcionais para dar vida aos seus
personagens da vida real.


Jogo de Cena simplesmente embaralha esses dados, mas não apenas por uma
questão de técnica ou de filosofia de trabalho, mas para dar ainda mais realce
às subjetividades dos personagens. E quem são eles, ou melhor, elas? Mulheres,
que atenderam ao convite publicado num jornal, convocando quem tivesse histórias
para contar. Das 83 que atenderam ao chamado, 23 foram selecionadas e filmadas
no Teatro Glauce Rocha, em junho de 2006.


Em setembro do mesmo ano, atrizes conhecidas (André Beltrão, Fernanda Torres,
Marília Pêra), e outras menos, ‘interpretam’ para a câmera aquilo que algumas
das personagens reais haviam dito. As ‘atuações’ de atrizes e personagens é
mesclada, e o diretor não faz questão de diferenciar umas das outras. Por
exemplo, uma das falas é dita por uma moça negra, de rosto pouco conhecido.
Pensamos que é a personagem real, mas no final ela diz algo como ‘Assim ela
contou’. E ficamos sabendo que se trata de uma atriz. A certeza do espectador
vai pelo ralo.


O cenário é sempre o mesmo – o palco do teatro, com as poltronas vazias ao
fundo. Esse set – despojado – funciona talvez como confessionário, talvez como
consultório psicanalítico. Talvez como algo entre os dois e também diferente de
ambos.


Não adianta dizer que Coutinho ‘ouve’ como um sacerdote ou atua como um
profissional do divã. Se existe alguma particularidade nele, é que inventou
alguma coisa parecida com uma ‘escuta cinematográfica’. Daí o êxito de filmes
como Santo Forte, Edifício Master e este Jogo de Cena. Parece que os personagens
contam para ele histórias que jamais relatariam a outra pessoa, ainda mais
diante de uma câmera. E, assim, Coutinho aprimora um dispositivo cinematográfico
que é como uma ferramenta longamente trabalhada, que se ajusta de maneira
perfeita à sua mão.


E o que dizem essas mulheres, e que não contariam a ninguém mais senão a
Coutinho e àquele olho mecânico postado atrás do seu ombro? Falam de perdas, em
especial. Esta perdeu o filho, aquela o marido. Outra tem saudades do pai, um
homem forte, autoritário, que acabou seus dias preso a uma cama, vítima de um
AVC. Essas mulheres falam também de sonhos. Não do sonho como sinônimo de
aspiração, mas sonho mesmo, aquele fenômeno mental que Freud considerava a via
régia para o inconsciente. Quando a vida é muito dura, quando a dor é pesada
demais para ser reparada pela realidade, são os sonhos que vêm em socorro das
mulheres. Assim, uma delas vê em sonho o filho que havia morrido num assalto.
Outra não falava com o pai e, quando ele morreu, parecia condenada à culpa
eterna. Mas o pai a visitou em sonhos e a perdoou.


Essas histórias são comoventes quando as personagens as contam. E continuam
comoventes quando as atrizes as interpretam. Não se trata de mera repetição. Há
uma atuação. Isso quer dizer que fazem parte de um processo ativo, no qual uma
atriz recebe o ‘texto’ de uma história e o recria à sua maneira, o reinterpreta
e acrescenta coisas suas. A atriz torna sua a história que vive. Assim, Andréa
Beltrão não consegue conter as lágrimas ao interpretar a mãe que perde um filho
mas acha que ele continua vivo e presente. A própria mãe é mais ‘fria’ no
relato, mais controlada. Mas, para Andréa, aquela situação é insustentável.


É uma afinação entre subjetividades, como duas vozes, uma cantando uma terça
acima (ou abaixo) da outra, e produzindo um sentido de harmonia imenso. São
muitos os momentos de emoção (entre risos e lágrimas) deste filme único, mas
talvez o que resuma a totalidade da proposta de Coutinho seja aquele em que uma
das personagens entoa, com dificuldade para não chorar, Se Essa Rua, que o pai
lhe cantava na infância. Ao fundo, ouve-se a voz da atriz, entrelaçando-se à da
personagem na mesma canção. Tudo está aí. Já se disse que a função da arte é
injetar subjetividade no mundo tornado estéril pela onipresença do mercado. Há
algo comum a todos nós, a nossa dor, a nossa emoção. Essa obra-prima de Coutinho
nos devolve essa verdade simples.’



Luiz Carlos Merten


A verdade como um sistema de mentiras


‘Passaram-se apenas dez meses desde que A Vida dos Outros ganhou o Oscar de
melhor produção em língua estrangeira, em fevereiro. Neste curto período de
tempo – nem chegamos ao próximo Oscar -, o filme de Florian Henckel von
Donnersmarck já sofreu uma transformação. Sem perder nada de sua voltagem
crítica, ficou mais emocionante. Essa emoção redobrada passa pelo desfecho, que
o diretor pensou, talvez, como resgate de seu personagem e até como uma
homenagem a um grande ator, ao congelar a imagem no rosto de Ulrich Mühe. No
meio do ano, o ator morreu precocemente e agora aquela imagem fixa representa
outra coisa. Você já está acostumado a ver a imagem se imobilizar em homenagem a
mortos ilustres, querendo representar o curso da trajetória interrompida. Ocorre
isso, agora, em A Vida dos Outros, mas a imagem congelada possui outro
significado metafórico. Refere-se ao próprio universo abordado pela direção.


A maneira mais fácil de definir o filme de Florian Henckel von Donnersmarck
consiste em filiá-lo à vertente de 1984, a obra-prima de antecipação futurista
de George Orwell, em que ele vislumbrou, numa sociedade totalitária, o
surgimento do Grande Irmão, que tudo sabe e vê. Esse novo inquisidor tem um nome
em A Vida dos Outros. É Stasi, a polícia secreta do regime comunista, quando
ainda havia Alemanha Oriental. Von Donnersmarck abre seu filme num dia,
justamente, de 1984. Ele surpreende, em pleno trabalho, o agente interpretado
por Ulrich Mühe – seu nome é Gerd Wiesler -, que ensina a um grupo de jovens os
princípios da eterna vigilância. Suas indicações são detalhadas, sobre como
quebrar a resistência alheia. Um aluno pergunta se o método não é desumano e o
professor, sem interromper a preleção, pede seu nome e chapa, porque esse tipo
de prurido não qualifica o jovem para a função que deve desempenhar. Na cena
seguinte, Wiesler é convidado por um colega para assistir a uma representação
teatral. O autor – Georg Dreyman – é considerado o delfim do regime, alguém
acima de qualquer suspeita, mas o agente sustenta que conseguiria descobrir
alguma coisa desabonadora, se o tivesse sob observação. A curiosidade aumenta
quando surpreende a intimidade do escritor com a atriz da peça, Christa-Maria.
Logo, Wiesler estará realmente investigando o dramaturgo, pois o ministro,
interessado na atriz, quer tirar o rival do caminho.


É o nó górdio de A Vida dos Outros. Na Alemanha, ex-Oriental, todos os que
foram submetidos à vigilância (e à brutalidade) da Stasi consideraram frágil a
denúncia de Von Donnersmarck justamente porque ele não critica o aparelho, em
si, mas o seu elo corrupto, o ministro. O diretor corre o risco de sofrer a
mesma crítica feita a Orwell. Em 1985, um ano após a data profética, um artigo
na revista Political Affairs, do Partido Comunista dos EUA – Orwell: Inside the
Mith -, definiu o escritor como um pequeno-burguês que se encantou com o
trotskismo durante a Guerra Civil espanhola e passou a denunciar o stalinismo
pelo que lia nos jornais, terminando por servir mais aos interesses do Partido
Conservador britânico e do imperialismo norte-americano do que aos da classe
trabalhadora. Não existiria qualquer visão socialista em Orwell e o autor do
texto busca argumentos para sua tese de que o medo, na obra do escritor, seria
ao controle por computador, à espionagem eletrônica e à polícia secreta, não
propriamente ao regime soviético.


Seria outro equívoco – aquilo que, por volta de 1970, se chamava de
reformismo político para desqualificar diretores como Elio Petri, Damiano
Damiani ou Costa-Gavras – a denúncia do poder centrada no ministro corrupto.
Como ficção, é o recurso que deflagra o processo de conscientização de Wiesler,
que vai levá-lo a subverter o próprio método exposto na primeira cena e a
estabelecer um vínculo com o homem que investiga. De carrasco, o agente vai
virar protetor do dramaturgo. O grande mistério de A Vida dos Outros consiste
justamente em iluminar o mecanismo dessa passagem. A vida, metódica e vazia, do
policial sofre um baque com a riqueza afetiva, humana e sexual da vida do outro.
A música o emociona, as palavras o tocam. Ele vira um outro homem, um homem
bom.


A Vida dos Outros poderia cair numa idealização fácil – a bondade, como
último refúgio do humano -, se não fosse o excepcional trabalho dos atores, e de
UIrich Mühe, em especial. Existe essa máquina repressora que o filme mostra como
funcionava, mas A Vida dos Outros teria de ser um documentário, se Von
Donnersmarck quisesse tratar somente disso. O filme é uma ficção e um dos
protagonistas é um artista. Até por isso, o diretor fez um filme sobre o poder
regenerador da arte (e do cinema). No limite, tanto quanto do que se ganha, A
Vida dos Outros fala das perdas. O espectador vê duas vezes a mesma cena da
peça, ambas montadas segundo diferentes concepções, e com diferentes atrizes. Dá
para sentir a perturbação que a simples presença de outra mulher provoca no
dramaturgo. O policial ganha no reconhecimento de sua integridade uma
compensação pelo que perdeu, mas não há euforia neste final. As cores continuam
sombrias, tristes. Florian Henckel von Donnersmarck poderia ter usado a mesma
epígrafe de Orwell em 1984 – ‘A verdade é o sistema de mentira organizada no
qual se esteia a sociedade.’ E isso não tem a ver somente com a União Soviética
stalinista nem com a Stasi.’



Mariangela Alves de Lima


Diálogo de nuances entre duas gerações


‘Em 1968, sob a ditadura militar, a peça Santidade foi censurada com um veto
absoluto pelo general que ocupava a Presidência da República. Ficava proibido
encenar a primeira obra dramática de José Vicente (1945-2007), promover leituras
dramáticas, publicá-la ou sequer falar dela sob a forma de paráfrases que
permitissem compreender a estrutura narrativa e os temas contidos na peça.
Anatol Rosenfeld, um dos mais lúcidos e respeitados pensadores da cultura
brasileira, teve a coragem de defender a obra e o autor em um artigo publicado
no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo em 6 de abril de 1968. A
defesa da peça, lastreada em argumentos estéticos, invocava em primeiro lugar a
liberdade de expressão e secundariamente – embora lhe atribuindo idêntica
importância – a qualidade ética de um drama em que via a ‘expressão de uma
profunda e torturada experiência religiosa e nesse nexo mesmo a blasfêmia tem
mais significado religioso que os sinais automáticos e exteriores de uma piedade
rasa que, segundo a palavra de Kierkegaard, transforma mesmo o Deus verdadeiro
em ídolo, da mesma forma como o medo da verdade transforma a moral em
hipocrisia’.


Nas quatro décadas que se interpõem entre esse artigo citado e a encenação
dirigida por Marcelo Drummond este ano no Teatro Oficina, as refrações do prisma
giratório da cultura iluminaram de diferentes modos o problema da religiosidade
na vida contemporânea. Os dois irmãos que, em conflito dialógico, debatem
dicotomias como ascese e engajamento na vida secular e a Igreja Católica como
instituição ou como fraternidade mística, ainda refletem o movimento pendular
entre duas perspectivas apostólicas em plena vigência. Sem considerar as
oscilações históricas do mundo moderno, que ora dão a condução da Igreja no
mundo a um outro desses antagonistas ideológicos, a peça de José Vicente abstrai
as divergências doutrinárias e internaliza em cada personagem as duas vocações.
E é isso que a análise de Anatol Rosenfeld compreende de modo superior. ‘A
ficção permite a vivência, felizmente apenas imaginária, do pecado. Sem essa
vivência mental nem sequer se pode chamar um ser humano de moralmente
maduro.’


Por ser ficção e, portanto, imaginação, fantasia, suposição e experiência
vicária, a noção de ‘pecado’ na peça de José Vicente, eixo organizador das
oposições dramáticas, convida a novos investimentos de significação. Tanto a
religião quanto a sociedade estigmatizam comportamentos e pessoas de forma
mutável, de acordo com processos culturais imprevisíveis e, sendo assim, só
navega impávida o mar do tempo a ficção cujo grau de abertura comporta novas
nuances. Jovens de hoje cuja inclinação sexual e amorosa contempla o mesmo sexo
podem compreender, mas não sentir, a intensidade da rejeição que sofreram os
homossexuais antes dos anos 60 do século passado. Da mesma forma a geração que
amadureceu sob o pontificado luminoso de João XXIII mal pode conceber o
catolicismo retrógrado e socialmente conservador que o antecedeu, cepa amarga
que nos estertores finais se identificou com a ditadura militar. A força
obscurantista que povoa de demônios vingativos o coração das crianças e alicerça
no medo as autoridades cúmplices da Igreja e do Estado é algo a que o
catolicismo parece ter renunciado durante dois longos pontificados.


Por essa razão, o sentimento da exclusão, tão pungente na leitura da peça ao
tempo em que foi escrita e ainda muito forte no espetáculo dirigido por Fauzi
Arap em 1997, dilui-se dez anos depois, em um espetáculo concebido sob o emblema
da forja anárquica do Teatro Oficina. A autoconfiança quase orgulhosa de
Nicolau, o irmão que abandonou o seminário e vive à custa de um homem velho e
razoavelmente abonado, deixou de ser, no tratamento de Marcelo Drummond à
personagem, uma provocação ao pudor do que se prepara para o sacerdócio. Do
mesmo modo, a prostituição, implícita na vagabundagem do moço, adquire uma
feição quase virtuosa quando comparada à carnificina provocada pela competição
no mundo do trabalho.


O impulso dramático do espetáculo, e o que de certo modo marca a inserção no
universo contemporâneo, não é tanto a transgressão intencional, que se compraz
no avesso das convenções, mas a reivindicação de uma moral renovada onde a
própria noção de pecado fica sob exame, sujeita a nova avaliação. Por esse
motivo, a inocência fundada no idealismo romântico, na ignorância e, de um modo
geral, mantida a uma distância profilática das coisas humanas que a vida
conventual proporciona, é golpeada por sucessivos testemunhos de aventuras
‘reais’. O jovem teólogo Nicolau está no mundo para aprender o mal que só
conhece em teoria e durante uma noite de aprendizagem é convidado a pôr o dedo
na chaga. Arthur oferece relatos impudicos de aproximações sexuais perversas,
vívidas descrições da sintomatologia das doenças venéreas, memórias pungentes de
abandono infantil e humilhações.


No espetáculo, a ‘realidade’ tem a entonação e o refinamento gestual
cerimonioso que a circunscreve ao plano simbólico. Sob esse estilo flui o
contracanto – seguramente inspirado em Jean Genet – de uma personagem capaz de
faiscar a bondade nas lavras mais improváveis. Será melhor e mais forte o
sacerdote que conhece o que deve amar. Se tiver aprendido a lição seguirá pela
vereda bem definida nos sermões de Antonio Vieira: ‘Logo os homens não amam o
que cuidam. Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porque
amam as cousas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, e não
é, não o há no Mundo. Não é assim o amor de Cristo, sábio sem engano.’ E este é,
pelo menor por ora, o ânimo religioso capaz de enfrentar a carranca belicosa dos
fundamentalismos.’



Helena Katz


A primeira amostra de uma quase política


‘Na cidade de São Paulo, em 2007, a dança foi marcada pelos efeitos do
primeiro edital da sua Lei de Fomento: aumento expressivo de espetáculos – fato
que poderia ser somente celebrado, mas, dada a natureza do que foi exibido, pede
reflexão. Ao expor produtos de natureza distinta nos mesmos espaços, como que
sinalizou para as cerca de 36 mil pessoas que assistiram aos mais de 400
espetáculos realizados que todos eles se equivalem e que fomento é sinônimo de
repasse de recursos.


Os primeiros produtos dessa lei vieram a público em 2007, quando foi
realizada sua 1ª Mostra. Segundo dados da Programação de Dança da Galeria Olido,
entre 4/10 e 4/11, ocorreram 78 apresentações gratuitas, vistas por 5.722
pessoas (não contabiliza o público de 18 atividades paralelas como mostras de
vídeo e de fotos dos grupos fomentados, lançamentos de DVDs e livros, debate
sobre a lei e conversa com criadores).


A Lei de Fomento à Dança é indispensável, uma conquista histórica,
capitaneada pelo movimento Mobilização Dança, e garante verba direta do
orçamento da Prefeitura. É isso que lhe confere a possibilidade de se tornar, de
fato, um programa de políticas públicas para a dança. Mas, para isso, será
necessário não confundir o programa com instrumento de distribuição de
verba.


Segundo o site www.centrocultural.sp.gov.br/fomento_danca/fomento_faq.htm, ‘o
objetivo é estimular a continuidade dos trabalhos e auxiliar na difusão da
produção artística paulistana’. Ou seja, produção e difusão estão reunidas de
forma inespecífica e não está claramente definido o que se entende por ‘produção
artística paulistana’. Isso significa que podem fazer parte, sem nichos
específicos que abriguem necessidades distintas, tanto grupos jovens quanto os
de longa carreira povoada por trabalhos descontínuos. Todos devem mesmo ser
fomentados, mas cada qual demanda um tipo próprio de fomento.


Assumir-se como um programa implica identificar com muita acuidade o que se
entende por fomento, o que deve ser fomentado, como isso deve acontecer, por
quanto tempo e com quais formas de avaliação. Esses entendimentos, então, são
traduzidos em uma plataforma capaz de abrigar o atendimento das especificidades.
O edital surge depois, pois não passa do instrumento legal que permitirá a
execução da(s) plataforma(s) proposta(s) pelo programa. Só assim editais podem
deixar o formato generalista.


Mas há uma boa notícia no horizonte: Iracity Cardoso, assessora e curadora de
dança da Secretaria Municipal de Cultura, informou que as reuniões para o
aprimoramento do próximo edital já estão adiantadas. Confirma que vêm sendo
levados em conta tanto os relatórios das comissões julgadoras envolvidas nos
três editais quanto o das duas profissionais que foram contratadas para elaborar
uma análise crítica do programa. Vale torcer para que quatro tópicos não sejam
esquecidos: a necessidade de definir o conceito de ‘núcleo artístico’ que
norteia os editais; a urgência em incorporar instrumentos oficiais de
acompanhamento e avaliação dos selecionados; a rediscussão do conceito de
‘contrapartida social’ que tem obrigado artistas a se travestirem de educadores
do terceiro setor; e a questão da gratuidade dos espetáculos.


Vivemos, segundo Gilles Lipovetsky, na sociedade de hiperconsumismo. Como, em
um ambiente assim, se lida com o fato de espetáculos de dança serem oferecidos
de graça? Dizer à população que não é necessário pagar para assistir dança, em
vez de instituir preços subsidiados, talvez carregue um potencial deseducativo
nublando uma compreensão fundamental: a de que aquela é uma atividade
profissional e, quem a desempenha, vive dela.


Já foram realizados três editais e o quarto deve ser anunciado no início de
2008. No primeiro (2006), com dotação de R$ 2 milhões, foram premiados 14 entre
32 inscritos. Nos dois seguintes, em 2007, foram repassados, respectivamente, R$
2 milhões (março) e R$ 1,5 milhão (agosto). A Galeria Olido reabre dia 25 de
janeiro com uma programação com os selecionados do segundo e do terceiro editais
(24 trabalhos) e ainda estuda o formato da 2ª Mostra. A injeção desse montante
na produção de dança da cidade traria mesmo mudanças no seu cenário. O que se
coloca agora é a necessidade de refinar o modo como as mudanças devem ser
conduzidas, para que se transformem em uma conquista política mais definida e
clara.’



Lauro Lisboa Garcia


Onde brilham os olhos de Fernanda


‘O fato de o Brasil produzir cantoras indistintamente contribui para que todo
balanço se incline para o lado delas. Para o bem e para o mal. Em 2007, tanto na
produção interna como entre o que veio de fora em forma de CD ou show (vide Amy
Winehouse, Feist, Björk, Joanna Newsom, Cat Power), elas dominaram mais uma vez
a cena. Não apenas pela diversificação das atividades, nem tampouco pelo volume
de trabalho, mas pela contribuição progressista, ainda que despretensiosamente,
Fernanda Takai merece destaque. Difícil eleger seu trabalho entre tantos outros
bons realizados em diversos vertentes da música pop brasileira, mas já conta a
favor o fato de ela ter feito bem tudo a que se propôs.


A propósito, adverte no título de seu livro recém-lançado: Nunca Subestime
uma Mulherzinha (Panda Books). Trata-se de uma compilação de crônicas em que
Fernanda reflete sobre a vida pessoal e lança olhares mais amplos sobre o
universo feminino. A sutileza e a meiguice que a caracterizam não devem ser
confundidas com fragilidade. Afinal, foi uma atitude arrojada realizar em seu
primeiro trabalho-solo um tributo a Nara Leão que mantém o respeito, mas sem
abaixar a cabeça. À parte os predicados em comum (como a delicadeza no canto e
na conduta, a colaboração de Nelson Motta, a visão abrangente e tropicalista da
música), Fernanda revestiu o repertório que já foi de Nara com as cores pop de
sua formação em Onde Brilhem os Olhos Seus (Do Brasil Música).


Chamada por Motta de ‘Nara Leão do pop-rock’, Fernanda fez uma prévia do
projeto num desfile do estilista Ronaldo Fraga. Foi um espanto maior do que o
previsto. Pinçando canções marcantes e outras menos evidentes de todas as fases
da musa da bossa nova, ela revirou até Lindonéia (Caetano Veloso/Gilberto Gil),
clássico da Tropicália que só Nara tinha registrado. É a única faixa do CD com
arranjo mais próximo do original. No mais, é uma surpresa atrás da outra, em
que, compensando deficiências de brasilidade, choro vira dixieland, samba se
transforma em balada pop, baião casa com tecno, Nelson Cavaquinho encontra James
Bond.


Como front-woman do Pato Fu, longe já se vão as comparações com outra
tropicalista, a Rita Lee dos Mutantes, pela irreverência, pelo liberalismo
sonoro, pela sagacidade das letras, sem medo de ser feliz. Prioridade na
carreira da cantora e compositora, o grupo se dá o luxo de mudar de pista a cada
CD, sem soar incoerente. Com Daqui pro Futuro (Rotomusic) não foi diferente.
Partilhando idéias com John Ulhoa, Lulu Camargo, Ricardo Koctus e Xande
Tamietti, Fernanda se permitiu uma gama de experimentações com rock e
eletrônica, retocou um clássico de Siouxsie & the Banshees (Cities in Dust),
convidou a colombiana Andrea Echeverri, do grupo Aterciopelados, para compor e
cantar com eles.


No processo de amadurecimento, o grupo deixou de brincar com eletrônica ‘pra
chocar’ e integrou essas texturas ‘à parte humana’, aprimorando a organização
das camadas sonoras. O resultado, naturalmente, reverbera em Onde Brilhem os
Olhos Seus. Quando os Mutantes se viram diante de um irresistível ‘brinquedo
novo’, que foi a criação do Estúdio Eldorado, com inéditos 16 canais de
gravação, driblaram o esquema da gravadora Philips, que não permitia o
lançamento de mais de um disco no mesmo ano; e realizaram Hoje É o Primeiro Dia
do Resto da Sua Vida (1972), disfarçado de primeiro álbum-solo de Rita Lee.


Donos do próprio destino, os integrantes do Pato Fu não precisaram dissimular
nada, mas o tributo de Fernanda a Nara pode sim ser entendido como um projeto
paralelo da banda. Tanto é que nas entrevistas para falar do CD, Fernanda sempre
se referia a ‘nós’, já que, além de contar com a direção artística de Nelson
Motta, ela fez tudo em parceria com Lulu Camargo e John Ulhoa. Seus colegas de
banda tocaram diversos instrumentos e dividiram arranjos. Especulações a
respeito de uma provável carreira-solo foram negadas por ela: ‘O Pato Fu não
acabou’. Melhor para o pop brasileiro que continue a ter Fernanda Takai em
dobro.’



Jotabê Medeiros


Apenas 375 pessoas viram o melhor show da temporada


‘Era uma noite quente, dia 3 de outubro, e dava pra ver de longe as canecas
de chope transbordando nas mesas dos bares da Avenida Luiz Dumont Vilares, em
Santana, zona norte de São Paulo. É ali que fica o Sesc Santana, uma dessas
ilhas de civilização encravadas no meio da metrópole apressada. As 375 pessoas
que lotariam o auditório do Sesc chegavam sem pressa, sentavam-se na mureta ou
iam se espalhando pelo prédio (os que chegamos mais cedo aproveitamos para tomar
o fumegante caldo verde com uma taça de vinho na cantina). Todo mundo ali para
ver aquele que seria o mais impressionante show do ano em São Paulo.


Era uma jornada dupla na programação, um projeto batizado como Solitude.
Abriu a noite a doce canadense Wendy McNeill, de vestido vermelho com bolinhas
amarelas, tocando um acordeão pelo qual tomou gosto (ganhou o instrumento de um
clown francês), violão e laptop.


Depois, foi a vez da mulher que nos deixaria com os olhos estatelados por
muito tempo ainda naquela noite, muito tempo depois de encerrado seu show de uma
hora e meia: a californiana Joanna Newsom, cantora e harpista de 25 anos que,
com apenas dois discos, conseguiu tornar-se assombrosa no mundo todo.


Joanna é bem bonita. Quando ela canta, a boca entorta de maneira infantil,
como de menina mimada, para o lado direito. Vestia-se de maneira excêntrica,
vestidinho vintage de listas verticais, punhos dobrados quase na altura dos
cotovelos e botinha de salto mais gordinho. Lembrava uma sobrinha de algum
pastor puritano, daqueles que queimavam bruxas em Salem. Também parecia
descuidadamente sexy – deixava o vestidinho cuidadosamente aberto na frente, e
dava até para ver a meia-calça preta.


Mas essa era apenas a crosta da menina que ajustava a harpa em torno dos
braços, com o cabelo loiro longo penteado diligentemente de ladinho. Ela e sua
harpa parecem de tal forma integradas que tudo que aconteceu depois ficou
impresso na memória com trilha sonora. Ela soltou a voz, e tem uma voz! Imensa,
mas que parece de menininha. Só que daí ela vai modulando e a gente percebe que
alcança um espectro muito amplo, e de vez em quando ela canta mais alto, e solta
uns sons que não parecem sair de uma garganta humana. Era possível afirmar
peremptoriamente, já na primeira canção: não há nada parecido com essa cantora
no momento. Não é que ela seja ‘a melhor’, mas é certamente inigualável.


Joanna Newsom só tem dois discos, The Milk-Eyed Mender (2004) e Ys (2006).
Neste último, ela conta com arranjos orquestrais de uma lenda da música pop
mundial, Van Dyke Parks, mais conhecido como ‘o homem que fez as orquestrações
de Smile, o clássico álbum perdido de Brian Wilson, dos Beach Boys’. E a
produção é de Steve Albini e Jim O?Rourke (que trabalharam com Nirvana, PJ
Harvey e Sonic Youth).


Freqüentemente comparada a Tori Amos, ou Cat Power, ou ainda mais a Björk,
ela se incomoda com as comparações (na verdade, naquela noite, parecia muito
mais próxima de uma escola de cantoras mais remota, do tipo Bonnie Tyler).


Joanna considera Björk ligada a uma noção ‘old fashion’ de cultura. Mas e o
que dizer de Joanna? Por exemplo: o título do seu disco Ys (pronuncia-se iis) é
uma referência a uma ilha da mitologia bretã. Havia uma cidade na ilha, cercada
por uma muralha, que teria sido engolida pelas águas e está sob o mar.


Joanna é obsessiva. Para convencer Van Dyke Parks a trabalhar com ela, enviou
a ele um manifesto com 30 páginas cheias de adjetivos. Sua lírica também é muito
doida. Ela explica suas canções de forma muito particular, como uma tentativa de
organizar os próprios acontecimentos de sua vida durante um ano inteiro.


‘Houve uma morte, e isso foi muito, muito duro para mim. Exploro uma gama de
tendências humanas em reação à morte e à perda, no meio das quais há a
decadência. Uso coisas animais, uma específica invocação da vida relacionada à
agricultura e à produção de comida, segurança e fecundidade, e à abundância e
falta de água. Água é crucial no meu disco. Emergir e afogar-se são coisas
importantes.’


Voltando ao show do Sesc Santana, era possível dizer que havia uma dose
altíssima de excentricidade ali entre as modulações vocais de Joanna. Depois que
tudo terminou, ela não ficou mais do que 5 segundos agradecendo ao público,
depois se despediu nervosamente (o sorriso dela sempre parece nervoso) e sumiu
nas coxias. E só voltou porque a platéia aplaudia ensurdecedoramente.


Então, tocou mais uma. Outra garota na platéia pediu alto Sprout & the
Bean, o seu maior hit, mas ela nem piscou e acabou tocando Peach, Plum, Pear
(como diria em dezembro, no Ibirapuera, Antony, de Antony & the Johnsons:
‘Obrigado por conhecerem minhas músicas’, ironizando a audiência, já de saco
cheio dos pedidos da platéia em todo o mundo).


Joanna Newsom tampouco se fia na bajulação de uma platéia, na tal de
‘aclamação popular’. Apesar da pouca idade, ela parece já saber que é preciso
manter o foco, atentar para o essencial. Em algum momento, seu comportamento
obsessivo e meio misantropo, arredio, lembra um tanto Bob Dylan (não por acaso,
uma das canções novas que ela cantou tinha uns 10 minutos de duração, mais
comprida do que Hurricane, de Dylan).


Como uma das meninas fotografadas pelo Lewis Carroll, uma Alice daquelas, ela
parece viver num universo paralelo, com suas canções que formam paisagens
sonoras. E deve ter estudado aquele seu instrumento louco de maneira exacerbada,
porque sabe tocá-lo com imensa facilidade. Os dedos parecem virar uma névoa nas
cordas, de tão rápido que tocam (quem a botou para estudar isso? a mãe? será que
foi obrigada?).


Claro, deve ter alguém que achou enfadonho, porque ela não tinha banda,
estava sozinha com a harpa no meio do palco. Mas foi o melhor show do ano. No
dia seguinte, ela perderia o vôo para Buenos Aires e ficaria um dia a mais em
São Paulo, e parece que andou passeando por aqui à toa. Quem sabe o que esse
tipo de experiência não vai causar naquela cabecinha dourada?’



Marco Giannotti


Novas conexões, novos significados


‘Ao fazer um retrospecto do que houve de mais relevante em artes plásticas
este ano na cidade a exposição do artista alemão Kurt Schwitters (1887- 1948) na
Pinacoteca do Estado foi a que mais me marcou. Sempre tive o sonho de ver a
reconstrução da Merzbau (Construção Merz), obra que o artista considera como
síntese de seu projeto de vida; é raro poder acompanhar a trajetória de um
artista como nesta exposição, que culmina justamente com um fragmento da
Merzbau. Talvez não esteja fazendo justiça com a retrospectiva de Volpi no Museu
de Arte Moderna de São Paulo, embora considere que seria vital divulgar a obra
deste nosso grande artista alhures. Se o mundo está ficando mais globalizado, no
entanto, acho que devemos louvar a iniciativa de instituições que buscam um
maior intercâmbio com o que acontece lá fora. A última mostra relevante de
Schwitters em São Paulo foi na Bienal de São Paulo de 1961. Sua participação
naquela Bienal foi decisiva, pois contribuiu para consolidar a carreira de um
artista que teve que sair foragido da Alemanha em 1937, durante a exposição da
arte degenerada promovida pelos nazistas, da qual fazia parte. Neste sentido, a
Bienal desempenhou seu papel histórico de não só sustentar a arte de vanguarda,
como também de trazer para o grande público obras desta natureza. Ao ler as
considerações que Hélio Oiticica fez em 1962 a respeito deste artista, presentes
no catálogo desta exposição, suponho que tenha visto esta Bienal, o que
contribuiu em muito para o seu desenvolvimento como artista. Da mesma forma, as
mostras promovidas por galeristas americanos, após a 2ª Guerra guerra, foram
decisivas para que os jovens artistas pop americanos encontrassem novos
parâmetros para a arte depois do Expressionismo Abstrato.


A obra de Schwitters surge eminentemente após a 1ª Guerra Mundial, quando as
cidades destruídas se transformam em um campo livre de signos e objetos
expostos, uma massa amorfa de imagens desconexas. Entretanto, Schwitters foi
capaz de unir o que houve de mais significativo da vanguarda: a colagem do
Cubismo Sintético com as experimentações fonéticas do Futurismo, a irreverência
Dadaísta com a experiência construtiva do de Stijl. E, no entanto, fez o
movimento de um homem só. Escolheu um fragmento da palavra Kommerzbank (Banco do
Comércio) para si, o termo Merz.


A utilização da técnica da colagem foi crucial para este artista. A partir de
1918, rompe com a pintura com resquícios naturalistas e parte para um novo mundo
onde a visão passa a ser entendida não mais como registro de uma impressão, mas
como processo cognoscitivo mediado pela cultura, pela palavra, pela memória.
Cores e formas são entendidas como uma operação construtiva que se distancia de
um referente visual previamente estabelecido, tornando-se essencialmente uma
operação mental que se recria a cada instante. A pesquisa se amplia para o
horizonte de novos materiais até então alheios à prática artística: jornais,
bilhetes, resíduos de papéis impressos, embalagens etc. O artista passa a
agenciar imagens criadas neste mundo, em vez de projetar espaços virtuais. Neste
sentido, utilizar uma imagem original ou uma reprodução da mesma imagem é
indiferente. O que importa é estabelecer novas conexões entre estas imagens a
fim de construir um novo significado. Schwitters antecipa o mundo em que
vivemos, onde as imagens podem ser totalmente transformadas pelos comandos de um
computador.


Se para a vanguarda separação entre o mundo da alta cultura e o mundo comum
tende a se diluir, Shwitters procura reconstruir o mundo do pós-guerra com o que
estava disponível. Projeta o mundo a sua volta desempenhando várias atividades
simultâneas. Além das colagens primorosas, escreve um poema que se tornou
célebre ao ser exposto como um cartaz na cidade, An Anna Blume (À Ana Flor),
feito a partir de fragmentos escritos diversos. Compõe a Ursonate, a sonata
primordial feita de sons primitivos que planejava tocar no rádio. Procura
conciliar a arte com a publicidade ao implementar um novo design visual. Realiza
performances dadaístas que visam questionar a ordem baseada na razão
mecanicista. Mas o sonho da vanguarda de unir arte e política aos poucos se
esvai, à medida em que o projeto de programar uma nova sociedade a partir da
arte encontra a resistência da política conservadora que se consolida na
Alemanha a partir da década de 30. Kurt Schwitters se distancia da militância
política dadaísta. Seu único refugio é a Merzbau, lugar de resistência da
vanguarda. Durante 14 anos, de 1923 a 1937, transforma o espaço da sua casa em
um espaço livre para experimentação, reúne objetos encontrados ao acaso,
relíquias, homenagens a artistas e companheiros. Aos poucos, constrói uma
catedral como um artesão – um monumento feito por várias mãos. Poucas obras
conseguiram reunir em um espaço único a sublimação erótica do Surrealismo com a
linguagem formal abstracionista. Sua atualidade é visível nos projetos
arquitetônicos atuais que almejam uma poética da desconstrução. Schwitters
incorporou como poucos o projeto romântico de uma obra total, neste caso feita a
partir de escombros.


Foragido na Noruega, realiza belas paisagens que aparentemente nada tem a ver
com abstração. Contudo, um olhar mais atento sobre elas revela uma natureza
feita de tinta, impressões fragmentadas calcadas na tela. Não há mais a
possibilidade de pintar o sublime. Schwitters procura criar uma nova obra total
em seu exílio na Noruega, mas é obrigado novamente a se refugiar na Inglaterra
com a invasão alemã. Encontra antes de morrer um último refugio, um celeiro, no
interior da Inglaterra onde planeja uma ultima intervenção, a Merzbarn, que
permanece inacabada com sua morte em 1948.


Poucas exposições são capazes de mostrar os fragmentos que reunidos fazem uma
vida. Ao invés de nos depararmos com textos explicativos, pudemos nesta
exposição da Pinacoteca enfrentar o enigma das obras. Em um mundo onde as
ideologias parecem se desmanchar no ar, a arte tende a perder sua dimensão
utópica. Os limites da arte e da vida de fato parecem cada vez mais se extinguir
se não encontrarmos certas medidas para refletir sobre a especificidade da
atividade artística. Schwitters é uma referência obrigatória para os artistas
contemporâneos que se deparam com este novo mundo imagético. A partir dos anos
60, há uma reviravolta na maneira como a obra interage com o observador. Se
durante o modernismo as obras parecem ser auto-suficientes e revelam a presença
de um sujeito criador, surge neste período um ‘novo modelo de sujeito, não
transcendente, entrópico, dividido e descentralizado’. Schwitters nos ensina a
ver como as reproduções podem fazer parte de uma poética . Cada sala continha
obras significativas deste percurso. E o espectador era convidado a fazer parte
desta aventura.


Marco Giannotti é pintor e professor do Departamento de Artes Plásticas da
USP’



João Marcos Coelho


Nova York, Londres, Berlim? Não, surpresa veio de Caracas


‘O maior acontecimento de 2008 no domínio da música erudita não teve origem
em Paris, Berlim, Londres ou Nova York. Veio da Venezuela. O chamado ‘Sistema’,
que há 32 anos espalha orquestras infantis e juvenis por todo o país por
iniciativa do maestro José Antonio Abreu, envolvendo 300 mil crianças e
adolescentes, fechou um círculo virtuoso que o coloca no degrau mais alto do
pódio da música no planeta. Vejamos: o jovem maestro Gustavo Dudamel, de 26 anos
– produto direto do Sistema e afilhado de Simon Rattle, Cláudio Abbado e Daniel
Barenboim -, assume a direção artística da Filarmônica de Los Angeles e estréia
na mais seleta das gravadoras clássicas, a Deutsche Grammophon, com dois CDs de
arrepiar com leituras de duas quintas sinfonias emblemáticas, a de Beethoven e a
de Mahler. Sempre com a Orquestra Simón Bolívar.


O ritmo de divulgação das três notícias parece orquestrado. No final do
primeiro semestre, foi anunciada sua nomeação em Los Angeles; em agosto, o CD
com Beethoven, ao mesmo tempo em que Dudamel estreava no Proms, em Londres; em
outubro, o CD com a Quinta de Mahler; e, em novembro, sua estréia à frente da
Filarmônica de Nova York. Mais, porém, do que discutir as qualidades evidentes
do jovem Dudamel, é importante refletir sobre as causas que levam um projeto de
Terceiro Mundo como o ‘Sistema’ a ser tão elogiado pelo Primeiro Mundo.


Praticamente todos os nomes ilustres que comandam as engrenagens da música
clássica no Primeiro Mundo foram convidadas a visitar Caracas e conhecer o
Sistema. A listagem vai de Rattle a Abbado, de Barenboim a Zubin Mehta. E passa
até por compositores contemporâneos, como John Adams. Ele assistiu a uma
interpretação da Segunda de Mahler pela orquestra jovem Simon Bolívar que
considerou ‘eletrizante’ e compara Dudamel a Leonard Bernstein. Diz, no entanto,
que viu execuções tão apaixonantes com a Orquestra Jovem de San Francisco ou com
a orquestra formada pelos alunos da Universidade de Yale.


Com certeza, apaziguam-se as más consciências do Primeiro Mundo ao
‘apadrinhar’ um projeto de Terceiro Mundo que consegue tirar crianças e
adolescentes da miséria e da marginalidade e encaminhá-las para a arte. É
bonito, é louvável, é social e politicamente correto. Mas não inteiramente
verdadeiro. O Sistema só atrai as atenções internacionais por causa da chamada
‘cor local’. E isso só reforça, infelizmente, a discriminação. O que Jorge Luis
Borges escreveu sobre os escritores cabe bem para todos os músicos
latino-americanos: ‘O culto argentino da ?cor local? é um fenômeno europeu
recente que os nacionalistas deveriam rejeitar por seu caráter estrangeiro’.


Não se pode, claro, menosprezar as conquistas do Sistema, que, aliás, é uma
criação anterior à era Hugo Chávez e sobrevive com as benesses do governo hoje
porque se transformou numa importante peça de propaganda. Em outras palavras,
Abreu, que já foi ministro da Cultura na Venezuela, é hábil para fazer
sobreviver seu projeto, adaptando-o ao figurino político da ocasião. Abreu só
faz o que se faz historicamente na América Latina em termos musicais. Somos
medidos, avaliados e chancelados pela régua européia. Tudo que não cabe neste
figurino é reprimido. Como, aliás, na famosa lenda mitológica grega de Procusto,
que usava o mesmo leito para colocar deitadas suas vítimas, cortando ou
esticando as suas pernas se fossem grandes ou pequenas demais para a
cama-padrão. Procurei, por e-mail, mais de uma dezena de compositores
contemporâneos para saber deles qual o lugar que ocupa a música atual, viva, no
Sistema. Foram consultados Juan Francisco Sans, Alfredo Rugeles (diretor da
Orquestra Sinfônica Simón Bolívar, do Sistema), Diana Arismendi, Adina Izarra,
Miguel Noya, Jacky Schreiber, Juan de Dios López, Agapito Galán e Josefina
Benedetti. Apenas esta última respondeu às questões e enviou um CD com sua obra
eletroacústica, Impresiones Sônicas, que traz na capa a compositora amordaçada e
composições que combinam sons de comícios, distúrbios e outros eventos políticos
em Caracas (informações no site www.josefinabenedetti.net).


Benedetti tem posições políticas claras. Não apenas as verbaliza como
constrói toda a sua música atual em cima de uma agenda política de oposição a
Chávez. ‘O Sistema nos beneficia muito pouco. Há muito pouca programação de
música venezuelana’. Para Benedetti, o ponto forte do Sistema é seu caráter de
‘obra social’. O ponto fraco é que ‘apesar de contar com várias orquestras
profissionais excelentes em todo o país, é inexplicável não ter aproveitado até
agora esta plataforma para incentivar a composição’.


Voltamos ao leito de Procusto, evocado por Malena Kuss, pesquisadora
argentina radicada nos EUA, no prólogo de Music in Latin America: ‘São os
discursos, e não a prática, que forçaram a experiência histórica e a exuberante
criatividade latino-americanas a deitar-se num leito de Procusto cujas
implicações ainda precisam ser exorcizadas’. Por incrível que pareça, desde
Carlos Gomes até a primeira metade do século 20, costumávamos exportar
compositores. Agora, países como Venezuela, Argentina, Brasil e os demais
latino-americanos terão que se contentar em funcionar como criadouros de grandes
talentos cada vez mais precocemente detectado e arrancados de seus países. A
menos que viremos o jogo, saltemos desta cruel cama-padrão europeu. O Sistema
venezuelano acaba de provar que pode-se virar qualquer tipo de jogo nas
artes.’



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O Estado de S. Paulo – 1


O Estado de S. Paulo – 2


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