Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

TECNOLOGIA & MÍDIA
Ethevaldo Siqueira

TV de alta definição dá show em Las Vegas

‘Durante quatro dias, as filas para assistir à demonstração da mais avançada tecnologia de alta definição – a Ultra High Definition Television (UHDTV) – chegam a centenas de pessoas. Na sala de projeção, muitos dizem não acreditar no que seus olhos vêem.

Criada pelos pesquisadores da NHK, a Corporação Estatal de TV do Japão, a UHDTV foi apenas uma das inovações de impacto da NAB 2007, feira e congresso patrocinados pela Associação Norte-Americana dos Radiodifusores, cuja sigla em inglês é NAB, sigla de National Association of Broadcasters. (Leia mais sobre Ultra High Definition na coluna de Ethevaldo Siqueira, na página B9)

É difícil dizer qual foi a segunda maior atração da NAB 2007, tal o número de inovações. Embora não tenham o mesmo impacto da UHDTV, essas novidades são desdobramentos interessantes de tecnologias que já existem há alguns anos, como é o caso da TV com protocolo IP (IPTV), dos DVDs de alta definição recém-lançados no mundo e das técnicas de compressão digital.

Com a disseminação da TV digital nos Estados Unidos e na Europa, era previsível que a NAB 2007 mostrasse uma incontável lista de produtos de alta definição (1.080 linhas), como realmente aconteceu, incluindo monitores de cristal líquido (LCD, liquid crystal display) de 32, 42 e 50 polegadas de diagonal, e ainda maiores, de plasma. Esses novos monitores são um encanto para os olhos.

Um fato curioso que tem interesse para outros países – inclusive o Brasil – é a experiência americana de transição da TV analógica para a TV digital. Depois de 9 anos da introdução da TV digital nos Estados Unidos, a maioria das emissoras abertas já transmite na nova tecnologia. E, conforme lei federal, o sinal analógico das emissoras será interrompido em menos de dois anos: em 17 de fevereiro de 2009. Mas essa data talvez seja postergada para 2011, pois, até aqui, apenas 30% dos domicílios americanos contam com receptor digital e televisor de alta definição. Os restantes 70% terão de migrar para a tecnologia digital em 22 meses.

As imagens de HDTV, no entanto, já estão presentes em diversos canais de TV a cabo e por assinatura – que atendem a 87% dos domicílios americanos. Outro fator que torna mais lenta a disseminação da TV digital nos Estados Unidos é a chegada dos DVDs de alta definição. Milhões deverão preferir ver seus filmes nesses novos DVDs do que nos canais abertos.

Com o lançamento mundial dos formatos Blu-ray Disc e HD-DVD, ocorrido no final de 2006 e no começo de 2007, a alta definição começa a invadir lentamente os home theaters mais sofisticados. Segundo analistas de mercado, a decolagem das vendas ainda não ocorreu porque o número de títulos de filmes e conteúdos ainda é relativamente pequeno.

CÂMERAS-ROBÔS

Como não poderia deixar de ser, os processos de automação estão cada dia mais presentes nas emissoras de TV, como em toda a indústria do audiovisual. Esses novos recursos visam, acima de tudo, a aumentar a velocidade e a produtividade em todas as fases da produção de programas.

Um dos exemplos mais curiosos é o das câmeras-robôs, como demonstrou a empresa Vinten, sugerindo que o uso desses equipamentos dá muito maior precisão de movimentos e de focos do que as câmeras movimentadas manualmente. Quem não deve ter gostado do avanço são os operadores de câmeras (cameramen).

Na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, além das câmeras controladas remotamente por operadores, foram utilizadas as primeiras câmeras-robôs suspensas sobre o campo de futebol, orientadas exclusivamente por chips colocados dentro das bolas. Desse modo, o diretor de TV sempre tinha um ângulo exclusivo para mostrar aos telespectadores.’

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Agora a robotização chega aos estúdios

‘A NAB era até há poucos anos um evento voltado basicamente para o rádio e a TV aberta. Hoje, no entanto, abrange todas as formas de comunicação eletrônica e é considerado o maior show de imagens digitais e multimídia do mundo.

Essa mudança é mais um exemplo do processo de convergência digital. Essa transformação ocorre também com empresas consideradas de outras áreas – como IBM, Intel, Microsoft, HP e Apple – que hoje têm forte presença na área de conteúdo e entretenimento. A Apple, por exemplo, reuniu mais de 3 mil pessoas num auditório no Hotel Venetian para anunciar seus lançamentos na área de produção, edição e acabamento de vídeo e de som surround.

Uma das áreas de maior interesse para os usuários é a da compressão digital. O mundo vive, aliás, uma revolução tecnológica em curso nessa área. O exemplo mais conhecido talvez seja o do MP3 (forma reduzida de MPEG 3). Com essa técnica de compressão, podemos armazenar mais de dez horas de música num único CD, com a melhor qualidade digital.

Vantagens semelhantes estão surgindo com o armazenamento e a transmissão de imagens de televisão, de modo a melhorar sensivelmente o contraste, o brilho, a qualidade das cores, economizando a faixa de freqüência durante a transmissão e reduzindo o espaço ocupado nos meios de armazenamento.’

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IPTV, um novo caminho

‘Da mesma forma que o protocolo da internet invadiu o mundo das telecomunicações, com a tecnologia de voz sobre IP (VoIP), invade agora o mundo das comunicações visuais. Um dos grandes temas da NAB 2007 é exatamente o da televisão com protocolo IP, conhecida pela sigla IPTV. Quando se utiliza transmissão aberta de sinal de televisão IPTV, consome-se apenas 20% do espectro de freqüência, que é um bem escasso, precioso e limitado na sociedade moderna.

Grandes empresas de software e de soluções de serviços já estão preparadas para fornecer tecnologia e soluções de IPTV, inclusive no Brasil. Falta, no entanto, legislação e apoio regulatório. A maior vantagem prática da IPTV é poder ser transmitida a qualquer ponto do planeta, com qualidade crescente. Na verdade, até as imagens de alta definição poderão em breve ser transmitidas via web, desde que se utilize a velocidade adequada ou a banda larga exigida.

Outra forma de transmissão da IPTV é por linha telefônica. Essa possibilidade tem atraído o interesse das concessionárias de telefonia. A Brasil Telecom, por exemplo, já faz experiências com a transmissão. Para alguns especialistas, o que falta para tornar a IPTV realidade mundial é a universalização da banda larga.

Televisão e vídeo na internet foram assuntos polêmicos da NAB 2007. O que torna o assunto explosivo é a ameaça da internet à televisão em geral. Como recordaram vários debatedores, o assunto mais discutido entre as inovações ameaçadoras, em 2006, foi o YouTube. A próxima grande ameaça parece ser o Joost, TV via internet anunciada pelo dinamarquês Janus Friis e o sueco Niklas Zennström, fundadores do Kazaa e do Skype.’

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O mundo mágico da Ultra High Definition TV

‘Imagine uma tela de televisão com 11 metros de diagonal e imagens 16 vezes mais nítidas do que as atuais de alta definição (HDTV). Não é ficção. Essa televisão já existe e tem o nome de Ultra High Definition TV (U-HDTV). Todos os que viram suas demonstrações na NAB 2007, em Las Vegas, na semana passada, puderam comprovar sua qualidade, muito superior à de qualquer outra imagem eletrônica. Daí o nome Ultra High Definition.

Criada pela NHK, Corporação de Televisão Estatal do Japão, a U-HDTV é a única formada por 32 milhões de pixels e a permitir imagens de alta qualidade em telas gigantes. Outras tecnologias e projetos competidores não alcançam nem suas dimensões nem sua nitidez.

As imagens da U-HDTV nos dão uma sensação jamais experimentada diante de outras formas de comunicação eletrônica. Por isso, suas demonstrações produziram impacto em todos os que conseguiram um lugar na sala de projeção, no evento de Las Vegas.

Hirokazu Nishiyama, diretor da NHK e um dos responsáveis pelo desenvolvimento da U-HDTV, disse em entrevista exclusiva ao Estado que o maior objetivo desse projeto é ‘criar no espectador a sensação de estar lá, imerso na própria cena’. Por outras palavras, ele cunha uma nova expressão para definir a nova U-HDTV: Tele Sense.

Em boa medida, esse objetivo está sendo alcançado. Ao contemplar as cenas tomadas por uma câmera localizada num balão sobre uma das mais belas praias do sul do Japão, o espectador tem impressão de estar voando numa asa delta.

OS NÚMEROS

As imagens da U-HDTV são formadas por 4.320 linhas de 7.680 pixels, o que dá um total de 32 milhões de pixels. Para se ter uma idéia do avanço que ela significa, vale lembrar que a televisão de alta definição de hoje (HDTV) tem 1.080 x 1.920 pixels, ou seja, cerca de 2 milhões de pixels. São, portanto, 16 vezes mais pixels ou informação visual em suas imagens.

O som multicanal de 24 canais (22.2) é o mais realista e envolvente já produzido pela tecnologia de áudio. Basta lembrar que o som surround dos melhores home theaters tem seis canais (5.1). Quanto maior a riqueza dos sons, maior é a emoção transmitida pela imagem. Assim, as imagens da floresta tropical, com a multiplicidade de sons de araras, insetos, macacos e animais de grande porte,nos transportam para a própria floresta.

Um concerto sinfônico ou um show de música popular ganha realismo inusitado. Uma partida de futebol proporciona ao torcedor melhor visão de detalhes do que se ele estivesse no estádio. ‘É algo como estar lá. É isso que eu chamo de tele sense’, diz Nishiyama.

Mas a U-HDTV se destina a grandes espetáculos e usos profissionais e não a substituir a TV digital doméstica de 1.080 pixels de nossos dias – concebida para telas menores e pequenos ambientes. Suas imagens, se ampliadas em monitores com mais de 3 metros de diagonal, perdem qualidade e tornam visíveis os pixels que formam as imagens.

As imagens de alto padrão da U-HDTV são ideais para apresentações e grandes auditórios, para seminários, conferências, palestras científicas ou mesmo aulas especiais na universidade ou nos cursos de segundo grau.

Com elas, as apresentações públicas ganharão novo padrão de qualidade e de beleza. Em auditórios especiais, os espectadores poderão assistir a quaisquer shows esportivos, nacionais ou internacionais – como as corridas de Fórmula 1, as Olimpíadas ou a Copa do Mundo – abrindo perspectivas para novos empreendimentos na área de lazer e entretenimento.

Com imagens de tão alta qualidade, os shows artísticos ou os concertos poderão atrair muito mais pessoas, por preços muito menores e com a sensação muito mais próxima da presença da orquestra, dos artistas ou dos regentes famosos.

Nishiyama explica: ‘Por tudo isso, não duvide do potencial da U-HDTV. O mundo tem assistido à evolução conjunta das tecnologias digitais e das telecomunicações, proporcionando coisas que eram impensáveis há apenas 10 anos. Quem levaria a sério lá por 1997 a possibilidade de transmissão de imagens digitais de alta qualidade para as telas de celulares, que se torna realidade em 2007?’

Os cientistas da NHK trabalham agora no desenvolvimento de sistemas de armazenamento de conteúdos com a qualidade exigida pela nova tecnologia, bem como de câmeras de alta velocidade e grande sensibilidade, que operam até a uma velocidade de 1 milhão de quadros (frames) por segundo, ‘para que a U-HDTV possa ser levada a qualquer pessoa, em qualquer lugar e a qualquer hora, para projeções de grandes dimensões, como uma alternativa ao cinema digital, shows especiais, espetáculos de arte visual, treinamento, apresentações educativas, científicas e outras’, diz Nishiyama.’

RÁDIOS COMUNITÁRIAS
O Estado de S. Paulo

Grupo invade emissora para ler comunicado

‘Setenta pessoas invadiram a Rádio São Roque e interromperam a programação para ler um comunicado da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária em Faxinal do Soturno (RS), anteontem. A polícia cercou o local e depois de uma hora de negociação conduziu os líderes da ação à delegacia para tomada de depoimentos e identificação. No texto colocado no ar, a associação se queixou do fechamento de uma rádio comunitária por dia pela fiscalização da Anatel, a quem acusou de fazer vistas grossas para as rádios comerciais que operam com outorgas vencidas.’

VENEZUELA
Denise Chrispim Marin

Oposição a Chávez se une em defesa de TV

‘A ameaça do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de não renovar a concessão para a rede de televisão RCTV promete reacender a enfraquecida oposição a seu governo. As transmissões do Canal 2, como é conhecida em toda a Venezuela, deverão ser encerradas às 24 horas de 27 de maio, como retaliação política à sua linha editorial ‘golpista’. Em princípio, a RCTV dará lugar a uma nova emissora oficial de prestação de serviços. Ontem, sob as advertências do ministro do Interior e Justiça, Pedro Carreño, de que o governo não toleraria ‘alterações na ordem pública’, pelo menos 50 mil manifestantes de diferentes linhas da oposição realizaram uma marcha de 3 quilômetros até a sede do Canal 2, para apoiar a emissora.

Anunciado em dezembro, depois da reeleição de Chávez, o fim da concessão deixou a RCTV e seus 2.500 funcionários num beco sem saída. A emissora encaminhou um apelo ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), composto apenas por indicados pelo presidente, no início do ano. Continua sem resposta. Nesta semana, apresentou ao mesmo TSJ um documento no qual questionou os argumentos do governo de que necessita da freqüência da RCTV para sua nova televisão e reclamou que sua concessão seria válida até 2022.

Para a RCTV resta apenas um caminho: denunciar a ameaça a organismos internacionais e angariar apoio no exterior. Para os partidos de oposição, a defesa à emissora tornou-se pedra fundamental para sua reativação. Na quinta-feira, apresentaram uma queixa à Organização dos Estados Americanos. No dia anterior, haviam recebido a presidente do Chile, Michelle Bachelet, que manteve clara sintonia com a condenação do Senado chileno à ameaça de Chávez à RCTV.

‘O governo diz publicamente que quer a hegemonia na área de comunicação. A RCTV não vai mudar sua linha editorial’, afirmou Jorge Paris Mogna, advogado da rede de televisão. ‘Esse é um ataque extremamente grave à liberdade de expressão’, sustentou o jurista Alberto Arteaga, professor de Direito Penal da Universidade Central da Venezuela.

Com 53 anos de atividade, a RCTV é o canal de maior abrangência na Venezuela. Seu fechamento significaria o fim de dois programas jornalísticos que incomodam especialmente o governo Chávez – El Observador e La Entrevista – e de 33 programações, entre as quais cinco novelas de elevada audiência no país. Desde 1999, o primeiro ano de mandato de Chávez, o canal viu a publicidade oficial minguar. Três anos depois, durante o fracassado golpe de Estado, seus repórteres e instalações tornaram-se alvos preferidos dos chavistas.

‘Ainda não estou pensando num plano B ou C. Tudo depende de como o governo agirá em 28 de maio: se haverá um tanque na porta da RCTV, se chavistas nos atacarão ou se poderemos entrar no prédio para trabalhar’, afirmou Isabel Mavarez, repórter da RCTV agredida com uma pedrada no rosto, em 2002, por partidários de Chávez.’

LÍNGUA PORTUGUESA
João Ubaldo Ribeiro

A decadentização da língua

‘Claro, todo mundo já ouviu dizer que as línguas são como seres vivos, que mudam com o tempo e até morrem. É verdade e, se não fosse assim, ainda estaríamos falando latim. Nada, portanto, contra as mudanças na língua, contanto que sejam ditadas por uma razão mais ou menos respeitável, até mesmo pela famosa lei do menor esforço, quando não redunde em empobrecimento da capacidade de expressão. Mas acho que está havendo um certo exagero e, daqui a pouco, estaremos falando um dialeto primitivo de umas 300 palavras para as pessoas cultas e umas 25 para a maioria.

Começa-se, é claro, com as chamadas ‘palavras-ônibus’. Servem para tudo e, em português brasileiro, as mais comuns atualmente são ‘maravilha’ e seus derivados, ‘super’, ‘parada’ e ‘valeu’, que, com alguns acréscimos, podem constituir toda uma conversação.

– Eu super me dei bem naquela parada – diz o primeiro.

– Ah, aquilo sempre foi uma maravilha – responde o segundo.

– Ah, supervaleu! – despede-se o primeiro.

O ‘cujo’, coitado, restinho do genitivo que ainda sobrava por aqui, passou da categoria de pedante, entrou para a de pernóstico e, em breve, será arcaísmo. Ninguém diz mais ‘cujo’, só diz ‘que’. ‘A moça que eu vi o pai ontem’ é o certo hoje em dia e quem disser ‘a moça cujo pai eu vi’ corre o risco de não ser entendido. Sei que vai haver entre vocês quem não acredite e eu até compreendo, embora esteja contando a verdade. Outro dia eu disse um ‘cujo’ numa entrevista e a entrevistadora me deu a impressão de que só entendeu depois de pensar alguns laboriosos segundos.

Há também um movimento que cada vez aumenta mais, para abolir a preposição ‘a’ no uso corrente. Ou seja, prestando atenção, você vai ouvir na televisão alguém dizendo ‘daqui dois dias’ ou, bem pior, ‘igual eu’. Em compensação ‘neste ano’ ‘nesta semana’, por exemplo, que nunca foram correntes para dizer ‘este ano’ ou ‘esta semana’, agora são a única maneira certa de falar. ‘Neste ano, tu vai fazer igual eu, procurar uma parada diferente no carnaval, não é?’

Os verbos vêm sofrendo bastante também. Por exemplo, poucos entre nós, têm visto alguma coisa recentemente. A maior parte de nós hoje visualiza, principalmente quando enxerga. Ver a gente volta e meia ainda vê, mas ninguém enxerga mais, só visualiza. Até a sinal a gente não presta mais atenção, a gente nota a sinalização. Ninguém chama a atenção para nada, sinaliza e nós vemos a sinalização, não o sinal. O verbo ‘pegar’, não sei bem por quê (tem acento aí nesse quê, garanto a vocês – de vez em quando me comem um circunflexo), virou abundante e o certo, que era errado, é cada vez mais ‘pego’ e outro dia um motorista de táxi se embasbacou porque eu sou da Academia e disse ‘pegado’ a ele. E novamente garanto que não estou mentindo: já ouvi ‘eu tinha falo’, em vez de ‘falado’, o que talvez não cole porque fica chato tanto para homem quanto para mulher dizer isso, considerando que ‘falo’ é substantivo e tem muito pouco a ver com a fala.

Os timbres também são amalucados. A droga ‘ecstasy’ é para ser pronunciada com ‘e’ aberto, pelo menos enquanto não for naturalizada, mas aqui virou uma maneira exótica de pronunciar ‘êxtase’. Isso, aliás, é comum, na incorporação de palavras de nossa língua-mãe, ou seja, o inglês. Quando o ‘volley’ (‘vóli’, às vezes quase ‘váhli’) se naturalizou, virou ‘vôlei’. Até aí, tudo bem, naturalização é naturalização, mas por que ‘doping’, além de receber freqüententemente dois pp, é ‘dópingue’? (Aliás, isto me traz a cabeça algo que tem pouco a ver com o que escrevo agora: por que a gente se irrita tanto quando inglês ou americano escreve Brasil com z? Em inglês, é com z, assim como América aqui é com acento, França é com cedilha e ‘a’ no fim e Alemanha é bastante diferente de Deutschland. Deve ser o nosso combativo nacionalismo de araque.) Outra mudança de timbre que me chateia é a de ‘obsoleto’. Não é conhecimento secrêto que o corrêto – e não é preciso ser discrêto quanto a isso – é ‘obsoléto’, mas escuto gritos de ‘olha aí o baiano’ sempre que pronuncio certo. Tenho vontade de acertar um ‘dirêto’ no cara.

‘Loira’, que era variante, agora está ficando padrão. Ninguém, que eu tenha escutado, diz que um sujeito é ‘loiro’ e eu acho que até pega mal em certas mesas de boteco, mas só se escreve ‘loira’ agora. Outras palavras não estão tendo formas destronadas, estão sendo expulsas da língua, como os bons e velhos verbos ‘pôr’ e ‘botar’. Acho que até em Itaparica galinha já está colocando ovo, em vez de botar. Colocando, imagino eu, é mais elegante. Da mesma forma, ‘penalizar’, um verbo antes tão expressivo, botou para fora ‘punir’ (não sem uma certa relação com o que acontece na sociedade) e ‘prejudicar’. Ninguém prejudica mais, só penaliza, que tem a vantagem adicional de terminar em ‘izar’.

A linguagem informática também traz suas pesadas contribuições. Por que diabo ‘salvar’, que não quer dizer nem ‘guardar’, nem ‘gravar’ nem nenhum sinônimo destes, é usado, quando temos palavras perfeitamento adequadas? Por que ‘malévolo’, ‘mal-intencionado’ ou ‘maldoso’ é ‘malicioso’? Por que ‘corporate’, até fora da linguagem informática é ‘corporativo’? Por que um determinado sistema não ‘suporta’ outro, como se se detestassem?

Finalmente, adeus para ‘existir’ e ‘haver’. Agora só se diz ‘você tem’. ‘Você tem uma área chamada Amazônia. Muito bem, que é que você tem lá? Você tem uma floresta que precisa ser preservada. E aí você tem que caminhos?’ Eu não sei, só sei que nós tínhamos uma língua própria antigamente.’

INTERNET
Sérgio Augusto

www.p#£!*§%#@&*!$.com

‘Cho Seung-Hui revelou-se um genocida multimídia. Quantos mais nos espreitam neste mundo dilacerado por ódios, complexos e ressentimentos? Que novas surpresas nos reserva a insânia globalizada? Quantos mais psicopatas se aproveitarão dos avanços da tecnologia para dar vazão aos seus instintos malignos? Com o molestamento online em alta pandêmica, quantos nerds escudados no anonimato passarão da ameaça virtual à ação criminosa, nos próximos meses?

Há 12 dias, três jovens e um menor de Brasília, todos de classe média, foram indiciados por planejar, pela Internet, a morte de um colega. Descobriu-se, recentemente, que internos da Polinter de Neves, em São Gonçalo (RJ), mantinham uma página no site de relacionamentos Orkut, através do qual se comunicavam com parentes, amigos e até policiais. Também a grande infovia já foi invadida por bandidos. Saltamos da Web.2 direto para a Web.147, a Webandidagem.

Esclarecimentos necessários: 1) a Internet não tem nada com isso; o meio, no caso, não é a mensagem; 2) 147 é o artigo do Código Penal brasileiro que trata das ameaças por palavra, escrito, gesto, ou qualquer outro meio simbólico.

Cyberbullying. Até num jornal cearense já vi essa expressão, criada pelo educador canadense Bill Belsey. Como tantas outras do informatês, carece ainda de uma tradução. ‘Bullying’ vem do verbo ‘to bully’, parente do nosso bulir. Ciberpivete não seria uma tradução infiel. Seu teclado é igual ao nosso, mas suas teclas parecem trazer impressos bombas, armas e outros signos letais, em vez de números e letras. Enquanto uma fração da humanidade se preocupa com a inclusão digital, os ciberpivetes aperfeiçoam a agressão digital. Xingam e perseguem desafetos por e-mails, celulares, em blogs, sites de relacionamento e salas de bate-papo virtuais. Inventaram o trote eletrônico, o spam depravado.

Diversos países discutem há tempos esse tipo de intimidação, prevalecente nas escolas e na Internet. O já citado Bill Belsey criou um site sobre o tema. Como mero observador, aprendi que estudantes noruegueses, alemães e neozelandeses costumam tirar, com celular, fotos de colegas tomando banho, e as espalham pela Internet. Outros molestam e chantageiam professores e colegas por e-mails. Enquadraram um site, na Irlanda do Norte, que organizava atos de vandalismo, com a participação até de crianças de 11 anos. O que na Alemanha chamam de ‘Handy terror’ (Handy é celular em alemão) já levou a Baviera a ameaçar proibir a entrada de celulares nas escolas.

Mas não foi só para a petizada do hemisfério norte que a violência tornou-se algo normal, corriqueiro e apetitoso. Acrescentem a essa corja os webandidos com idade para mofar na cadeia, os blogueiros adultos que se aproveitam da formidável capilaridade da Internet para praticar e disseminar o mal. Inclusive o mal supremo: o terrorismo.

A Internet transformou-se num virtual centro de operações, substituindo as bases da al Qaeda no Afeganistão e na Bósnia, alertou o Los Angeles Times de segunda-feira. Um de seus repórteres foi a Sarajevo, onde recentemente desativaram uma rede terrorista que se espalhara por oito países, envolvia mais de 30 suspeitos, e pretendia explodir bombas em Washington, Toronto, Londres e Sarajevo. O fanatismo islâmico conta agora com mujahids mais jovens, ágeis e tecnologicamente competentes. Educados em capitais européias, comunicam-se mais em inglês do que em árabe e curtem o rap de Kanye West, o que muito facilitou sua infiltração além da Bósnia e dos países árabes.

Assustador, sem dúvida.

Mas não menos preocupante é o cyberbullying. Sua vítima mais notória e recente, Kathy Sierra, resolveu dar um basta e acender o pavio. Durante quatro semanas, ela foi ameaçada de morte e sexualmente azucrinada por blogueiros que não ousam dizer seus nomes. A gota d’água foram as agressões veiculadas por sites (Meankids, Unclebobism) de internautas por ela respeitados, como Chris Locke (vulgo Rageboy), Frank Paynter, Jeneane Sessum e Allen Herrel (vulgo Raving Lunacy ou Head Lemur). Xingaram Kathy de ‘puta’, ‘enfadonha’, sugeriram que a degolassem, postaram seu endereço e número do seguro social, montaram uma foto dela com uma corda no pescoço e outra entre o pornográfico e o escatológico. Uma das agressões vinha assinada por um tal de ‘Joey’, cujo IP ninguém conseguiu rastrear.

Seriam todas aquelas mensagens de uma só pessoa ou de várias?, perguntou-se Kathy, que se confessou incapaz de distinguir os limites da ameaça virtual. ‘Pouco importa’, argumentou. ‘Elas me deram medo. Intimidações desse tipo são consideradas crime.’

Chris Locke preferiu fechar o site meankids.com a ‘censurar’ seus blogueiros. Paynter desculpou-se publicamente por tê-los abrigado. Em outras páginas da Internet, Kathy foi chamada de cagona e paranóica, aconselhada a procurar um terapeuta e cair fora da rede, pois na Internet não haveria lugar para pessoas ‘tão sensíveis’. Para brucutus e seung-huis, barra limpa.

A estupidez e a agressividade humanas não surgiram com a Internet, mas ela permite que as pessoas se expressem com mais franqueza, para o bem e para o mal. E abusem da pusilanimidade. Oculto pelo anonimato, qualquer um pode ser bully, machão. A blogosfera seria bem mais civilizada e profícua se os seus usuários não dissessem online o que não têm coragem de dizer pessoalmente.

Preocupados com a selvageria na Internet, Tim O’Reilly, pai da expressão Web.2, e Jimmy Wales, criador da Wikipedia, começaram a elaborar, online e abertos a sugestões, uma espécie de Código de Conduta para a blogosfera, com algumas regras mínimas de comportamento. Seria opcional segui-las, mas obrigatório arcar com as conseqüências das ‘franquezas’ hoje regurgitadas impunemente. Se não vingar, sempre nos restará o recurso da tecla ‘delete’, a arma digital (e menos estressante) de se executar um agressor em legítima defesa.’

TELEVISÃO
Renata Gallo

‘Não acredito no que dizem’

‘Alguém precisa avisá-la que ela é a Camila Pitanga. E é justamente por isso que as pessoas ficam embasbacadas quando ela passa. É por isso que, quando ela pára o carro para pedir informações a três pré-adolescentes, ela torna o dia deles inesquecível. Mas, por incrível que pareça, ela não pensa assim e insiste em se comportar como uma reles mortal. Em ir à padaria comprar pão, imaginem. Não sabe que a vida proporciona uma aura de glamour para as estrelas e que as estrelas são intocáveis.

Cabeça dura. Estuda, faz faculdade, trabalha sério. Como se não fosse a Camila Pitanga. Aquela lordose da Bebel foi amplamente programada. Aquela risada escrachada, aquela voz, aquele andar. É tudo calculado. Para dar vida à personagem, Camila se cercou de, ao menos, cinco profissionais. Primeiro, procurou ajuda de uma nutricionista para perder três quilinhos que, segundo ela, fazem a diferença. Depois, intensificou com sua orientadora seu treino de atividades físicas. Passou a fazer exercícios não mais duas vezes por semana, mas, no mínimo, quatro. Contratou uma profissional para estudar a personagem, outra para trabalhar todo o gestual que ela teria e outra para achar a voz ideal. Visitou prostitutas de boate, de rua, leu teses sobre o assunto, assistiu a filmes, dos clássicos aos eróticos vendidos em bancas de revista. Como se não bastasse ser Camila Pitanga. Mas, respondendo à principal questão: Sim, ela é tudo aquilo.

Teve algum pudor em fazer a Bebel?

Pudor de sexualidade, roupa, corpo, não tive. E acho que se tivesse, não conseguiria fazer. A Bebel é um personagem que, se você fraqueja, não faz. É muito atirada e eu, Camila, não poderia ficar na retranca. Confiei que tinha um personagem que transcendia esta questão que, se por um lado, ele é calcado na sexualidade, por outro, é muito marcante. O desafio em fazê-lo minimizou qualquer hesitação ou dúvida.

Fez muita pesquisa de mercado?

(risos) Fiz. Foi muito marcante o encontro com as prostitutas da (Ong) Da Vida. Ali eu me dei conta do meu próprio preconceito e o quanto eu estigmatizava a profissão. Tinha a idéia de mulheres muito humilhadas, pessoas sem oportunidades, sem escolha. E como a sexualidade necessariamente tivesse atrelada a uma coisa pesada, triste, dolorosa. Quando estive com elas foi um clique. Primeiro, é uma escolha, sim. Talvez não seja a melhor, não haja um leque de escolhas, mas é uma escolha. E, mais do que isso, vi a simplicidade do métier, do que isso representa para elas. É uma profissão.

E o que te chamou mais atenção?

São castas. Tem a puta da pista, da boate de luxo, a garota de programa de executivos… Olha, é mais variado que a profissão de atriz! (risos) São vários públicos, nichos, categorias. E tem a frase típica delas: ‘Prefiro ser puta a lavar calcinha de madame’. Para muitas, humilhação é ser empregada doméstica. Tem mulher que gosta da profissão, tem mulher que não gosta. Não é que a dor não exista, não é que a humilhação, as agressões, a exposição a toda sorte de preconceito não exista, mas também tem um outro lado: mulheres que construíram um lar, que sustentam uma família. É muito fácil estereotipar profissões. Então todas as atrizes vivem uma vida em um conversível, são afetadas, vivem um mundo glamouroso… Não! Tem atriz que é tímida, atriz que é situada com as questões sociais, a que é alienada…

E qual delas você é?

(Risos) Uma atriz que tenta ter consciência do seu mundo.

Mas seu mundo não é o glamouroso?

Seria ingênua de achar que pudesse estar fora dele. A questão é não viver obcecada ou em função dele. A Bebel é um personagem que está tendo uma repercussão, quantitativamente falando, maior que tive e, qualitativamente, muito bacana. Mas não sofre perseguição, não tem fotógrafo na porta de casa. Talvez porque tenha uma vida estável, sem grandes atrativos: estou casada há sete anos e sou na minha.

Com que idade sentiu que queria ser atriz?

Não foi algo que queria desde garota. Comecei a ser chamada para fazer testes e foi um trabalho sucedendo o outro, mas demorei a me apropriar da profissão. Muito antes de ter uma carreira, uma formação, fiquei conhecida e fiquei muito desconfortável com isto. Para mim era desproporcional, um equívoco. Sei lá, na faculdade, o erro faz parte do processo, em uma peça amadora, também. Mas, quando você já é conhecida e já está convivendo com pessoas profissionais, não dá. Para mim foi muito pesado e sofria muito em achar que estava fora do timing. Ficava querendo frear tudo aquilo.

Percebeu que precisava se preparar.

O que aconteceu foi que fiz a peça Orfeu Negro, e pensa: era uma peça que tinha estréia no Municipal, uma coisa de porte e eu tinha 16, 17 anos. E ali foi um fiasco para mim, vi que não sabia falar no palco, não sabia me movimentar em cena. Na TV você pode trucar, repetir, o diretor te orienta, edita, mas no teatro não. Vi que ficava afônica, apavorada. Ali eu ia ou rachava. Foi um turbilhão de sensações, mas foi a melhor coisa que me aconteceu. Pensei: ou eu paro ou vou parar de brigar com a vida, vou assumir isso e estudar. Daí comecei a fazer aula de voz, corpo, dança, fui fazer faculdade.

E quando você se apropriou da profissão?

Foi um processo de convencimento. Não me aceitava, não conseguia ver uma cena minha, que ficava mal, mal. Odiava o que fazia, me detestava. Mas comecei a analisar: hoje isso não rolou, mas o que tenho que fazer? Daí você vai afinando. Não tenho mais a paúra de perder a voz. Trabalhei, criei uma técnica, aceitei o que podia resolver hoje e o que posso adquirir amanhã. Hoje o grande lance é: gosto de ser atriz e tenho orgulho do caminho que percorri até agora e vejo uma perspectiva muito legal.

A Bebel é o seu grande papel?

Sinto que sim, mas sinto que a Mônica (de ‘Belíssima’) foi fundamental, até pelo contraste. Tenho trabalhos que foram significativos para mim, como a Invenção do Brasil. São steps. Você vai amadurecendo e o reconhecimento vai se dando aos poucos. Eu, de cara, fui jogada aos leões. Gostaria de ter tido tempo para conquistar autoconfiança e o reconhecimento dos outros. Mas, se no início não tive este tempo, agora a vida me deu outra oportunidade.

Você tenta fugir do estereótipo ‘atriz/bonita’?

Acho que o que eu saio é deste estigma do glamour. Isso é uma cilada. Não acredito muito no que dizem, nada disso é real. É uma projeção. E o dia-a-dia é a relação familiar, a conta para pagar, é o que todo mundo vive. Mas como tem estas coisas do público projetar os seus sonhos, então, se deixar, o primeiro olhar é: ‘Uau, a Camila Pitanga’. Mas em três tempos que fala comigo vê que não é assim, se desarma. Acho que este tratamento diferenciado é ruim porque isola o ator da vida real e a vida real é tão rica. Uma pena quem não tem o prazer de falar com o frentista, o padeiro, o porteiro…

E nestas andanças o que tem escutado?

‘Pô, tô gostando do seu trabalho’. E, quando estou vestida de Bebel: ‘Gostosa!’ (risos) Porque eu mesma me visto muito mais tranqüila. Não fico estimulando toda esta carga de sensualidade porque gosto de comprar pão na padaria sem ter nenhum olhar de cobiça em cima de mim. Ainda mais por ser uma pessoa conhecida, se eu ficar estimulando isso eu não vivo.

A Bebel é mau-caráter e é vista com carinho pelo público. Como se explica isso?

Quando saiu o resultado da pesquisa (feita em grupos de discussão pela Globo) fiquei sem entender: guerreira e batalhadora? Foi uma surpresa porque ela é inescrupulosa, né? Mas acho que a identificação vem por este caráter de sobrevivência. A Bebel é uma sobrevivente, alguém que está tentando ser feliz, ainda que com valores tortos. É muito fácil reagir contra uma prostituta, digo no senso comum, mas ela ‘é gente’, como ela diz. E não está acomodada, ela supera o azar, acredita na vida. E acho que para quem está lá num dia difícil, com salário baixo, cria uma auto-estima: ‘Olha, ela está ferrada mas está tentando dar a volta por cima’.

A Bebel te mudou de alguma forma?

Até brinquei dizendo que estava usando salto, ousando mais na roupa, mas é tudo besteira. A verdade é que você se utiliza do seu material para criar um personagem e o personagem te dá a possibilidade de aprender alguma coisa a mais que você acaba incorporando. A Bebel liberou um tabu meu com o corpo. Sou muito discreta, sempre me preservei, mas a Bebel me solicita uma exposição e uma abertura grande, corporalmente falando. Quando tenho que andar de salto – e andar bem -, quando tenho que fazer lordose – e me apropriar dela como algo natural porque aquilo tem que ser orgânico para fluir na cena… Acho que de alguma maneira a Bebel me fez me libertar um pouco destas questões porque se eu ficasse ligada em ser discreta, preservada, não ia rolar.

Sempre leva algo dos seus personagens?

Sim, e aí está o grande prazer que descobri na minha profissão. Descobri que a cada trabalho eu posso realmente conhecer um mundo novo e me descobrir também. Hoje em dia quando eu passo à noite e vejo o calçadão com as prostitutas, eu olho de forma diferente e tem uma troca bonita, um respeito recíproco. Então, imagina, se eu me colocasse distante, eu ia perder este olhar. Quero sempre estar aberta para olhar e ver o outro porque o ator prescinde desta observação. Esta observação alimenta o meu imaginário e enriquece o meu trabalho.’

Leila Reis

A vez da música

‘Contradição das contradições: a televisão deste país, que transpira música, relegou a MPB ao ostracismo porque não segura a audiência. Isso pode explicar o extremo deserto musical que se tornou a programação nos últimos anos. A ponto dos programas dominicais de Gugu e Fausto Silva terem aberto mão dos cantores que sempre lhe preencheram boa parte do tempo.

Isso quer dizer que o gosto do público mudou na última década. A pujança do gênero marcou a TV nos anos 60, 70 e 80. São desse período os festivais, especiais de vários tipos: grandes nomes, shows ao vivo e infantis, com elenco variado, (muitos devem se lembrar do Raul Seixas voando sobre um cenário virtual ao som de Carimbador Maluco). O sucesso justificava a disputa acirrada das emissoras pelos artistas de renome.

Na década de 90, a música brasileira perdeu o cartaz e passou a ocupar pedacinhos de programas – geralmente de auditório – entre uma brincadeira e outra.

Aos poucos, a música agora está recuperando seu prestígio. Na Globo, surge um movimento meio mastodôntico nessa direção, mas aparentemente firme. Sexta-feira, ela coloca no ar a primeira edição de Som Brasil, uma série de nove programas mensais dirigida por Luiz Gleiser, dedicados a nomes consagrados da música popular em forma de show registrado ao vivo.

O primeiro a ser homenageado será Vinicius de Moraes, o segundo Caetano Veloso. Vai ser exibido na sexta, depois do Programa do Jô, não deve entrar no ar antes da uma e meia da manhã.

Em junho, prossegue a série Por Toda Minha Vida, iniciada com o resgate da trajetória de Elis Regina, e que homenageará o sertanejo Leandro, Clara Nunes, Renato Russo e Gonzagão e Gonzaguinha. São docudramas (mistura imagens de arquivo e dramatização da vida do artista) dirigido por Ricardo Waddington.

É uma incursão meio tímida no universo da boa MPB, mas é interessante especialmente porque, no caso do Som Brasil (título emprestado de um programa com sotaque rural, que Lima Duarte, sucedendo Rolando Boldrin, apresentava nas manhãs de domingo) a receita junta novos talentos – alguns nem chegaram a gravar – a cantores consagrados. A Globo mistura Gal Costa e Ed Motta com o grupo Bossa Cuca Nova, Chico Pinheiro e Criolo Doido. Pode não ser o máximo do experimentalismo, mas é um avanço naquele território colonizado pelo axé de Ivete Sangalo/Babado Novo e pelo sertanejismo de Daniel e Zezé Di Camargo e Luciano.

A TV Cultura, a única a prestigiar a boa música nacional, está radicalizando na proposta. Sua grade de programação tem hoje nada menos do que nove programas dedicados à música. O mais recente é Rumos – Brasil da Música, que estreou quinta-feira, em horário nobre: 20 horas. Trata-se de uma série de 25 programas que leva para a TV um extrato do projeto Rumos do Itaú Cultural, com shows de artistas regionais – mas de talento universal – que pelas regras desse mercado doido nunca chegariam ao grande público.

O programa de estréia trouxe o veterano compositor maranhense Antonio Vieira, que só ganhou alguma projeção quando Rita Ribeiro gravou uma de suas canções e Zeca Baleiro produziu seu primeiro álbum, quando Vieira tinha 80 anos. A pesquisadora Renata Rosa, uma paulistana do Brás construiu um repertório rico com canções recolhidas no interior de Minas, Pernambuco e Alagoas. Dona de uma belíssima voz, Renata Rosa, acompanhada pelo grupo Zunido da Mata, faz um resgate importante das raízes da música brasileira.

Claro que esse tipo de programa pode não ser palatável para todos os gostos, mas ele traz para a TV um resquício da diversidade que como meio de comunicação de massa devia privilegiar.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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