Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

REQUIÃO
Fausto Macedo

Procuradoria mapeia ataques na TV para fazer prova contra Requião

‘Para fazer prova contra o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), e pedir à Justiça que o proibisse de hostilizar rivais políticos e desafetos, o Ministério Público Federal selecionou dezenas de manifestações do peemedebista transmitidas no Escola de Governo, programa que a Rádio e TV Educativa do Paraná (RTVE) leva ao ar às terças-feiras, ao vivo. Segundo o Ministério Público, o programa virou palco de promoção pessoal e palanque político.

Os ataques de Requião o levaram ao banco dos réus. O desembargador Edgard Lippmann Júnior, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, acolheu ação da Procuradoria da República e ordenou ao governador que se abstenha de insultos a opositores, imprensa e órgãos oficiais.

Requião se diz alvo de pressões. Ele afirmou que vai à ONU e a outros organismos internacionais para denunciar a ‘volta da censura no Brasil’.

Um de seus alvos corriqueiros é o jornal A Gazeta do Povo, sediado em Curitiba, com linha editorial independente. O peemedebista não se conforma e extravasa sua ira. ‘É um jornal contra o Paraná, contra o povo.’ A direção da Gazeta preferiu não se manifestar.

‘Todo mundo está vendo a luta do governo do Paraná contra a mídia comercial’, insistiu Requião. ‘Jornais, TVs, revistas e rádios que regulam sua opinião conforme o dinheiro que recebem do governo. Agora tudo mudou. O governo decidiu cortar o dinheiro da propaganda. Resultado: o governo do Paraná está sofrendo toda sorte de ataques.’ Ele disse que seu antecessor, Jaime Lerner, gastou R$ 1,5 bilhão em publicidade. A assessoria de Lerner informou que ele está fora do País.

PROMOÇÃO PESSOAL

‘O réu, Roberto Requião, tem diuturnamente utilizado de forma indevida a Educativa como instrumento de promoção pessoal, violando, assim, a Constituição’, assinala a ação. ‘Essa reiterada conduta deve ser inibida, sob pena de se comprometer o Estado democrático de direito.’ Segundo a procuradoria, a fala de Requião evidencia ‘prática de atos com o propósito de enaltecer seus feitos’. Em um dos pronunciamentos anexados à ação, ele diz: ‘Nós somos o governo que zerou o imposto da microempresa, da tarifa social da Sanepar, o governo que não cobra energia elétrica dos mais pobres, o governo que estimula o desenvolvimento econômico e financia tratores.’

Para a procuradoria, ‘não há dúvidas que o Escola de Governo, ao lado das propagandas veiculadas pela Educativa, é o principal meio utilizado pelo réu na promoção de seus feitos’. ‘Toda terça-feira, o réu utiliza o espaço para auto-elogiar-se.’

A ação destaca que, nas eleições de 2006, Requião foi condenado duas vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por ‘uso indevido’ da TV pública. ‘Após as eleições, o réu voltou a utilizar a emissora para sua promoção.’ A procuradoria reuniu também pregações de Requião contra ela. ‘O Ministério Público quer descer o manto de santidade sobre a televisão do Paraná. Que se manifeste a sociedade. Quem tem a petulância de silenciar o governador e fechar a TV pública? Fica aqui o convite ao Ministério Público. Vamos debater esses privilégios, essas bases do principado’, afirmou ele em uma ocasião.

‘O Ministério Público era um principado e os procuradores e os seus funcionários, nepotes. Nepote é uma palavra que vem do nepo italiano, neto do papa, sobrinho do papa, privilegiado pelo parentesco do poder papal. Eles têm salários extraordinariamente superiores ao do conjunto do funcionalismo do Paraná. Nós mostramos isso.’, disse Requião no Escola de Governo.

‘O Ministério Público é indispensável, mas, quando mostrei os salários deles, as aposentadorias, aquela brincadeira de ganhar R$ 24,6 mil, de começar a carreira com R$ 16 mil, eles ficaram profundamente irritados’, declarou ainda. ‘Como eles (procuradores) são extraordinariamente democráticos, resolveram levar para o Encontro Nacional deles um filminho em que eu dizia que eram um principado e eram nepotes da República. Eles não querem a verdade.’’

 

ELEIÇÕES NOS EUA
O Estado de S. Paulo

‘New York Times’ anuncia apoio a Hillary e McCain

‘O jornal ?The New York Times? anunciou ontem seu apoio às candidaturas da democrata Hillary Clinton e do republicano John McCain. O conselho editorial do jornal elogiou os dois candidatos. ‘Ao escutar Hillary falar sobre suas soluções para os grandes problemas dos EUA, nós ficamos impressionados pela profundidade de seus conhecimentos e pela amplitude de sua experiência.’ Com relação a McCain, o ?New York Times? afirmou que tem divergências com todos os republicanos, mas que entre eles a melhor opção seria o senador, ‘o único republicano que promete pôr fim ao estilo de governo de Bush’.’

 

AL-QAEDA
O Estado de S. Paulo

Entrevista online com Zawahiri atrai 2 mil

‘Mais de 2 mil pessoas enviaram perguntas para o número 2 da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, que anunciou que responderia a questões na internet. Segundo o Site, grupo que monitora sites terroristas, há dúvidas sobre o papel das mulheres na Al-Qaeda, sua atuação entre palestinos e sobre a morte de civis em ataques. Zawahiri irá respondê-las a partir da próxima semana.’

 

SÃO PAULO
Marcelo Valletta, Rejane Lima e William Glauber

Festa inclui até shows no Second Life

‘No centro, samba e pagode atraíram 50 mil pessoas. No Parque da Independência, na zona sul, a estrela foi Jorge Ben Jor, para 35 mil espectadores. E numa réplica computadorizada da Avenida Paulista, alojada no Second Life, um ambiente virtual onde é possível criar personagens e interagir com outras pessoas, houve um show da roqueira baiana Pitty, que enfrentou atrasos e problemas técnicos e atraiu pouca gente.

Em outro ambiente do Second Life, chamado Ilha Berrini, quem se apresentou foi a paulistana Mônica Albuquerque, no estilo ‘banquinho e violão’. ‘Achei a personagem parecida comigo’, disse Mônica ao Estado. ‘Me senti uma dubladora de desenho animado.’

No mundo real, após trabalhar até as 18 horas, a vendedora Severian Lucinete Conceição, de 27 anos, aproveitou para se divertir. ‘O movimento na loja estava bom, à tarde. Tive de trabalhar. São Paulo é isso: muita batalha’, disse, ao se lembrar da idéia de ‘paraíso’ que fazia da capital quando chegou de Garanhuns (PE) há dez anos.

Moradora do centro, a copeira paraibana Verônica Claudino, de 32 anos, levou a família. ‘Acabei de chegar e vou ficar bastante. O bom do centro é que sempre tem shows.’

No Parque da Independência, a platéia era composta de jovens, em sua maioria. Não houve registro de casos graves no posto médico, e a polícia efetuou apenas três apreensões de entorpecentes. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o governador José Serra (PSDB) acompanharam o show e foram embora pouco antes do final.

No Bexiga, o tradicional bolo de aniversário foi consumido, em 7 segundos, por 6 mil pessoas.

LITORAL

O tempo nublado e a proximidade do carnaval fizeram com que muita gente não aproveitasse as praias da Baixada Santista. De acordo com a Ecovias, que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes, ontem o tráfego foi tranqüilo a ponto de não ter sido preciso implantar a operação descida (7×3). Até as 18 horas, 139 mil veículos haviam descido. A previsão inicial era de que entre 265 mil e 410 mil veículos seguissem para o litoral durante o feriadão.’

 

IRVINE WELSH
Ubiratan Brasil

Dr. Jekyll e Mr. Hyde da classe operária

‘A maré não andava muito favorável ao escritor escocês Irvine Welsh – desde a publicação de Trainspotting, que o consagrou internacionalmente nos anos 1990, garantindo uma versão cinematográfica (também de sucesso) dirigida por Danny Boyle, ele virou saco de pancadas da crítica, que não gostou de Filth (Podridão, de 1998) e Glue (Cola, 2001). A situação melhorou um pouco com Pornô, continuação de Trainspotting lançada em 2002, e atingiu céu de brigadeiro com As Revelações Íntimas dos Grandes Chefs, que saiu em 2006 no Reino Unido e chega aqui na próxima semana pela Rocco.

Bem, não houve de fato uma unanimidade (há quem ainda acredite que Welsh, com seus romances, vem criando uma nova categoria para ?ruindade?), mas já serviu para recuperar a moral de Welsh. Nessas Revelações Íntimas, ele conta a trajetória de dois sujeitos antagônicos, Danny Skinner e Brian Kibby.

O primeiro trabalha como agente de saúde do Conselho Municipal de Edimburgo e tem a missão de fiscalizar, entre outros locais, restaurantes finos da cidade. Apesar da elogiável função, Skinner não fiscaliza a si próprio, envolvendo-se em muitas brigas, consome quantidades industriais de bebida alcoólica e, mesmo assim, se sai bem com as mulheres.

Kibby representa a outra face da moeda: pacato, introvertido, fanático colecionador de trens de brinquedo, ele logo provoca a antipatia de Skinner tão logo chega para trabalhar em grupo. Unida, a dupla representa duas faces bem distintas de uma sociedade tão complexa como a britânica, que tanto passou longas temporadas sentindo o peso das diferenças de classe (na época de Margaret Thatcher como primeira-ministra) como, por outro lado, foi ?obrigada? a formar um só grupo, com o governo trabalhista de Tony Blair.

‘Sempre gostei da dualidade entre Dr. Jekyll e Mr. Hyde, o médico e o monstro, que convivem na mesma pessoa. Acho importante essa metáfora literária e, por isso, resolvi levá-la para meu livro’, disse Welsh, que conversou com o Estado por e-mail. Com isso, ele criou uma parábola gótica sobre as grandes obsessões atuais (comida, sexo e fama à frente) e uma análise da formação da identidade, da rivalidade masculina e da necessidade de pertencimento neste mundo caótico.’

 

LAURA
Kate Connolly

Filho ameaça pôr fogo em romance de Nabokov

‘A última obra não publicada de um dos maiores escritores do século 20 pode estar prestes a ser destruída no cumprimento dos últimos desejos do autor, conforme insinuou seu filho. Vladimir Nabokov pediu em seu testamento que seu romance inacabado, The Original of Laura (O original de Laura), devia ser destruído depois de sua morte, dizendo que abominava a idéia de seus leitores verem uma obra que ele havia completado ‘em sua mente’ mas não no papel.

Entretanto, mais de 30 anos após sua morte, ninguém ousou incinerar o manuscrito, uma coleção de 50 fichas que está guardada em um banco suíço. Dimitri Nabokov, seu único herdeiro vivo, vem carregando o fardo do que fazer desde 1991 quando sua mãe, Vera, morreu, sem nunca se mostrar disposta a fazê-lo.

Durante anos, Dimitri, que é a única pessoa viva a ter visto o manuscrito inteiro, eletrizou os fãs de seu pai com suas descrições da obra como uma destilação da produção do escritor e o mais ‘brilhante, original e potencialmente radical’ escrito que ele jamais escreveu.

Agora, aos 73 anos, o ex-cantor de ópera que tem mantido o mundo literário em suspenso por anos, deu sua indicação mais forte que está preparado para atear fogo ao manuscrito.

Num troca de e-mails e telefonemas com o crítico literário americano Ron Rosenbaum, Dimitri Nabokov ressaltou que deseja poupar a obra do tratamento duro que o romance Lolita, de seu pai, recebeu dos críticos.

Lolita, de 1955, que é amplamente reconhecido como um dos romances mais controvertidos da literatura moderna, conta a história – a depender de seu ponto de vista – de uma pré-adolescente tentadora que destrói a vida de um professor, ou de uma criança inocente que cai vítima da luxúria de um maníaco sexual envelhecido.

Segundo Rosenbaum, que concordou em não citar Dimitri Nabokov diretamente, ele ‘admite se sentir protetor sobre Laura’, particularmente ‘à luz do tratamento dado às obras de seu pai por certos escritores que ele considera profundamente equivocados em suas análises ‘psicológicas’ de Lolita e de outras obras, análises que ele caracteriza como virtualmente uma idiotice criminosa’.

Rosenbaum assinala a particular preocupação de Dimitri Nabokov com aqueles aos quais se refere como os ‘Lolitologistas’, ou os críticos que leram nas obras de Nabokov sugestões de que ele próprio foi molestado ou abusado.

Escrevendo na revista online americana Slate, Rosenbaum diz: ‘O desejo de poupar Laura de uma molestamento semelhante pelos ‘Lolitologistas’ o inclina a obedecer aos desejos de seu pai e relegar o manuscrito ao esquecimento.’

Os fãs de Nabokov estão divididos sobre a questão, com alguns temendo nunca pôr os olhos num manuscrito – mencionado pelo filho do escritor como ‘a mais concentrada destilação de criatividade’ – que poderia lançar uma nova luz sobre o escritor russo nascido em 1899.

Eles argumentam que se o autor realmente tivesse desejado que ele fosse destruído, ele mesmo o teria feito. Eles citam os exemplos de escritores como Kafka e Virgílio, argumentando que o mundo literário é muito mais rico pelo fato de que seus desejos de que suas obras fossem destruídas foram ignorados. Outros, porém, dizem que os desejos de Nabokov devem ser respeitados.

Rosenbaum encabeça um grupo crescente de críticos que quer que o filho acabe com o dilema, apelando para ele, ‘por favor, pare de nos maltratar’. ‘Dimitri, com todo o devido respeito, acho que chegou a hora de tomar uma decisão’, ele escreveu em Slate.

‘Diga-nos por que você acha que é a destilação da arte de seu pai… Ou dê-nos Laura… Ou nos tire de nossa miséria e nos diga que pretende preservar o mistério para sempre destruindo Laura.’

O estudioso de Nabokov, Zoran Kuzmanovich, que foi um dos poucos escolhidos para ouvir o filho do escritor ler um trecho de Laura há muitos anos, reportou que era ‘Nabokov vintage’. ‘Parece que a história é sobre velhice, mas aferrada ao amor original da vida de alguém’, disse ele.’

 

CINEMA
Sérgio Augusto

Filme na telinha do celular? Nem pensar

‘Se você é daqueles que acham que o celular só não serve para ser comido, vá ao YouTube e acesse um videoclipe do cineasta David Lynch sobre o iPhone. Na verdade, não é sobre, mas contra o mais badalado gadget eletrônico da Apple e quaisquer outros smartphones de onipotente serventia. Dura 30 segundos. Lynch aparece diante de um microfone, e, compassadamente, adverte: ‘If you’re playing the movie on a telephone…’

(Legenda: ‘Se você assiste a um filme num telefone, nem num trilhão de anos irá desfrutá-lo a contento. Você vai pensar que o desfrutou, mas foi engano seu. É muito triste ver alguém acreditar que se possa assistir a um filme na bosta de um telefone. Caia na real.’)

Isso mesmo: caia na real e procure uma tela que não meça apenas 8cm x 6 cm ou pouco mais do que isso. Em tais dimensões, só recados, fotos, textinhos, e olhe lá. Filme em celular, só mesmo em Lilliput, que, como se sabe, apenas Gulliver conheceu. Em Lilliput, um iPhone com filmes baixados via iTunes seria considerado um drive-in. No mundo real, não passa de um rotundo disparate, um desserviço à experiência cinematográfica, aprimorada ao longo de 113 anos, sempre com acréscimos: som, cores, cinemascópio, tridimensionamento, Dolby, etc.

Uma série de fatores praticamente acabou com as antigas salas de exibição, eliminando o ritual cinematográfico, a missa leiga do entretenimento de massa, a mais popular e universal curtição coletiva, substituída pelo comodismo televisivo, pela insularidade doméstica. Houve perdas e ganhos nessa reviravolta, parcialmente tecnológica, como houvera na passagem do silencioso para o sonoro. O videocassete foi um avanço. Com o advento dos televisores de plasma, com 40 polegadas ou mais, e maior nitidez das imagens, até os cinéfilos mais ortodoxos preferiram relaxar e aproveitar a farra dos DVDs.

Em décadas passadas, algum cineasta tão consciente, purista e audacioso quanto Lynch poderia ter vindo a público recriminar quem aceitava ver filmes ‘na bosta de um televisor’. Mas ninguém veio. Quando surgiu o CinemaScope, justamente para trazer de volta aos cinemas a platéia que a televisão roubara, diversos diretores extravasaram seu desagrado. ‘Só é bom para filmar jibóias’ (George Stevens). ‘Só é bom para filmar cortejos fúnebres’ (Fritz Lang). Se não tivesse durado tão pouco, a moda da Terceira Dimensão teria sido execrada com igual intensidade. De todo modo, tanto o CinemaScope como o 3-D visavam à espetacularização da experiência cinematográfica. Já o cinema miniaturizado nos smartphones é um deplorável capitis diminutio.

Filme cada um vê como e onde quiser. O problema é a influência que o nanocinema fruído em celular possa exercer sobre a estética cinematográfica, impondo-lhe deletérias limitações visuais, aurais e narrativas.

Com o advento do som, os personagens passaram a falar pelos cotovelos. Na televisão, os filmes ganharam mais closes, abdicaram de grandes espaços, minimizaram os westerns, perdas auspiciosamente restauradas pelo CinemaScope e sucedâneos. Se virar mania – e mania duradoura – assistir a filmes ‘on a fuckin’ telephone’, como diz Lynch, nem O Pequeno Polegar e O Incrível Homem Que Encolheu ficarão bem na microtela de um celular.

Será que essa involução obrigará Hollywood a abrir mão de seus últimos escrúpulos e lançar-se à produção de filmes na medida para a nova palataforma? Em breve na palma de sua mão, O Menor Espetáculo da Terra.

Quem sabe, num futuro não muito distante, os maiores sucessos do que outrora chamavam de cinema serão filmes já no título coerentes com suas lilliputianas dimensões: A Pequena Ilusão, O Homem Que Sabia de Menos, Fellini Um e Meio, Os Fuzis de Navarone, A Pinguela Sobre o Rio Kway, Se Minha Kitchenette Falasse, Os Cinco Mandamentos, Baixa Sociedade, Essa Loura Vale Um Tostão, OsTrês Samurais, Um Homem Chamado Pônei, O Pequeno Ditador, O Bote das Ilusões, Um Beco Chamado Pecado.

Enquanto Lynch desqualificava o celular como suporte fílmico, chegava de Tóquio a notícia de que, entre os dez best sellers do ano no Japão, cinco eram celulivros, ou cellphone novels, como dizem na terra do Bill Gates. Historinhas de amor, baboseiras com intriga mínima e a profundidade de um pires, reles blogs ficcionais – eis o que asseguram ser, em essência, um romance celular, cujo Paulo Coelho, ou melhor, cuja Nora Roberts é uma garota com ‘nom de plume’ celularóide: Rin, que não sabe mais onde pôr tanto dinheiro. E pensar que houve quem considerasse o sucesso dos celulivros entre os adolescentes do século 21 um progresso em relação à geração que, no final do século passado, se amarrava em mangás, o gibi dos japoneses.

Comparados aos celulivros e aos iMovies esconjurados por Lynch, os e-books (livros eletrônicos) são gadgets benignos, repositórios de má e boa literatura, artefatos adequados ao que se propõem explorar: a palavra escrita. Mas ainda não emplacaram como esperavam os dublês de evangelistas tecnológicos e coveiros da cultura gutenberguiana. Quem augurou a morte do livro impresso, até agora só amargou prejuízo. Ele pode até definhar, encostar o pé na cova, tão rapidamente escasseiam mundo afora aqueles que lêem por prazer, mas sua extinção não é catástrofe para o nosso tempo, se é que algum dia terá o mesmo destino dos dinossauros, substituídos por aparelhos de leitura, movidos a bateria e sem o appeal sensorial de um livro.

No começo da década passada, surgiram o RocketBook e o SoftBook Reader. Dois trambolhos. Para facilitar o acesso aos clássicos da literatura? Não, para vender novelizações de Jornada nas Estrelas. Em 2006, a Sony lançou o Reader, reacendendo as esperanças dos e-bookinistas. Do tamanho de um livro de bolso, tela de 15 cm, memória para 80 obras e bateria para agüentar o consumo de 7.500 páginas, sua área de leitura simulava uma folha de papel. Manuseei um Reader: muitos pixels, mas nem sombra daqueles odores peculiares às páginas de um livro impresso. O próprio vice-presidente do setor de sistemas portáteis da Sony, Ron Hawkins, honestamente, admitiu: ‘Leitoras digitais não substituem o livro impresso, mas uma pilha de livros impressos.’

Meses atrás, a Amazon.com pôs no mercado o seu Kindle, um Reader incrementado, com tecnologia wifi (sem fios), tela imitando papel, acesso à internet e computadores para baixar livros e publicações. Recauchutagem do Mobipocket francês, cujo fabricante foi comprado pela Amazon em 2005, o Kindle ainda não dispõe de animação nem de cores. Ou seja, é, por enquanto, um objeto infotópico. Com grandes possibilidades, desde que prove, em todos os níveis, sua superioridade sobre os mais avançados e leves notebooks, atuais e vindouros.

Já li várias críticas ao Kindle. A euforia na internet com gadgets digitais diminuiu acentuadamente nos últimos meses. Por quê?, não sei. Talvez porque muita gente tenha perdido o medo de ser acusada, injustamente, de ludita, e decidido, a exemplo de Lynch, desmistificar um pouco o admirável mundo novo da informática.

Nas páginas da New Yorker, Anthony Grafton confrontou as previsões excessivamente otimistas de Kevin Kelly, da Wired, com relação à biblioteca universal eletrônica, utilizando-se de dados colhidos junto aos dois gigantescos projetos de digitalização em andamento, por conta, respectivamente, do Google e da Microsoft. Terça-feira passada, no site da revista eletrônica Slate, o escritor Grath Risk Hallberg reclamou da baixa qualidade das resenhas postadas nas páginas de livros da Amazon pelos seus fregueses. Além de impressionistas, bajuladoras e adjetivosas, estariam transformando seus mais freqüentes praticantes em celebridades a serviço das editoras.

Hallberg destaca o caso de Grady Harp, poeta e cirurgião aposentado, de 66 anos, que já comentou online mais de 3.500 livros, CDs e filmes vendidos pela Amazon. Harp não critica, promove, e é isso que interessa às editoras, algumas das quais já criaram seus próprios resenhistas que, ocultos por pseudônimos, espalham seu mercenário amadorismo pela grande infovia.

‘Chegou a hora dos amadores, com a platéia invadindo o palco’, alertou Andrew Keen. Apóstata da internet, cansado das bobagens que viu, leu e ouviu, partiu para a briga. No livro The Cult of the Amateur: How Today’s Internet Is Killing Our Culture and Assaulting Our Economy (O Culto do Amador: Como a Internet está Matando Nossa Cultura e Assaltando Nossa Economia), editado na Inglaterra pela Nicholas Brealey, Keen se confessa abismado com ‘as centenas de milhões de pés-rapados intelectuais’ entupindo sites como YouTube e MySpace, de vídeos e reinações solipsistas, e poluindo a Wikipédia com informações erradas, ‘típicas de quem pouco ou nada lê’.

Ou de quem não vê nada demais em assistir a filmes em celulares.’

 

ROTEIRO
Marcelo Rubens Paiva

Os doutores do script

‘Uma prática (que alguns consideram uma praga) nascida nos Estados Unidos se expande no Brasil: a do script doctor, o doutor do script. São escritores desocupados, aposentados ou em plena atividade, estudantes, críticos, pensadores e acadêmicos que se oferecem para analisar roteiros, peças de teatro e livros ainda no forno, escrever relatórios e organizar encontros ao vivo com os autores. Como são pagos, costumam mostrar serviço apontando falhas e aventando muitos palpites, cada um com a sua noção do que é certo ou errado, bom ou ruim.

Um caso notório é narrado por Lillian Ross no livro Filme (Companhia das Letras). Ela acompanhou a produção do filme A Glória de Um Covarde, de John Huston. O estúdio entregou o roteiro a um psicólogo para que analisasse o perfil do personagem. Ele não apenas escreveu sobre a covardia do sujeito, como enumerou mudanças na trama. Huston jogou o relatório no lixo.

Dizem que foi Francis Ford Coppola quem, anos depois, cunhou o nome script doctor pela primeira vez. A carreira só poderia ter nascido em Los Angeles, onde há mais roteiristas do que taxistas. Amadureceu em Sundance, que oferece bolsas e encontros para se analisarem roteiros.

Escrever um roteiro é uma atividade complexa, pois no papel não se percebe, na maioria das vezes, o que a imagem dirá – o que é a essência do cinema e o diferencia de outras linguagens. Não é o forte do cinema brasileiro. Aqui ainda faltam boas escolas e não pagam bem os roteiristas. A tevê rouba os talentos, e não se deve esquecer que o Cinema Novo, que influenciou muitos, priorizava as idéias, não o script.

O movimento denominado ‘Retomada’ trouxe gente nova para o mercado. O roteiro passou a ser mais valorizado. Contam-se nos dedos roteiristas que têm o mesmo status que diretores, como Bráulio Mantovani e Marçal Aquino. Mas até o professor Jean-Claude Bernardet tem um grupo que analisa roteiros, o Nudrama, que propõe, entre outras coisas: ‘Filtrar a questão central do texto. Levar em consideração que cada texto tem uma proposta, mas nem sempre ela está realizada, e nem sempre a proposta é a melhor coisa do trabalho.’

David França Mendes (roteirista de O Caminho das Nuvens) é outro que se oferece para análises, relatórios e tarefas, ‘metas para o roteirista cumprir, de acordo com as necessidades do roteiro específico dele, por exemplo, reestruturar a história, reescrever determinada cena, fundir tal e tal personagem, afinar certos trechos de diálogos’.

Há muito dinheiro envolvido na indústria. Um erro pode ser fatal para investidores. Se bem que, no caso brasileiro, o prejuízo é sanado pelo montante arrecadado por leis de incentivo. Agora, pense rápido: qual profissão você pode sugerir para o seu bacuri, a do cara que fica de um a dois anos debruçado numa obra criando diálogos, personagens, cenas, conflitos e imagens que contém uma história envolvente, ou a do cara que lê a mesma em duas horas e dá palpites?

A maioria dos escritores não gosta de se submeter a opiniões alheias. Faz sentido outros sobreporem seus anseios na obra de um cara que se acha Deus? Perde-se a essência da arte, que é o desabafo pessoal, a loucura confessada, o segredo contado. Ou você acha que o Senhor dos Céus ficaria feliz de, no sétimo dia, ter que se reunir com uns neguinhos sugerindo que o jacaré tivesse tromba, o elefante, mais pescoço, o suíço, samba no pé, e o brasileiro fosse bamba no esqui?

Imagina o que os primeiros script doctors escreveram no passado sobre alguns clássicos:

‘Caro senhor Shakespeare, fui contratado para ler a sua nova empreitada, Hamlet. Há ótimas frases que, com certeza, ficarão para a eternidade. Mas vejo problemas na trama. Primeiro, esse negócio de fantasma de pai logo no começo não cola. O filho não poderia encontrar uma carta? Segundo, o protagonista não fica com ninguém? Terceiro, e mais importante. Como o senhor espera fazer sucesso, se na sua peça morre todo mundo?’

‘Senhor Euclides da Cunha. Parabéns pela extensa obra, mas não seria melhor começá-la já com a ação? As descrições sobre a terra são sonolentas e afugentam o leitor. Outra sugestão. O senhor se atém pouco à cena em que Conselheiro descobre o adultério, o que, pelo visto, é o ponto de virada da trama. Por que não estender esta parte? Poderia até ser um novo capítulo, e seu livro seria dividido em: A Luta, A Terra, O Homem e O Corno. Ou A Vaca.’

‘Querido senhor Dostoievski. Admiro a coragem de escrever um livro tão pessimista como Crime e Castigo. Mas gostaria de lembrá-lo que os leitores buscam na literatura um conforto. Especialmente nossos camaradas russos, que chegam em casa cansados e congelados. Não seria melhor o senhor escrever um livro em que o bem vencesse o mal?’

‘Caro senhor Kafka, sei dos seus tormentos afetivos e problemas de relacionamento com o seu pai, acho interessante os seus trabalhos sobre a falta de sentido da condição humana, mas não faz sentido escrever um livro cujo protagonista acorda uma barata, inseto tão repugnante. Caso o senhor não queira continuar um ilustre desconhecido, não seria melhor ele acordar um pardal que canta?’

‘Senhor Guimarães Rosa, li e reli a sua obra, ela é interessante, mas a linguagem e a pontuação… Muita maluquice. E, depois, não sabemos como reagiria o leitor com o caso homossexual reprimido entre dois vaqueiros mineiros. Se ainda fossem gaúchos…’

‘Machado, querido, não entendi a expressão ‘olhos de ressaca’ para designar a sua personagem feminina do novo livro. Ela bebe? Outra observação. Não faz sentido o senhor publicar uma obra como Dom Casmurro, sem que saibamos se, afinal, houve traição ou não. E mais. Para que escrever uma obra chamada Quincas Borba sobre um personagem que não se chama Quincas Borba?’

‘Caro Proust. Procurei escrever esta num papel antialérgico, para não prejudicar mais a sua respiração. Mas, desculpe a franqueza, o que o senhor pretende com um livro que fica 40 páginas descrevendo um biscoito? E soube que serão seis volumes. Procure tratamento não apenas para a sua asma, mas para a sua cabeça, senhor Proust, e au revoir.’’

 

TELEVISÃO
Shaonny Takaiama

Disney e SBT

‘Esta semana, a Disney Brasil anunciou a nova grade de programação dos canais Jetix e Disney Channel. A grande novidade será o reality High School Musical – A Seleção, que estréia no dia 10 de março no Disney Channel e termina em 22 de junho.

O programa irá selecionar candidatos para participarem da versão brasileira do filme High School Musical. Sílvio Santos fechou uma parceria com o Disney Channel e, a partir de 16 de março, o SBT também irá exibir o programa, sempre aos domingos, às 13h30. O acordo com o SBT prevê o licenciamento de produtos da marca HSM.

Segundo Herbert Greco, diretor de marketing da Disney, o programa pretende encontrar os dois protagonistas que irão estrelar a versão nacional de HSM. ‘A gente não espera que esses protagonistas sejam clones do projeto americano. Teremos nossa própria história adaptada à realidade nacional’, explica.

O longa está previsto para estrear em janeiro de 2009 e, entre as adaptações que poderão ser feitas no roteiro, haverá grandes chances de substituir o basquete por futebol, mas isso ainda não está definido.

Ao todo, 18 mil pessoas se inscreveram para a fase de casting, que começou dia 17 de novembro no Sambódromo de São Paulo. O Disney Channel exibirá durante o Zapping Zone programas diários (de segunda a sexta-feira), com meia hora de duração, que irão mostrar cenas de bastidores da seleção, a preparação dos candidatos e seu dia-a-dia dentro da Academia de Artes.

NOVAS TEMPORADAS

A grade de 2008 do Disney Channel exibirá as novas temporadas de A Casa do Mickey, Mini Eisteins, Manny Mãos À Obra, entre outros. No Jetix, haverá novas temporadas de Yin, Yang Yo, Power Rangers e outros.’

 

WIM WENDERS
Marcio Damasceno

O caladão Wim Wenders, segundo seus afetos

‘Ele é um caladão, ou um ‘homem que sabe calar’, como define o suíço Bruno Ganz. O intérprete de Adolf Hitler em A Queda e um dos mais conhecidos atores de língua alemã é um dos que depõem no longa-metragem O Jovem Wim Wenders, ajudando a fazer um rascunho íntimo de uma das figuras mais influentes do cinema atual, com quem ele colaborou em quatro filmes, entre eles Asas do Desejo. O documentário, focado nos verdes anos do diretor, estreou esta semana no circuito alemão, numa sessão especial em Berlim com a presença do próprio protagonista.

‘É, Marcel, vamos lá. Temos de passar por isso, ainda que seja sempre a mesma coisa’, brincou Wenders – os cabelos grisalhos caindo nos ombros e um fino bigode sob os eternos óculos de aro grosso -, ao pegar o microfone para um bate-papo com o autor do filme, Marcel Wehn. ‘Já que estamos aqui, vamos fazer aquela velha pergunta que estou cansado de responder: O que levou o senhor a fazer esse filme?’, perguntou Wenders. As gargalhadas do público serviram a partir dali como contraponto para o resto do diálogo que precedeu a projeção inaugural, num cinema do centro da capital alemã. ‘Sempre quis ser astro de rock, então comecei a trabalhar em cinema e vídeo e me apaixonei por Alice nas Cidades. Esse seu filme é que me levou a decidir que eu queria mesmo era ser cineasta’, foi a resposta.

Com 30 anos e engatinhando ainda na carreira, Wehn pode se considerar um cara de sorte. Conseguiu cooptar o mestre para ser protagonista no que é seu projeto de conclusão de curso na Academia de Cinema de Baden-Württemberg, na cidade de Ludwigsburg. ‘Não topei fazer nada do gênero na ocasião do meu aniversário de 50 anos, nem no de 60 anos’, explicou Wenders. ‘Mas quando vi o argumento do Marcel, aceitei logo. Não só porque gostei dos temas, mas também porque gosto da escola de cinema em que ele estudou. Aliás, o que me agrada na forma como o documentário foi feito é ser muito pessoal, mas não chega a ser privado.’

Esse foi um dos motivos pelos quais, segundo Wenders, a colaboração funcionou perfeitamente entre entrevistador e entrevistado durante as rodagens. O velho mestre disse ter, por isso, se comportado, sem reclamar das orientações do estudante de cinema. ‘Não tive em momento nenhuma sensação de estar sendo ou de que seria invadido na minha privacidade. Por isso, agi o tempo todo como se fosse um ator. Eu também não gosto que meus atores fiquem dizendo que não querem fazer isso ou aquilo.’

Para escrever o argumento de 12 páginas que fisgou Wenders, Wehn contou ter se inspirado em A Cerimônia do Adeus, de Simone de Beauvoir. ‘Foi nesse livro que me baseei para trabalhar os temas que queria abordar: busca por identidade, procura por origens, incomunicabilidade, família, amizade.’ O longa, apresentado no ano passado no Festival do Rio e na Berlinale, revisita o início da carreira de Wim Wenders. O diretor fala de sua infância e adolescência na casa dos pais em Oberhausen, sua passagem por Paris (para onde foi, convencido a se tornar pintor, e de onde voltou decidido a fazer filmes) e os anos de estudante de cinema em Munique. O período abordado vai até a partida de Wenders para os EUA, após O Amigo Americano (1976/77), obra que o revelou para o mundo.

Além de Bruno Ganz, foram chamadas a depor pessoas que conviveram com o diretor na época, entre eles o escritor e amigo, desde os anos 60, Peter Handke, o montador Peter Przygodda, colaborador há mais de 30 anos, Robby Müller, editor de fotografia de alguns de seus filmes mais importantes e com quem Wenders rompeu relações. Em suas recordações, eles discutem o eterno retorno de certos temas na filmografia wenderiana, como solidão, crise de identidade, dificuldade de comunicação. Trechos de Alabama (1969), A Letra Escarlate (1973), Alice nas Cidades (1974) e No Decorrer do Tempo/Os Reis da Estrada (1977), intercalados com fotos e filmes do arquivo pessoal do mestre, mostram como as experiências privadas e os seus relacionamentos pessoais serviram de matéria-prima, sendo aqui e ali processados e estampados em película.

Sua primeira namorada, a primeira esposa, as mulheres na vida do caladão Wim também dão pistas sobre o enigma Wenders. ‘Sempre foi muito difícil para conseguir saber o que ele pensava’, recorda a atriz Lisa Kreuzer, companheira do cineasta até a partida dele para os Estados Unidos. O gênio alemão das imagens em movimento é pouco afeito ao falatório, característica que ele, admite, herdou do pai. Sua atual mulher, Donata, já se acostumou. Ela comenta que às vezes uma resposta do marido pode vir com certo atraso. Sendo articulada até dois dias mais tarde.’

 

 

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