Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

LEI DE IMPRENSA
O Estado de S. Paulo

O fim das ameaças à imprensa

‘É de se perguntar por que tardou tanto a começar – aos 19 anos e 8 meses de vigência da Constituição do Brasil democratizado – a remoção do mais tóxico dos entulhos deixados pela ditadura militar, a Lei de Imprensa, sancionada em fevereiro de 1967. Qualquer que seja a resposta, a demora é mais uma demonstração de que, no Brasil, as transformações institucionais modernizadoras nunca são prioridade dos que estão no governo. Não fosse o que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) considerou ‘uma campanha coercitiva contra os meios de comunicação sem precedentes no País’ – os 56 sincronizados pedidos de abertura de processo por dano moral contra dois jornais e uma agência noticiosa, subscritos por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus -, sabe-se lá quanto tempo ainda passaria até que se pudesse comemorar o fim das ameaças à liberdade de imprensa que, por interferência de forças ocultas (mas nem tanto), continuaram pairando no ar depois de promulgada a Constituição Cidadã.

Mas o fato é que, meras 48 horas depois de o deputado Miro Teixeira, em nome do seu partido, o PDT, requerer ao Supremo Tribunal Federal (STF) a revogação da lei autoritária – no mesmo dia em que o presidente Lula defendeu em público a chicana da Universal -, o relator da matéria, ministro Carlos Ayres de Britto, concedeu liminar que suspende no todo ou em parte uma vintena dos seus 77 artigos. Mais: ele determinou a paralisação imediata dos processos abertos com base nos artigos visados, bem como de suas conseqüências eventualmente em curso.

‘Imprensa e democracia’, ponderou Britto, ‘são irmãs siamesas.’ E fez uma frase que irá para a história da afirmação das liberdades civis no Brasil: ‘O que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja.’ É bem verdade que a liminar incide, entre outros, sobre dispositivos que o STF, em decisões tópicas, já considerara incompatíveis com a Carta de 1988.

A diferença é que a iniciativa de Miro Teixeira, se for acolhida pelo Supremo no julgamento do mérito ainda sem data marcada, validará a premissa de que a Constituição prevalece sobre uma lei que não só lhe é antagônica, como tampouco se justifica a qualquer título. Nas democracias em que o princípio da liberdade de expressão e o direito à informação coexistem, embora não sem tensões, com o direito à reparação por lesões à honra, imagem e intimidade, os Códigos Civil e Penal devem ser suficientes para punir as transgressões da mídia. Se a legislação comum brasileira não o for, que se a aperfeiçoe. Inadmissível, como assinalou o ministro Britto, citando o artigo 220 da Constituição, é restringir ‘a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo’.

Rigorosamente coerente com a Lei Maior, a liminar derruba as punições a jornalistas por supostos delitos de imprensa – mais severas, aliás, do que as previstas no próprio Código Penal, no capítulo dos crimes contra a honra (por exemplo, 3 anos de detenção em vez de 2, em casos de calúnia). Caem também as multas por notícias falsas, deturpadas ou ofensivas à dignidade alheia; a imunidade de altas autoridades da República à exceção da verdade; e a apreensão sumária de periódicos por subversão da ordem política e social ou por ofensa à moral e aos bons costumes. Um dos artigos suspensos é o que permite a censura a espetáculos e diversões. Outro é o que proíbe a estrangeiros a propriedade de organizações de comunicação de massa. Em relação a ambos, a liminar cria um ruído jurídico, dado que a Constituição deles já trata (a censura é admitida e a participação estrangeira, aceita, até o limite de 30% do capital da empresa).

O essencial é que a abolição da Lei de Imprensa, se se concretizar, não tornará a mídia inimputável nem premiará a leviandade jornalística. Em contrapartida, fará cessar a ‘escalada de intimidação’, como apontou o deputado Miro Teixeira, ‘que tem efeitos mais agudos contra os veículos de pequeno e médio portes, muitas vezes distantes da fiscalização popular dos grandes centros’.

E, acima de tudo, consagrará a visão contemporânea das condições para o exercício legítimo da atividade informativa, enunciadas pelo ministro Ayres Britto: ‘A imprensa não é para ser cerceada. Não é para ser embaraçada. É para ser facilitada e agilizada.’’

 

Felipe Recondo

‘Imprensa e democracia andam juntas’

‘Responsável pela liminar que derrubou 22 pontos da Lei de Imprensa, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto admite a possibilidade de propor, no julgamento final, a suspensão integral da lei. Caso avalie que todos os pontos afrontam a Constituição de 1988, proporá sua derrubada. ‘Se eu chegar à conclusão que nenhum dispositivo escapa, sem dúvida proporei isso’, afirmou ao Estado.

Britto deu a liminar anteontem a uma ação do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que pediu a suspensão de artigos da lei, que é de 1967, época da ditadura. Com ela, ficam suspensos todos os processos judiciais em andamento que invocam a lei e decisões que se baseiam nos artigos derrubados.

O plenário do STF terá agora de julgar o mérito da ação de Miro. A data ainda não foi marcada, mas é nesse julgamento que os ministros podem decidir acabar com a validade da Lei de Imprensa.

Com sua decisão, a Lei de Imprensa está adequada à democracia?

Não, não está. É uma lei que nasceu de uma ordem constitucional que se contrapõe à ordem constitucional de hoje, da era 1988. Por isso muitos de seus dispositivos entram em rota mortal de colisão com a atual Constituição.

Por quê?

A lei cuida da imprensa e tem por objeto de regulação a imprensa, mas a partir de uma ordem constitucional que não tinha a imprensa na mais alta conta. E agora a ordem constitucional tem a imprensa na mais alta conta. Então é natural que a lei esteja em descompasso com a Constituição. A Constituição fez da imprensa a irmã siamesa da democracia. Elas caminham juntas. Uma se alimenta da outra, uma é servente da outra. É uma relação de mútuo proveito.

Não demorou muito para alguém contestar essa lei?

Pois é. São as coisas da vida. A lei prorroga a vida indevidamente de uma Constituição vencida. Em termos de imprensa, essa lei, em boa parte, não totalmente, prolonga a vida de uma ordem constitucional superada. O que foi que fiz? Entendi que, mesmo sendo uma lei de 1967, ainda assim urgia suspender certas decisões judiciais proferidas com base em alguns dispositivos dela, porque não se pode perder nenhuma oportunidade de sair em defesa de uma instituição que é a imprensa, que a atual ordem constitucional tanto preza. Então entendi que havia perigo na demora da prestação jurisdicional. Se eu não decidisse imediatamente, poderia permitir que por mais alguns dias ou por mais alguns meses essa lei continuasse sendo aplicada.

Inclusive nessas várias ações judiciais da Igreja Universal contra meios de comunicação?

Pois é isso. Havia periculum in mora (perigo da demora) sim. Por esse perigo na demora da prestação jurisdicional é que eu resolvi afastar (os artigos da lei). Agora é uma decisão que o plenário é que vai dar a última palavra. A minha decisão foi apenas um pronto-socorro jurídico à liberdade de comunicação e de informação.

Mas por que o sr. não optou por suspender toda a lei?

Havia pedidos alternativos. Eu acolhi um deles, porque foi uma decisão singular. Eu resolvi suspender os processos e decisões que, a meu sentir, mais imediatamente cerceavam a liberdade de imprensa e a livre atuação profissional do jornalista. Outros aspectos mais abrangentes deixo que o STF aprecie no devido tempo.

É possível que toda a lei caia?

Ah, sim. Aí terei de fazer análise mais acurada, mais detida. E se chegar à conclusão que nenhum dispositivo escapa, sem dúvida proporei isso. Mas ainda não fiz essa análise, não dissequei toda a Lei de Imprensa.

Mas o sr. admite que há alguns artigos que continuam vigorando e não condizem com a Constituição, como o que proíbe a circulação de jornais que ‘atentem contra a moral e os bons costumes’?

Sem dúvida. Se na ação esse artigo estivesse, eu teria também atendido ao pedido. Outros artigos escaparam por enquanto, mas não resistirão por certo à análise detida, à luz da atual Constituição. A Constituição atual é meritória superlativamente pelo modo como tratou a imprensa. A liberdade de expressão, a liberdade de comunicação, o acesso à informação, o sigilo da fonte, a proibição de censura, tudo isso é um punhado de comandos constitucionais do mais alto valor. A imprensa é para ser azeitada, estimulada, desembaraçada. Sem isso não há democracia. Dois dos mais visíveis, vistosos pilares da democracia brasileira hoje são a informação em plenitude e de máxima qualidade e, em segundo, a visibilidade do poder, o poder desnudo.

Nesse sentido, a Constituição de 1988 foi um avanço?

Isso é avanço. Foi a superação de uma época de obscurantismo, de autoritarismo, de atraso mental. A imprensa cumpre esse papel de arejar as mentes. Eu não me canso de dizer que o Brasil experimenta uma quadra de arejamento mental, de depuração mental por efeito da democracia. Quando fazemos uma viagem democrática, é uma viagem sem volta, não se admite retrocesso.

Seria melhor o Congresso aprovar rapidamente uma nova lei?

Vivemos num mundo que se caracteriza pela velocidade das comunicações. As instituições interagem com rapidez, uma inspira a outra. Então quem sabe essa decisão sirva de motivação para o retomar da futura Lei de Imprensa. Que esse tipo de decisão sirva de motivação para esse retomar de estudos sobre o projeto de lei que tramita no Congresso e tenhamos celeridade maior.

Quem é: Carlos Ayres Britto

Foi nomeado ministro do STF em 5 de junho de 2003.

Integrou o Conselho Federal da OAB. Em Sergipe, foi procurador-geral de Justiça.

Foi professor de Direito na Universidade Federal de Sergipe e na PUC de São Paulo.’

 

Carlos Marchi

Para analistas, liminar é sinal para Legislativo

‘A liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que suspendeu a aplicabilidade da Lei de Imprensa, foi um sinal do Judiciário para que o Legislativo cumpra o seu papel de legislar, analisou o jurista Carlos Ary Sundfeld. ‘A Lei de Imprensa, editada no período da ditadura, estava na contramão dos ares democráticos aprovados com a Constituição de 1988’, afirmou o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cézar Britto.

Para o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, a decisão de Ayres Britto foi ‘um sinal eloqüente de que a Lei de Imprensa é anacrônica e está em visível descompasso com a Constituição’. Abramo disse esperar que o Congresso, agora, se deixe envolver pelo debate aberto e produza uma legislação moderna e democrática para regular as questões da imprensa, como o direito de resposta.

CONTROLE DA IMPRENSA

O cientista político José Alvaro Moysés, da Universidade de São Paulo (USP), comentou que a Lei de Imprensa é claramente incompatível com a Constituição de 1988, porque tem mecanismos de controle da imprensa que são inaceitáveis no regime democrático. Ele afirmou que, mais uma vez, o Poder Judiciário emitiu um sinal de alerta para que o País examine a qualidade de sua democracia. Moysés diagnosticou que o Congresso não tem cumprido o seu papel porque está ‘totalmente dependente do Executivo’.

A mesma advertência foi feita por Sundfeld: ‘Não é a primeira vez que o Judiciário age para sinalizar ao Congresso. Já houve o caso das greves do serviço público. Isso impõe um novo arranjo na relação entre os Poderes constituídos no Brasil’, assinalou. Cézar Britto registrou que a decisão do STF foi ‘muito positiva’ e argumentou que a Lei de Imprensa tornava a profissão de jornalista ‘mais apenada do que qualquer outra’.

‘Não faz nenhum sentido que os jornalistas sejam penalizados além do que prevê o Código Penal’, disse Abramo. Para ele, agora o Congresso não poderá mais retardar o exame de uma legislação mínima para regular o papel da imprensa, assim como estará sob pressão para ‘passar um filtro’ na legislação anterior à Constituição de 1988. ‘A meu juízo, é importante regular o direito de resposta para proteger os direitos das pessoas’, afirmou.

Sundfeld disse que a imprensa brasileira estava se tornando vulnerável porque sua atividade estava sendo fiscalizada por uma lei autoritária. ‘A Lei de Imprensa não era uma regulamentação que protegesse a liberdade de imprensa. Ao contrário, ela foi criada num contexto em que se pretendia, por razões políticas, coibir a liberdade de expressão no Brasil’.

Moysés opinou que o Congresso deve recolher os sinais emitidos em sua direção para aperfeiçoar a qualidade da democracia e rever o ordenamento jurídico de muitas leis equivocadas. ‘Não é só a Lei de Imprensa. O atual Código Penal tem dispositivos que permitem a criminosos do colarinho-branco apelar indefinidamente e postergar punições que a Justiça lhes poderia aplicar.’’

 

Marcelo de Moraes

Resistência política manteve lei em vigor, diz Miro

‘Autor da ação impetrada junto ao STF que garantiu a liminar que derruba parte da Lei de Imprensa, o deputado Miro Teixeira (RJ) diz que resistências políticas impediram que a norma fosse revogada antes. Ele avalia que a lei já deveria ter sido cancelada na Constituinte de 1988 e acha que a decisão tomada pelo ministro Carlos Ayres Britto foi ‘histórica’.

‘Batalho contra essa lei há 20 anos. Ela é uma causa muito grande’, afirma Miro. ‘O ministro teve posicionamento espetacular porque enxergou o todo e atendeu ao que manda a Constituição. Essa Lei de Imprensa já deveria ter acabado há muitos anos’, avalia.

Miro acredita que a lei foi mantida desde 1967 porque havia um receio dos políticos. ‘O Senado chegou a aprovar um projeto nesse sentido de autoria do senador Jefferson Péres (PDT-AM) que nunca foi votado na Câmara. Acredito que existia temor dos políticos de mudar essa lei e dos efeitos que isso poderia provocar.’ O deputado espera, agora, que o STF vote a extinção da lei.

Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, foi correta a decisão do ministro. ‘A Lei de Imprensa estava na contramão da Constituição’, afirmou. ‘Ao romper com o entulho autoritário da ditadura, a Constituição quis privilegiar a liberdade de expressão como um antídoto eficaz contra todo o sistema de exceção.’’

 

DIRCEU E A MÍDIA
Clarissa Oliveira

Dirceu ataca ‘‘ditadura da mídia’

‘O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu voltou a criticar a imprensa em seu blog na internet, ao comentar o caso do reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland. Ele afirmou que o fato de a maioria dos professores da UnB ter votado contra o afastamento do reitor demonstra que a imprensa não conseguiu ‘queimá-lo vivo’.

‘Espero que este fato assinale o começo de uma resposta à ditadura da mídia que aos poucos foi se impondo e hoje já reina absoluta e ao denuncismo irresponsável que tomou conta do pais’, afirmou.

O reitor ganhou as manchetes após o Ministério Público do Distrito Federal ter apontado gasto de R$ 470 mil para decorar o apartamento onde ele morava. Segundo Dirceu, essa foi uma ‘primeira resposta’ ao ‘massacre e linchamento da mídia, ao prejulgamento que ela faz diariamente, de tudo e de todos, ignorando, nessa prática, a presunção de inocência e o devido processo legal’.’

 

TELES
Nilson Brandão Junior

BrT e Oi discutem alternativas à fusão

‘Grande parte das discussões na reta final das negociações para a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi estão concentradas nos cenários possíveis para o caso de a Anatel eventualmente não aprovar o acordo. Ainda que considerada pouco provável pelos envolvidos no negócio, a hipótese é analisada por acionistas das duas empresas.

Já está definido que a BrT partiria para uma pulverização de ações, e ainda se discute que impacto isso teria sobre o processo de consolidação do controle do Grupo Oi na holding TmarPart, previsto para acontecer em paralelo à compra da BrT pela Oi.

Uma fonte que acompanha as negociações explica que a montagem desses cenários e as reivindicações do Opportunity, de Daniel Dantas, são os dois fatores que estão atrasando o acordo, que já teve pelo menos três datas para anúncio não cumpridas. Citigroup e fundos de pensão, sócios do Opportunity na BrT, precisam da concordância de Dantas para simplificar a estrutura societária da operadora e com isso obter ganhos, como a economia no pagamento de até R$ 1 bilhão em impostos decorrentes da operação. Isso porque, na prática, o controle da BrT envolve um complexa teia societária com, várias empresas em cascata.

Mantida essa estrutura, o imposto final a ser pago sobre o lucro da operação de venda das participações dos sócios seria quatro vezes maior do que se a estrutura fosse simplificada. A idéia dos fundos e do Citi é incorporar essas empresas em uma única controladora, melhorando o que as fontes que analisam o acordo chamam de ‘eficiência tributária’.

Uma outra fonte explica que, caso o Opportunity não concorde com a simplificação, todos os sócios pagarão mais imposto. ‘A idéia é implodir a cadeia de controle que envolve pelo menos quatro empresas na linha principal de controle da BrT.’

Além dessa questão, advogados e representantes dos acionistas discutem que efeitos de uma eventual não aprovação da Anatel teria para a compra da BrT pela Oi. As informações são de que, no âmbito da BrT, a saída seria partir para a pulverização, o que atenderia aos objetivos dos fundos de pensão e ao projeto do Citigroup de sair do negócio. No caso da consolidação da TmarPart, parece certo que acionistas como a GP Participações e o próprio Citigroup, também no capital do Grupo Oi, não aceitarão a volta do negócio à estaca zero.

Isso quer dizer que, caso a compra da BrT pela Oi não seja aprovada, GP e Citi mantêm a disposição de sair do negócio. A dúvida é como ficaria a estrutura societária da Tmar caso a operação de compra não se concretize. ‘Se gasta muito tempo discutindo como essa hipótese afetaria a consolidação do controle’, diz uma fonte.’

 

OSCAR
Ubiratan Brasil

Loucas pelo tapete vermelho

‘Protegido por um plástico, que só será removido amanhã, o tapete vermelho que conduz estrelas ao Kodak Theatre para a cerimônia do Oscar pode significar o caminho da glória ou do fracasso. ‘Afinal, ninguém pode lembrar no dia seguinte quem ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Mas todos se lembram de Gwyneth Paltrow em seu vestido rosa-chiclete de bailarina assinado por Ralph Lauren’, comenta Julian Tennant, estilista que, como todos em Hollywood, anda na corda bamba na semana que antecede à cerimônia, tentando convencer estrelas a desfilar no tapete com seus modelitos.

Tennant não existe. É um dos tresloucados personagens de Celebutantes (Rocco, tradução de Pinheiro de Lemos, 376 páginas, R$ 40), romance que trata justamente dos bastidores da mais concorrida semana do ano em Hollywood, sete dias que funcionam como uma contagem regressiva até o momento em que os envelopes sejam abertos e os novos reis e rainhas do cinema sejam conhecidos. Com lançamento simultâneo em 12 países, Celebutantes seria mais um romance engraçadinho não fosse a trajetória de suas duas autoras: Amanda Goldberg, que é filha do legendário produtor Leonard Goldberg, e Ruthanna Hopper, que tem um pai famoso, o ator Dennis Hopper.

Familiarizadas com o cinema desde o jardim da infância, as duas amigas colecionaram histórias suficientes para rechear Celebutantes, mistura de ficção e realidade. O ponto de partida é Lola Santini, filha de um diretor de Hollywood que, uma semana antes da entrega do Oscar (no qual seu pai concorre pela segunda vez), aceita ajudar um amigo, Tennant, a arrebanhar vips para exibirem seus vestidos na cerimônia.

Acostumada a visitar festas nas quais Francis Ford Coppola pode ser visto conversando na sala, Angelina Jolie preparando um drinque na cozinha e Britney Spears vomitando no banheiro, Lola parece a pessoa certa para a missão. O único tropeço está na facilidade com que se mete em confusões e, pior, por sofrer do mal que ela mesma reconhece como ‘atorholic’, ou seja, ser viciada em namorar atores narcisistas para tentar superar o relacionamento com um pai incapaz de amar qualquer outra pessoa que não seja ele próprio.’

 

***

Bastidores da guerra de egos

‘Rastejar é o mínimo que se pode fazer para convencer um ator em ascensão ou a ?nova futura Julia Roberts? a escolher o traje que vai vestir na entrega do Oscar. É o que Lola Santisi logo descobre quando inicia sua batalha em defesa dos vestidos e dos ternos desenhados por Julian Tennant, aliás, seu ‘melhor amigo gay’, como define esse e outros amigos e inimigos.

Como é narrado por Lola, Celebutantes oferece ao leitor uma infindável série de comentários venenosos capaz de envergonhar o mais ácido dos cronistas mundanos. Ela nasceu justamente num dia de entrega do Oscar. ‘Minha mãe estava no meio de uma mordida da ainda nada famosa pizza de salmão defumado, do chef Wolfgang Puck, no meio do Oscar de melhor ator de Dustin Hoffman, quando sua bolsa estourou’, conta.

Logo, Lola descobriu a dificuldade de se relacionar com o pai-diretor,de quem só conseguia notícias frescas se assistisse diriamente ao Entertainment Tonight. Na batalha de egos, aliás, ela rapidamente descobriu pessoas pós-graduadas em falta de caráter, com mestrado em manipulação e doutorado em punhalada pelas costas.

Lola conta sua dura trajetória usando como referências o que sabe de cada um do mundo cinematográfico. São os momentos mais maldosos do romance e, claro, mais saborosos. Afinal, é fácil imaginar a dificuldade enfrentada pelo irmão, Christopher, quando ele dá a impressão de que foi arrancado de um filme de zumbi do George Romero. Isso quer dizer que ele já está bem encaminhado para o fundo do poço, mais conhecido por Britney Spears.

As autoras Amanda e Ruthanna não se preocupam em camuflar nomes. Quando descobre que Scarlett Johansson desiste de usar um vestido de Julian, Lola desabafa: ‘Detestar esse vestido seria como detestar Cidadão Kane.’

A dupla de escritoras não nega fogo também em mostrar a sujeira debaixo do tapete, revelando alguns macetes da sétima arte. É o caso de uma atriz, que desiste de participar do filme dirigido pelo pai de Lola, pois teve de se internar em uma clínica por ‘exaustão’. ‘Todos sabem o que quer dizer ?exaustão? em Hollywood: a inevitável revelação para a revista Star, feita por um ?amigo querido?, de que você foi vista cheirando como uma porca nos bastidores de festa beneficente.’

O consumo de maconha e o ator que dorme com o diretor em busca de um papel de destaque na próxima produção não passam, no livro, de café pequeno. Os artistas são hoje muito mais paparicados que no passado, recebendo absurda quantidade de presentes caros. E são tão capazes de abrir mão dos mimos quanto Mel Gibson de se converter ao judaísmo. ‘Essas celebridades não sabem como se dão bem agora.’ Ela relembra um caso: quando foi indicada para o prêmio de melhor atriz por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, em 1977, Diane Keaton só ganhou a estatueta e mais nada. Pior: dirigiu pessoalmente seu Volkswagen, usando o terno emprestado do irmão.

O importante é saber enfrentar a cerimônia do Oscar e as festas que se seguem. E descobrir, no dia seguinte, que a carreira ainda está sob controle; a vida amorosa, sob controle; a cura do câncer, sob controle; e, como ninguém é de ferro, também as novas botas Chanel de couro crocodilo, sob controle.’

 

Vestidas para matar fotógrafos e concorrentes

‘Com a chegada de mais uma cerimônia de entrega do Oscar, Amanda Goldberg e Ruthanna Khalighi Hooper cumpriram uma rápida e exaustiva maratona pela Europa para lançar o livro. No Brasil, um dos 12 países que agora publicam Celebutantes, a editora Rocco preparou um esquema de divulgação que inclui filmes publicitários exibidos em cinemas do Rio e São Paulo, além de 60 mil cartões-postais distribuídos nas duas cidades e anúncios na mídia impressa.

Também nos EUA, o marketing é agressivo e inclui quatro vídeos que promovem o livro na internet. Os filmetes foram dirigidos por McG (Joseph McGinty Nichol), diretor do longa As Panteras, e estão disponíveis no seguinte endereço: www.youtube.com/Celebutantes1. Em uma brecha de sua viagem européia, Amanda e Ruthanna responderam, por e-mail, às seguintes perguntas do Estado. Respostas concisas, mas espirituosas.

O que é considerado proibido em Hollywood?

Mas há algo proibido em Hollywood?

A festa do Oscar pode ser o momento mais memorável (ou vergonhoso) na carreira de uma estrela?

Sim, depende da sua colocação na lista dos Mais Mal Vestidos.

Como autoras, o que vocês acharam da greve dos roteiristas?

Ficamos felizes principalmente por aqueles que estavam sem trabalho. E também, claro, porque o ‘grande show’ tem de continuar.

Qual é a maior obsessão durante a semana antes do Oscar?

O que elas estarão vestindo? O que elas estarão vestindo? O que elas estarão vestindo?

O que celebridades como Paris Hilton e Diane Keaton, citadas de maneira nada elogiosa em sua história, vão dizer sobre o livro?

Elas poderiam rir – muito.

O advogado de vocês aconselhou a não brincar com algum assunto em particular?

Trata-se de um romance satírico de ficção. É engraçado. Nada ultrapassa os limites.

Outra cerimônia de entrega do Oscar está chegando. Assim, novas situações embaraçosas são esperadas?

É uma noite para se soltar e se divertir. Claro que muita coisa embaraçosa vai acontecer, mas sorte sua se não se lembrar de nada na manhã seguinte.

Vocês são fãs de Ellen Page, a atriz de Juno?

Com um rostinho como aquele, com diálogos como aqueles, quem não seria?

O estrelato pode ser um fardo?

Depende de sua constituição física. Para a Britney Spears tem sido rude demais. Mas torcemos por ela.’

 

 

TELEVISÃO
Etienne Jacintho

Bush na berlinda

‘O canal Sony vai estrear em seu bloco Politicamente Incorreto – P.I., no dia 4 de março, duas comédias que satirizam o presidente americano George W. Bush. That’s My Bush, que irá ao ar às 21 horas, leva a assinatura de Trey Parker e Matt Stone, criadores da animação South Park. A dupla solta a imaginação ao recriar o dia-a-dia da família de Bush e abordar temas polêmicos como aborto, porte de armas e pena de morte com crítica e bom humor.

Donick Cary, roteirista de Os Simpsons, é o responsável por Lil’Bush, que entrará em cartaz às 21h30, e mostra o presidente Bush no jardim de infância. Alguns de seus colegas de classe são a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice; o ex-secretário da Defesa Donald Rumsfeld; e o polêmico político republicano, Dick Cheney. Juntos, Bush e seus amigos aprontam travessuras na sala de aula.

That’s My Bush e Lil’ Bush entram no lugar de Balls of Steel – uma ótima troca. Da Ali G Show também sai e abre espaço para o The Sarah Silverman Program, com Sarah Kate Silverman, uma espécie de Jerry Seinfeld de saias. 30 Rock continua no bloco, às 20 horas.’

 

OBITUÁRIO
Beth Néspoli

Rubens de Falco morre aos 76 anos

‘Morreu na manhã de ontem, aos 76 anos, o ator Rubens de Falco. Há dois anos ele estava internado no Centro Integrado de Atendimento ao Idoso (Ciai), no bairro do Morumbi, em São Paulo, onde tentava recuperar-se de problemas causados por um derrame. O corpo do ator foi velado no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, e o enterro estava previsto para ontem, às 16 horas, no Cemitério da Consolação. Neto de italianos, Rubens de Falco nasceu em 19 de outubro de 1931 em São Paulo, começou sua carreira no teatro, na década de 50, e ao longo da vida criou dezenas de personagens, alguns inesquecíveis, para os palcos, o cinema e a televisão.

Certamente seu nome logo faz lembrar personagens de novelas como Leôncio, de Escrava Isaura (1976), ou Samir Hayala, de O Astro (1978). Mas talvez poucos se lembrem que seu primeiro prêmio de ator em televisão tenha vindo pela novela A Rainha Louca (1967), na qual contracenava com Nathalia Timberg. E mais. Em muitas entrevistas declarou que o personagem que mais gostara de construir não fora Leôncio, mas Agenor, de O Grito (1975), de Jorge Andrade.

Começou sua carreira no teatro amador, em 1951, com Ítalo Rossi. No ano seguinte já integrava o elenco de Ralé, de Gorki, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), onde também participou dos espetáculos A Dama das Camélias e Antígona. No coro dessa tragédia nasceu o grupo Os Jograis de São Paulo, idéia de Ruy Affonso – de levar ao palco poesias de Fernando Pessoa na forma de um recital de múltiplas vozes.

Despojados na forma, verticais na interpretação, os recitais conquistaram o público. Muitos atores passaram pelo grupo, entre eles Armando Bogus. Rubens de Falco viajou com esses espetáculos de poesia por todo o Brasil e ainda México e Portugal. ‘Com os jograis aprendi a saborear a palavra, a usá-la no tempo correto’, diria ele anos mais tarde, já astro consagrado de televisão, ao falar sobre sua formação de ator.

Nos primeiros anos de sua carreira, passou por várias companhias importantes: além do TBC, integrou o Teatro Íntimo, de Nicette Bruno, e o Teatro das Segundas-Feiras, dirigido por Ruggero Jacobbi. Na Cia. Nydia Licia atuou sob direção de Sérgio Cardoso em Lampião, de Rachel de Queiróz. Não por acaso, a atriz foi quem escreveu sua biografia Um Internacional Ator Brasileiro para a Coleção Aplauso. No teatro, ainda contracenou com Tônia Carrero em Casa de Bonecas, de Ibsen, e arriscou-se sob direção de Gilberto Gawronski em Cartas na Mesa, de Joe Orton.

Em 2004, já ator consagrado, atuou na peça Galeria Metrópole, de Mário Viana, de modesta produção, no recém-inaugurado Teatro dos Arcos. ‘Rubens era um companheiro de cena dos mais solidários. Com ele, não havia a figura da diva e dos figurantes. Eram todos marinheiros encarregados de levar o mesmo barco – a peça – até o destino final, que era a platéia’, lembra Mário Viana.

Embora faça parte de uma geração que sedimentou sua carreira nos palcos, cinema e televisão entraram muito cedo em sua vida. Em 1954 já havia feito três filmes na Vera Cruz, entre eles o famoso Floradas na Serra, que atualmente pode ser visto em vídeo e tem no elenco Célia Helena e Cacilda Becker. Foram mais de 30 longas – Pixote, A Lei do Mais Fraco e Sonhos Tropicais, entre eles – com destaque para Coronel Delmiro Gouveia, de Geraldo Sarno, criação pela qual ele nutria especial predileção. Ele ainda está no elenco de um filme inédito, Fim da Linha, de Gustavo Steinberg, que tem estréia prevista para o dia 7.

Na década de 90, Rubens de Falco provocou polêmica ao reclamar da inflação de jovens celebridades nas novelas em detrimento da experiência. ‘Um ator jamais pode confundir popularidade com talento’, dizia. Sua trajetória por palcos e telas faz pensar que não se tratava de mera frase de efeito, mas de sabedoria praticada no dia-a-dia.’

 

Roberta Pennafort

Morre no Rio, aos 95 anos, o ator Oswaldo Louzada

‘Um dos atores mais antigos em atividade no Brasil, com mais de 60 anos de carreira, Oswaldo Louzada, o Louzadinha, como era chamado carinhosamente pelos colegas, morreu ontem de madrugada, aos 95 anos, no Rio. Fumante, tinha câncer de pulmão e estava internado havia duas semanas no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Copa D’Or. Segundo o hospital, a causa mortis foi falência múltipla dos órgãos.

Ator de cinema, teatro e TV, ele fez muito noveleiro chorar, em 2003, com seu papel em Mulheres Apaixonadas. Na trama de Manoel Carlos, vivia Seu Leopoldo, um avô maltratado pela neta mimada, Dóris, interpretada por Regiane Alves. Durante as gravações da novela, em que fazia par com a atriz Carmem Silva, Louzada chegou a comemorar seu aniversário de 91 anos – a equipe organizou uma festa-surpresa no Projac. Sua última participação na Globo, na condição de convidado especial, foi no humorístico Sob Nova Direção, quatro anos atrás, quando contracenou com Ingrid Guimarães, Heloisa Perissé e Laura Cardoso. O enterro do corpo de Louzada estava marcado para o fim da tarde de ontem.

Louzadinha nasceu no Rio, em 1912. Celebraria seus 96 anos em abril. Ele deu início à carreira em São Paulo, em 1944, dirigido por Vianinha – foi no rádio-teatro da Rádio Panamericana. Ainda em 44, foi escalado para o elenco de dois filmes da Atlântida, dirigidos por Moacyr Fenelon: Gente Honesta e É Proibido Sonhar. O ator chegou à telinha da TV na década de 70. Como coadjuvante, participou de várias novelas globais de sucesso, como Estúpido Cupido, Locomotivas, Final Feliz, Hipertensão,Cabocla (versão original) e Vamp. E também de minisséries de grande repercussão: O Tempo e o Vento, Desejo, O Quinto dos Infernos, O Primo Basílio e Engraçadinha.

No cinema, sua aparição foi ainda mais constante: foram cerca de 20 filmes, entre eles o clássico O Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, Lampião, Rei do Cangaço, de Carlos Coimbra, Uma Garota em Maus Lençóis, de Wilson Cunha. Contracenou com atores como Grande Otelo, Henriqueta Brieba e Vanda Lacerda, e sobreviveu a todos eles.’

 

 

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