Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

BLOGS LITERÁRIOS
Francisco Quinteiro Pires

Eles não deixaram de amar o papel

‘Caro blog, no começo desta década você surgiu como diário particular. E, claro, virtual. Ninguém te chamava de weblog, era blog mesmo, talvez porque seja mais bacana falar assim. Mas, em vez de te guardarem a sete chaves numa gaveta, os seus donos queriam mesmo é que os outros te lessem. Logo, os escritores, e aspirantes a escritores, te notaram. Falava-se que ali surgia a geração 00 da literatura brasileira. Você vinha cheio de promessas. Você era livre e acessível. Era uma febre. Além das palavras, descobriram que você aceitava outros recursos, como a imagem e o áudio. Neste ano, até fizeram um filme baseado nos textos de uma escritora e blogueira, a Clarah Averbuck. E hoje te lançam a pergunta: quantas dessas promessas se realizaram após a febre ter passado?

Para saber a resposta, o Estado consultou mais de uma dezena de escritores que têm ou tiveram blogs, páginas na internet onde é possível postar (divulgar) textos gratuita e livremente, sem o usuário conhecer a linguagem HTML, utilizada para criação de sites. A maioria vê o blog como ferramenta de divulgação de trabalhos, além de ponto de encontro com os colegas.

Embora seja cedo para afirmar categoricamente qual o poder do blog de transformar a literatura, o que se vê é esse espaço virtual sendo usado para exercitar um estilo, antes de o autor chegar ao papel. ‘O blog se oferece como uma pista de provas sem limites’, diz Cíntia Moscovich, que vai ‘matar’ seu blog criado em 2005; falta tempo para cuidar dele, uma das grandes dificuldades para manter a ferramenta atualizada.

O livro continua como o suporte por excelência da literatura, ‘ele é um ?software? invencível’, brinca o catarinense Cristovão Tezza, que não tem blog, mas um site – www.cristovaotezza.com.br. ‘Ninguém quer ser escritor de blog’, segundo Daniel Galera, um dos pioneiros na web a falar de literatura no mailzine CardosOnline, com Averbuck e Daniel Pellizzari. Segundo Galera, o blog não influencia o fazer literário, porque, a exemplo de um fanzine xerocado, ele é um meio de divulgação. Em abril do ano passado, ele desativou o blog, onde não publicava ficção.

Na última década houve a comparação da geração do mimeógrafo, dos anos 1970, com a dos blogueiros, lembrada por João Paulo Cuenca, que criou um blog para falar dos bastidores do romance Corpo Presente (2003). Hoje ele está hospedado n?O Globo Online, onde divulga opiniões. ‘Blog é qualquer coisa menos literatura, é uma ferramenta mercadológica, e genial, para expor seu trabalho.’ Cuenca diz ter perdido a paciência com esse meio virtual. ‘Eu me sinto próximo do leitor, o que é bom, mas interatividade em excesso pode prejudicar o processo ficcional, no qual é preciso mergulhar’, afirma. Se há uma influência, diz Cuenca, ela não está no nível da linguagem, mas no fato de o blog ter criado uma rede de relacionamento entre escritores.

‘O blog é outro gênero literário, tem o post, assim como tem a novela, o conto, o romance, etc.’, discorda Lucia Carvalho, do frankamente.blogspot.com, que recebe cerca de 500 entradas por dia. Para ela, o ato de postar possui um elemento transformador da literatura, que, embora a blogueira não especifique, tem a ver com o tamanho menor e a leitura rápida dos textos. Lucia chegou ao papel na coletânea 35 Segredos Para Chegar a Lugar Nenhum (Bertrand Brasil). Ela tem um livro na gaveta, à espera de uma editora.

Dono do www.eraodito.blogspot.com, uma agência de notícias literárias, Marcelino Freire diz que o blog espelha a doença do mundo atual: a pressa. Marcelino não publica ficção nem os bastidores da sua literatura na web – ‘não consigo aparecer de pijama na sala’. Ele acredita que ‘o blog transforma a literatura, apesar de não saber onde, como o bico-de-pena influenciou Machado de Assis e o tiquetaque da máquina de escrever deu voz dramática própria aos escritores que a utilizavam’. O computador possibilita ao escritor assistir ao que faz, como se fosse uma televisão. Antes de começar um conto, ele visita sites e acessa e-mails, o que pode influenciar sua direção ficcional.

As relações entre blog e literatura vieram à tona quando Nome Próprio, de Murilo Salles, estreou nos cinemas no mês passado (ainda em cartaz). Baseado no livros Máquina de Pinball (2002) e Vida de Gato (2004) e em posts do www.brazileirapreta.blogspot.com, todos de Clarah Averbuck, o filme conta a história de Camila (Leandra Leal), aspirante a escritora que cria um weblog acessado por internet discada. É um canal em que ela acessa os demônios interiores para manifestá-los ao mundo externo.

Classificado de ‘mídia eucêntrica’ pela estudiosa Maria Regina Momesso, o blog pode ser considerado ‘uma técnica de si’. Ela recorreu a esse conceito de Michel Foucault para estudar como os internautas podem, além de manifestar uma subjetividade, construir uma identidade por meio do discurso. E, assim, sair do anonimato. Para Cristovão Tezza, os blogs vieram na esteira de uma tendência mundial da literatura, em que a ficção perde terreno para a não-ficção, dando vez à exposição (auto)biográfica.

Doutora em lingüística pela Unesp, Maria Regina estuda a linguagem dos blogs desde 2004. Diz que a ‘técnica de si’ pode ser verificada já na Grécia antiga, onde aprendizes relatavam angústias e dúvidas em cadernos de notas. Esses cadernos eram lidos pelos mestres, que, ao interpretarem o conteúdo, ensinavam filosofia e oratória aos discípulos – era uma preparação para o estar no mundo. ‘As pessoas escrevem porque é uma forma de autoconhecimento’, ela diz. Narrar por escrito ou oralmente é o mesmo que conhecer, segundo a etimologia desse verbo. Escrever é deixar marcas no mundo, enquanto se é marcado por ele. E a palavra voltou a circular com força quando a internet nasceu.

‘Nos anos 1980 e 90, dizia-se que iríamos viver numa cultura ágrafa por causa da televisão e do telefone’, diz Tezza. ‘Mas nunca houve tanta palavra circulando desde então’, completa. Para ele, a literatura tem antena ligada com a linguagem real e o mundo concreto. Por isso é difícil fazer qualquer previsão: o futuro das relações entre blog e literatura à geração 10 pertence. É, caro blog, só resta dizer: quem te viu e quem te verá.’

 

 

 

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Frases

‘‘O blog se oferece como uma pista de provas sem limites.’

CÍNTIA MOSCOVICH

‘Ele transforma a literatura, apesar de não saber onde, como o bico-de-pena influenciou Machado de Assis e o tiquetaque da máquina de escrever deu voz dramática própria aos escritores que a utilizavam.’

MARCELINO FREIRE

‘O blog é outro tipo de gênero literário, tem o post, assim como tem a novela, o conto, o romance, etc.’

LUCIA CARDOSO

‘Blog é qualquer coisa menos literatura, ele é uma ferramenta mercadológica e genial para a exposição do trabalho.’

JOÃO PAULO CUENCA

‘Eu me sinto mais próximo do leitor, o que é bom, mas interatividade em excesso pode prejudicar o processo ficcional, no qual é preciso mergulhar.’

JOÃO PAULO CUENCA

‘Nos anos 1980 e 90, dizia-se que iríamos viver numa cultura ágrafa por causa da televisão, mas nunca houve tanta palavra circulando desde que a internet apareceu.’

CRISTOVÃO TEZZA

‘Ninguém quer ser escritor de blog.’

DANIEL GALERA’

 

 

Fabrício Carpinejar

Epístola aos Blogueiros

‘Nunca invejei Santo Agostinho pela sua salvação. Não conseguiria repeti-lo. Guarda-se a impressão de que ele quis se livrar da danação no ombro do Pai. Olhando de perto, ele foi mais corajoso do que conformista. Antecipou o inferno. Não esperou para sofrer na outra dimensão. Pagou à vista o inferno. Converter não é encontrar Deus, é encontrar o inferno.

Blog é prova de resistência. Um big brother ao avesso dos gêneros literários. Em vez de ser conhecido, corresponde a mergulho no anonimato. Distinto da noção do senso comum de que se trata de um lugar para aparecer. O resultado final (a possível badalação de um endereço virtual) não expõe a realidade. Os exibidos foram antes tímidos, os extrovertidos foram antes introvertidos. É a mais dolorida experiência editorial. O mais severo teste vocacional. Uma ferramenta do diabo, capaz de sugar sua vida ou sua aspiração.

Indica a fronteira entre o amador e o escritor, entre o diletante e o renitente, entre o curioso e quem não consegue se afastar da compulsão narrativa. O amador cansará nos primeiros meses. Vai deduzir que não vale a pena o trabalho, que ninguém lê. Uma tortura postar textos durante três meses e não receber nenhum comentário. São os 40 dias do deserto, com as tentações sobrevoando o teclado. ‘Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio e, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, teve fome’ (Evangelho de Mateus, capítulo 4, versículo 1).

Você pensou que aquilo seria a glória instantânea. Caprichou na redação, no humor e nas perspectivas singulares de captura do cotidiano. Mas o único que entra no site é você. Chega a esbarrar consigo entre tantos acessos e atualizações. Uma miragem. Cada texto é um quarto vago. Procura contornar o drama. Manda um aviso de postagens para os amigos; manda um aviso de postagens para os desconhecidos, catando endereços aleatórios. Nada mais o separa de um Spam. Recebe avisos ásperos: ‘não o conheço’ ou ‘favor me excluir da lista’. A humilhação não começou. O desespero o obriga a fazer atos impensáveis: entrar de computadores diversos para fazer com que o contador se mexa de alguma forma. Assim como um atacante chuta a bola para as redes alheio à marcação do impedimento. Para se livrar do azar. Ainda que esteja quebrando uma das regras básicas do jogo e leve um cartão amarelo. Não há nem juiz para lhe dar cartão amarelo.

Percebe que lançou um texto com um erro gravíssimo de português. Estava na rua quando lembrou a indecisão ortográfica, longe de qualquer terminal. Corre para uma lan house, consome seu suspiro sem sentir o gosto, arruma e conclui que tampouco alguém reparou.

Decide escrever qualquer coisa que continuará sendo qualquer coisa. O isolamento do blog produz alucinações. O contador de visitas parece uma bomba-relógio: anda para trás. Mas tortura é quando finalmente recebe um comentário. Alegria aflita para abrir a janela, quem será? quem será?, descobre que partiu do pai ou da mãe, solidário com sua desgraça.

Sua personalidade passará a se dividir, e não multiplicar como desejava. Sede de laranjas. Laranjas! Sem pudor, cria pseudônimos para deixar comentários (o blog, pelo menos, obriga que seja seu próprio leitor). Diverte-se no sofrimento ao inventar formas de agradecimento pelos textos. Não economiza elogios ao estilo. Estará perto da internação quando se convence de que aqueles comentários não são seus e ainda responde aos e-mails falsos. Hora do soro!

Escrever na rede é uma tentativa de suicídio, chamar atenção dos outros para a nossa carência. Um aviso escandaloso da nossa fragilidade. Pensando bem: publicar é um suicídio frustrado. Quando o ímpeto de sair da vida é usado para entender a própria vida e as dificuldades enfrentadas pelos demais autores.

Uma das virtudes do blog é sua provação. Agüentar os contratempos no osso. Ver que não é um elogio que o fará continuar, muito menos uma crítica que o fará desistir. Que nascer para a letra é amar a insuficiência. O escritor se sucede progressivamente. Melhora. Estar sozinho é ainda estar povoado. Povoado por dentro. Pelos personagens, pelas histórias familiares, pela observação aprofundada dos seus arredores. Só quem foi fantasma um dia poderá alimentar seus fantasmas. Procura-se um reconhecimento externo e encontra-se algo mais preciso: a afirmação pessoal na persistência. Procura-se lá fora o que já se tinha. Como diz Santo Agostinho: ‘Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim.’

O esforço de sair da solidão ajuda curiosamente a fortalecê-la. Compreende que não escreve para completar um diário, ou para repetir sua história, se fosse assim não contaria com assunto para atualização semanal, mesmo que desfrutasse uma trajetória acidentada e heróica como a de Hemingway. Escreve para duvidar e se banhar na luminosidade da confusão biográfica.

Um texto postado é como um texto impresso. Mais fácil para localizar os erros, os tropeços, formar distanciamento. Confere uma maioridade na escrita, reforça uma postura profissional de jardinar e cuidar do verbo, de alterar a prosa e a poesia em nome da transparência e da fluidez. Há a formação gradual de uma assinatura, transmitindo uma visão de ser responsável por aquilo que se diz, de assumir honestamente as dívidas da boca. Organiza-se o rascunho, que é bem mais duro do que redigi-lo.

Não é fácil a rotina da blogosfera. Terá que superar vários fins, várias negativas, várias mortes. Superar a expectativa de fama pelo prazer do texto. Por isso, o prazer necessita ser mais forte do que a dor. O masoquista é o que gosta mais do sofrimento do que da carícia. O blogueiro é o que esquece a ferida pela alegria. A diferença entre guardar o inédito no blog e na gaveta: o blog é uma gaveta aberta.

Fabrício Carpinejar, poeta e jornalista, é autor de Meu Filho, Minha Filha e do blog fabriciocarpinejar.blogger.com.br’

 

JOÃO UBALDO PREMIADO
Vinicius Jatobá

Ubaldo, inteiramente ele mesmo

‘São muitos Ubaldos Ribeiros que cabem em João Ubaldo Ribeiro. Do hermético e cerrado ao leve e legível e divertido; do sério pensador político ao politiqueiro de botequim; do existencial e etéreo ao profano e carnal; o prosador exigente dos romances, o escritor relaxado das crônicas. Inclusive o autor de esplendorosas obras-primas, e de medonhos fracassos (como Diário do Farol e Setembro Não Tem Sentido). Mestre absoluto de si mesmo, sufocado na sua recepção pela euforia míope da crítica que quer um novo Rosa e Lispector quando temos Nassar, Osman Lins, Nava e o próprio Ubaldo já ocupando espaços cativos nesse cimo elevado de excelência, é um escritor do qual o Brasil parece sentir um verdadeiro orgulho encabulado diante de sua obra. Que Ubaldo Ribeiro, recém-vencedor do Prêmio Camões, pertence ao grupo de grandes mestres do continente, que está à altura de Naipaul, García Márquez, Rulfo, Nassar, Faulkner, Onetti, isso devia ser já moeda corrente e motivo de celebração: qual outro autor vivo de expressão portuguesa em atividade possui três obras-primas? Lobo Antunes escreveu Exortação aos Crocodilos e Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, Cony criou Quase Memória e Francisco Dantas tem seu Coivara da Memória, Hatoum tem Relato de Um Certo Oriente, Zulmira Ribeiro Tavares é dona dessa jóia secreta chamada O Nome do Bispo e Piñon pode exibir orgulhosa sua novela Fundador. O único escritor de língua portuguesa hoje que faz frente a João Ubaldo Ribeiro, colunista do Estado, tanto no manejo luxuriante da língua quanto na versatilidade imaginativa e criadora, é José Saramago e a diferença entre eles é o Prêmio Nobel. Diferença essa, inclusive, que qualquer outubro sueco desses poderia anular sem a menor surpresa.

No espectro geral, existem dois Ubaldos. O primeiro Ubaldo, furioso e cerrado, agressivo e selvagem, autor da inegociável seqüência de obras-primas Sargento Getúlio, Vila Real e Viva o Povo Brasileiro. Depois, o Ubaldo enveredando na curiosa e arriscada aventura da legibilidade com obras instigantes e envolventes (e subestimadas) como O Sorriso do Lagarto, O Feitiço da Ilha do Pavão e Miséria e Grandeza do Amor de Benedita. Numa situação como essa, em que cada leitor parece se apegar a um dos Ubaldos, como avaliar o panorama geral sem prejudicar os aspectos particulares de cada faceta? Impossível saber a resposta, mas é quase certo que, ao republicar toda a obra de Ubaldo em seqüência num espaço de quase um ano a Alfaguara esteja criando a oportunidade de saber, afinal, e para aqueles que ainda possuem dúvidas, de que matéria predominante Ubaldo é feito.

O primeiro Ubaldo é, curiosamente, um modernista clássico. Ambicioso e radical, teórico e programático (como todos os grandes autores modernistas), abraçando a matéria social a partir de uma nova tensão com a forma, um Ubaldo que escreve buscando um difícil equilíbrio entre o vernacular e erudito e que deseja, abertamente, pensar o Brasil pela ficção. Cada um dos três primeiros romances é um tratado teórico sobre o Brasil, inscritos claramente num projeto nacional muito peculiar dos anos 1930-40 (o mesmo que influenciou Rosa), e buscando numa prosa de natureza denunciativa propor mudanças na sociedade brasileira. Todos os temas caros à sociologia do período estão nos romances desse primeiro Ubaldo: o racismo, a miscigenação, o conflito entre o público e privado, os limites da autoridade estatal, o vetor sincrético das relações sociais, a questão agrária, o poder político do latifúndio, etc., etc. São livros experimentais, laboratórios do pensamento político e sociológico, em que Ubaldo dilui com voltagem poética motivos de urgência de uma utopia nacional. O ótimo livro Política tem o subtítulo que denota o tom de Ubaldo quando escreveu esses três primeiros romances: ‘quem manda, por que manda, como manda’.

Sargento Getúlio é a grande narrativa sobre esse desmando geral. Um sargento da polícia militar deve transportar um adversário político até a cidade de Aracaju. Estamos no coração da violência do Estado, da ação total e impune que seus agentes possuem e utilizam na contenção de uma ordem que interessa a um grupo privado. O hábito enraizado da privatização do espaço público atinge nesse romance o mais alto grau de perversidade, sadismo e violência. Quem manda na política regional? Ubaldo está pensando a questão agrária, a questão do campo, tanto em Getúlio quanto Vila Real, e dando uma resposta mais rica que a sociologia poderia dar. Viva o Povo Brasileiro é a resposta ficcional a antropologia de Darcy Ribeiro – um livro que tenta pensar a experiência total da formação (e essa é a palavra adequada) do povo brasileiro, da sociedade brasileira. Livro de natureza fragmentária e acumulativa, com uma pletora impressionante de tipos sociais, o romance percorre quatro séculos da história brasileira e não há ponto capital e assunto importante que não repensa e reconstrói. Grande espelho partido que jamais fecha um sentido geral (ao menos no plano físico, já que as almas sempre retornam no romance), Viva o Povo assassina também qualquer possibilidade de seqüência do projeto anterior já que tanto em seu fenômeno circunscrito (Sargento Getúlio e Vila Real e os contos) quanto geral e amplo (o próprio Viva) e até teórico (o ensaio Política) Ubaldo esgota todos os veios com que se comprometeu inicialmente.

Para onde seguir? Há três escolhas: o enigmático e festejado silêncio (Nassar), a multiplicação coerente (e até certo ponto cosmética) das dificuldades estilísticas (Lobo Antunes, que cada vez se torna mais incomunicável), ou a pouco prestigiosa aventura pelo terreno da legibilidade (como fez Saramago). Se Ubaldo escolhesse o silêncio, ninguém teria dúvidas de sua grandeza criativa, que é espantosa; a multiplicação coerente das dificuldades manteria seu status quo entre os críticos entusiasmados e seu público restrito sem arriscar novos espaços; mas Ubaldo literalmente (e felizmente) meteu o pé na jaca e enveredou por uma abertura total ao humor, erotismo e jogo em sua narrativa. Antes, confrontado com a prosa de Vila Real, o leitor se coloca como diante de um artefato em exposição, perfeito e intocável. No mundo de O Sorriso do Lagarto e O Feitiço da Ilha do Pavão o leitor está mergulhado na matéria mesma do livro, rindo e se divertindo, enquanto realmente se importa com as personagens. O que é O Sorriso do Lagarto? Uma engenhosa mistura de romance policial com ciência ficção, com pitadas deliciosas de sacanagem e picardia. Estão ali temas sérios como racismo e desigualdade social, questões de saúde como o surgimento da aids, os limites éticos das experiências científicas, etc, etc. Mas o livro é de leitura compulsiva. O mesmo engenho com a linguagem de antes está presente, mas agora Ubaldo encena uma generosidade amadiana e carinho com as personagens até então inéditos.

O Feitiço da Ilha do Pavão é o lado B de Viva o Povo Brasileiro: tudo que é rotundo e taciturno e sério e dramático aparece agora num luxuriante festim de euforia, agitação, dinamismo. Romance histórico e sentimental, com a típica pitada literária de putaria que a baianada tem orgulho de assumir e o resto do Brasil tem vergonha de escancarar, o livro é uma maravilha. Depois de escrever literatura ?séria? como nenhum outro de seus contemporâneos das décadas de 1970-80, Ubaldo cria uma variação seminal riquíssima dos romances de maturidade de Jorge Amado: mantendo deles os jogos de corpos e sentidos, certos motivos e agilidade narrativa, mas dando um passo além ao dedicar aos temas vulgares e quotidianos uma prosa invulgar e prestimosa (exatamente como García Márquez, por exemplo). Se há uma semente verdadeiramente seminal de uma grande prosa de entretenimento no Brasil, o mesmo Ubaldo hermético de Vila Real contraditoriamente a plantou e semeou com zelo de mestre na década de 1990. O produto mais bem acabado desse segundo Ubaldo é Miséria e Grandeza do Amor de Benedita. Equivale na obra de Ubaldo o que A Descoberta da América Pelos Turcos é na obra de Jorge Amado: uma sublime e iluminada realização da leveza, generosidade e alegria criadora que não ultrapassa meras 100 páginas mas contagiam uma vida. Ubaldo ainda quer delimitar ‘quem manda, por que manda, como manda’ no Brasil (principalmente no recôncavo baiano), e tem um agudo olhar afiado para as mazelas e os mecanismos de dominação político, mas agora também se pergunta, sacanamente, ‘quem come quem?’, e essa pergunta é toda uma festa.

Grandes autores brasileiros arriscaram antes mudanças de tom em suas obras. Após o livro-limite Grande Sertão: Veredas a prosa de Rosa caminhou para os mais tímidos e discretos vocábulos e sintaxes de Tutaméia e Estas Estórias, o vibrante e experimental Osman Lins (e a morte precoce de Lins é a maior tragédia literária brasileira, nossa maior perda cultural) após Avalovara e A Rainha dos Cárceres da Grécia planejava para A Cabeça Levada em Triunfo uma narrativa de aventuras com cangaceiros e muitos tiros, e até mesmo Lispector, a grande rainha do hermetismo, flertou abertamente no final de sua vida com a literatura erótica e sentimental tanto em A Via-Crúcis do Corpo quanto em seus microcontos para jornais e revistas. Nenhum outro autor, no entanto, bancou e assumiu com tanta insistência essa mudança quanto João Ubaldo Ribeiro a ponto de parecer mais um rompimento radical que uma mudança natural de curso. E essa talvez seja a imagem geral que se tenha em breve de Ubaldo Ribeiro com as reedições de sua obra: um grande criador com um pé em Guimarães Rosa e Graciliano Ramos e outro em Jorge Amado e Érico Veríssimo, inteiramente ele mesmo, rindo e se divertindo ao criar em quase quatro décadas uma das obras mais fascinantes e ricas (e deliciosamente incoerente) de nossa recente literatura.

Vinicius Jatobá é crítico literário’

 

 

REVISTA DAS REVISTAS
Francisco Quinteiro Pires

O filósofo, que já foi moda, falava de uma nova humanidade

‘A memória sobre Herbert Marcuse chegou enfraquecida ao presente, quando se comemoram as quatro décadas do Maio de 68, aquela vaga revolucionária que, manipulações ideológicas à parte, mostrou aos indivíduos a possibilidade concreta de imaginar outro mundo. O que se discutia, então, era principalmente a liberdade. E Marcuse, com o clássico Eros e Civilização, estava na ponta da línguas dos jovens revolucionários.

Ignorá-lo é ver, de modo parcial, o significado de 1968, quando se cogitou que a imaginação devia ocupar o poder. Não por outro motivo, o dossiê da Cult (nº 127, 66 págs., R$ 9,90) deste mês tem o título Reorganizar a Emancipação. O editor de filosofia da revista, Eduardo Socha, escreve que as circunstâncias políticas e sociais não explicam sozinhas o levante de estudantes e operários. A explicação começa a ficar mais interessante quando se lembra que o sentimento de inconformismo e o desejo de libertação se misturaram às idéias radicais de pensadores universitários.

Nesse ambiente emerge o filósofo alemão Herbert Marcuse (1898-1979), um dos três ‘Ms de 68’, ao lado de Marx e Mao, que se aventurou a pensar as inquietudes da razão e da emoção, cruzando Freud com marxismo. Em A Era dos Extremos, Eric Hobsbawm registra que aquele trio perde, em número de citações pela imprensa nos anos 1960 e 70, somente para Che Guevara.

No Brasil, além de Eros e Civilização (LTC, 232 págs., R$ 53), as livrarias têm as obras Cultura e Sociedade – v. 1 (Paz e Terra, 201 págs., R$ 32,50) e v. 2 (idem, 201 págs., R$ 34) ; Razão e Revolução – Hegel e O Advento da Teoria Social (Paz e Terra, 380 págs., R$ 54,50); A Dimensão Estética (Edições 70, 72 págs., R$ 43); e Tecnologia, Guerra e Fascismo (Unesp, 372 págs., R$ 50).

Sabe-se que, depois de a onda de rebeldia ter passado, veio a maré do conservadorismo, em que a toada é o pensamento único, o fim da história e a salvação pela economia de mercado e a sociedade de consumo.Como lembra Jorge Coelho Soares, professor de psicologia na UERJ, em O Filósofo Refratário, um dos cinco ensaios do dossiê, Marcuse se tornou uma ‘mercadoria de grande aceitação’ em um ambiente onde se discutia muito, mas se lia pouco. A animação com as teorias marcusianas, citadas para falar de uma sociedade que não reprimia, arrefeceu a partir dos anos 80, perdendo espaço na academia para o pensamento pós-estruturalista. Coelho Soares relaciona o contato brasileiro com as obras de Marcuse ao processo de abertura intelectual do País.

Professor de filosofia da UFSCar, Wolfgang Leo Maar aponta a distinção do pensamento de Marcuse: em vez de contrapor, ele ‘vincula a democracia e a revolução de modo essencial’.

Em Viver Bem, Viver Melhor, Robespierre de Oliveira, um dos tradutores da obra marcusiana no Brasil, fala da releitura da filosofia pelo pensador alemão com a finalidade de apontar para a transformação utópica, e possível, da realidade social. Marcuse dizia que, embora os indivíduos soubessem que eram oprimidos, eles não tinha idéia de como se livrar da opressão.

Rodrigo Duarte, professor da UFMG, traça um panorama das reflexões estéticas de Marcuse, para quem havia um potencial subversivo maior na poesia de Rimbaud e Baudelaire do que nas peças didáticas de Brecht. Tecnologia e Política em Marcuse, de Marilia Mello Pisani, da Universidade Mackenzie, é uma síntese da crítica marcusiana à celebrada razão instrumental e à suposta neutralidade do desenvolvimento técnico-científico. Essas mudanças afetaram a estrutura da sociedade e do indivíduo. Questioná-las, para Marcuse, é a oportunidade de pensar na concepção de uma ‘nova humanidade’.’

 

 

RESENHA / RAZÕES DE ESTADO
Leonardo Trevisan

Chomsky, o rebelde com causa

‘O começo de um jeito pacifista de ser, aquela constante reação contra a lógica da guerra, seja ela qual for, é sempre muito diferenciado. No caso de Noam Chomsky esse sentimento começou, segundo entrevista a James Peck, no dia em que Hiroshima foi bombardeada. Ele tinha 16 anos e estava em um acampamento de verão. Ao ouvir a notícia, saiu de perto dos colegas por não entender a reação deles. Recordando: ‘Estava completamente isolado’, não conseguindo falar com ninguém.

É possível pensar que Chomsky nunca se recuperou dessa sensação de ser opinião isolada. O lingüista consagrado (chefe do Departamento de Lingüística e Filosofia do Massachusetts Institute of Technology) é também o pacifista que desde a Guerra do Vietnã cobra do poder americano uma outra política para a convivência dos EUA com o restante do mundo. É curioso, mas no auge da luta antiguerra do Vietnã, Chomsky notou que era preciso ‘influenciar decisões’ para mudar a opinião do poder de fazer a guerra. Ou, dito de outro modo, era preciso romper o isolamento dos que eram contra a guerra, para acabar com ela.

O pensador destacou a importância do depoimento do almirante Thomas Moorer, na Comissão das Forças Armadas do Congresso, em abril de 1972, quando advertiu: ‘Se as restrições internas fossem relaxadas’, os EUA teriam a opção de bombardear o porto de Haifong e cortar o abastecimento do Vietnã do Norte. Um deputado explicou o que eram as restrições internas de que falava o almirante: ‘As atividades do movimento pacifista e da imprensa.’ Chomsky percebeu que aumentar as restrições internas antiguerra era o método mais eficiente para mudar as decisões que a impulsionavam.

Em Razões de Estado, livro publicado pela Editora Record, o lingüista discute essa percepção, primeiro dentro do movimento pacifista. Por exemplo, ele nota que quando a ‘rebeldia’ diminuía, como no verão de 1971, a destruição na guerra aumentava. Esse é o ponto relevante para Chomsky: como manter o ativismo, isto é, como enfrentar o isolamento dos que estão contra as decisões oficiais? Ele sempre pretendeu cobrar a responsabilidade do cidadão diante do que considera ‘crimes de estado’.

Chomsky está interessado em investir na emoção e na razão para combater a ‘ideologia dominante’ que, na sua visão, sustenta a guerra. Para a emoção, o lingüista reservou trecho da entrevista de um piloto de caça sobre a eficiência do napalm que, segundo ele, ‘não era grande coisa’ porque bastava que o vietcongue raspasse o local atingido. Quando foi adicionado poliestireno, o piloto aprovou, porque o napalm passou a ‘grudar na pele’, mas ainda era ineficiente em sua visão, pois bastava mergulhar na água que ele parava de queimar. Desde então, foi adicionado fósforo branco no produto e aí ‘ele queimava debaixo d?água e até os ossos’.

Já a perspectiva racional do movimento antiguerra ficou por conta, primeiro, da discussão sobre o direito dos EUA de interferir nos assuntos dos outros países, a partir da tese de que o direito dos povos ganhava precedência sobre os direitos dos governos soberanos. Desse modo, o povo do Vietnã do Sul podia ser defendido pelos EUA porque ele fora atacado pelo Vietnã do Norte, conceito que Chomsky condena evocando até os ‘princípios de crimes de guerra’, base dos Julgamentos de Nuremberg.

O segundo argumento racional contra a guerra vem da criteriosa análise dos chamados ‘Papéis do Pentágono’. O interesse do lingüista nesses documentos era dissecar a ‘percepção da guerra em Washington’. O ponto central para Chomsky era a decisão do governo em estender, de modo indiscriminado, o bombardeio aéreo, inclusive sobre o território do Vietnã do Norte. A lógica era obrigar a saída da população dos milhares de vilarejos, ‘acabando com a base de apoio popular dos vietcongues’. O mecanismo dessa decisão era bem simples: ‘Nada de aldeias, nada de guerrilheiros.’ Sem esquecer a acurada análise econômica da guerra nesses papéis. No começo dos anos 1970, o Pentágono reconhece: ‘Se os custos tivessem sido realmente previstos, a Guerra do Vietnã não teria sido empreendida.’ É nessa dinâmica, como notou Chomsky, que a ‘saída do Vietnã’ era discutida em Washington.

O lingüista faz uma carga bem pesada contra Skinner, o defensor do comportamentalismo, identificando o risco de planejar o mundo em que o comportamento a ser punido sequer ocorria, uma vez que a ‘eficácia das técnicas de controle’ eram tais que ‘tornariam o mundo mais seguro’. Essa crítica tem alvo definido, o mecanismo da ‘teoria do dominó’, sugerindo que nenhuma concessão podia ser feita em nome do bom comportamento geral. Nesse quadro, Chomsky retoma até mesmo o debate entre o anarquismo e a necessidade do exercício do poder de Estado do pensamento socialista.

A idéia da desobediência civil efetivamente encantou Chomsky, ao longo do tempo, não só na luta contra a guerra. É fato também que a tese do ‘um, dois, três, muitos Vietnãs’ apenas não vingou. Hoje, os EUA são o maior investidor financeiro no Vietnã unificado, que os derrotou há pouco mais de 30 anos. No entanto, no prefácio do livro, a escritora indiana Arundhati Roy previu que o trabalho de Chomsky sobreviverá ao próprio império americano, como uma lembrança impiedosa de seus feitos maus. É um legado relevante para um crítico tão dedicado.

Leonardo Trevisan é jornalista e professor da PUC-SP, autor, entre outros, de Educação e Trabalho

Razões de Estado

Noam Chomsky

Tradução de Vera Ribeiro

Record, 504 págs., R$ 60′

 

 

ARGENTINA
O Estado de S. Paulo

Casal tem relação difícil com imprensa

‘‘Está indo tudo bem com a gente. Quando as coisas forem mal, chamaremos vocês.’ Com estas palavras, em três ocasiões ao longo dos últimos cinco anos, assessores do casal Kirchner indicaram ao ?Estado? que os contatos com a imprensa não eram considerados uma necessidade, muito menos uma obrigação.

Cristina considera que um líder deve falar diretamente ao povo, sem intermediários. Por isso, utilizou comícios para dar seus recados à população. Desde 2003, quando chegou ao poder com a posse Néstor Kirchner, o casal rejeitou a realização de coletivas – falou apenas a um pequeno grupo de jornalistas de veículos aliados. Os Kirchner, em diversas ocasiões, acusaram a imprensa de ser ‘golpista’. Organismos de defesa da liberdade de imprensa criticaram os Kirchner por fornecer publicidade oficial somente para os meios de comunicação que não os critiquem.’

 

 

ELEIÇÕES / EUA
Patrícia Campos Mello

‘Obamania’ não se traduz em votos

‘Barack Obama, candidato democrata à Casa Branca, é capaz de fazer comícios para 70 mil pessoas, causar comoção em um giro pelo exterior e atrair horas de programação televisiva. Dito assim, até parece que ele tem a eleição no bolso. Apesar do frisson em torno de sua candidatura, porém, ele mantém uma vantagem mínima sobre seu adversário, o republicano John McCain.

Na média nacional de pesquisas do site Real Clear Politics, Obama está com 46,5%. McCain tem 43,9% – um diferença de 2,6 pontos porcentuais. A disputa apertada se repete em outras sondagens. Obama lidera nas pesquisas das redes de TV CNN (51% a 44%), Fox (41% a 40%), na dos institutos Pew (47% a 42%), Rasmussen (47% a 46%), e empata com McCain na do Gallup (44% a 44%).

No entanto, especialistas afirmam que ele deveria estar pelo menos 10 pontos à frente. ‘Os democratas deveriam estar goleando, mas não estão’, disse Terry Madonna, diretor do centro de política do Franklin and Marshall College. A razão da vantagem do democrata é que tudo está a seu favor. A economia vai mal, os americanos são contra a guerra no Iraque e estão cansados da presidência de George W. Bush. Então, o que falta para Obama ultrapassar a barreira dos 50%?

‘Ele nunca foi testado, as pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre Obama’, disse Stephen Hess, do Brookings Institution. ‘Os eleitores independentes e os republicanos menos convictos ainda estão examinando os dois candidatos. Cabe a Obama convencê-los de que está à altura do cargo de presidente.’

Quando o assunto é o desempenho de Obama, o nome do republicano Ronald Reagan logo vem à mente dos analistas. Na eleição de 1980, Reagan, um veterano ator de Hollywood, era o político carismático concorrendo contra um presidente impopular, o democrata Jimmy Carter. Embora tivesse mais experiência que Obama – Reagan foi duas vezes governador da Califórnia -, o ex-galã de cinema era tido como inexperiente. ‘A essa altura, na eleição de 1980, Carter estava à frente de Reagan. Em certo ponto, porém, houve uma virada’, disse Hess.

A vantagem de 5 pontos é considerada pequena – em geral, as pesquisas têm uma margem de erro de 3 pontos. ‘É uma eleição muito apertada’, afirmou Juliana Horowitz, pesquisadora do Pew Research Center. ‘Mas ainda é cedo. Normalmente, as coisas só se decidem após as convenções, quando as pessoas voltarem das férias de verão (que acabam em setembro).’ Para Juliana, uma fatia do eleitorado que resiste a Obama são as mulheres mais velhas, eleitoras de Hillary Clinton, derrotada por ele nas primárias do partido.

Terry Madonna diz que a decisão esta nas mãos de Obama. ‘Ele ainda precisa convencer muita gente ou as pessoas votarão em McCain.’ Por isso, o clima de ‘já ganhou’ não é bom para o democrata. Os republicanos, aproveitando escorregões de Obama, tentam vendê-lo como um candidato presunçoso. Em uma reunião com líderes democratas esta semana, Obama disse que ele havia se tornado ‘um símbolo da volta das melhores tradições da América’. Muitos dizem até que ele já teria formado uma equipe de transição de governo. ‘Obama precisa provar que tem confiança para ser presidente, mas existe uma linha tênue entre confiança e presunção’, afirmou Terry.’

 

 

INTERNET
Renato Cruz

Um buscador que entende o que lê

‘Os mecanismos de busca da internet trabalham com palavras-chave. Eles não têm a menor idéia do significado do que está escrito nas páginas. O mais popular, do Google, usa um sistema de relevância baseado nos links que cada página recebe. Uma nova geração de buscadores promete sistemas que entendem, ainda de maneira básica, o que está escrito na página. A Powerset, pequena empresa americana da área de busca semântica, foi comprada no mês passado pela Microsoft. Ela é a aposta da companhia de Bill Gates para enfrentar o Google.

‘Os mecanismos de busca se tornaram o ponto de entrada das pessoas na internet’, explicou Barney Pell, fundador e presidente da Powerset, em entrevista por telefone. A força do Google vem da venda dos anúncios que acompanham os resultados das buscas. Por causa disso, a Microsoft tentou comprar o Yahoo e acabou comprando a Powerset.

A tecnologia da Powerset foi licenciada do Palo Alto Research Center (Parc), centro de pesquisas da Xerox. Na década de 1970, o Parc criou a interface gráfica do usuário, sistema computacional baseado em imagens que, na década seguinte, foi incluído no Macintosh, da Apple, e no Windows, da Microsoft. A pesquisa sobre uma interface de linguagem natural, que deu origem à tecnologia de busca semântica, começou há 30 anos. ‘Quando eles começaram, sabiam que seria muito mais difícil fazer uma interface conversacional, ou de linguagem natural, do que a interface gráfica do usuário’, disse Pell.

O executivo, que também é pesquisador de inteligência artificial, explicou como o sistema funciona. ‘Depois de 30 anos de pesquisa, chegamos a um ponto em que os computadores podem, num nível bastante básico, entender a linguagem humana’, disse Pell. ‘Eles não conseguem entender tudo, mas hoje podem ler e extrair as relações semânticas centrais de um documento ou da busca do usuário.’ Ou seja, o sistema consegue identificar relações entre conceitos que existem no texto.

O sistema percebe, por exemplo, que a mesma palavra pode ter sentidos diferentes, e que palavras diferentes podem significar a mesma coisa. Ou que uma palavra ou expressão podem ter o sentido contrário de outra.

‘O que a Powerset faz é ler cada frase, uma por vez, para extrair dela muitas relações semânticas’, afirmou o executivo. ‘Nós incluímos na tecnologia o funcionamento básico de determinada língua, como o inglês, com a regras gramaticais e uma espécie de dicionário.’

Por causa disso, o sistema precisa ser adaptado para cada língua existente na web. ‘O algoritmo central é independente da língua’, explicou Pell. ‘Ele entende como a linguagem humana funciona de uma forma básica, da mesma forma que um bebê, independente de onde tenha nascido, entende como a linguagem funciona, porque é humano. Mas, como o bebê, o sistema precisa aprender as regras e as palavras específicas de cada linguagem.’

A Powerset lançou em maio seu primeiro produto, que faz buscas na Wikipedia. Quando a aquisição for concluída, a tecnologia da empresa deve ser incluída nos produtos da Microsoft.

A aplicação da tecnologia não se restringe a buscas. Ela pode ser usada como interface de computadores e celulares, que começariam a entender comandos falados em linguagem natural. ‘O iPhone mostrou como os celulares serão um meio cada vez mais importante de acesso à internet’, disse Pell. Outra possibilidade é aplicar a busca semântica a documentos digitalizados das empresas.

A expectativa é que a tecnologia esteja presente nos produtos da Microsoft até o fim deste ano. ‘Estamos muito animados’, contou o executivo. ‘Com os recursos da Microsoft, nosso serviço vai conseguir indexar um pedaço muito maior da internet.’

PUBLICIDADE

O executivo vai participar do evento Search Marketing Expo, que acontece nas próximas quinta e sexta-feira em São Paulo. Além de explicar o que é a busca semântica, ele dará exemplos de como ela se aplica à publicidade. Se um anunciante vende roupas de times de futebol, por exemplo, sem a busca semântica ele precisa escolher muitas palavras-chave, que correspondam às diversas peças de roupa e aos nomes dos times de futebol. Com ela, poderá comprar a expressão ‘roupas de times de futebol’ e o sistema entenderá o conceito, mesmo que essas palavras não estejam presentes na busca digitada pelo internauta ou nas páginas do resultado de busca.

O Google preferiu não comentar a tecnologia. No mês passado, publicou em seu blog oficial uma estimativa de que a web alcançou 1 trilhão de endereços únicos. O número não inclui endereços que apontam para a mesma página ou para páginas iguais. A empresa calcula que a internet ganha vários bilhões de páginas por dia. Em 1998, o primeiro índice do Google tinha 26 milhões de páginas. Em 2000, chegou a 1 bilhão.’

 

 

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O tamanho da web

‘1 trillhão

é o total de páginas de internet identificadas pelo Google. O número não inclui páginas duplicadas ou endereços que apontam para a mesma página

1 bilhão

era o número de páginas da web identificadas pelo Google até o ano 2000

26 milhões

de páginas tinham sido indexadas pelo Google em 1998, quando a empresa começou

10 anos

foi o tempo que demorou para chegar ao mercado a interface gráfica do usuário, sistema de computação baseado em imagens, como o Macintosh, da Appple, e o Windows, da Microsoft

30 anos

foi quanto levou para ser lançado um sistema comercial baseado na interface de linguagem natural, em que o computador busca entender o signficado das frases’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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